PARTE ESPECIAL
TOMO LIX
TÍTULO III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
(continuação)
CAPÍTULO XX
TESTAMENTO PÚBLICO
§ 5.867.Leitura e assinatura do testamento público. 1.Leitura pelo oficial público. 2. Assinatura do ato público pelo
testador.3. Prova que faz o testamento público. 4.Essencial do eurema
§ 5.868.Analfabeto e quem não pode assinar. 1. Quem não sabe ou não pode assinar. 2. Analfabeto no direito
romano e no direito comum. 3. Analfabeto no direito alemão, no austríaco e no suíço. 4. Natureza do testamento no
Código Civil, art. 1.633. 5. Leitura do testamento ao analfabeto. 6. Testador que não sabe ou não pode assinar. 7.
Testemunha no testamento previsto pelo Código Civil, art. 1.633. 8. Declaração de assinar a rôgo do testador
§ 5.869.Formalidade e porte por fé. 1. Exigências formalísticas e menção exigida. 2. Especificação das
formalidades. 3. Responsabilidade do oficial. 4. Ações dos lesados pela nulidade
do testamento
§ 5.870.Declarações de viva voz e exação da lavratura. 1. Aptidão pela fala. 2. Incapacidade de falar, de ver e de
ouvir. 3. Mudez, impossibilidade de falar e testamento. 4. Revisão da doutrina
§ 5.871.Surdo que sabe ler e surdo que o não sabe. 1. Surdez e leitura do testamento. 2. Surdo que lê e surdo que
não lê. 3.Assinatura do surdo. 4. Capacidade do ledor do testamento do surdo que não lê. 5. Se o ledor é oitavo
figurante.
6.Se o ledor, que sabia a linguagem dos surdos, leu para si, e não para o surdo. 7. Surdo-cego e a forma de tes
tamento
§ 5.872.Testamento público do cego. 1. Permissão especial da testamenticação. 2. Assinatura do cego e
dispensabilidade
§ 5.873. Considerações finais sâbre testamento público. 1. Precisões. 2.Direito canônico. 3.Essencialidade dos
pressupostos.4.Direito intertemporal.5. Direito internacional privado. 6.Ordem pública e testamento público
CAPITULO XXI
TESTAMENTO CERRADO
§ 5.874.Requisitos essenciais. 1. Regra jurídica especial. 2. Direito anterior. 3. Espécie de testamento notarial. 4.
Leis estaduais anteriores à unidade do processo. 5. Solenidades distintas
§ 5.875.Cédula testamentária para o testamento cerrado. 1. Forma da cédula testamentária. 2. Capacidade para
testar e outros requisitos. 3. Testamento escrito a rôgo. 4. Escrita do testamento por outrem. 5. Assinatura do
testador. 6. Assinatura a rôgo. 7.. Fôlha em que se escreve. 8. Oficial público e disposição testamentária. 9. Segrêdo
e testamento cerrado
§5.884. Direito intertemporal e testamento cerrado. 1. Duas fases. 2.Direito intertemporal e fase de imperfeição. 3.
Direito intertemporal e aprovação. 4. Direito intertemporal, abertura, registo e arquivamento do testamento cerrado
TESTAMENTO PARTICULAR
§ 5.886.Dados históricos sobre o testamento particular e o texto legal. 1. “Testamentum holographum”. 2. Texto
legal. 3. Direito anterior
§5.887. Conceito de testamento particular. 1. Negócio jurídico do testamento. 2. “Animus testamentum faciendi”
§5.888.Testamento particular no direito brasileiro. 1Holografiae assinatura. 2. Defeitos de atividade legislativa3.
Direito estrangeiro
§ 5.889.Precaução de ordem metodológica. 1. Precisões. 2. Exigência da lei brasileira
§ 5 890.Requisitos só eventualmente essenciais. 1. Técnica legislativa. 2. Data. 3. Unidade do ato, no testamento
particular
§ 5.891.Requisito intrínseco da aptidão para fazer testamento particular. 1. Vedações. 2. Holografia
§ 5.892.Requisitos formais (essenciais) do testamento particular.
1.Direito cogente e interpretação. 2. Primeiro requisito formal. 3. Holografia das disposições testamentárias. 4.
Questões que surgem. 5. Testamento estrito com caracteres secretos. 6. Holografia da assinatura. 7. Requisito
essencial da leitura às cinco testemunhas. 8. Assinaturas das testemunhas
§ 5.893.Cuidados ocasionais. 1. Expedientes úteis. 2. Reconhecimento da letra e das assinaturas. 3. Invólucro e
testamento particular. 4. Têm-se de afastar os inconvenientes das regras jurídicas. 5. Depósito do testamento
particular. 6. Questão de ordem, estranha ao direito brasileiro. 7. Pluralidade de exemplares
§ 5.899.Direito internacional privado e testamento particular. 1. Forma extrínseca. 2. Aplicação da regra jurídica
“locus regit actum” aos testamentos particulares. 3. Apátrídes. 4. Nacionalidade múltipla, se a lei pessoal é a “lex
patriae”. 5. Mudança de nacionalidade. 6. Vedação de ato do testamento particular. 7. Caso especial do menor
brasileiro alhures. 8.Testamento particular do estrangeiro no Brasil. 9. Requisito da holografia e natureza jurídica
da exigência. 10. Exigência formal da data. 11. Questão relativa à dispensa de testemunhas. 12. Exigência de
autenticidade e vigência da forma sómente partícular em Estado da “lex loci”
CAPÍTULO XXIII
TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS
§ 5.900.Regras jurídicas sôbre testemunhas testamentárias. 1. Texto legal. 2. Formas testamentárias e testemunhas
no direito dos séculos passados. 3. DIreito anterior e capacidade testemunhal. 4. Número das testemunhas e
unidade do ato, no direito anterior
§ 5.901.Função e requisitos das testemunhas. 1. Funções ínstrumentárias. 2. Conhecimento do testador pelas
testemunhas instrumentárias. 3. Precaução metodológica para a interpretação do texto legal. 4. Incapacidade
absoluta das testemunhas.
5.Instrumentariedade das testemunhas e testemunho probatório. 6. Surdos e mudos, e surdos-mudos. 7. Analfabeto
e incapacidade euremátíca. 8. Escreventes e empregados dos cartórios
§ 5.902.Incapacidade relativa às ligações de herdeiros e legatários e pessoas a áles ligadas. 1. Ligações. 2.
Parentes em linha reta, irmãos e cônjuge do herdeiro. 3. Herdeiros legítimos, herdeiros instituidos e legatários,
testemunhas noutra cédula. 4.Herdeiro instituído, ainda que “ex certa re”. 5. Legatário não pode ser testemunha em
testamento. 6. Desquitado, herdeiro instituído ou legatário e cônjuge. 7. Testemunhas testamentárías: tutôres e
testamenteiros. 8. Noivados, amizade íntima, inimizade capital. 9. Testamento do pai da testemunha. 10. Pai,
testemunha no testamento do filho.
CAPITULO XXIV
CODICILO
§ 5.908.Conceito e origem do codicilo. 1. Conceito inicial de codicilo. 2.Codícílo no direito romano. 3. Definição
de codicílo. 4.Distinção entre codicilos e epístola. 5. Codícílos no velho direito peninsular. 6. Direito
contemporâneo a respeito de codícílos. 7. Visão panorâmica das três soluções contemporâneas. 8. Possibilidade da
cláusula codicilar no direito brasileiro
§ 5. 909.Codicilo e pressupostos formais e contenutísticos. 1. Texto legal sôbre codicilo. 2. Fonte da regra jurídica.
3. Direito anterior. 4. Requisitos formais dos codicílos. 5. Codícilo por forma pública. 6. Requisites subjetivos e
contenutistícos dos codicilos. 7. Disposição em codicilos. 8. Apreciação quantitativa das deixas codícilares. 9.
Direitos de terceiros e codicilo. 10. Direito romano
§ 5.912.Codicilo fechado. 1. Texto legal. 2. Alcance da regra jurídica. 3. Codicilos noutros sistemas jurídicos
§ 5.913.Cláusula codicilar. 1. Conteúdo da cláusula. 2. Cláusula codicilar e conversão. 3. Cláusula codicilar e
conservaçao.4.Cláusula codicilar no direito romano. 5. Direito anterior e cláusula codicilar. 6. Natureza de cláusula
codicilar (cláusula ou pressuposto). 7. Onde e como opera a cláusula codicilar. 8. Casos particulares relevantes
§ 5.914.Direito intertemporal e codicilos. 1. Questões que surgem.2.Lei anterior proibitiva e lei posterior
permissiva. 3. Leia nterior permissiva e lei posterior proibitiva. 4. Cláusula codicilar e direito intertemporal
§ 5.915.Direito internacional privado e codicilos. 1. Posição do problema. 2. Formas extrínsecas do codicilo. 3.
Formas intrínsecas e efeitos dos codícilos. 4. Cláusula codicilar e direito
internacional privado
CAPÍTULO XXV
TESTAMENTOS ESPECIAIS
§ 5.917.Outros testamentos especiais. 1. Considerações “de iure condendo”. 2. Testamento “inter liberos”. 3.
Testamento rural. 4. “Testamentum ad pias causas”. 5. Testamento em tempo de peste. 6. Vista panorâmica dos
testamentos especiais
§ 5.918.Testamentos especiais no Código Civil. 1. Limitação. 2 Dispensas e exigências
SEÇÃO 1
TESTAMENTO MARÍTIMO
§ 5.919.Texto legal e conteúdo. 1. Texto legal. 2. Legitimação subjetiva. 3. Escolha das testemunhas para o
testamento maritima. 4. Responsabilidade do oficial público extraordinário. 5.Navios de guerra ou mercantes. 6.
Testamento em viagem aérea
SEÇÃO II
TESTAMENTO MILITAR
§ 5.923.Texto legal e conteúdo. 1. Texto legal. 2. Critério subjetivo e objetivo do texto legal. 3. Interpretação da lei.
4. Mulher do soldado que se acha nas tropas. 5. Caso especial
das manobras militares. 6. Aviador militar e testamento.7.Oficial do testamento público militar
§ 5.924.Exigência da holografia. 1. Texto legal. 2. Exigência de nota. 3. Explicação da natureza da regra jurídica
§ 5.925.Caducidade do testamento militar. 1. Texto legal. 2.Entendimento da regra jurídica
§ 5.926.Testamento militar nuncupativo. 1. Texto legal. 2. Pressupostos para a testamentifação nuncupativa. 3.
Gases asfixiantes e outros meios de guerra. 4. Nuncupatividade ~ Marinha. 5. Caducidade do testamento
nuncupativo .
§ 5.927.Direito estrangeiro. 1. Testamento dos militares e marinheiros no direito inglês. 2. Testamentos especiais
no direito argentino. 3. Testamento do militar no direito suíço. 4. Testamento militar no direito alemão. 5.
Testamento marítimo no direito alemão
Direito intertemporal. 1. Precisões. 2. Conservação e conversão em casos de testamentos “inter liberos”
Direito internacional privado. 1. Testamentos extraordinários. 2. Testamento nuncupativo. 3. Prazos suspensivos e
resolutivos. 4. Estrangeiro em navio de guerra ou mercante do Brasil
§ 5.930.Testamentos “in fraudem legis”. 1. Regra jurídica local e regra jurídica do momento. 2. Formas
testamentárías e fraude à lei em direito intertemporal. 3. Fraude à lei em direito internacional privado
CAPÍTULO XXVI
§ 5.933.Testamento cerrado e “unitas actus”. 1. Conceito. 2.Partes temporais. 3. Direito romano. 4. “Unitas
actus”.5. Ordenações Afonsinas. 6. Ordenações Filipinas.7.Espéciesde testamentos. 8. Perfeição e entrega349
§ 5.934. Testamento particular e “unitas actus”. 1. Particularidade do testamento. 2. “Unitas actus”
§ 5.935.Testamentos especiais, codicilos e “unitas actus”. 1.Testa-mentos especiais do direito brasileiro. 2.
Testamentomilitar.3.Codicilo361
§ 5.936.Ausência e “unitas actus”. 1. Precisões. 2. Razões dasaída.3.Casos em exame
CAPITULO XXVII
§ 5.937.Precisões iniciais. 1. Matérias em exame. 2. Vida dos testamentos. 3. Espécie de invalidação e ineficácia
dos testamentos. 4. Distinções de grande importância técnica....
§ 5.938.Regras jurídicas sôbre revogação dos testamentos. 1. Texto legal. 2. Fonte. 3. Aplicação moderna do
princípio. 4. Ato jurídico do testamento. 5. Perda de eficácia do testamento
§ 5.939.Forma e revogação. 1. Forma de revogação dos testamentos. 2. Revogação nos Códigos Civis de hoje. 3.
Formado testamento anterior e forma da revogação. 4. Origem das revogações por escritura em notas. 5.
Revogação por escritura pública, se é possível. 6. Escritura pública. 7. Escritura pública com o formalismo do
testamento. 8. Escritura particular. 9. Revogação nua. 10. Revogação condicionada. 11. Codicilos e revogações dos
testamentos. 12. Revogabilidade da revogação. 13. Dificuldade
§ 5.940.Revogação total e revogação parcial. 1. Texto legal. 2. Critério metodológico. 3. Revogação parcial. 4.
Revogação parcial nos Códigos Civis de hoje. 5. Revogação pode só se referir a pormenores. 6. Velhas questões de
intuito revogatório. 7. Reexame global das questões de atos impedidos ou frustrados. 8. Aplicação dos princípios
anteriormente invocados. 9. Extensão do ato ou cláusula revogatória. 10. Casos de destruição parcial do ato
revogatório
§ 5.941.Infirmação ou subsistência. 1. Texto legal. 2. Infirmação dos testamentos. 3. Três sistemas. 4. Contradição
material e contradição intencional. 5. Caracterização da incompatibi-lidade das disposições. 6. Alcance da regra
jurídica. 7. Testamento posteriorsem objeto. 8. Testamentos da mesma data..942.9. Atos “inter vivos” e testamentos
anteriores 395
§ 5.942 Sucessivos testamentos. 1. Sucessividade e revogação. 2. Posição do principio
§ 5.943. Caducidade e nulidade. 1. Dois conceitos. 2. Texto legal. 3.Fonte. 4. Campo de aplicação da regra jurídica.
5. Revogação e infirmação. 6. Se a nulidade é formal, não se pode cogitar de conversão. 7. Nulidade do testamento
e nulidade das disposições
§ 5.944.Atacabilidade material (destrução, dilaceração, queima, cancelamento material). 1. Ocorrências. 2. Texto
legal. 3. Fonte. 4. Direito romano: civil e pretório. 5. Doutrina anterior ao Código Civil. 6. Códigos Civis do século
XIX. 7. Infirmação e revogação, diversidade dos conceitos. 8. Atos que são disposições de última vontade. 9.
Atacabilidade material do ato testamentário. 10. Representação e instrumentalidade na espécie da regra jurídica. 11.
Espécies de ataque ao instrumento testamentário. 12. Palavras cancelatórias e “animus revocandi”. 13. Atos
destrutivos já depois da morte do testador. 14. Testamento público e regra jurídica sôbre abertura de testamento
cerrado. 15. Testamento cerrado e a regra jurídica especial. 16. Testamento particular e regra jurídica sôbre abertura
de testamento cerrado. 17. Cancelações, riscos e borraduras capitais. 18. Em que consiste a presunção da lei quanto
à abertura de testamento cerrado. 19. Ato destrutivo que não vale revogação. 20. Multiplicidade de exemplares do
testamento. 21. Ônus da prova. 22. As altera-
ções e as destruições parciais. 23. Rasuras, alterações e destruições parciais no testamento público. 24. Rasuras,
alterações e destruIções parciais no testamento cerrado. 25. Rasuras, alterações e destruições parciais no testamento
particular
§ 5.945.Nulidades das revogações “ipso facto”. 1. Capacidade, vontade livre e sem defeitos. 2. Anulabilidade por
defeito de vontade
§ 5.946. Ruptura dos testamentos. 1. “Ruptio”. 2. Texto legal.
3.Direito romano. 4. Direito das Ordenações. 5. Códigos Civis próximos. 6. Códigos Civis de outros povos (Codígo
Civil austríaco, Código Civil alemão, Código Civil suíço)
7.Posição sistemática dos textos legais. 8. Se as regras jurídicas são de presunção absoluta, ou se às vêzes não
incidem. 9. Distinção a respeito dos póstumos. 10. Cláusula do testamento prevenindo a ruptura. 11. Questão
preliminar: o que ocorre com a premorte do superveniente ou aparecido constituí convalescença? 12. Persistência
do testamento. 13.Pressupostos da regra jurídica. 14. Casos de legitimação, adoção e reconhecimento de filhos
§ 5.947.Ignorância de existirem outros herdeiros necessários. 1. Texto legal. 2. Fonte. 3. Ambiguidade perigosa. 4.
Se há persistência pela premorte, no caso das regras jurídicas. 5. Conseqúêncías das regras jurídicas. 6. Efeitos das
disposições testamentárias que prevêem a superveniência ou a aparíção
§ 5.948.Superveniência e aparição sem aplicabilidade das regras jurídicas. 1. Herdeiros necessários. 2. Sucessão
legítima e sucessão testamentária no testamento prevalecente. 3~ Rôto o testamento em que o testador deserdou o
único ou todos os herdeiros necessários, em têrmos válidos, ~a supervenência ou aparição de outrem faz caducar?
4. Disposição da metade e não-contemplação de herdeiros necessários ou deserdação sem menção de causa legal. 5.
Elaboração. 6. Significação da regra jurídica.
§ 5.949. Direito anglo-americano. 1. Direito inglês. 2. Direito dos Estados Unidos da América
§ 5.950.Direito intertemporal e direito internacional privado. 1. Figuras jurídicas. 2. Revogabilidade inderrogável
do ato.
3.Revogação tem de ser por testamento. 4. Revogação e direito intertemporal. 5. Revogação parcial e total. 6.
Incompatibilidade entre testamentos. 7. Direito intertemporal sôbre eficácia da revogação. 8. Qual a lei que deve
reger as rasuras, emendas e entrelinhas dos testamentos. 9. Presunção de haver revogado. 10. Direito intertemporal
e ruptura dos testamentos. 11. Direito internacional privado ....
Título III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
(continuação)
CAPITULO XX
TESTAMENTO PÚBLICO
1.DADOS HISTORICOS. No Código visigótico não havia indicios do testamento apud acta. E no Breviário, IV, 1,
cita-se a Nov. XXI de Valentiniano III, const. 1, sem que a despeito da frase “licet municipalibus gestis ludicia
supreina componere”, que ali se lê qualquer alusão se faça ao testamento apud acta. Daí não parecer que venha do
testamentum apud acta conditum (L. 19, C., de testamentis: quem admodum testamenta ordinantur, 6, 23) o
testamento aberto, por tabelião, de que falaram a Lei de 21 de maio de 1349 e as Ordenações Afonsinas, Livro IV,
Titulo 103. (A conclusão de HENRIQUE DA GAMA BARROS, História da Administração Públicai em Portur
pai, III, nota 1, choca-se com a de outro lugar, 274, nota 1.)
O testamento hológrafo, que está no direito brasileiro, não provém diretamente, mas entronca-se em 446
(Constituição de Valentiniano III, incluída no Breviário) e já se dispensava, em virtude da holografia, a intervenção
de testemunhas. A razão disso está no texto: “multis enim casibus saepe continget, ut morientibus testium numerus
et copia denegetur”. Tais faltas de testemunhas não só ocorriam em se tratando de itinerwni necessitas, mas devido
a outras causas óbvias: sojitudo viliarum, navigaitio.
No período da Reconquista, testamento, em Portugal, era mais para o bem da alma do que para outro fim: o índice
religloso invadia a ordem juridico-econômica. Morrer sem deixar bens à Igreja, ou para fins piedosos, causava
terror aos moribundos. Tinham de despojar-se: iam os homens e as mulheres depor nos altares as escrituras das suas
deixas. A Igreja considerava válido tudo que aparecia e as formas mais frágeis abrigaram pretensas vontades
últimas.
Pela Lei de 21 de maio de 1849 sabe-se que eram três as formas de testamento: a) por escrito particular, com
testemunhas, mas sem interferência do tabelião; b) verbais, quer dizer que só constavam da dec1aração das
testemunhas; e) feitos perante tabe1ião. Mas os juizes eclesiásticos, no seu propósito de favorecer as deixas,
entendiam e mandavam que valessem escritos particulares, sem testemunhas, ou quando já fossem todas mortas.
Foi a própria Lei de 1849 que verberou o abuso: “e o que pior he disseram me que esses vigairos pobricam essas
cedulas sem testemunhas seendo já essas testemunhas todas mortas que som escriptas nas cedulas que lhis
mostram, e que algúas vezes nom som escriptas algúas testemunhas em algúas cedulas... e mandam sem outro
conhecimento que x’alham come testamentos” (Livro das Leis e Posturas, Tôrre do Tombo, foi. 156)
Nas Ordenaçôes Afonsinas, Livro IV, Título 103, havia:
a)o testamento aberto, feito por tabelião, isto é, o testamento público do Código Civil: seis testemunhas, incluído o
oficial (portanto, cinco) ; b) o testamento escrito ou só assinado pelo testador, ou escrito e assinado por outrem, que
ou teria, nas costas, o instrumento público do tabelião, como os abertos (cinco testemunhas), ou’ teria de, após a
morte, ser publicado, com audiência dos interessados (publicações que a Lei de 21 de maio de 1349 já exigira) ; cY
o testamento oral, feito ao tempo da morte, com seis testemunhas.
Nos lugares de diminuta população, bastavam três testemunhas.
2.REQUISITOS FORMAIS 1>0 TESTAMENTO PÚBLICO. Diz o Código Civil, art. 1.632: “São requisitos
essenciais do testamento público: 1. Que seja escrito por oficial público em seu livro de notas, de acêrdo com o
ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas. II. Que as testemunhas assistam a todo o
ato. III. Que, depois de escrito, seja lido pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo testador, se
o quiser, na presença destas e do oficial IV.Que, em seguida à leitura, seja o ato assinado pelo testador, pelas
testemunhas e pelo oficial”. Acrescenta: “As declarações do testador serão feitas na língua nacional”.
a) Competência territorial do oficial público. O primeiro requisito do testamento público é o da competência
territorial do oficial público. Dai dever-se indicar o lugar em que o testamento foi feito: “na casa da rua A”, “na
fazenda “Santa Rosa”, para que se saiba se o fêz, competentemente, o tabelião. No interior do Brasil, é de grande
importância, porque, não raro, a mesma fazenda pertence a dois municípios. Feito por oficial público ineonvpetente
pelo lugar, é nulo. Se não se trata de oficial público de testamentos, é inexistente. ,Se não consta o lugar? De si só,
a falta não faz nulo o ato. Não se há de presumir ter sido feito fora da jurisdição. Mas os juristas franceses, com os
arts. 12 e 68 da Lei de 25 de outubro do ano XI, não raciocinaram assim: a menção do lugar é essencial. Duro
formalismo, êsse, que torna essencial a menção, quando a essencialidade é da competência, e não da aparéncia
dela.
“Oficial público”, diz a lei. O que é preciso é que se haja atribuído à pessoa função de fé pública. A lei pode
considerar oficia] público o tabelião ou o escrivão, ou substituto, que em lugar dele fique sem limitações. Tem de
haver a atribuição, por lei válida, e o exercício no momento (cf. 2•a Câmara Civel do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, 30 de janeiro de 1952, A. J., 109, 327; 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 3 de abril
de 1941, 1?. dos 2’., 131, 235).
i» Ato pessoalissimo do tabelião. Os tabeliães e os escreventes juramentados dos tabeliães podem lavrar, dentro do
cartório, os atos, contratos e instrumentos quando por acúmulo de serviço, ou por outra causa, não possam ser
lavrados pelos tabeliães. Os testamentos e codicilos, esses, bem como es instrumentos de aprovação dos
testamentos cerrados, somente pelo tabelião o poderiam ser. Antes, o escrevente juramentado podia escrever o
testamento sob as vistas do tabelião, que o assinaria. Mas cessou isso com o Decreto 4.824, de 22 de novembro de
1811, art. 78. Aliás, constituía isso regra geral do direito processual brasileiro, que o Código Civil de certo modo
subentendeu. Se a lei de organização judiciária admite que os escreventes juramentados escrevam testamentos ou
os aprovem, oficial público, no sentido da lei civil, são também esses escreventes, e não sé os tabeliães. Oficial
público: qual seja, di-lo a lei do Estado-membro, em que se tiver de fazer o testamento. Nem é preciso que seja
tabelião ou escrevente dele. Se a competência cabe, por exemplo, ao escrivão de urna das varas. oficial público, é
esse. Mais: atendendo a grandes distâncias, pode a legislação estadual dar a atribuição de oficial público dos
testamentos a funcionários do Estado-membro na comarca, ou oficial do Município, que assim passa a ter função
cartorária estadual, O que é necessário e suficiente é que seja, pela lei estadual, o oficial dos testamentos, e tenha,
pelo direito publico do Estado-membro, fé pública. Porque se trata de instrumento público ou auto público de
aprovação, a que é necessário o poder de certificar. Outrossim, para as declarações do art. 1.684, pois que as teria
de portar por fé.
(No passado, o escrevente juramentado podia escrever o testamento sob as vistas do tabelião, que o assinaria. Essa
permissílo cessou, com o Decreto n. 4.824, de 22 de novembro de 1811, art. 78.)
Em alguns Estados-membros, os escrivães de paz, nos distritos fora da sede das comarcas, exercem funções de
tabelião: são, pois, tabeliães, e como tais lavram e aprovam testamentos.
4.DATA NOS TESTAMENTOS PÚBLICOS. A exigência de datar provém da lei dos oficiais públicos, e não do
Código Civil. Por isso mesmo, a falta ou inexatidão pode motivar penas, e não nulidades. Mais: a data falsa, aliada
à coação, dolo, ou erro, que a contamina; de si mesma, nem a falta, nem a existência de uma data por outra, nem a
própria inserção contra os fatos, pode, de si só, tornar nulo ou anulável o ato testamentário. Anulável por violência,
dolo, ou erro, sim.
O testamento público é ato notarial, que faz fé pública a partir da sua dato. Por isso, como todos os outros atos
notariais, deve datar-se, com o dia, quiçá a hora, o mês e o ano. Mas daí dizer-se que são nulos, de pleno direito, os
testamentos públicos, perfeitos, sem a data, ou com a data incompleta (JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA
ALVES, IDa Sucessão Testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, 19, 104), importaria criação de nulidades
onde a lei não as aponta.
As nulidades do ato testamentário são as do Código Civil, e não outras. Em terfipos mais próximos da dureza
romana, lá estão, em Portugal, testamentos sem data. Na Reconquista, por exemplo. O testamento por tabelião que
se acha na coleção especial, caixa 84, da Torre do Tombo, e do século XIII, não tem data. Demais, o sistema do
Código Civil não permite dúvidas.
5.FERIADOS, DOMINGOS E HORAS DA NOITE. O Aviso n. 206, de 30 de agosto de 1852, estabeleceu que os
atos de tabelião, sem dependência de juiz, não ficariam sujeitos às férias e a dias feriados. Apenas, nesses dias, não
se abririam os respectivos cartórios (Resolução de 19 de agosto de 1848) . Podem ser praticados, portanto, em
qualquer dia e a qualquer hora, ainda de noite (M. B. PIRES FntgÀo, Guia Prático e Formula-rio do Tabelião de
Notas, 84).
Assim, os testamentos públicos podem ser feitos: a) em dias úteis, nas horas de expediente, o que constitui o caso
normal, dispensando a justificação da letra b), aplicável nos casos das letras c) e á) b) em domingos, chamado o
oficial à casa do testador, ou no cartório (caso em que é de conveniência declarar o motivo de fazer-se em domingo,
dentro ou fora do cartório) c) em dia feriado, nas circunstâncias da letra b) ;. á) em domingos, feriados, ou dias
úteis à noite, nas circunstâncias da letra b).
Não há dúvida quanto à possibilidade de se fazer testamento ao anoitecer e pelas horas mortas da noite. Nem a isso
obstava o formalístico direito romano: na L. 22, § 6, D., qwt testamenta. facere possunt et queinadmodum
testamenta fiant, 28, 1, pois ULPIANO dizia: “Posse et nocte signari testamentum nuíla dubitatio est”. O que é
preciso, e não se dispensa, é a identificabilidade do testador, questão de que trataremos.
7.FATOS EXCEPCIONAIS QUANTO AO LUGAR. Pode ocorrer que o testador se ache em viagem, dentro da
circunscrição do oficial público. Preliminarmente, afaste-se a discussão relativa a navios de alto-mar, de guerra ou
mercantes, e a aeronaves mercantes ou de guerra, assunto de que se há de tratar .a propósito do Código Civil, arts.
1.656-1.663. Quanto ao assunto de agora, duas são as espécies principais:
a) Dentro da circunscrição do oficial público, em viagem com o testador ou chamado em meio do caminho, por
aquele querer fazer, com urgência, o testamento, vale o que se fizer, no trem, na aeronave, ou em barco ou vapor,
escrito no livro de notas e com todas as formalidades do Código Civil, art. 1.632. No ato dir-se-á a razão de tal
feitura, muitas vêzes aconselhável se o declarante, doente, piorou, ou se, na própria viagem, foi vítima de desastre.
Para se exemplificar o que acima dissemos, pense-se no que foi preso e tem de ser apresentado imediatamente
dentro do lugar da competência do tabelião e êsse vai no avião com o livro de notas e as testemunhas.
b) Em caso de calamidade, ou de desastre, que obrigue toda a população a deslocar-se, inclusive as autoridades,
vale o testamento feito pelo oficial público se as circunstâncias justificarem o êxodo.
9.UNIDADE DO ATO E DE TEMPO. O testamento público deve ser feito com as testemunhas, até o fim, sempre
presentes, simultaneamente, todas elas, o testador e o oficial. Ato seguido, sem interrupção; lidas, depois, tôdas as
disposições constantes da escritura.
Mas surgem problemas.
Se as testemunhas assinaram o testamento e não viram o testador redigi-lo, nem, tão-pouco, ouviram as declarações
de vontade do testador, houve violação da lei. Mas a prova disso, diante do texto do testamento público e a fé
pública que se atribui ao oficial público, é difícil a prova mesmo testemunhal, feita por alguma ou algumas
testemunhas contra o ato público (cf. 2~a Turma do Supremo Tribunal Federal, 22 de setembro de 1950, A. J., 96,
818). “A leitura como dilucida PONTES DE MIRANDA (Tratados dos Testamentos, II, 53) devezn conspectu
testatoris e perante as testemunhas, simultânea-mente” (2.a Turma, 10 de janeiro de 1950, O D., 73, 145). Se se
prova que tal não aconteceu, há falta de elemento essencial, a despeito da dificuldade da prova.
Se o testador entregou minuta preparada por outrem, mas declarou que ai estava a sua vontade, surge o problema
que a 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 27 de julho de 1942, teve de enfrentar. Se alguns Códigos Civis,
como o francês, exigem que seja ditado pelo testador, o Código Civil brasileiro, no art. 1.632, 1, diz que o
testamento público há de ser escrito por oficial público, em seu livro de notas, “de acordo com o ditado ou as
declarações do testador”. Daí estar na decisão unânime da 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 27 de julho
de 1942 (1?. E’., 92, 393) “Não é nulo o testamento feito mediante entrega pelo testador de minuta preparada por
terceiro, mas, com a declaração, por êle feita, perante o notário e as testemunhas de que aquele é o seu testamento”.
O fundamento principal para tal conclusão está em que as testemunhas têm de assistir a todo o ato (art. 1.632, II) e,
depois de escrito pelo oficial público, há de ser lido por êsse, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo
testador, se o quiser, na presença- destas e do oficial” (art. 1.632, III).
Ainda concluiu aja Turma, a 11 de junho de 1942 (1?. dos T., 143, 330), que “as nulidades das declarações de
última vontade só devem ser decretadas em face de evidentes provas de postergação da lei; simples defeitos de
forma não podem valer para invalidar a vontade clara e expressa do testador”.
Havemos de entender, em se tratando de minuta, que basta a entrega ao oficial público, O testador tem de dizer que
a minuta contém a sua declaração de vontade, o que se afirma quando o oficial público escreve o que consta da
minuta e lê o que escreveu, na presença do testador e das testemunhas, ou o lê o próprio testador, se o prefere, na
presença das testemunhas e do oficial público. Depois é que todos têm de assinar. Unanimemente, decidiu a Turma
Julgadora do Supremo Tribunal Federal, aS de junho de 1938 (A. J., 67, 345), que a lei exige, como requisito
essencial, que o testador dite ou declare a sua última vontade; não basta a entrega, por êle, de simples minuta, nem
o assentimento final, ao ouvir a leitura feita pelo notário. PONTES DE MIRANDA (Tratado dos Testamentos, II, n.
210) é explícito: “O notário não pode limitar-se a copiar a minuta ou projeto, salvo se o próprio testador o lê”. Ou o
lê, ou declara que todo o conteúdo é a sua declaração de vontade (cf. 4,a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de
São Paulo, 7 de setembro e 19 de setembro de 1938, 118, 214). Se, por parte de alguma ou de algumas das
testemunhas houve rápidas ausências, enquanto se elaborava o instrumento público, e não se deixou de ouvir e ver
o que se devia ouvir e ver, não há nulidade (cf. 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, a 9 de agosto de
1951, 1?. dos T., 202, 589).
O fato de não constar do testamento que as testemunhas. assistiram a todo o ato e de oficial público não declarar
que tenha feito a leitura do instrumento, permite a qualquer interessado propor a ação de nulidade (cf. 2~a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 3 de outubro de 1949, R.F., 135, 190).
Se, em vez de cinco testemunhas, houve a presença e a assinatura de seis ou mais, não há causa de nulidade (2,~
Câmara Cível da Côrte de Apelação do Rio Grande do Sul, 15-de julho de 1936, 1?. dos T., 134, 611: “Tratar-se-ia
de uma formalidade a mais, de abundância de cautela, e o princípio assente é o de não invalidar o que satisfaz mais
do que a lei exigia, no dizer de PONTES DE MIRANDA”; 1,a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo,
9 de dezembro de 1940, 130, 666).
Se foi feita prova testemunhal contra a observância das formalidades legais (e. g., assistência das testemunhas) e
não houve contraprova suficiente, tem de ser decretada a nulidade (cf. 1~a Turma do Supremo Tribunal Federal, 14
de janeiro de 1946, OD., 41, 417).
Ainda a respeito da presença das testemunhas, a 3•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 13 de
outubro de 1943 (1?. dos T., 149, 174), acentuou: “. . . a ausência temporária de testemunhas, durante a escrita do
testamento, não interrompe o ato, porque a presença das testemunhas só é exigida, pela lei, para que elas vejam,
ouçam e compreendam o testador, certificando-se de que a escritura encerra a vontade dêle, objetivo que se atinge
perfeitamente com a presença das testemunhas nos momentos da declaração da vontade, da leitura, aprovação e
assinatura da escritura”.
Hoje, só o testamento público requere unitas actus. O testamento cerrado pode ser escrito, aos poucos, pelo
testador, ou por outrem, o momento decisivo é o da entrega pelo testador, em presença das testemunhas, ao oficial
público, que o vai
-aprovar, quando começa toda uma série de formalidades mendíveis (Código Civil, art. 1.638, IV-XI). O testamento
particular, escrito pelo testador, aos poucos, pode ser guardado por êle, ou escrito de uma só vez, e só depois lido às
cinco testemunhas, que o assinam após o testador (art. 1.645, III).
Discute-se se é absoluto -o conceito da unidade do ato no testamento público. Desde o testamento calatis comitiis
que se exige a unidade do ato. No testamento per aes et libram a regra jurídica tinha de ser enunciada. Ali,
pertencia à própria forma: tratava-se de comício. Aqui, se não fosse uno aetu, duas operações, separadas, haveria: a
alienação entre vivos irrevogável e, depois, a disposição a causa de morte, Sem força civil.
No direito nôvo, foi expressa a exigência. Uno contexiu
-actus testaá op-ortet, dizia ULPIANO <L. 21, § 3, D., de testa menta facere possunt et quemadmodum testamenta
fiant, 28, 1), para caracterizar a continuidade do ato.
Uno contextu. Quer dizer: a) reUnião simultânea das testemunhas em presença do testador, in. canspectu
teatatorts; b) necessária a feitura e necessário o acabamento uno eo-dentque did et tempo-re; c) continuidade de ato
prôpriamente dita, isto
-é, operações seguidas, sem interrupção, sem outros atos de permeio.
Só se excluiam da imperatividade da unitas as breves interrupções devidas a necessidades corporais das
testemunhas.
Resta saber-se se, no direito brasileiro, vale o testamento:
a-> se escreveu aos poucos, com intervalos, talvez de horas, por estado ansiante do testador em perfeito juízo, ou
dores fortes que lhe proibam continuar; b) se escreveu por mais de um dia, por serem minuciosas as disposições e
tomarem mais do tempo permitido ao testador, ou por se tratar de texto longo; c) se foi assistido até um ponto por
uma testemunha e daí em diante por outra, por morte daquela, ou por acidente.
Se o oficial público não se ausentou e ficaram presentes todos, não há discutir-se: vale, qualquer que seja o
intervalo de espera. Cumpre saber-se se o mesmo se dá tendo dormido o testador, todos presentes. Em tese, é
válido. O juiz há de apreciar as circunstâncias. fl preciso atender-se a que êsse ato
-ainda vai ser lido, inteiro, ao testador e às testemunhas, talvez pelo próprio testador, se o quiser, ao oficial público
e às testemunhas.
No caso b), tem-se de mencionar a causa por que cessa e se encerra o testamento, como se estivesse pronto,
dizendo o oficial público continuá-lo no dia seguinte: assinam testador,
-testemunhas e oficial público. No outro dia, recomeça-se como se fosse outro testamento, ainda que se digam em
continuação as disposições de última vontade. Tal providência conciliatória não ofende a unidade do ato: há mais
de um testamento, se bem que ligados pela continuidade da voluntas testatoris. Quem podia revogar em parte, pode
encerrar um e continuar outro, em outro dia.
Mas há questão de certo melindre: morrendo o testador, ou não prosseguindo no testar, ~ vale o testamento iniciado
ou perfeito? Qualquer solução in abstracto seria má. Devem-se examinar, concretamente, as espécies. Pode bem
ser que o testador tenha começado, e o disposto no primeiro testamento deva depender, claramente, do que disporia
no segundo: o termo
-daquele pode dá-lo a entender, dizê-lo expressamente, ou resultar das disposições feitas. Pode ser que se trate de
disposições completas, perfeitamente separáveis, porque autônomas e independentes do nôvo jacto de vontade.
Exemplo: é válida declaração perfeitamente fundamentada, ou a clausulação de inalienabilidade a bens das
legítimas (ou atódes os bens), se o testador, que deixou à outra cédula as disposições positivas,-morrer antes de
fazer o outro testamento.
No caso o), se houve tempo de encerrar, a questão é igual à do caso b). Se não houve, o ato está prejudicado pelo
acidente: se ainda não foram mencionadas, mencionam-se as testemunhas; se foram, o oficial público tornará sem
efeito o que vinha escrevendo, ou, narrando o ocorrido, presente outra, que a substitua, volta ao começo do ato,
reproduzindo tudo o que antes se escreveu se o testador, de viva voz, o repete. (Porque a reprodução do que já se
escrevera, sem que o testador o repita para a nova e as mais testemunhas e o oficial público, de nada vale: faltou a
reíiniao tn conspeciu testatoris, a feitura una codem que die et temp ore, a continuydade do ato.)
Da expressão uno eodem que die ei tempore tirou GUST. LUnov. TI-IEoD. MAREZOLL (tber die bei der
Testamentserrichtung zu beobachtende Einheit des Ortes, des Tages, der Zeit und des Rechtsactes, Zeitschrif 1 fiir
Civilrecht und .Prozess, IV, 54 s.), que, além de ser preciso o seguimento ininterrupto ou continuidade temporal
(uno eo-demque tempore), se havia de exigir o mesmo dia do calendário (eo;dem die) : nele haveria de começar e
nêle acabar. Quer dizer: todos os testamentos teriam de terminar antes da meia-noite. Com êle, pela unidade do dia,
A. F. J. THIBAUT (System des Pandelctenrechís, fl, 83 ed., § 829), RARL AD. VON VANGEROW (Leitiadeu
fi-Ir Pandekten-.Vnrlesungen, II, § 444, 166), e JoH. JAC. LANa (Lehrbuelz. des .Justinianisck Rêhnischen Reehts,
§ 412, 408). Expressamente, contra GUST. Lunov. ThEOD. MAREZOLL:
W. SELL (Ist zu Errichtung des testamentum privatum solenne ausser der Einheit der Handlung und der Zeit auch
noch Einheit des Ralendertags enforderlich?, Jahrbúcher fiji- h,istoneche und dogmatische Bearbdtung des rõmisc-
hen Redita, III, 1-30), O. F. PUCHTA tPandekten, § 464), 5. 5. BACHOFEN (Ausgewàhlte Lekren des rõmischen
Civilrechis, 310), E. FEIN. em CHR. FRIED. VON GLtYCK, 45, 13) e C. F. F. SINriNIs (Das praktische gemeine
Civilr~cht, III, § 169, 378).
Na lei notarial de Maximiliano 1, de 1512, também se falava em dia e tempo (§ 7, como na L. 21, C., de
testamentis: quemadmodu testamenta ordinantur, 6, 23). Mas EDUARn EEIN (45, 13) fêz a análise devida,
censurando a literalice da GUST. LUDov. TI-IEOD. MAREZOLL.
O que se queria era que se não diferisse para outro dia o acabamento da cédula: niflilque cius in. diem alterum diff
eratur. Não era imposição de não passar da meia-noite, nem tautologia. A expressão uno codem que die podia e
devia explicar-se pela proibição de diferir-se: suspender-se a feitura e. deixar-se para outro dia. Ora, quem pela
noite entrou e prosseguiu no ditar, até a madrugada, não descontinuou, não cessou, não diferiu. Diferi e supõe salto
de tempo. O imperador Teodósio tinha de dizer, como disse, die ac tempore, porque se difere se a outro dia, ou a
outra hora do mesmo dia. Num e noutro caso, queria ele que se partisse o ato e, pois, fosse nulo. Salvo a exigua
mora, isto é, lapso que não chega a quebrar a unidade de tempo.
Para bem nos convencermos de que a unitas actue não pode ter a mesma essencialidade apriorística do uno
contextu, basta ler-se o art. 1.632, que a isso se não refere. Donde a consequência necessária: concreta, e não
abstratamente, é que se aprecia o requisito da unidade do ato. Aliás, êsse era o critério das Ordenações Filipínas,
Livro IV, Titulo 80. O Assento de 10 de junho de 1817 somente exigiu que as testemunhas fossem presenciais de
todo o ato, desde o princípio até o fim. Não houve, portanto, nenhuma inovação, ou qualquer recuo a velhos
formalismos.
Mas, conforme dissemos antes e está na jurisprudência de hoje, as testemunhas podem ter necessidade de ausência
rápida, bem como o próprio oficial público e o próprio testador. Esse, doente, pode ter de parar por minutos ou
horas o ditado, ou a própria escrita, ou a leitura.. Logo aparece a questão: apode o oficial público, com o testador e
as testemunhas, mudor de lugar quando está a tomar um testamento?
Uno codem que toco e e-odem toco são dizeres encontrados nas L. 8, pr., C., qu-i facete testamentum possunt veZ
non possuni, 6, 22, e L. 12, C., de testamentis: quemadmodum testamenti ordinantur, 6, 23. É a unidade do lugar.
Diante das considerações que antes se fizeram sôbre os requisitos especiais do lugar, a única solução que se deve
admitir é a de valer o testamento se, com a mudança de lugar, não se quebrou a unidade do ato. O mesmo é dizer-
se: testador, oficial público, testemunhas, sempre presentes todos, uno actu, a tudo assistiram, e transportaram-se
por força das circunstâncias excepcionais (suficientes para isso), sem se interromper o seguimento da solenidade.
Apreciará o juiz tais circunstâncias e tal indiscontínuidade do ato de testar. Exemplo: depois de ditar ou declarar
algumas cláusulas, intervém o médico, e obriga, por julgar necessário, a transferência para a sala de operações,
onde continuará, antes de operar-se, o testamento iniciado. Se consta da cédula, ou, se não consta, e tudo se passou
realmente sem descontinuídade do ato, indo todos, sempre presentes, para o outro lugar, fôra sacrificar a
injustificável apego às expressões unitas actus o testamento de quem se acha em circunstâncias tão extraordinárias
Fora absurdo reputar válido o testamento in itinere confecto, e não no considerar aquêle em que a deslocação não
foi mais que incidente passageiro. Para a maior segurança, deve o oficial público consignar tudo que ocorreu e
claramente narrar os fatos que provam a ininterrupção do ato testamentário.
1.TESTAMENTO PUBLICO E DITADO. Têm de ser ditas, de viva voz, as disposições de última vontade (Código
Civil, art. 1.632, 1), quer ditando, quer declarando sem ser por dilado. Portanto: a) o mudo não pode testar na
forma autêntica (artigo 1.635> ; ii o notário não pode-’ restringir-se a copiar a minuta ou projeto, salvo, e. g., se o
próprio testador lho lê. A Cassação de França, a 6 de novembro de 1890, já resolvera isso, que o Código Civil
brasileiro explicita: o ditado, isto é, a leitura pelo testador do que antes escreveu, ou alguém por êle escreveu.
A declaração pode ser sôbre a minuta. Por exemplo: “aqui está o que escrevi e contém as minhas disposições de
última vontade”; “aqui está, batido a máquina, ou escrito por C, a minha vontade, e peço que as testemunhas e o
senhor, oficial público, leiam, ou do conteúdo tomem conhecimento”. É aconselhável, em tais casos, que o testador
rubrique ou assine o que entregou, porém isso não é essencial. O Código Civil, no art. 1.632, 1, não só se referiu ao
“ditado” pelo testador, mas a isso e às “declarações do testador”, sem serem ditadas, isto é, declarações que apenas
aludem ao que é a sua vontade, inclusive ao papel ou a gravação do que êle tem como as suas disposições
testamentárias.
2. DECLARAÇÃO E ESCRITO. E costume, assaz louvável, lançarem os tabeliães as próprias palavras que o
testador lhes disse, palavras rudes, broncas, que revelam o grau de ignorância, ou de saber e de inteligência do
declarante. Mas a doutrina é acorde em permitir-lhes que substituam um ou outro termo, de modo que diga melhor
o que o próprio testador queria. Claro que tal fungibilidade de terminologia não pode ir a ponto de substituir ou
alterar aquela vontade. Se foi, dá-se a nulidade; provada a invalidade, responde o oficial público aos herdeiros,
legatários, ou beneficiados, de acordo com o que teria querido dizer o testador.
Melhor será o costume de lançar o que a viva voz do testador ditou. E só intervir o oficial público se, por
ignorância,o declarante estiver a dispor nulamente, ou criando dificuldades de interpretação: então, há apenas
esclarecimento, para que o testador melhor exprima o que quer. Convém que, na presença das testemunhas, o
oficial público explique o que vai pôr, a fim de que o testador faça seu o que se sugere como expressão
do seu querer.
As entrelinhas não ressalvadas, mesmo em lugar substancial, disse o Tribunal de Apelação de Alagoas, a 14 de
janeiro de 1941, E. dos T., 139, 272, “não viciam o testamento, nem o tornam suspeito, se destinadas a reforçar ou
tornar mais claro o que já constava do contexto”. Frise-se bem: se destinadas a reforçar ou tornar mais claro o que
já constava do contexto.
3.TESTAMENTOS EM RESPOSTAS. Muito se discutiu sôbre a validade dos testamentos ditados em resposta,
isto é, ad interrogatianem alterius. O direito contemporâneo não lhes nega valor, mas em verdade constitui
circunstância a ser apreciada, em conjunto com outras, como indícios de coação, ou outros, que viciem a cédula.
Um exemplo já vimos: o de instituir-se herdeiro a estranho, sem antecedentes de serviços, ou méritos afetivos, que
justificassem a dádiva, e preterição de todas as pessoas, que os próprios herdeiros legítimos esperavam
contempladas, devido a perguntas e insinuações.
No direito anterior, as respostas simplistas (sim, não), constituíam declarações insuficientes: devia o testamento ser
ditado, ou declarado palavra por palavra. Ainda depois do Código Civil, há os que reputam inválido o testamento
feito por perguntas e respostas (e.g., ITABAIANA DE OLIVEIRA, Elemento& de Direito das Sucessões, 2•a ed.,
234). Mas a questão não está posta em bons termos: a) O testamento só é anulável se houve dolo ou coação, isto é,
se houve invasão da personalidade do testador, se não representa a vontade dele. b) O simples perguntar e
responder não pode, só por si, tornar atacável a cédula. Exemplo: o testador declarou que desejava deixar a fortuna
a alguns parentes e amigos; e o oficial público perguntou:“ quais os parentes e amigos que deseja sejam
contemplados?”
e o testador respondeu: “A, E e C”. “Quanto deixará”? ‘ao que respondeu: “cem mil cruzeiros novos”; “e a E ?“,
“duzentos mil cruzeiros novos “e a C?”, “cinquenta mil cruzeiros novos, cabendo-lhe a testamentaria”. O oficial
público pode perguntar se quer nomear alguém por testamenteiro. Não há inconveniente nisso. e) O oficial público,
além das perguntas de quanto, pode fazer as que tendam a melhor compreensão do pensamento que vai escrever, O
que é essencial é que lhe transcreva o pensamento e se proceda à leitura. O testador, ouvindo-a, confere com o que
pensou o que foi enunciado no texto das notas.
4.SOLUÇÃO CONCRETA DO PROBLEMA. O princípio é O de dever ser livre, própria, sem interposição da
personalidade de outrem, a declaração testamentária. Se o testador nada disse e já o oficial público começa a
perguntar-lhe, interpõe-se entre o testador e o testamento, a respeito do que ainda não interessa. Nesse sentido,
pode ser inválido o testamento ad interrogationem alterius Não houve pedido de esclarecimento, mas precipitação,
pré-declaração sugestão, estraneidade do querer ainda a ser declarado Só as circunstâncias é que podem ser
decisivas. Vale, por exemplo, a cédula que o oficial público escreveu, por perguntas, se não houve, nelas, nem
iniciativa do oficial público (isto é, matéria nova), nem indicio de sugestão. Aqui, como em outros casos já
mencionados, seria mau todo princípio a priori: só tem importância se põe em dúvida a autonomia do testador.
Aliás, outra não era a lição de 5. L. E. DE COCCEIUS (lus civile controversum, 9 e 7) e de O. C. SCHREIBER DE
CRONSTERN (Dissertatio de testamento ad interrogationem alterius condito, §§ 14 e 15).
Se o testador já declarou, a pergunta esclarecedora não lhe invade a personalidade. Se, ao ditar ou declarar, lhe
esqueceu o nome do herdeiro, ou ocorreu lapsus linguae, todo o interrogatório auxiliador não pode ser considerado
como perturbante da vontade própria. Os velhos escritores eram assaz-rigorosos, e postulavam, duramente, a
nulidade, quando se tratava de um sim ou de um simples mover de cabeça (B. BABDILI, Dissertatio de testamento
nuncupativo, th. 7; O. C. SORREIBER DE CRONSTERN, Dissertatio de testamento ad interrogationem alterius
condito, § 16) . Porém isso deve apenas significar que tal testador esquecido, ou vítima de lapsus linguae, não deve
satisfazer-se com o simples gesto. ~ inegável a presunção de fato, contra o testamento, que de tudo isso deriva; e, se
o oficial público, que com isso se satisfez e narrou, subscreve tal testamento, responde, civil e criminalmente, se o
juiz o declarar nulo.
HouVe quem pretendesse distinguir a pergunta feita pelo oficial público e as perguntas feitas pelas testemunhas ou
por estranhos. Mas, desde A. FABER (De Erroribus pra gmaticorum et Interpretatione juris, III, d. 69, 1, 2),
afastou-se qualquer distinção a tal respeito, posto que as perguntas feitas por estranho que é contemplado no
testamento possa compor ato de dolo ou de violência.
Cumpre advertir que pode haver veemente indício de coação consistente em aparecer o oficial público sem ter sido
chamado pelo testador, ou começar o testamento aconselhando-o a fazer declarações e a dispor dos seus bens. ~
Como confiar em tal cédula? Assim, G. C. SCHRETBER DE CRONSTERN (Dissertatio de testamento ad
interrogationem alterius condito, §§ 16-18), e CHE. Fit VON GLÚCi (34, 26).
Quanto ao bater de cabeça, meramente explicativo, ainda centra êle não se deve afirmar exclusão absoluta e a riori.
TRATADODE DIREITO PRIVADO
Barissimamente pode valer, mas o nifo provável não e o impossível. Pelo absoluto a priori, JUST. CLAPROTH
(Abhandlung t’on. Testamenteu, Codicillen, Vúrnztichtnissen u.nd Fideicom.mis-seu, § 8, 60) ; se as circunstâncias
não põem em dúvida a vontade do testador, Cila. HEINR. O. 1{ÓCHY (Comm-entatio de Testamento vi metuve
extorto, § 4, 13). Um sim e uma aprovação gesticular, em circunstâncias especialíssimas podem ser assaz
expressivos. Mas, em se tratando de escrito, que o testador leu, a aprovação gesticular, ou monossilábica (sim,
não), não pode, de nenhum modo, referir-se à parte do escrito, porque seria então admitir o testamento público por
cópia de minuta, a que se opoe o Código Civil, arts. 1.635 e 1.632, 1. Assim, ETUST. CLAPROTH (Abhandlung
vou Testamenteu, Codicilteu, Vermd• ehtnissen und Fideicommissen, 60).
Não se proibe a entrega da minuta, mas é preciso que haja declaração de vontade de que se tenha o conteúdo como
manifestação de vontade última do testador. A minuta pode ter sido escrita por advogado do testador (4.a Câmara
Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 3 de abril de 1941, R. dos T., 131, 235). Feita por alguma das pessoas
instituidas herdeiros ou legatários, ou pelo único herdeiro ou legatário, o fato pode ser indício de coação do
testador. Mas, aí, há quaestio fac ti.
Se o testador, no interregno, perdeu a fala, já o testamento não pode continuar: o que se fêz está feito, desde que o
testador possa assinar e esteja em juízo perfeito.
5.TESTAMENTO PÚBLICO POR SINAIS. A lei exige a palavra. Não seria testamento público o que se ditasse
ao oficial público, por sinais-, ainda que formassem linguagem inteligível e o oficial público a compreendesse.
Assim, na- Alemanha, fundado o direito nos Motive, V, 251 e 276, e assim no Brasil, pois a mudez exclui o uso da
forma pública (art. 1.635).
6.LÍNGUA ESTRANGEIRA E TESTAMENTO PÚBLICO. Testamento público tem de ser ditado e escrito em
língua nacional. Não se admitem intérpretes. Também assim na França. Mas, lá, o ditado pode ser em língua
estrangeira, que o notário compreenda: ouvirá, e lançará em francês, expediente assaz perigoso, porque, lido, ao
testador, na tradução, pode êsse não perceber inexatidões e sutilezas da linguagem.
No Brasil, se o estrangeiro pode exprimir-se em português, ainda que mesclado de dicções estrangeiras, como sói
acontecer a espanhóis e italianos residentes no Brasil ou que aprenderam algo de essencial ao trato dos negócios,
tem-se isso por língua nacional. O essencial não é a pureza da língua, mas a inteligibilidade pelo oficial público e
pelas testemunhas, por mais defeituoso que seja o falar, ou, como ocorre aos povos nórdicos e ao francês, as
irregularidades e discordâncias de pronúncia, de conjugação dos verbos e de formação dos gêneros e do plural.
1.TESTEMUNHAS N’O TESTAMENTO público. São cinco as testemunhas (Código Civil, art. 1.632, 1) . Se só
intervieram quatro, é nulo o testamento público; e responde o oficial público. Se mais de cinco, o excesso não
prejudica: por êsse fato, não pode dizer-se nulo o testamento; é salutar, em vez de causa de invalidade, a
superabundância euremática (E. LAUEENT, Principes de Droit Civil français, 13, n. 254).
Em todo o caso, já falamos das circunstâncias que podem fazer, temporariamente, ausentarem-se as testemunhas,
ou algumas, ou alguma, ou o próprio testador, ou o oficial público. Aí, a interrupção temporal pode não ser
interrupção jurídica.
Analfabetos podem testar por testamento público, porém não podem, nele, ser testemunhas: é indispensável que
saibam ler e assinar. Tentou-se ressalvar o caso do que sabe assinar, porém não sabe ler, cissiparidade que o Código
Civil conserva. Mas, aqui, a leitura tem por fim verificar-se se o pensamento foi, fielmente, lançado. ~ O que não
sabe ler como poderia verificar? Dir-se-á que o analfabeto testa por forma pública:
mas o testador é um, e serviu a forma para de, com a assinatura por uma das testemunhas, a seu rôgo. Se
testemunhas, buscam-se outras. O próprio fato de assinar, por êle, uma das testemunhas, mostra que a lei supõe
gente que leia, escreva e assine. Em verdade (redarguirão), a lei apenas exige que saiba assinar: são testemunhas de
um fato ou de fatos, e não do ato escrito. A lei não exige que elas leiam o que assinam; basta que ouçam a leitura
pelo oficial público. Mas, ~ se o testador não sabe ler e assinar? Então, assinará uma das testemunhas. ~Também
essa poderia ser ignorante da escrita? Aqui, seria absurdo: nem testador, nem testemunha conferiram o que lá
estava escrito. A conferência, não é preciso ter havido; mas que pudesse haver. Testamento a rogo, com
testemunhas que, todas, não sabem ler, ~ que valor teria se não o da simples palavra do oficial público? Aqui, como
a outros respeitos, o juiz sobriamente apreciaria as consequências, dir-se-á. Mas os perigos são sérios.
É de repelir-se que se admita a ausência de testemunha, em todo o tempo, ou durante a lavratura do testamento,
como pareceu ã 33 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 30 de dezembro de 1943 (1?.
E., 98, 128). Pode sair do lugar em que se está a ler, ou a lavrar o testamento, ou a assinar; mas tem de haver a
suspensão, até que a testemunha volte. Tão-pouco é de admitir-se que não possa haver suspensão, sem que se
intrometa outro ato (cp. 33 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 13 de outubro de 1943, 1?. dos T.,
149, 174).
§ 5.867. LEITURA E ASSINATURA
1.LEITURA PELO OFICIAL PÚBLICO. O oficial público lê o testamento “na presença do testador e das
testemunhas”, ou lê-lo-á o testador, se o quiser, “na presença destas e do
-oficial” (Código Civil, art. 1.632, III). Por isso mesmo não basta dizer o oficial público que leu ao testador e às
testemunhas: é preciso que diga “na presença do testador e das testemunhas”, pois a leitura deve ser a todos,
simultaneamente. Mas, se o oficial público, depois de usar de frase insuficiente, acrescenta qualquer outra que fixe
a simultaneidade da leitura, vale o testamento. Exemplos: “e a todos esses atos, inclusive a leitura, estiveram
sempre presentes, e no mesmo ato, testador e testemunhas”, e “deixa a E o prédio tal”, “deixa a B a metade do
prédio tal” Quem só sabe escrever o seu nome, e nada mais, pode testar por ato público e assisti lo, ainda que não
saiba ler (F. RITGEN, em G. PLANCK, Búrgerliches Gesetzbuch, V, 495; cp. J. RAUSNITZ, Das Reichsgesetz
ilber die Angelegenheiteu der freiwilligen Gerichtsbarkeit, 569) . Pode assinar com a mão, ou outro meio que não
tire a individualidade do ato (J. RAUSNITZ, Das Reichsgesetz jiber die Angelegenheiten der freiwilligen
Gerichtsbarkeit, 569) . A exigência da escritura constitui, como já ficou dito, exigência de demografia.
O cego, que sabe assinar, deve lançar no testamento a sua assinatura. Porque o art. 1.687 do Código Civil cogita de
outras formalidades, e não se dispensa a forma que pode ser observada. Dispensar, só se deve, onde a necessidade
evidentemente o obriga, ou se os princípios superiores prementemente o aconselham.
O testamento público fica perfeito com as assinaturas do testador, das testemunhas e do oficial público. Se, durante
ele, morre o testador, que começou a assinar, porém não acabou, não existe o testamento. Se falece o oficial
público, cuja assinatura começou, cumpre ao juiz maior indagação, a) Se após isso, e sem se poder fazer nôvo
testamento (por exemplo, invasão de cidade, guerra civil, fuga por motivo de calamidade pública), o juiz encontra-
se diante de ato escrito por oficial público (art. 1.632, 1) e assinado pelo testador e pelas testemunhas (art. 1.632,
IV) e só o último a assinar, começando, morreu. Dadas as circunstâncias extraordinárias, que imaginamos, seria
absurdo formalismo deixar-se de atender à vontade do testador:
êle e as testemunhas assinaram, o oficial público começou a assinar. b) Ainda se êsse morrer antes de assinar, e
suposto se verifiquem as circunstâncias no caso b), o fato de ter dado ao testador e às testemunhas o livro de notas,
para que o assinem o testador e as testemunhas, firma a presunção de que achou bom o texto e uma vez que
escreveu as declarações do art. 1.684, partadas por fé, a assinatura se não se fêz por morte inesperada, ou bala que
inutilizasse as mãos ou os movimentos não poderá ter a importância que o formalismo estrito exigiria. O-
formalismo só se justifica se puder ser compensado, no caso de nulidade, pela responsabilidade do oficial.
Se a assinatura do testador foi quase toda e a morte impediu que se completasse com uma sílaba, uma letra, um
traço-(e o mesmo diremos da assinatura de uma das testemunhas), anda acertado o oficial público que, não obstante
isso, portar por fé terem sido cumpridas as formalidades e acrescentar o.relato da morte, ou do acidente.
No caso de acidente não mortal, durante o ato testamentário, o oficial público pode narrá-lo e dizer que, por isso,
passa o ato a ser assinado pela testemunha, de acordo com o art. 1.683. Por precaução, o oficial público assim
procede no caso de assinatura começada. Claro que se há de supor acidente que impede assinar.
8.PROVA QUE FAZ O TESTAMENTO PÚBLICO. O testamento que está nas notas tem força probatória formal.
Ainda que o testador ou outrem rasgue o exemplar que o oficial público lhe deu, o que lá está escrito é o
testamento, e só se revoga por outro testamento (público, cerrado, particular, ou, dadas as circunstâncias, especial)
Quanto aos fatos de que o oficial público tem notícia propriis sensibus, visus et auditus, faz prova plena. Por isso
não faz prova plena quanto à capacidade do testador, que podia parecer de perfeito juízo e não no ser.
§ 5.867. LEITURA E ASSINATURAS
4.ESSENCIAL DO EUREMA. No ato do testamento público, o oficial público diz o nome do testador, nomeia o
ato de que se trata (mas o nome não é essencial), começando pela fórmula do estilo. “Saibam quantos. . . “,
declarando ano, mes e dia, Estado, cidade, vila, cartório ou casa, ou lugar em que se achem (tudo isso pode ser
essencial), o oficial público, o testador e as testemunhas (essencial)~ presença, nome, identidade, nacionalidade
(não é essencial), capacidade do testador (não é formal), presença e assistência em todo o ato e contexto, bem como
identidade das cinco testemunhas capazes (essencial), as declarações e cautelas (facultativas) de idade,estado,
regime de bens, profissão, existência de filhos e quantos e quais, as declarações de vontade propriamente ditas
(matéria variável e facultativa), declaração do tabelião de que foi rogado para a escritura do testamento e de serem
as disposições escritas o que ouviu ao testador (começo da especificação de que se falou), reprodução do nome das
cinco testemunhas presentes desde o princípio até o fim, declaração de que foi lido perante o testador e as cinco
testemunhas, declaração de que também o testador o leu (facultativo isso), ressalva de emendas, rasuras,
entrelinhas, riscos, borrões, e tudo mais que possa causar dúvida, declaração de ter o testador achado conforme,
declaração do motivo de não ser assinado pelo testador e quanto a quem o vai fazer a rogo. O oficial público porta
por fé que tudo isso é verdade. Assina o testador (ou quem, por êle, deva assinar). Depois, as testemunhas.
Finalmente, o oficial público.
O Código Civil deu a ordem para as assinaturas (art. 1.632, IV:“em seguida à leitura, seja o ato assinado pelo
testador, pelas testemunhas e pelo oficial”). Mas vemos na prática assinar em primeiro lugar o oficial, o que
constitui irregularidade e alguns doutrinadores não repararam na ordem legal (TITO PRATES DA FONSECA,
SuCe55’Uo Testamentaria, 272 e 275). Alguns oficiais públicos assinam, dão ao testador e às testemunhas para
assinar e reassinam por fim.
Assim, pois, só é essencial: a) ser escrito pelo oficial público no livro de notas, ditado ou declarado pelo testador,
na presença das testemunhas, que devem permanecer juntas e com o testador, até inteira feitura da cédula,
«ssistifldo (se, por exemplo, uma desmaiou e volveu, assistiu todo o tempo, como exige o art. 1.632, II) ; 14 ser
lido pelo oficial público, na presença do testador e das testemunhas (ou pelo testador, se o quiser, na presença
dessas e do oficial, ou no caso do artigo 1.636, 1•a parte, ou pelo oficial público e a testemunha do art. 1.637, ou
pela pessoa designada de acordo com o artigo 1.635) ; c) ser assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo
oficial público; d) ter a afirmação de fé pública.
Escrita, conjunta presença de todos durante todo o tempo, leitura, assinaturas, e o porte por fé.
O negócio jurídico do testamento é formal, posto que se ofereçam algumas formas normais e outras ditas
extraordinárias, por dependerem de pressupostos circunstanciais. esse formalismo foi concebido e mantido porque
os legisladores entenderam e entendem que se deve cercar do máximo de garantia, não só a faculdade de testar,
como a de não testar, e se deve afastar os riscos das falsidades.
O problema mais delicado é o do testador que foi ao tabelião, ditou o seu testamento, assinou-o, assistiu assinarem-
no as testemunhas e, no momento de ser assinado pelo oficial público, êsse, tendo começado de assinar, morreu.
Em tal caso, com a circunstância, a mais, de não poder o testador fazer outro testamento (invasão da cidade, fuga
por motivo de calamidade pública, etc.), escrevemos: “dadas as circunstâncias extraordinárias, que imaginamos,
seria absurdo formalismo deixar de atender à vontade do testador; êle e as testemunhas assinaram, o oficial
começou a assinar”. Não só, o que bem mostra não sermos hostis a limitação ao rigor formal: se, portadas por fé as
declarações do art. 1.634 do Código Civil, assinaram o testamento o testador e as testemunhas, porém morreu o
oficial iv. actu ou algumas balas lhe inutilizaram as mãos, faltando, pois, a assinatura do fecho, ainda admitimos
que (salvo impugnações) se cumprisse tal testamento, cuja certidão, pelo oficial sucessor, teria de narrar o fato. É o
máximo em que se pode anuir para se encontrarem limites ao rigor formalístico dos testamentos, no tocante à
exigência da assinatura do oficial público no fecho da cédula testamentária.
A explicitude do Código Civil, art. 1.632, IV (“. . . em seguida à leitura seja o auto assinado pelo testador, pelas
testemunhas e pelo oficial público”) teve por fito afastar qualquer interpretação que reputasse bastante a menção do
nome do oficial (eu, E., oficial...”), ou a assinatura antes das assinaturas do testador e das testemunhas.
A 2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, a 10 de janeiro de 1950, O D., 73, 145, e a 2 de outubro de 1951 (A. J.,
101, 121), achou que basta a referência ao cumprimento de todas as formalidades. Não é de mister a especificação.
No mesmo sentido, já o Supremo Tribunal Federal, a 17 de novembro de 1930 (1?. dos T., 126, 714: “Não são
sacramentais os termos pelos quais se traduz a formalidade, bastando, para a satisfação da exigência legal, que do
contexto da escritura
-se infira, concluidentemente, a sua observância”; a 23 Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 27
de janeiro de 1947, 171, 755: .... . quanto à formalidade da leitura, o que
-também se tem decidido em juízo contencioso é que não é necessário que conste do testamento por palavras
sacramentais: se vê que tudo foi feito numa assentada e que se achavam em cartório reunidos o testador e as cinco
testemunhas, o que se deve subentender, até prova em contrário, é que a leitura a todos foi feita na forma do estilo”;
a Turma Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, a 16 de setembro
-de 1949, fl.F., 133, 198; a 23 Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 21 de outubro de 1947, E. dos T., 171,
181: “especificadas, no corpo do instrumento as solenidades legais, não é preciso reproduzi-las no fecho do auto,
ao prestar por fé que todas foram satisfeitas”; a 1•a Câmara Civil, a 20 de outubro de 1941, 137, 584: “Basta a
simples menção de todas as formalidades no corpo da escritura para a validade - do testamento, pois não é
sacramental a exigência do art. 1.634 do Código Civil”; antes, a 2 de junho de 1938, 116, 124; a 5Y Câmara Civil,
a 25 de setembro de 1935, 108, 123).
§ 5.868. Analfabeto e quem não pode assinar
1.QUEM NÃO SABE OU NÃO PODE ASSINAR. Lê-se no Código Civil, art. 1.633: “Se o testador não souber,
ou não puder assinar, o oficial assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e a seu rôgo uma das
testemunhas instrumentárias”. A declaração é do oficial público, para que se justifique a assinatura pela
testemunha. No direito anterior, interpretado por CARLOS DE CARVALHO (Nova Consolidação das Leis Civis,
art. 1.760, d), era a testemunha que o declarava. Com a intervenção da Câmara dos Deputados (Trabalhos, VI,
495), preferiu-se outro sistema, de modo que é inexata a informação de CLÓVIS BEVILAQUA (VI, 88), de que aí
e manteve o direito’anterior.
5.LEITURA DO TESTAMENTO AO ANALFABETO. A lei brasileira não exige que se leia duas vêzes, como ao
cego, o testamento. Basta a leitura ordinária, pelo oficial público. Aliás, tal já era a velha lição (cp. M.D.
GROLMANN, Commentatio de necessaria ultimarum voluntatum praelectione, c. II, § 9, III, § 2; J. M. SEUTER,
Dissertatio de testamento analphabeti, §§ 11 5.). Porém, se isso- foi resolvido e constitui simplificação, não se
dispensou, em qualquer espécie que não seja a do art. 1.636, a formalidade da leitura pelo oficial público. Em todo
o caso, se a pessoa não é surda, nem analfabeta, porém não pode assinar (art. 1.633), é permitida a alternativa do
art. 1.632, III. Tal solução, resultante dos textos do Código Civil, confere com a opinião que nos davam os
tratadistas (B. CARPZOV, Jurisprudentia forensis, 1, n. 8; J. II. DE BERGER, O economia iuris, 369; J. M.
SEUTER, Dissertatio de testamento analphabeti, §§ 8-10).
6.TESTADOR QUE NÃO SABE OU NÃO PODE ASSINAR. A lei não cogita só de quem não sabe ler: refere-se,
também, ao que não sabe ou não pode assinar. Esse, já se disse, pode ler, êle mesmo, o testamento, e dá-lo a uma
testemunha, que a rogo o assine. A questão que poderia surgir a da indispensabilidade da leitura pelo oficial
público fica resolvida pela ordinariedade do art. 1.632, III, e a omissão da lei, contrariamente ao que se passa no
art. 1.637.
O cego, que pode e sabe assinar, também deve fazê-lo. Bem assim, o surdo. O art. 1.633 é regra jurídica de exceção
para todos os casos em que o testador não saiba ou não possa assinar.
7.TESTEMUNHA NO TESTAMENTO PREVISTO PELO CÓDIGO CIVIL, ART. 1.633. Assim como a
testemunha do Código Civil, art. 1.637, a do art. 1.633 precisa saber ler. A interpretação dominante que só exige às
testemunhas instrumentárias saber assinar não pode ir até o ponto de permitir que uma delas, a escolhida para
assinar pelo testador, não saiba ler. No artigo 1.637, é isto exigência expressa. Também outrem há de ler, se o
testador é surdo e não sabe ler (art. 1.636) . No art. 1.632, III, não se exige que o testador leia, mas deixa-se-lhe a
faculdade. Nu caso de ser surdo, não sabendo ler, terá de assinar quem o leia (art. 1.636) . Em se tratando de cego,
lê-lo-á o oficial público, porém isto não basta: tera de le-lo uma das testemunhas, designadas pelo testador. Em
nenhum caso, a lei permitiu que a conferência entre o lido e o escrito ficasse somente a cargo do oficial público.
Deve-se, pois, afastar a possibilidade de testamento de analfabeto perante testemunhas analfabetas que assinam:
somente poderiam testemunhar leitura, e a leitura por outrem pode não ter sido o igual do que se lançou nas notas.
Aliás, tal era a boa doutrina. As outras testemunhas podem não ter prestado atenção ao que dizia o testador: foram
rogadas, assistiram, assinaram. Mas a que assina vai dizer, pelo testador analfabeto ou cego, que aquêle é o
testamento que o testador quer: se cego o testador, terá o oficial público e uma das testemunhas de lê-lo, e isso
garante, de algum modo, a identidade do texto; analfabeto, pode dar-se substituição de página, ou leitura diferente
pelo oficial público. A lei era omissa no sistema jurídico romano (CRu. FE. VON GLtYcK, 34, 53).
No art. 1.650, IV, do Código Civil, veda-se ao herdeiro instituído, seus ascendentes, descendentes, irmãos e
conjuge, ser testemunha no testamento. No art. 1.638, diz-se que, se o testador não sabe, ou não pode assinar, o
oficial tem de declarar o que se passa, e uma das testemunhas instrumentárias assina, a rôgo, por êle. Suscitou-se a
questão de se outrem, em vez das testemunhas instrumentárias, pode assinar; e a solução foi no sentido do que
escrevemos, conforme explícita citação. O que é preciso, evidentemente, é que tenha assistido a todo o ato. Não se
precisa dizer que tal ocorreu, pois basta que resuíte do texto e do que dêle se deduz. Na opinião de ITABAIANA
DE OLIvEIRA (Direito das Sucessões, 2•a ed., 236), a pessoa que assina a rôgo tem de ser uma das testemunhas.
Mas fomos contra tal interpretação do art. 1.633. O relator do Recurso Extraordinário n. 9.913, a 3 de janeiro de
1950 (1?. da 3. de 25 de novembro de 1951), Ministro OROSIMO NONATO, expôs:
“Tenho como preferível o ensino de PONTES DE MIRANDA: “No Código Civil, art. 1.633, satisfez-se a lei com o
assinar, a rôgo, uma das testemunhas. Com isso, dispensou-se o octavus subscriptor da L. 21, § 1, C., 6, 23, onde se
dizia: “Quod si litteras testator ignoret vel subscribere nequeat, octavo subscriptore pro eo adhibito eadem servari
decernimus”. Dispensou. Portanto, resolvida está a questão, similar da que se discutirá sob o art. 1.637. Tratar-se-ia
de formalidade a mais, de abundânda de cautela, e o principio assente é o de não invalidar o que satisfez mais do
que a lei exigia”. E acrescentou: “Assim, não vuínera o direito o considerar que pode assinar a rôgo do testador
testemunha extranvmerájia e que a vedação do n. IV do art. 1.650 (que defende possa ser testemunha no testamento
o herdeiro instituido ou ser parente propínquo ou conjuge) diz respeito às testemunhas numerarias
Quanto à pessoa que há de assinar a rôgo, o Código Civil, art. 1.633, exige que seja uma das testemunhas
instrumentárias. Portanto, têm de ser satisfeitos os pressupostos para ser testemunha em testamento (absolutamente
sem razão, a 2•a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de janeiro de 1950, li. E., 132, 119). O testamento pode
ter mais de cinco testemunhas e qualquer delas pode, a rôgo do testador, assinar:
porém de modo nenhum se hã de admitir que possa assinar a rôgo quem não foi testemunha, ou não podia ser
(certa, a 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 3 de agôsto de 1944, E. dos 2’., 152, 645; sem
razão, a g•a Câmara Civil, a 1.0 de março de 1943, 146, 128, e a 43 Câmara Civil, a 12 de setembro de 1940, 133,
158). Quem estêve presente, como se exige às testemunhas, testemunhou, e pode assinar a rôgo, de modo que a
jurisprudência que pretenda dispensar o testemunho, embora fora do número cinco das testemunhas, fere,
frontalmente, o art. 1.633, verbis “uma das testemunhas instrumentárias
8.DECLARAÇAO DE ASSINAR A ROGO DO TESTADOR. De regra, a testemunha que assina pelo testador diz
antes de assinar “a rôgo de E” ou “a rôgo do testador”. Resta saber-se se a omissão disso causa nulidade do
testamento. Não, se no contexto da cédula se especificou o motivo de outrem assinar e foi dito quem o faria. Não é
verdade que baste declarar que uma das testemunhas o assinará por não saber assinar o testador. Donde as seguintes
conseqúências: a) Se o testador está no caso do Código Civil, art. 1.633, e o oficial público apenas diz que uma das
testemunhas, por êsse motivo, por êle assinará, sem mencionar qual delas, e tôdas assinam sem a declaração “a
rôgo”, nulo é o testamento, e responde o oficial público. b)
Se o oficial público diz que uma das testemunhas assinará pelo testador, mencionando o nome dela, sem dizer por
que motiva assina a rôgo, dá-se o mesmo que no caso anterior: nulidade do testamento, responsabilidade do oficial
público. Salvo motiva notório (e.g., “João cego”). c) Se o oficial público declara quem assina e o motivo por que o
faz e tudo se observa, mas, por inadvertência, a declaração “a rôgo” aparece junto a nome de nutra testemunha
(sem anteceder ou pospor-se ao nome da que devia assinar a rôgo), há nulidade por defeito de forma e
responsabilidade do oficial público. d) Se o oficial público diz que uma das testemunhas (sem individuá-la)
assinará a rôgo, por não saber assinar o testador, e uma delas, a primeira, a última,
-ou qualquer das outras, ao assinar, declara que o faz a rôgo do testador, procedendo à individualização que o
oficial público
-omitira, vale o testamento? Surgem questões. Não se pode dizer que o oficial público deixou de especificar as
formalidades, mas uma vez que êle assina depois das testemunhas, tal posterioridade da firma não basta à
individualização. Seria atribuir-se à assinatura do oficial público valor de dar fé pública ao que está
-antes dela, e dispensar, quanto à parte do conteúdo, o porte por fé em declaração expressa. Não se encontra
discutida a questão, mas é de grande proveito distinguir-se: a) se o oficial, ao enumerar as testemunhas (art. 1.632,
1), o que se faz no principio da cédula, dá-lhes ordem que se observa em todo o contexto, e no fim, ao dizer quem
assina pelo testador, declara que a primeira assinará a rôgo, e essa realmente é a primeira a assinar, seria demasiado
formalismo querer-se pôr em dúvida a validade; b) se a assinatura, que aparece em primeiro lugar, não coincide
com o nome da primeira enumerada, é nulo, e responde o oficial público. Autor, se a declaração aparece junto a
nome que coincida com o da primeira, porque então se há de entender que o oficial público se referia à primeira
enumerada, e não à primeira que ia assinar. Não é idêntica a discordância anterior a essa, porque, aqui, o oficial
público tinha a enumeração feita, de que usou e portou por fé, ao passo que, ali, havia enumeração, de que não
usou, e a ordem das assina-turas, discordando da enumeração, desmente o texto, que êle portou por fé.
1.EXIGÊNCIAS FORMALÍSTICAS E MENÇÃO ExIGIrA. Diz-se no Código Civil, art. 1.684: “O oficial
público, especificando cada uma dessas formalidades, podará por fé, no testamento, haverem sido tôdas
observadas”. E seu parágrafo único: “Se faltar, ou não se mencionar alguma delas, será nulo o testamente,
respondendo o oficial público civil e criminalmente”.
Tudo que no art. 1.632 se exigiu é insuprível e torna a cédula negocio juridico formal: se alguma exigência não se
satisfez, não vale o testamento. Pode testamento exprimir a vontade do testador, mas, por defeito de forma, ser
nulo. O fito da lei é proteger a vontade do testador, e não o testamento. Por isso, dá ação contra o oficial público,
por faltar formalidade, ou não se mencionar alguma delas: a cédula nula representa a vontade do testador somente
para o efeito de dar aos contemplados a ação civil contra o oficial público.
Assim, sempre que há testamento perante oficial público (isto é, se está fora de dúvida que o oficial público
funcionou) ou o testamento vale e se cumpre, ou não vale, e o oficial público responde, civilmentente, quanto aos
prejuízos causados aos. herdeiros instituidos, legatários e mais beneficiados.
Pode dar-se que o testamento nulo- seja revogação parcial ou total, diminua encargos, ou deixe de clausular
legítima, e ainda nessa espécie responde o oficial público, pelos danos que se liquidarem.
Há a alternativa, se houve nulidade por infração de regra jurídica sôbre forma: ou se cumpre; ou não se cumpre, e
responde o oficial público.
Admitido, pela lei, êsse critério compensatório, segundo-o qual o fato de ter a vontade sido expressa, mas
nulamente, por defeito de forma, implica a responsabilidade do oficial publico, compreende-se que o juiz seja mais
exigente no formalismo do testamento público do que, no tocante ao testamento cerrado, na parte de ato do
testador, e no testamento particular.
Nulo o particular, nenhuma responsabilidade simétrica e compensante se teria: quis, mas a forma inutilizou o
querer. Dir-se-á o mesmo do testamento cerrado, na parte oculta ou exclusiva do testador.
Na ação, se se propõe, para a responsabilidade do oficial público, o próprio testamento diz o quanto ou serve de
base para a fixação, quando dos seus têrmos não fôr expressa a quantidade em que consiste a herança, o legado ou
o benefício -O oficial público responde como se fôra cumprido o testamento. Portanto, mais os frutos e
rendimentos, os acidentes, as duplicações de ações ou aumentos por quotas dos fundos de reserva, menos as
despesas, que teriam sido feitas, para a execução do testamento e para o inventário.
O próprio testamenteiro, que tinha legado remuneratório, ou a que se fixava ou não se fixava prêmio, tem direito a
Te--clamar do oficial público o que deixou de ganhar. Na ação contra o oficial público, deve ser citado o
testamenteiro, porque, eventualmente, se houver dúvida quanto a verbas testamentárias, terá de pronunciar-Se.
Aliás, o testamenteiro terá de exercer na ação as suas eventuais funções.
Se, pela legislação local, a ação corre fora do juízo de testamentos e surge discordância quanto à interpretação das
cláusulas ou disposições testamentárias, o juiz não fica autorizado a interpretá-las. O oficial público responde
como se tivessem cumprido o testamento. E só ~ juízo dos testamentos pode decidir em assunto de vontade do
testador: interpretada a verba no juízo de testamentos, junta-se a certidão aos autos do juízo da ação de indenização.
Ou êsse, a requerimento dos interessados, ou do Curador, que deve ser ouvido na ação civil. oficia àquele para que
dê a interpretação. No juízo dos testamentos, há os mesmos recursos que existiriam se válido o testamento.
2.ESPECIFICAÇÃO DAS FORMALIDADES. Não basta que o oficial público declare terem sido cumpridas,
integralmente, tôdas as formalidades legais, isto é, as formalidades do Código Civil, arts. 1.532 e 1.533. É de mister
mencioná-las uma por uma, de modo expresso, terminando pela declaração global. Há, pois, no art. 1.643 duas
partes: uma, que é a da especificação das formalidades ou requisitos essenciais (nos casos ordinários, os do art.
1.532; sendo analfabeto o testador, aquêles e os do art. 1.633; se inteiramente surdo, aquêles e o do artigo 1.636;
sendo cego, aquêles e os do art. 1.637) ; outra, que consiste no portar por fé terem sido observadas tôdas as
formalidades. Se o oficial público porta por fé, sem as especificar, é nulo o testamento e responde civil e
criminalmente o oficial público. Se as especifica, esquecendo-se de portar por fé a observância, também nulo será,
e tem de responder.
Não escusa o oficial público o fato de constar do próprio testamento o requisito, se bem que o não mencione.
Assim, se do texto escrito pelo oficial público, não consta que o testador assinou, mas está, efetivamente, assinado
pelo testador, o testamento, nem vale êsse, nem se exime da responsabilidade o oficial público que deixou de
mencionar.
Se o oficial público não se refere a leitura do testamento, não pode ter cumpra-se ( 3.~ Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, 7 de março de 1945, 1º. dos 2º., 159, 713; 5•a Câmara Civil, 15 de fevereiro de 1940, 126,
559: “Não se deduz da declaração de que “foram cumpridas tôdas as formalidades legais” que o testamento em
questão tivesse sido lido, sem expressa menção dessa circunstância, indispensável para a sua validade”).
3.RESPONSABiLIDADE DO OFICIAL. Primeira leitura do art. 1.634, parágrafo único, do Código Civil pode dar
a entender que só é responsável o oficial público se algo falta ao texto,ou não se menciona alguma das
formalidades ou requisitos essenciais, que acima se enumeraram. Se declarada a nulidade por haver discordância
entre o que o oficial público leu e o que consta da cédula, ou entre o que as pessoas dos arts. 1.636 e 1.637 leram e
o que consta do livro, ou, ainda, firmada qualquer co-autoria ou cumplicidade do oficial público, responde êle civil
e criminalmente. Tudo que êle portou por fé pública, se não corresponde aos fatos, torna-o responsável nos dois
juízos.
Se os herdeiros legítimos acordarem na execução do testamento, nenhuma responsabilidade civil cabe ao oficial
público. Porém o processo criminal pode ser instaurado. Se o testador fêz, depois, outro testamento, o ato anterior é
nenhum, porém o simples fato de constar do livro de notas testamento sem formalidades devidas, de que poderiam
ter resultado consequências lesivas, sujeita o oficial público às correições e às penas disciplinares.
Resta saber se, em todos os casos de nulidade devida ao oficial público, podem os herdeiros legítimos cumprir o
testamento. JosÉ DIAS FERREIRA (Código Civil português anotado, IV, 295) nenhuma distinção fêz. Para êle,
executado, sem oposição dos herdeiros legítimos, o testamento, sanada estaria a nulidade. Porém êle mesmo,
referindo-se ao testador, escreveu que não poderia ratificar ou confirmar o testamento nulo. Dá-se aos herdeiros
maior poder do que ao testador. De ato nulo querem-se consequências da importância jurídica das fundações, das
substituiçóes e dos fideicomissos. Não é possível que prevaleça tal critério apriorístico. Impõem-se as distinções:
a) Se a nulidade formal é de tal natureza que deixe em dúvida
-a identidade do falecido testador, seria exigir do juiz cumprir ato talvez criminoso, no qual (dificilmente, é certo),
podem ser interessados os próprios herdeiros legítimos. b) Se, na execução dos testamentos, ficam prejudicados
terceiros que não sejam herdeiros legítimos (por exemplo, cláusula contratual de sociedade, em que há alternativa
concernente à disposição de última vontade), sem a audiência dêles não se poderia cumprir.
Rigorosamente, a linha divisória entre o testamento nulo, cumprível por vontade dos herdeiros legítimos e, em
geral, interessados na não-execução, e o testamento nulo, que tais interessados não podem cumprir, só ao juiz,
apreciadas as circunstâncias, será dado decidir. Toca diretamente à dignidade da justiça, e qualquer regra abstrata
teria de ceder diante da livre e direta verificação dos fatos. Pode bem ser que queíram encobrir um crime. Talvez,
no ato mesmo dos herdeiros legítimos, um seja beneficiado e coaja os outros.
Juridicamente, tal execução do nulo não é execuçâo testamentária, mas ato jurídico dos interessados, por têrmo nos
autos, com processo similar ao testamento, e toma o caráter inicial e a figura jurídica bordada pelos fatos: ou será
transação com os instituidos, ou desistência, ou renúncia, e terão de ser ressalvados os direitos dos credores. Só
obriga aos que intervierem.
Não se sanou a nulidade, porque era insanável: o que sa tem diante dos olhos é ato de indenização. Um testamento
nulo não deve, nem pode ratificar-se, ou confirmar-se por interessados.
Quanto à confirmação tácita e à execução voluntária do-testamento, só aparentemente o processo é testamentário.
Mas, nessa aparênCia, nesse mandar que seja eficaz o que, para o-direito, não vale, nesse trocar a inexistência de
direito sucessório pela existência de ato entEe vivos, que finja aquêle, em tudo-se há de respeitar o fingido. Salvo
se, na execução voluntária,, os herdeiros legítimos (ou os contemplados no testamento antenor válido) incluiram
restrições que não destoam da digni-dade dos atos perante o juiz.
1. APTIDRO PELA FALA. Diz o Código Civil, art. 1.685: “Considera-se habilitado a testar piiblicamente aquêle,
que puder fazer de viva voz as suas declarações, e verificar, pela sua leitura, haverem sido fielmente exaradas”. O
Projeto primitivo, art. 1.806, dizia: “Todo aquêle que puder fazer as suas declarações de viva voz e verificar pela
leitura que elas foram fielmente transladadas, está habilitado a testar públicamente”.
Rigorosamente, a fonte foi o Projeto primitivo. Mas o art. 1.635- do Código Civil compõe-se de uma parte útil, que
vai da primeira palavra até a exigência de “fazer de viva voz as suas declarações”, e outra inútil, que é o final, pois
vai ser destruído, em parte, pelo art. 1.636. Em boa técnica, o que era preciso não se fêz: a regra jurídica prática,
inteligente, sôbre a mudez. O surdo teve o seu (art. 1.685). O cego (art. 1.637) e os surdos-mudos (art. 1.642)
também o tiveram. O analfabeto, como espécie do que não sabe ou não pode assinar, foi contemplado no art. 1.633.
Do mudo nada se disse.
2.INCAPACIDADE DE FALAR, DE VER E DE OUVIR. Exige o Código Civil, no testamento público, que o
testador dite ou declare o que quer (art. 1.632, 1), ouça a leitura que lhe fará o oficial (art. 1.632, III) . Donde
quatro dificuldades: a> a surdo-mudez, que impediria o uso do testamento público: não pode ler alto, nem pode
ouvir (opinião de CLÓVIS BEVILÁQUA, Código Civil comentado, VI, 90, que se chocou, de lege ferenda, com o
art. 1.636) ; b) a mudez, que permite ouvir e permitiria a entrega de minuta ao oficial público, sem qualquer
inconveniente, mas o art. 1.635 torna assaz duvidosa a valia, por não poder fazer, “de viva voz”, as declarações; e)
a surdez, sem mudez, caso em que lerá de viva voz o que ditou e, se o não souber, designará quem o leia às
testemunhas; d) cegueira, caso, que obriga a duas leituras, uma pelo oficial público, e outra por uma das
testemunhas que o testador designe, O analfabeto pode ditar e ouvir o que ditou. Portanto, pode testar
públicamente. O surdo-mudo só é incapaz de testar no mesmo caso em que o surdo-mudo seria incapaz para
qualquer outro ato jurídico: se não pode exprimir-se (Código Civil, arts. 5•0, III, e 1.627, IV). Portanto, o que pode
exprimir-se, ainda que não fale, nem ouça, pode testar. Mas o Código Civil, por defeito de técnica, deixou sem uso
da forma o mudo não surdo que não sabe ler e o mudo cego. Conforme adiante se diz, a doutrina deve procurar
solução para tais casos. Se é certo ser de ordem pública o direito das formas testamentárias, não é menos que as
regras jurídicas sôbre incapacidade se interpretam restritamente E nem o mudo cego, nem o surdo analfabeto foram
declarados incapazes no art. 1.627, que tratou das incapacidades de testamentifação.
Ao mudo, a lei francesa permite testar com a forma secreta, se sabe escrever (art. 979) : escrito, datado, assinado
pelo testador, exigências evidentemente exageradas.
A lei alemã estatui longamente sôbre o assunto. Aquêle que, segundo a convicção do juiz ou do notário, é mudo, ou
de qualquer maneira não pode falar, somente pela entrega de um escrito pode fazer o seu testamento. Durante o
processo, escreve no próprio protocolo, ou em fôlha separada que se lhe junte, a declaração de que o escrito contém
as suas últimas vontades (§ 2.243, alínea 1.~). O protocolo dirá que a declaração é hológrafa e está convicto o juiz
ou o notário de não poder falar o testado-r (§ 2.243, alínea 2,a)
No Código Civil alemão não há regra jurídica sôbre os surdos e o modo de testar. Duvidosa a capacidade, nos
Motive (V, 275). Sem importância a omissão, porque, perante o juiz ou notário, basta entregar a minuta (§ 2.242,
alínea 1a 3~a parte). Em todo o caso, E. ENDEMANN (Lehrbuch des Ehirgeriicken Reckts, III, § 35, c) e GEORO
FROMMROLD (Das EH,recite, 3 b ao § 2.229), negam ao surdo-mudo a forma pública, porque não pode ouvir a
leitura do protocolo. Mas, em geral, a opinião é contrária (E. STROHAL, Das deutsche Erbrecht, § 21, nota 40; E.
RITGEN, em G. PLANCR, Biirgerliches Gesetzbuch, V, 462; J. BÕJIM, Das Erbrecltt des BaR., 80; 1-1.
JASTROW, Formularbuch um! Notariatsrecite 1, 173 e 178; GUSTAXZ MÀRKER,§ 5.570. DECLARAÇÕES
DE VIVA VOZ 47- Pie Nachlussbelzandiung, 100; GERHARD EICHHORN, Das Testament, 123) . E com razão.
Quanto ao surdo-mudo, também nenhuma disposição especial. Ou êle sabe e pode escrever, e testa por testamento
de mão própria, ou, embora surdo, pela entrega de minuta, como o mudo, § 2.243 <J. BÕHM, Das Erbrecht des
EGE., 80). GEORO FROMMH-OLD (Das Erbrecht, 3 5 ao § 2.229) repugnou tal extensão do testamento do mudo
ao surdo. Mas a verdade é que pode saber ler a língua comum e então pode ler o que foi escrito no testamento
público: é a aceitação do protocolo. ,, Por que, então, lhe negar o testamento por ato público? (R. WILKE,
Erbreeht, 2 ao § 2.243; A. JASTROW,. Formularbuch und No-tariatsrecht, 1, 53, 180; F. RITGEN, em
G.PLANCK, Biirgerliches Gesetzbueh, V, 462).
Qual a solução, se o surdo-mudo aprendeu a língua fônica especial? ~ o caso de admitir-lhe o testamento público,
na Alemanha, com o auxílio, para o notário, de um professor; ou o testamento cerrado, no Brasil, se sabe ler e
escrever. Contra, F. ENDE-MANN (Lehrbuch des Rilrgerlichen Rechts, III, § 35, 270), porque, disse, continua
surdo, e o mudo não testa por ato público.
No direito anterior podia testar por linguagem de sinais (J.C. GENSLER, Das Testament einer taubgebornen und
sprachlosen Person, Archiv flir die civilistiscite Praxis, III, 845), o que hoje se nega. Mas, ,~,se êle, mudo, usa
sinais e pode ouvir? Aí, há questão (cp. F. ENDEMANN, Lekrbuch. des Bitrgerlicheu Rechts, III, 270), que não é
de somenos importância. A nossa opinião seria, no direito alemão, pela afirmativa.
Odireito suíço é mais prudente. O disponente indica a sua vontade. A indicação pode ser escrita, oral, por sinoÁ.r
(A.ESCUER, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch,, III, 82; EUCÊNE CURTI-
FORRER, Commentaire du Cede Civil suisse, 395), quer escrita de cegos, quer de surdos-mudos. “Mitteilung” é
expressão neutra: oral, ou gráfica-mente. Assaz liberal o formalismo suíço. Se o testador, respondendo, faz sinais
inconfundíveis, como a aprovação de cabeça, ou monossilábica, vale a declaração perante o oficial pú-blico (P.
TUOR, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 305), de modo que o mudo testa, por ato público.
respondendo com gestos, ou dizeres escritos.
No Código Civil alemão, o que não pode falar, nem por outra maneira exprimir-se, somente por escrito pode testar.
No § 2.243 permite-se-lhe entregar ao juiz a declaração gráfica. É inadmissível testar por sinais, ou por intérpretes
(Motive, V, 251; 276, cp., no direito anterior, E. MEISCREIDER, fie letztwilligen Verfilgungeu na-ch. dem BGB.,
40, nota 10>. Não se aplicam aos testamentos as regras jurídicas sôbre os intérpretes de surdos-mudos. Donde udo
poderem testar as pessoas que são menores e mudas (os menores só testam oralmente perante o juiz ou notário, §
2.238, alínea 2.~), e os mudos que não sabem ler (§ 2.247) ou escrever (§ 2.243) . É defeito técnico de que se livrou
o Código Civil suíço. Aliás, as regras jurídicas de forma são interpretáveis, como antes deixamos assente, e a
doutrina faz bem em preencher tão graves lacunas da lei escrita.
3.MUDEZ, IMPOSSIBILIDADE DE FALAR E TESTAMENTO. No direito brasileiro, o mudo não pode testar por
ato público: o Código Civil, art. 1.636, que abriu exceção em favor do surdo, riscando o segundo requisito do
testamento em notas do tabelião, o ouvir a leitura, satisfazendo-se com o primeiro, declarações de viva voz, não
admitiu se riscasse, excepcionalmente, êsse, satisfazendo-se com aquêle.
A exceção do art. 1.636 é justificável sem a outra, menos perigosa: o mudo, que soubesse escrever, daria, escritas,
as declarações, e ouviria a leitura. Se sabe escrever, testa hologràficamente, porquanto, se é certo que o testamento
particular precisa ser lido às testemunha, é o mesmo lerem-na tôdas as cinco, que vão assinar (art. 1.645, III) .
Recorrerá, se quiser, ao testamento cerrado. Mas surgem questões:
a) ,Se o mudo, não surdo, não sabe escrever? Se pode exprimir-se, outrem escreve, e êle ouve a leitura. ~ Como,
porém, fazer o testamento? Público? Impede-o o art. 1.635. Cerrado Teria êle de declarar ao oficial público ser o
seu testamento e querer que o aprove (ad. 1.638, V e VI). Por testamento particular, não no poderia. Portanto, temos
de admitir que, exprimindo-se por gestos, quem pôde ditar, deve poder substituir as declarações verbais do art.
1.638, V e VI, bem mais simples, pelos seus sinais inteligíveis. ~E a exigência de saber ler (artigo 1.641) ? Temos
de ver a vida em vez de ver somente textos. b) Se o mudo-cego sabe a escrita dos cegos, por ser mudo não poderia
testar públicamente (não se expressa de viva voz), nem pelo cerrado (pode verificar o que outrem escreveu,
entregar ao oficial público, mas há no assunto a regra jurídica despótica do art. 1.637), nem pelo hológrafo, em
virtude da declaração do citado artigo. Que fazer? Ambos, o que se exprime sem saber ler e escrever, mas ouve, e o
outro, que sabe escrever com a sua escrita, mas é mudo e cego, podem ser sãos de espírito, e exprimir o que
querem. No estado atual do direito brasileiro, temos de atender às circunstâncias e admitir que os arts. 1.641 e
1.637 não se apliquem a casos tão excepcionais.
O mudo, que não pode testar por testamento público, é a que, com a bôca e por palavras articuladas, não pode falar.
Se articula, ainda que de modo forçado e exótico, se se faz entender por palavras, pode testar.
O rigor da lei escrita vai ao extremo de negar o testamente público ao que, embora não seja mudo, se acha,
ocasionalmente, impossibilitado de falar. Tal é o caso do que sofreu operação e o médico lhe proibiu que falasse.
4. REVISÂO DA DOUTRINA. Certamente temos de respeitar o direito formular do Código Civil, temos de levar
em conta tomo requisito essencial tudo que êle diz sôbre mudos, surdos, surdos-mudos e cegos. Mas, dadas certas
circunstâncias, e essas foram acima apontadas, não podemos levar as exigências de garantia ao extremo de vedar a
alguém, maior de dezesseis anos, sao de espírito, e que pode exprimir-se, a faculdade de dispor,
testamentàriamente, dos seus bens. O legislador não podia ter vedado a liberdade da expressão, e não devemos
deixar que se opere, em proveito de mal-entendido formalismo, injustiça social que nos faria recuar aquém de
Justiniano.
Para isso, basta recorrermos à evolução de doutrina, à evolução da técnica que se processou através da história
romana. A princípio, eram incapazes de testar os mudos e os surdos; com dupla razão, os surdos-mudos. Levava-se
a ríspidos extremos a exigência de falar e de ouvir. No século VI, subiu-se um degrau: mas, ainda em tal direito, se
distinguia o defeito de nascença e o defeito posterior ou acidental.
~Será justo que no século XX haja quem possa exprimir-se e não possa testar? Se o art. 5$ do Código Civil
conhece surdos-mudos que se exprimem e se confirma, no artigo 1.627, IV, tal reconhecimento, 2,como deixar
incapazes fora do art. 1.627? Tudo isso porque o direito de sucessões, mais estável que o direito das obrigações,
não atendeu à possibilidade de declaração na escrita do cego ou dos surdos-mudos e, quanto ao mudo analfabeto,
não lhe deixou forma nenhuma. Nem sequer ao mudo letrado, que perdeu as mãos. Se êle se exprime?
Assim como a existência de mudo nato que aprendeu a ler, a escrever, e a de surdo nato, ou surdo-mudo de
nascença, impuseram exceção à distinção do século VI, a excepcionalidade de hoje deve autorizar-nos a reconhecer
a tais mutilados dos sentidos a única forma ou a mais razoável, de que êles, provada a excepcionalidade, podem
socorrer-se. Qualquer outra solução seria volver ao dito de GAIO, que se choca com a letra expressa do art. 1.627:
surdus et uutns testamentum facerenan possunt.
1.SURDEZ E lEITURA DO TESTAMENTO. Diz o Código Civil, art. 1.636: “O indivíduo inteiramente surdo,
sabendo ler, lerá o seu testamento, e~ se o não souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as
testemunhas”.
O art. 1.686 proveio do antigo Código Civil português, art. 1.917: “Quem fôr inteiramente surdo, mas souber ler,
deverá ler o seu testamento, e se não souber ler, designará a pessoa que o há de ler em seu lugar, sempre na
presença das testemunhas”. Assim o Código Civil da Espanha, art. 697, o~ mexicano, art. 3.772 (art. 3.503), o
uruguaio, arts. 759 e 766, e o venezuelano, art. 849 (Si eI testador no sabe o no puede leer, se necessitan dos
testigos más de los requeridos en ei articulo 840, y d’ebe expresar su voluntad ante ellos de palabra). O extinto
Código Civil italiano, art. 787, alíneas 2•a e 3•a, exigia: “Ove il testatore sia incapace anche di leggere, debono
intervenire cinque testimoni. Si il testamento é ricevuto da due notai, bastano tre testimoni”. No Código Civil
italiano de 1942, depois de se dizer no art. 608, 2~a alínea, 2•a parte, que: “Se II testatore non puô sottoscriv’ere, o
puô farlo solo con grave difficoltá, deve dichiararne la causa, e il notalo deve menzionare
questa dichiarazione prima della lettura delI atto”, acrescenta-se, como alínea S.a: “Per il testamento deI muto,
sordo o sordomuto si osservano le norme stabilite daíla legge notarile per gli atti pubblici di queste persone.
Qualora il testatore sia incapace anche di leggere, devono intervenire quattro testimoni”. Radical o Código Civil
argentino, art. 3.65-1: por ato público não podem testar o surdo, o mudo e o surdo-mudo.
2.SURDO QUE LÊ E SURDO QUE NÃO LÊ. No Código Civil, art. 1.636, prevêem-se dois casos: a) o do surdo
que sabe ler, e satisfaz os dois requisitos de falar e de ler (substituido o ouvir pela leitura feita por êle mesmo,
facilitação que se impunha por valer tanto quanto ouvir, talvez mais, o ler o testador o que se escreveu, ditado ou
declarado por êle) ; b) e o do surdo que não lê, e indica quem por êle leia, facilitação que importa verdadeira
nuncupatividade, em ato de confiança no testador, impossibilitado, ex hypothesi, de ouvir a leitura, como de ler.
8. ASSINATURA DO SURDO. Se o surdo sabe ler e assinar, lê e assina o testamento. Se o surdo não sabe ler, nem
assinar, alguém, que êle designe, presentes as testemunhas, lerá o seu testamento. Levantou-se a questão: ~ quem
há de assinar por êle? O leitor (cf. art. 1.686 do Código Civil), ou uma das testemunhas instrumentárias de que fala
o art. 1.633?
Uma vez que o leitor figurou, deve assinar, mas assinar por si, como leitor que foi, a rôgo do testador: quem assina
pelo testador é a testemunha instrumentária com que o artigo 1.633 facilita aos que não sabem ou não podem
assinar o requisito do art. 1.632, IV, a que se não reporta o art. 1.636. Ocorre o mesmo quanto ao cego.
Se o surdo não sabe ler, mas sabe e pode assinar, não lhe é dispensada a assinatura: o art. 1.686 é exceção ou
dispensa do requisito da leitura (art. 1.682, III), e não da assinatura (art. 1.632, IV) . Exceção ou dispensa do
requisito da assinatura foi matéria do art. 1.633. (Tudo isso era diverso no direito romano onde êsse terceiro era
subscaptor.)
4.CAPACIDADE DO LEDOR DO TESTAMENTO DO SURDO QUE NÃO LÊ. A lei não chama testemunha ao
ledor do testamento mas deve êle ter os requisitos exigidos às testemunhas; e não só os requisitos de atestação
como também os de instrumento testamentário (art. 1.650) . Por conseguinte, não podem ser encarregados da
leitura: os menores de dezesseis anos, os loucos de todo o gênero, os surdos-mudos e os cegos, o herdeiro
instituído, seus ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuge, e os mais de que se fala sob o art. 1.650.
5.SE O LEDOR É OITAvO FIGURANTE. O art. 1636 deriva do extinto Código Civil português, art. 1.917. Mas,
aqui e ali, a interpretação foi divergente. No direito português, entendia LOPES PRAÇA (Lições litografadas de
Direito Civil, 281) que as testemunhas instrumentárias não podem ser designadas para a leitura do testamento, teria
de intervir outra pessoa, que seria estranha às figurantes, e JosÉ TAVARES (Sucessões, 615) achava dispensável a
pessoa suplementar, incumbindo-se da leitura uma das testemunhas instrumentárias. No direito brasileiro, de um
lado, CLóvís BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 91), e do outro, JoXo Luís ALVES (Código Civil
anotado, XI, 1~a ed., sob o art. 1.149) e ITABAIANA DE OLIVEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 233).
Dizia CLÓVIS BEVILÁQUA (90 s.) : “Deve ser mencionada no testamento a circunstância, a que se refere o
artigo. Não é necessário que a pessoa designada para ler seja testemunha suplementar. Poderá ser uma das
instrumentárias, que devem estar reUnidas para ouvir a leitura. Confrontando-se êste artigo, com o 1.633 e com o
1.638, verifica-se que o Código dispensa a intervenção de mais de uma pessoa, no ato, sempre que o testador não
pode executar por si uma das formalidades do testamento público, e a lei permite que outrem a execute em seu
lugar”. Diferente o que pensava ITABAIANA DE OLIvEIRA (233):
“O Código Civil, neste art. 1.636, afastou-se do seu sistema, pois, sempre que o testador não pode executar, por si,
unta das formalidades do testamento público, a lei determina que uma das testemunhas instrumentárias a execute
em seu lugar. É o que se verifica nas hipóteses dos arts. 1.633 e 1.637. Entretanto, a pessoa designada para proceder
à leitura do testamento do surdo não pode ser uma testemunha testamentária. Há de ser uma testemunha
suplementar, que procederá à leitura na presença das instrumentárias”. Como resolver?
§ 5.871. SURDO E LEITURA O Projeto revisto copiou-o do extinto Código Civil português: a lei estatui,
retrogradamente, que seja outrem, designado, que o leia. Querer que possa ser uma das testemunhas, tratando-se,
como se trata, de matéria formalística, fôra abertamente dispensar na lei. Ora, as contemporâneas tendências de
interpretação das leis, que autorizam o juiz a formular a própria regra jurídica, evita tal intromissão quando se trata
de resolver assunto de direito formalistico.
6.SE O LEDOR, QUE SABIA A LINGUAGEM DOS SURDOS, LEU PARA SI, E NÃO PARA O SURDO. A lei
não exige que o leitor saiba a linguagem dos surdos e lhe traduza as declarações que fêz o testador, e foram escritas
pelo oficial - A formalidade do art. 1.636 importa leitura pelo surdo que não sabe ler: o leitor designado como que
representa o surdo, e tal leitor das notas pode não entender os sinais da linguagem especial. Mas, se o testador sabe
tal linguagem e o leitor pode reproduzir o que está escrito, deve fazê-lo. Se o não faz, certo não acarretará isso
nulidade, porém estabelece indicio forte, pra esumptio facti, na ação de invalidade em que se pretenda provar terem
sido inexatas e dolosas ou fraudulentas as declarações escritas.
7.SURDO-CEGO E A FORMA DE TESTAMENTO. A tal disponente a lei não veda o testamento público: êle fala.
Porém, por ser surdo, alguém, que não seja uma das testemunhas, nem o oficial público, tem de ser designado por
êle, para ler o testamento. Talvez, no caso anterior (n. 6), transmitir-lhe o que está escrito (é possível, ex hypothesi,
a linguagem do surdo-cego). Por ser cego o testador, tem de ser lido duas vêzes o testamento: uma, pelo oficial
público, e outra, pela testemunha instrumentária que fôr designada. Portanto, três leituras: a do oficial,
indispensável, a especial da surdez (por delegação a oitava pessoa) e a especial da cecidade, por uma das
testemunhas instrumentárias.
Em todo o caso, pode a doutrina atenuar a regra jurídica, pois não se trata do caso no n. 5. Se uma das testemunhas
não leu, mas o surdo cego designou estranho para a leitura, além da que deve fazer o oficial público, não se deve
dar por nulo o testamento, porquanto a delegação de leitura é mais do que o pressuposto especial concernente à
cegueira, que teria por fito ser verificado, auditivamente, pelo testador, o redigido pelo oficial público, e a
verificação, pressuposta no art. 1.637, o cego-surdo não pode fazer.
2.ASSINATURA DO CEGO E DISPENSABILIDADE. Já se disse que o cego, que sabe e pode assinar, deve fazê-
lo, O artigo 1.637 só dispensa o que não é possível observar-se. E a assinatura só se dispensa aos que rido sabem ou
não podem assinar.
Resta uma questão: se o cego assina, j, a testemunha, que leia o testamento (depois da leitura pelo oficial público),
precisa. por ele assinar? Não. O art. 1637~ exige a leitura pelo oficial público e pela testemunha designada. É
exigência, a nuns. Quanto à assinatura nada disse. Portanto, observar-se-á, integramente, o art. 1.682, IV, se o cego
sabe op pode assinar. Se não sabe, ou não pode, recorre-se ao art. 1.038, que não se refere só aos analfabetos, mas,
em geral, a todos os que não saibam ou não possam assinar.
Estendiam as exigências da lei de Justino aos testamentos privilegiados: além de J. J. WISSENBACH, 3. PACIUS
(Analys. Institut., ad § 4, 1, Quibus non est permiss. facere testam., 241), 3. U. voN CRAMER (Wetzfrtrische
Reitrãge, 88 s.), 3. F. RIvINUs (Dissertatio de testamento parentum inter liberos corum duobus testibus condito,
respectu aliarum personarvflt invalido, § 22), e A. F. RívíNus (Dissertatio de testamento rrentum privilegiaria
solenne prius conditum non infirmanter §§ 15-17) - Mas, hoje, com o art. 1.668, seria arbitrária tal conclusão: o
que servia militarmente e se achava na situação do ad. 1.687 pode testar, se cegou. A cegueira resultante da guerra
ou ainda se não resultante de pessoas em combate, não obsta ao testamento especial.
1.PRECISÕES. Algumas considerações devem ser feitas sôbre o testamento público, além das que constituem
matéria da lei civil. Ou porque concernem ao direito judiciário das entidades intra-estatais, ou por suporem o
conhecimento global dos dispositivos do Código Civil. Lendo-se os arts. 1.632-1.637, vê-se que êles contêm regras
jurídicas que se ligam a direito judiciário e a dados especiais, relativos a circunstâncias subjetivas do testador: não
saber ou não poder assinar,não poder ditar de viva voz, ser surdo, ser cego. Se algum Estado-membro exige que os
livros sejam em determinado papel, ou que os testamentos cerrados o sejam, os livros, com a rubrica de quem os
deva rubricar, ainda se em outro papel, são livros de notas; sendo cerrado o testamento, a lei estadual não lhe pode
atingir a. validade.
6: Aliás, quando o imperador Maximiliano 1, em 1512, exigiu o pergaminho dos testamentos notariais, impôs mais
do que o bom senso permitiria. O destino da regra jurídica foi o que se viu: caiu em desuso. As leis são feitas para
servir à vida, e não para de servi-la. Cf - B. BAImILI (Disputatio de subacriptione, 32-84).
O Código Civil brasileiro não acolheu o testamento judicial ou apud acta: só se referiu ao testamento lavrado pelo
oficial público; portanto, pelo oficial que tenha fé pública. Se alguma legislação estadual desse ao juiz de paz,
explicitamente, tal função, teria criado para os testamentos na pessoa do juiz, atribuição tabelionária. O direito
federal seria o mesmo.
2.DIREITO CANÔNICO. A tentativa de fazer recuar o testamento ao comêço de ciclo social, à preponderância da
religião, como pretendeu e logrou o direito canônico, teve contra si o surto dos próprios tempos, repondo o instituto
na sua situação histórico-evolutiva.
No direito canônico, eram só duas as testemunhas (c. 10, IX, III, 26), vindo de Alexandre III. O fim era facilitar os
testamenta ad pias causas. A Igreja sempre pugnou pela liberdade de testar e pelas facilitações ao dispor intuitu
morlis. Política econômica, tenaz e sutil, que veio até os nossos dias. Com os seus prós e os seus contras.
3.ESSENCIALIDADE 1)05 PRESSUPOSTOS. Tôda a matéria dos arts. 1.682-1.637 do Código Civil constitui
solenidade essencial. Quer dizer: não pode ser dispensada. Se faltou,. é nulo o testamento. Mas a distinção, que
devemos fazer, não concerne a tal sentido. Tudo que é intrínseco e tudo que é extrínseco nos artigos citados
interessa igualmente à segurança jurídica e, pois, não se pode dispensar, nem omitir. O discrimedo intrínseco e do
extrínseco, assaz importante em direito internacional privado e em direito intertemporal, merece feito, atendendo-se
a especial qualificação do direito brasileiro. O fato de todos as referidas regras jurídicas se acharem dentro
do capitulo intitulado “Das formas ordinarias do testamento” não prova que tudo seja extrínseco, nem que se lhes
devam aplicar, indistintamente, os princípios de direito intertemporal e de direito internacional privado relativos às
formas extrínsecas.
Assim, impõe-se a distinção: 1) É requisito essencial ex trínseco: a) o ser ditado ou declarado; b) a assistência das
testemunhas a todo o ato; c) a leitura pelo oficial público, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo
testador, se o quiser, na presença destas e do oficial público; d) a assinatura pelo testador, pelas testemunhas e pelo
oficial público; e) o número cinco de testemunhas; f) o serem feitas as declarações em língua nacional; g) a
especificação das formalidades pelo oficial público e o portar por fé, no testamento, terem sido tôdas observadas;
Ii) o terem de ser de viva voz as declarações. Tudo isso é essencial ao testamento que se faz no Brasil, sub pena de
nulidade. Tudo isso, como se há. de ver, constitui princípio de ordem pública, no plano internacional, isto é,
obrigam a todos que se achem no território brasileiro, quer sejam Brasileiros, quer não. Idem, no tocante a
testamento público feito em consulado brasileiro, no estrangeiro.
Também é extrínseco, também só deriva do testamento feito no Brasil, perante oficial público brasileiro, ou em
território estrangeiro, que se ache sob govêrno de fato brasileiro, perante oficial público brasileiro, ou em
consulado brasileiro, a responsabilidade a que se refere o art. 1.634, parágrafo unico.
2)~ requisito essencial intrínseco: a) a formalidade relativa ao surdo, que não saiba ou não possa escrever, pois só
deve testar por forma pública (espécie) ; b) a formalidade relativa ao cego, que não pode usar de outra forma que
não seja o testamento público; c) pela mesma razão, o que não sabe ou não pode assinar.
Nos arts. 1.638, 1.636 e 1.637 existem, portanto, formalidades extrínsecas e formalidades intrínsecas: o que é
extrínseco consiste no modo de testar por forma pública e isso pode variar conforme o país em que se achar o
Brasileiro, ou pessoa domiciliada no Brasil, e o que é intrínseco é a exigência do testamento público.
Quanto ao mudo, domiciliado no Brasil, que se acha no estrangeiro, pode testar pela entrega de escrito ao oficial. A
exigência de viva voz é só extrínseca.
4. DIREITO INTERTEMPORAL. Tudo que é extrínseco concerne ao ato, à forma em sentido estrito, obedece,
pois, à regra do direito transitório tempus regit actum. Se um testamento foi feito na vigência do Código Civil, de
acôrdo com o que se estabelece na lei, e lei nova vem, que altera o extrínseco, nem o testador precisa inteirar-se da
nova lei, nem sofre com isso o testamento feito. Salvo está visto o despotismo de direito nôvo, que fôsse explícito
em exigir aos testamentos já feitos, sob pena de nulidade, formalidades que não eram essenciais. Na maioria dos
casos, tal direito nôvo não resistiria ao princípio constitucional contra leis retroativas.
Quanto ao intrínseco dos arts. 1.633, 1.636 e 1.637, por se tratar de circunstâncias subjetivas, que tocam ao
exercicio das formas, rege-se, à semelhança do que se passa com a capacidade testamentária, pela lei do tempo da
morte.
Por onde se vê que a Seção II do Capitulo III (arts. 1.632-1.637) não traz dificuldades de direito intertemporal.
Tudo se rege pela lei do tempo em que se lavrou o ato testamentário ou pela lei da data da morte.
O art. 1.634, parágrafo único, não tem outra lei que a lei do ato: se lei nova extingue ou agrava ou atenua a.
responsabilidade civil do oficial público, não pode apanhar a que deriva de testamento feito antes da sua vigência.
Quanto à responsabilidade criminal, a lei nova não pode agravar. Tão-pouco se poderia aplicar pena a ato que já se
não reputa crime. Mas, na espécie, fôra de mister revogar-se o art. 1.634, parágrafo único, do Código Civil, que se
reporta a crime e entendeu frisar a responsabilidade criminal.
Se, acaso, a lei antiga permitia a declaração per procuratorem, ou por entrega de escrito por outrem, e o testador
morre, sob a lei nova, que o veda, não se cumpre o testamento:
O testador podia ter atendido à lei do tempo da morte, e não atendeu. Não se trata de forma. Veremos conclusão
simétrica em direito internacional privado. Não assim se não mais podia atender.
5.DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Todo o extrínseco dos arts. 1.632-1.637 do Código Civil obedece à
lez boi. No território brasileiro ou sob jurisdição brasileira, o oficial público não pode obedecer a outras leis, nem
se eximir da responsabilidade quando dispense ou omita as formalidades daquelas regras jurídicas.
Por outro lado, se o testador, estrangeiro, não é domiciliado no Brasil, e o Estado do domicílio ou da nacionalidade,
lhe veda, no estrangeiro, a forma pública, e lhe impõe a forma particular holográfica, nenhum interêsse tem o Brasil
em lhes permitir que viole a qualificação da lex domicilii, ou da lex patriae.
Quanto ao analfabeto domiciliado no Brasil e quanto ao domiciliado cego, não podem testar senão perante a
autoridade pública (notário, ou juiz, se a lei local tiver tal forma), ou perante o cônsul brasileiro. Igualmente, o
completamente surdo, que não saiba ou não possa escrever: se pode escrever, pode testar hologrâficamente, ou,
sabendo ler e assinar, ainda alogràficamente, se o permite a lei local.
Quanto ao mudo, se a lei do Estado em que está admite o testamento público pela entrega de escrito, vale, pois que
o art. 1.635 somente contém exigência extrínseca.
6.ORDEM PÚBLICA E TESTAMENTO PÚBLICO. Constitui matéria de ordem pública interna: a personalidade
das declarações ou entrega do escrito ao oficial público, a leitura ao testador ou por êle (caso contrário, seria negar
ao testador a possibilidade da conferência), salvo se impossíveis a audiência e a leitura.
Finalmente: somente quando exista impossibilidade material do exercício de outra forma pode-se admitir a
nuncupatividade, e será pública (testamentum nuncupativum in scripturam redactum), ou, se o testador lê, por
testamento pública-mente aprovado (Código Civil, art. 1.638/1 e III). Ai, há ordem pública interna e internacional.
Quer dizer: o domiciliado no Brasil, mesmo estrangeiro, se não é cego nem surdo que não saiba escrever, nem
analfabeto, ou impossibilitado de escrever e assinar, não pode testar nuncupativamente, e naqueles casos teria de
fazê-lo por forma oficial (pública ou cerrada). Por outro lado, o testamento de quem é domiciliado no Brasil, feito
fora do Brasil nuncupativamente perante testemunhas e redator não oficial, ou ainda perante êsse, sem
impossibilidade de uso das outras formas, vale para o Brasil, mesmo se não vale para a lez patriae.
É nulo o testamento feito no Brasil por procurador, ainda
que o admita o Estado estrangeiro. Mais: ainda quando o procurador sêmente entregue o escrito. Não era assim, nos
séculos passados. Mas, hoje, é princípio de ordem pública a ice presentabilidade para testar. Voluntas propria: caso
contrário, seria de vontade alheia. E o rigor formular opõe-se a interpretação que ponha em dúvida a pessoalissima
declaração da última vontade. Fazendo-o por entrega de outrem, seria in fide privata, e não in fide publica.
O juiz brasileiro deve mandar cumprir o testamento público, feito alhures, que se lançou após a entrega do projeto
-pelo próprio testador. Mas negará o “cumpra-se”, por ser contra a ordem pública, a qualquer testamento que se fêz
mediante entrega por outrem de escrito do testador ou de outrem, salvo se consta do texto que o testador ouviu, e
depois da leitura, o confirmou, subscrevendo-o. A entrega precisa ser pessoal. Na pior das hipóteses, seguida de ato
pessoal, que valha o mesmo que a entrega. É a maior concessão que se pode fazer. Nos próprios séculos anteriores,
era forte a repulsa a tais atos do testador per alios voluntatem suam apud acta declarante (E. CARPZov,
Inrisprudencia forensis, III, 3, 23; F. C. HARPPRECHT, Dissertatio de testamento iudiciali, Dissertationes
academ., § XI; W. A. LAUTERBACH, Dissertatio de testamento -indiciali, § 14; J. II. DE BERGER, Qeconomia
inris, 1, 358; J. HEUMANN, De testatore per alios voluntatem suam apud acta declarante, Rkcercitationes iuris
univ., 1, § 5; W. A. SPIES, Dissertatio de testamento per procuratorem non offerendo, passim; JUST. CLAPROTE,
Theoretische-practische Rechtswissenschaft von freiwilligen Gerichtshandlungen, 186).
Quem seja oficial público, di-lo a lei do lugar (J. MEUMANN, De testatore per alios voluntatem suam apud acta
declarante, R’xercitationes juris nniv., 1, § 2; 3. A. Korp, De testa-mentis Germanorum iudicialibus et sub dia
conditis vulgo nngehat vnd ungestabt, § 12; H. C. SENCKENBERG, Disqui.sitio acad. de testamenti publici
origine et solennitatibus extrinsecis.
-c. 4; 3. F. LUDOvICI, DisseÃ-tatio dc actuarji praesentia in actu testandi, § 18 s.). Seguirá êle o seu estatuto:
pode ser singular, ou coletivo; pode ser juiz, tabelião, escrivão (cf. C. 1. WIESE, Pra gr. quo testamentum coram
satrapa et sa-trapiae seribaconditum jure statutario Moguntino validvw~ esse demoflstrat.,
e. II, §§ 1-8; L. G. MADIHN, Principia juris romafli de suecessionibUS seu de iure hereditario-, § 86)
A lei do Estado, em que se acha a pessoa domiciliada no~ Brasil, pode dispor que, longe dos lugares em que haja
juiz ou notário (a autoridade ordinàriamente competente), outra figura de oficial público (e.q., o agente municipal,
o delegado) exerça as funções. Vale tal testamento. É êle (extraordinàriamente, é certo) oficial público (5. G.
I{RAUS, Dissertatio de testamentis co-ntroversis, praesertim publicis, § 16)
O testamento feito perante oficial público ou juiz, sem testemunhas, de acôrdo com a lei estrangeira, ~,pode ser
cumprido no Brasil? Não, responderiam J.L. ScHMIDT (0/ fenti. Recht spriiche, §§ 5 e 6), SCHIERSCHMID
(Dissertatio de testamento corum solo judice nou conficiendo, § 18, dissertação especial que, em 1764, escreveu
sôbre o assunto), A. K. II. vON HARTITZSCI-I (Das Erbírecht naeh q-õmischen und hxtutigen Rechtefl, § 71) e
CARL SUL. MENO VALETT (Lehrbuch eles prakttsehefl Pan.dektenrechts, III, § 961) . Invocaram o direito
canônico (cap. 11, X, de probat., e 28, X, de teM.), no qual si super tes-tamentis quaestio agitetur, a só palavra do
juiz não faria prova. Mas havia o argumento de não só o juiz figurar e tratar-se, na espécie, de fé judicial (5. C.
BALSER, Libeil. sing. de forma testame’nti judicialis externa-, § 84), o outro, de não ser aplicável o direito
canônico, e sim o direito romano (5. F. LUDOVICI (Dissertatio de actuarji praesentia in actu testandi, § 85), e
valer o princípio: super/lum eM privatum testimoflium, cum publica manumenta suffici-ant (F. C. CONRADI
(Dissertatio de testamento publico, quod fit apud acta, § 16; D. G. STRUBE, Rechtiiche Bedeniceu, II, 172)
A questão é delicadíssima. Tratando-se de oficial público. é indispensável o testemunho instrumental (duas
testemunhas ou mais) . Tratando-se de juiz, êle e o escrivão são imprescindíveis, ainda para aquêles que, como F. E.
PUFEND0RF (De jurisdictione germanica, 1, c. IV, § 71) e C. 1. WIESE (Progr. qua testamentum coram satrctpa
et satrapia e seriba- conditum zure statutario Moguntino validum esse demonstrat., c. II, § 3) ainda mais
concediam. Resta saber se são de mister testemunhas. Os dois autores citados, mais E. O. WESTPHAL (Rechts
gutaohtefl, II, n. 45, 15), julgaram desnecessárias: a fé judicial não precisa de atestantes. Outros iam além: o
escrivão pode representar o juiz (AUG. DE LEYSER, Meditationes ad Pandectas, V, 854, 8; O. F. WALCH,
Introductio in controversías juris civilis, 294 5.; 5. E. GEIGER u. CHE. FE. VON GLÚCE, Merkukiird.
I?echtsfdlle und Abhandlungen, 1, 192). Alguns distin-.guiam se o testador entrega escrito ao juiz, ou se presta,
oral-mente, as declarações. No primeiro caso, pode estar só o juiz; no segundo, é de mister a presença do escrivão,
porque quem escreve é êsse, e não o juiz. Mas, ~,se a lei do lugar permite qua juiz escreva? Dai a distinção de C.
1’. WALCH (Introductio in controversias juris civilis, 294) : juiz que pode e juiz que não-pode escrever (L. G.
MADIHN, Principia iuris romani de sucoessionib’us seu de jure hereditario, § 85; e A. F. 5. THIBAUT, Sgstem
des Pandektenrechts, II, § 694). Outros achavam que o juiz sempre poderia (AuG. DE LEYSER, Meditationes ad
Pandectas, 607; W. A. LAUTERBACIi, Coilegium pandectarum, II,. § 49; 5. II. BERGER, Oeconomia iuris, 1,
860; 5. O. KRAUS, Dissertatio de testamentis controversis, praesertim publicis, § 89), como entendia a velha
praxe, com B. CARPZOV, 5. II. BOEIiMERe 5. U. VON CRAMER.
A lei do lugar é que decide sôbre quem deve funcionar como~ juiz ou oficial público: por escolha, designação,
alternatividade, distribuição por escala, etc. Tratando-se de juiz colegial ou de oficiais colegiais, dirá quanto ao
número, a composição, etc. (5. C. BALSER, Libeli. sing. de forma testamenti iudicialis externa, §§ 17, Si e 86; C.
1. WIESE, Progr. qua testamentitifl coram satrapa et satrapiae seriba co’nditum jure statutarU> Moguntino
validum esse dem-onstrat., e. II, § 4; 5. O. QUISToRP, Beitràge zur Eríduter. versch. Rechtsmateriefl, 611 s.).
Igualmente, quanto à facultatividade concedida ao testador.
Se falta o escrivão, pode o juiz nomear ad hoc (cp. W.H. PUCHTA, Handbuch des gerichtlichen Verfahrens, II, §
248). Conclusões: a) No testamento judicial, juiz e escrivão devem-estar presentes. Se falta o- juiz, outro juiz que,
por lei, o substitua; se falta o escrivão, o que por lei, ainda ad hoc, o possa substituir. b) Se nuncupativo, por motivo
de impossibilidade do exercício de outra forma testamentária, será preciso que. além de juiz e de escrivão, figure
alguém que assine a rõgo ou ateste, É de ordem pública, para o Brasil, que ainda perante o juiz a declaração oral
seja assinada ou atestada, o) Mas escrito pelo testador (hológrafo), entregue - ao juiz, se a lei permite,
expressamente, que o juiz esteja só e torne perfeito o ato, não ofende ã ordem pública, e pode ser cumprido no
Brasil.
d) No caso de se destruir o livro de notas ou o livro judicial, a restauração faz-se segundo as leis locais. A sentença
precisa ser homologada para que se cumpra no Brasil.
Em todos os casos, ~é nulo o testamento feito perante o notário, ou o juiz, onde se admitir o testamento judicial?
Os velhos escritores separavam-se. Alguns juristas, como T. S. REIN1IARDT, negavam a validade, pelo caráter
“sagrado” do território. Queriam que os súditos seguissem a lei do lugar e obedecessem. Compreende-se a que
consequências se chegaria: o. cidadão de um Estado não saIria dêle para testar. A questão estava mais do que
deslocada. Os outros preliminarmente assentaram: o testador pode sair do lugar onde mora e procurar o oficial
público, perante quem teste, ou levar o testamento cerrado para que o aprove, ou escrever, fora, o seu testamento
particular, O pertencer a um Distrito, Província, Estado-membro, ou Estado, não prende o testador (W . A.
LAUTERBACH, Dissertatva de testamento indiciali, 19; E. E. PUFENDÚRF, De jurisdictione germanica, § 71)
Se feito por oficial público fora da jurisdição (dentro do mesmo Estado), não em relação a testador residente ou
domiciliado noutro lugar, ou no mesmo, mas em relação ao lugar em que se acha o próprio oficial, é que tem
sentido a questão. Trata-se de jurisdição voluntária, mas jurisdição, e como tal ineficaz eztrg territorium (L. O.
MADHn4, Mis eetlen aus allen Theilen der Rechtsgelahrtheit, 118 s.; C. 5. M. VALErr, Lehrbuch des praktischen
Pandektenrechts 218; CER. ER. vim GLÍYCK, 34, 27).
O testador pode testar onde bem quer. Ainda mais: ir ao estrangeiro testar. Mas há de escolher oficial (ou juiz, se a
lei do lugar tem testamento- público) territorialmente competente (C.D. UBER e O. 5. MADHIN, Diatribe de
validitate testa,menti non rite oblati, § 19)
Houve discussão, no caso de chamada à casa do testador, mas a competência territorial é indispensável. No caso de
doença, ou outro motivo, o testador pode chamar o oficial público, desprezado, assim, o velho aspecto do oficio e
da justiça fixada (J.A. K-opp, De testamentis Germanorum judicio,. libus et sub dia conditis vulgo ungehabt uM
ungestabt, § 10; II.C. SENCRENHERO, Disquisitio acad. de testamenti publici origine et solenuitatibus
extrinsecis, c. Til, § 10; 5. C. BALSER, Libeil. sing. de forma testamenti judicialis externa, § 14). Hoje, ubi iudex,
114 indidum. Se os atos judiciais podem ser praticados fora da sede do juízo, máxime os dos oficiais públicos, os
atos estão dentro das linhas de competência. A controvérsia cedo se apagou (5. O. RaAus, Dissertatio de
testarnentis controvet-sis, praesertim publicis, § 27) . Mas é preciso que o oficial diga por que se -deslocou: a
regra é praticarem-se os atos na sede; quando se praticam fora, faz-se preciso mencionar o motivo da exceção (L.
O. MAmRN, Principia iuris romani de successionibus seu de jure hereditario, § 85; JUST. CLAPROTH,
Theoretische-practische Rechtswissenschaft vou freiwilligen Ge’richtshandlungen, 195).
Assim como o testamento pode ser feito, excepcionalmente, em casa do testador, chamado o oficial público,
também, se não há tempo para fazê-lo no cartório, pode o testador ir à casa de residência do oficial público (FICA.
TRUTZSCHLER, Anweisunq zur Abfassung der Berichte, II, 6, §§ 8-5; M.O. WERNHER, Commentationes
lectissimae ad Digesta, § 16; W. H. PUCTITA, Handbuch des gerichtlichen Ver fahrens, 2. Th., § 248), ou de
outrem, em que se ache o testador, ou o oficial público.
Mais: se as circunstâncias o exigem, pode o testador, chamado o oficial público, ter de fazer o testamento público
em praça, ou clube, ou rua, ou em lugar em que estejam a salvo de calamidade pública, ou se o testador está sendo
perseguido, ou em lugar de segurança pública.
TESTAMENTO CERRADO
1. REGRA JURÍDICA ESPECIAL. “São requisitos essenciais do testamento cerrado” (Código Civil, art. 1.688) :
“1. Que seja escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rôgo. II. Que seja assinado pelo testador. III. Que não
sabendo, ou não podendo o testador assinar, seja assinado pela pessoa que lho escreveu. IV. Que o testador o
entregue ao oficial em presença, quando menos, de cinco testemunhas. V. Que o oficial, perante as testemunhas,
pergunte ao testador se aquêle é o seu testamento, e quer que seja aprovado, quando o testador não se tenha
antecipado em declará-lo. VI. Que para logo, em presença das testemunhas, o oficial exare o auto de aprovação,
declarando nêle que o testador lhe entregou o testamento e o tinha por seu, bom, firme e valioso. VII. Que
imediatamente depois da sua última palavra comece o instrumento de aprovação. VIII. Que, não sendo isto
possível, por falta absoluta de espaço na última fôlha escrita, o oficial ponha nêle o seu sinal público e assim o
declare no instrumento. IX. Que o instrumento ou auto de aprovação seja lido pelo oficial, assinando êle, as
testemunhas e o testador, se souber e puder. X. Que, não sabendo, ou não podendo o testador assinar, assine por êle
uma das testemunhas, declarando, ao pé da assinatura, que o faz a rôgo do testador, por não saber ou não poder
assinar. XI. Que o tabelião o cerre e cosa, depois de concluído o instrumento de aprovação”.
Diferente era o Projeto primitivo, art. 1.808: “São requisitos essenciais do testamento cerrado: 1.0. Que a carta testa
mentária faça com o seu instrumento de aprovação um todo de modo que não possa ser tirado o conteúdo sem que
se rompa o invólucro; 2.0. Que o próprio testador entregue o seu testamento, fechado e selado, ao tabelião, na
presença de cinco testemunhas, ou que o faça fechar e selar pelo mesmo tabelião, à vista das testemunhas,
declarando em voz inteligível ou de modo inequívoco que naquele papel se contém o seu testamento; 89. Que sob o
dorso do papel ou do invólucro do testamento escreva o tabelião o instrumento de aprovação, do qual deve constar:
a) A entrega do testamento e o pedido de aprovação;
b)O número dos selos e a forma dos sinêtes; e) A presença das testemunhas nomeadas, desde o princípio da
solenidade até o fim do ato; d) A menção de ter sido o instrumento de aprovação lido perante o testador e as
testemunhas pelo tabelião;
e)A menção da assinatura do testador, das testemunhas e do tabelião; 49. Que o auto de aprovação seja
efetivamente assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião”. Artigo 1.809: “Se o disponente não puder
escrever, assinará por êle uma das testemunhas instrumentárias, declarando porque assim o fêz”.
O art. 1.688 do Código Civil provém do Projeto revisto, art. 1.974: “São requisitos essenciais do testamento
cerrado:
1.0.Que seja escrito pelo festador ou por outra pessoa a seu rôgo; 2.0. Que seja assinado pelo testador; 3•O Que
não sabendo nu não podendo o testador assinar, seja assinado pela pessoa que lho escreveu; 49. Que o testador
entregue ao oficial perante as testemunhas em número pelo menos de cinco varões e maiores de quatorze anos; 59.
Que o oficial, perante as testemunhas, pergunte ao testador se é aquele o seu testamento, e se o há por bom, firme e
valioso, quando o testador não se tenha antecipado em declará-lo; 6.0. Que logo em presença das testemunhas, o
oficial faça o instrumento de aprovação, declarando nele que o testador lhe entregou o testamento e o houvera por
seu, bom e firme; ‘79. Que o instrumento de aprovação comece logo e imediatamente no fim do testamento; 8.0.
Que não havendo lugar na última folha escrita do testamento para nele começar o instrumento de aprovação, o
oficial ponha no testamento seu sinal público, e assim o declare no instrumento; 99. Que o instrumento de
aprovação seja lido pelo oficial, assinado pelo mesmo, pelas testemunhas, e pelo testador, se souber ou puder
assinar; 10.0. Que não sabendo ou não podendo o testador assinar, assine por êle uma das testemunhas, declarando
ao pé da assinatura que o faz a rôgo do testador, por não saber ou não poder assinar”. Veio a emenda n. 1.594 do
Senado (1902) “IV. Que o testador o entregue ao oficial em presença, quando menos, de cinco testemunhas. V.
Diga-se:
“Que o oficial perante as testemunhas pergunte ao testador se aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado,
quando o testador não se tenha antecipado em declará-lo”. VI. Que para logo, em presença das testemunhas, o
oficial exare o auto de aprovação... VIII... o oficial ponha o seu sinal público no testamento, e assim no instrumento
o declare. IX. Que o instrumento ou auto de aprovação seja lido pelo oficial, assinando êle, as testemunhas e o
testador, se souber, e puder”.
O testamento cerrado entrou na Espanha com a Lei das Sete Partidas, que a Lei de Toro atingira com
complementos.
Em Portugal, disse CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões, 1, 5? ed., 441) que chegou com as
Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 80. Não é verdade. Lá está êle nas Ordenações Manuelinas e mais nas
próprias Ordenações Afonsinas.
Depois de falarem do costume (“que foi e he d’antigamente em estes Regnos”), as Ordenações Afonsinas, Livro IV,
Título 108, § 1, foram assaz claras: “O qual costume declaramos em esta guisa. primeiramente mandamos, que aja
lugar em todo testamento, assy aberto feito per Tabelliam, como no caso que tever estormento pruvico nas costas, e
que as testemunhas em elle contheudas sejam todos barooés, e homeens que nom sejam servos, e que sejam
maiores de quatorze annos, em tal guisa que com o Tabelliam, que fizer o testamento, ou instrumento nas costas
delle, sejam seis”. No § 5: “E se alguum quiser fazer codicillo, quer aberto feito per Tabelliam, quer çarrado com
estormento nas costas, quer feito e assinado pelo testador, ou per alguma outra privada pessoa, deve-o fazer com
quatro testemunhas, barooens ou molheres, livres, e maiores de quatorze annos, em tal guisa que com o Tabelliom
sejam cinquo testemunhas”. E no ~ 6: “E quando o testamento, ou codicillo assy forem feitos, como dito he,
mandamos que valham, assy como se tevessem sete, ou cinquo testemunhas, segundo a forma do Direito
commuum”.
2. UNIERRO ANTERIOR. As formalidades eram quase as mesmas que as de hoje: escrito pelo testador, ou por
outra pessoa a seu rôgo; se não foi escrito pelo testador, mas êste sabia escrever, assinado por êle, sob pena de
nulidade.
As diferenças principais são as seguintes: a) escrito pelo testador o testamento, o direito anterior não exigia a
assinatura da cédula; b) as expressões bom, firme e valioso eram sacramentais. (Mas havia divergências.
PERmÇXo MALHEIRO, Consu1tas Juridicas, 460-488, satisfazia-se com a manifestação da vontade de
aprovação, por aquelas ou palavras equivalentes; com êle, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 6 de junho de 1893.
Contra, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdâo de 26 de julho de 1876, adstrito às Ordenações FUi-pinas,
Livro IV, Título 80, § 1.0.)
Muito se discutia se era necessário que o testamento fôsse entregue cerrado e cosido (necessariedade do segrêdo).
Não, respondiam os Assentos de 8 de agôsto de 1815 e de 10 de junho de 1817, e MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA: bastava ser dobrado. Cosido e cerrado donde o nome por tê-lo de cerrar e coser o oficial, e não o
testador, a que se concedeu cerrasse e cosesse. Oficial vê, mas não lê. Contrária opinião:
talvez pelo influxo dos Códigos Civis francês e italiano, DuÂRm UE AZEvEDO e MARTINHO GÂRCEz.
As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, ~ 1.0, diziam:
“será cerrado e cosido, e êle testador o entregará ao tabelião perante cinco testemunhas”. No § 2.0: “no
instrumento, que se fizer, de aprovação cm outra fôlho em que esteja envolto e cosido o testamento”. Daí concluir
FRANCISCO PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, disp. 2, 3, n. 34): “deinde claudi et consul debet; sic
consutum tradendum est a testatore tabeilioni”. Assim fechado havia de entregar-se. Ao oficial? Mas tinha-se de
começar da última fôlha escrita. ~ Como consegui-lo> se estava cerrado e cosido? Reabrindo-o, dizia-se. Então,
~para que apresentá-lo cerrado e cosido? A. 3. GOuvEIÂ PINTO (Tratado regular e prático de Testamentos e
Sucessões, nota 803) e a Relação do Rio de Janeiro, a 16 de dezembro de 1873, apoiavam tal solução.
No direito anterior, não se exigia a leitura da aprovação diferente, hoje, o Código Civil, art. 1.638, IX), porém os
praxistas reputavam uma das solenidades, se bem que se pudesse provar, diziam, posteriormente.
8.ESPÉCIE DE TESTAMENTO NOTARIAL. O testamento cerrado ou secreto é a segunda forma dos testamentos
notariais. No público, o oficial figura como instrumento da feitura,
escreve-o. No cerrado, apenas lhe dá o caráter de autenticidade exterior, que lhe advém de ser aprovado, fechado e
cosido pelo tabelião. Todo testamento público é ato do oficial. No testamento cerrado, só o ato de aprovação,
seguido do fechamento e da costura. Mas, por isto que é ato notarial a aprovação, só se impugna pela ação
ordinária, como ocorreria às escrituras, aos testamentos públicos. A lei dos tabeliães estadual, e não federal, é,
contudo, geral aos atos notariais, ao passo que o Código Civil, lei federal, é particular a certos atos notariais, como
o testamento, em cujas formas, por tê-las coma essenciais, sói intervir. Raciocínio, que ainda quanto a leis
elaboradas pelo Congresso Federal (Distrito Federal, Territórios e Consulados) teria a consequência de fazer
revogada pela lei especial a lei geral, que às regras jurídicas se opuser.
Tudo que, sôbre o testamento público e competência da oficial, se disse, ao se cogitar do art. 1.632, vale para o
testamento cerrado. Aprovado fora do distrito, não foi aprovado legalmente.
À diferença do testamento público, que tem de ser lavrado no livro do oficial público, pode o testamento cerrado,
na parte tocante à cédula, ser de outra substância que o papel comum, e o próprio auto de aprovaçflo, quando se
tratar de matéria em que o oficial possa escrever: assim, não há vedação de aproveitar o espaço que lhe fique, ainda
que tenha de usar tinta especial para o lavrar. Já aqui começam a ser aplicadas as considerações feitas no comêço.
No estrangeiro, são competentes, para aprovar os testamentos de domiciliados no Brasil ou de pessoas cuja lei de
mi-cessão tenha de ser a brasileira, os cônsules brasileiros.
Não há exigência de unidade do ato de escrita e assinatura da cédula testamentária. O testador pode levar dias, ou
xieses, ou anos, a redigir a cédula testamentária, ou a ditar para alguém. A unidade de ato só é exigida para o auto
de aprovação.
2.CAPACIDADE PARA TESTAR E OUTROS REQUISITOS. Além dos requisitos de capacidade para testar
(Código Civil, artigo 1.627), a lei exige ao que deseja fazer testamento cerrado que saiba e possa ler. Ao analfabeto
falta esta exigência de validade intrínseca, êste requisito para o exercício da forma semi-nuncupativa, que em
verdade é o testamento cerrado do direito brasileiro. O art. 1.641 teve por fundamento evitar a nuncupatividade
própriamente dita. Nos respectivos comentários, mais espaçadamente trataremos o assunto.
Não pode dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler (art. 1.641). Mas, de acôrdo
com o -art. 1.638, III e X, dêle poderá usar o que, sabendo ler, contudo, não saiba escrever, curiosidade
excepcionalíssima (MANUEL DE ALMEIDA E SonsA, Coleção de disserta çôes jurídico-práticaS em suplemento
às Notas do livro terceiro das Instituições, 113), com que CLÓVIS BEVILÁQUA procurou salvar a inabluível
contradição entre o art. 1.638, III e X, e o art. 1.641. Quem tem capacidade para ler e entender um testamento
escrito por outrem dificilmente deixará de saber assinar. Poderá, certo. não poder; mas isto é outra coisa. Nada
justifica a exceção legal, que parte pelo meio a infima cultura dos rudes: ler e assinar, ler só e não saber assinar.
Do testamento cerrado também não pode valer-se o cego, porque não lê (diz-se). Não é bem isso: muitos cegos
lêem a sua escrita; há, até, os que escrevem. A única dificuldade é de outra ordem: escrito por êle, ou por outrem,
mas lido por êle, talvez não possa fiscalizar a aprovação, isto é, se, efetivamente foi o seu o que se aprovou. Não há
impossibilidade nisto, máxime quando o cego escreveu e assinou. Não é, pois, porque não sabia ler que o cego só
testa por testamento público, ler êle pode saber melhor do que muitos de olhos sãos. Nem há claros inconvenientes
em que se redigisse com os caracteres especiais, fôsse lido às testemunhas por êle mesmo e o tabelião aprovasse.
Do art. 1.641, CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 97) tirou que o cego não pode testar por
testamento cerrado, “porque não pode ler”; mas não é por isto, e sim porque o proibiu, explicitamente, o art. 1.637:
“ao cego, só se permite o testamento público”. Aliás, noutro lugar, fizemos restrição a êste “só”.
~Quem não sabe ler não sabe escrever. Quem sabe escrever sabe ler. Se alguém sabe ler, mas está em situação
física ou psíquica de não poder ler, não pode fazer testamento cerrado, razão por que só teria a solução do
testamento público. Quem não sabe, ou não pode ler, não pode testar por testamento particular, nem por testamento
cerrado. *
Se o decujo escreveu e assinou o testamento cerrado, posto que, no momento da feitura, não pudesse ler o que
escreveu, mas volta a poder ler e leva à aprovação, vale o testamento cerrado.
Se o decujo escreveu e assinou o testamento, que podia ler, e depois não mais o poderia ler e o leva à aprovação,
seria nulo o testamento cerrado. ~ preciso que, no momento da entrega, possa o testador verificar se aquele é o
testamento cerrado que êle escreveu e assinou.
Se, no intervalo entre a feitura do testamento cerrado e a entrega para a aprovação, o testador não podia ler, mas
pode ler quando o entrega, o testamento cerrado vale.
Se o testamento cerrado foi entregue para a aprovação. não basta que o testador declare que havia lido a cédula e a
assinara: o que é indispensável é que o possa ler quando o entrega. Pode ser alegado e provado que o testador, no
momento em que o levou ao oficial público, não podia ler, O testador pode simular que ainda o pode ler, ou fingir
mesmo que o está lendo.
Se o testador confiou a outrem a escrita e não leu o testamento cerrado, mas podia lê-lo, vale o testamento.
No Código Civil alemão, que tem duas formas de testar:
perante o juiz ou notário, e por declaração do testador, escrita e assinada de próprio punho, com indicação do lugar
e dia (§ 2.231), logo se concluiu que o cego só poderia testar por testamento público, mas isto pelo pouco interêsse
prático da escrita dos cegos, porque, se o cego sabe ler e escrever a sua ~escrita, não pode ser tido na mesma linha
que o analfabeto (cp. F. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlicken Rechts, III,. §§ 35, 37 e 39; R. WILKE,
Erbreeht, nota 1; G. FROMMHOLD, Erbrecht des EGE., nota 2). Ainda assim, vemos a A. WEISSLEII (Das
deutsche Nachlassverfahren, 151), pelo conhecimento da. escrita dos cegos como circunstância sem qualquer
conseqUência jurídica.
No direito suíço, a escrita dos cegos é admitida (P. TIJOR, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizeriscken
Zivilgesetzbuch, III, 325).
A lei permite a alternativa ao testador: escrever ou pedir que outrem escreva o seu testamento cerrado, O art. 1.638,
1, admite que seja escrito por outra pessoa, a seu rôgo. Por isto, é nulo, e.g., o testamento escrito por pessoa que
não recebeu das mãos do testador o escrito para que copiasse, ou que o recebeu,. em nome dêle, por intermédio de
outrem. A lei supõe a pessoalidade do pedido.
Outra pessoa, mas é certo que poderá ser escrito por uma das futuras testemunhas. (O’ art. 1.639 permite que o
seja pelo próprio oficial, que o vai aprovar.) O auto de aprovação é outra solenidade. Assim, a Relação de Minas
Gerais, a 5 de abril de 1922, porém com o só fundamento de não haver na. lei proibição expressa.
Se o testador deu apontamentos, convém que o redator ou o próprio testador ou os interessados os guardem. Mas
não se vá ao extremo de criar o dever de guardar, sob pena de nulidade. Não está na lei.
O testamento cerrado pode ser feito em qualquer material que receba escrita (papel almaço, acetinado, avergoado,
celofane, papel ou pano gessado; perganinho, fazenda, couro, ou outro material em que se possa escrever). Não é
permitido escrever-se a máquina, nem imprimir-se.
A escrita pode ser com a mão, ou com o pé, ou com a bôca, ou com outro órgão (e. g., o resto do braço), O que
importa éque seja escrita. A despeito de estar nos textos romanos a referência à manuscrição, à mão (“vel ipsius
testatoris, vel cuiuslibet alterius manu conscriptam), o que se há de entender é que só se exige que escreva o
testador, ou alguém, por êle,. a rôgo. O Código Civil brasileiro apenas se refere a ser “es-crito pelo testador, ou por
outra pessoa, a seu rôgo”.
A 2.ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 4 de agôsto de 1952 (1?. dos T., 216, 239), confirmou
sentença do Juiz de Avaré, que sustentou poder ser a máquina o testamento cerrado. Para isso, exibiu argumentos
tirados de sistemas jurídicos diferentes, sem atender à letra da lei brasileira. A ta Turma do Supremo Tribunal
Federal, a 26 de junho de 1953 (A. J., 109, 68), não considerou requisito essencial o ser escrito a mão; porém temos
de clarear o problema e dar-lhe soluções razoáveis:
a) O testamento cerrado pode ser escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rôgo. Se admitíssemos que o
testador ou a outra pessoa o escreva a máquina, teria de ser assinado pelo testador, porque somente pode assinar, a
rôgo do testador, quem o escreveu.
b)Não seria de admitir-se que, escrito a máquina, o assinasse pelo testador quem não o escreveu a mão, porque a lei
exigiu a igualdade de grafia, para a identificação da pessoa rogada.
Quase sempre o testador ou outra pessoa redige minuta. A minuta pode ser feita pelo próprio testador, ou por outra
pessoa, e. g., advogado, e a cédula testamentária, que nela se baseia, ser escrita e assinada pelo testador ou por
outra pessoa, que não é a que fêz a minuta (5.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de outubro de
1952, 1?. dos T., 206, 154).
No testamento cerrado, há oportunidade, discreta, para a deserdação, ou perdão a indigno, clausulação de
inalienabilidade ou de incomunicabilidade dos bens abintestato ou intestato, nomeação de tutor ou curador,
reconhecimento de filhos, medidas sôbre funerais, esmolas e recomendações mais ou menos veladas.
Se o testador alude a outro testamento, tem de ser explícito no que deixa que continue e no que revoga. No caso de
dúvida, a interpretação judicial há de partir da suposição de ter havido revogação. Não pode considerar parte do
testamento cerrado, como de qualquer outro, o que consta de documento, ou de instruções postas em cofre, ou em
mãos de outrem.
3.TESTAMENTO ESCRITO A ROGO. O que escreve, a rôgo, o testamento, deve ter as qualidades de testemunha:
tudo que, sob o art. 1.650, se diz, é aplicável ao escritor da cédula (CHR. FRIEDR. vON GLtÍCK, Ausfithrliche
Erlãuterung der Pandecten, 34, 874). Ainda que seja o oficial público.
~a quaestio D’omitiana, por ser de DOMÍCIO LABEXO a CELSO. A. F. SCH’OTT dedicou-lhe preciosa
monografia.
DOMÍCIO LÂBEXO perguntou; e CELSO respondeu ser ridículo duvidar (L. 27, D., qui testamenta facere
possunt et quemadmoctum testamentti fiant, 28, 1).
Basta que assine pelo testador, para que se lhe exija poder ser testemunha testamentária (E. Orro, Servius
S’ulnicius, 52; C. O. HÚRNER, Di.sputationes testamentarinie, 68-74; F.KÀMMERER, Beitráge zur Geschichte
und Theorie des rãmischen Reckts, 208-227).
Assim, ficam sujeitas ao art. 1.65-0 as pessoas referidas nos arts. 1.633, 1.636, 1.687, 1.688, 1, 1H e 3<, e 1.689.
a Pode exercer a missão de escrever o testamento o herdeiro instituido, o legatário, o testamenteiro? Quanto aos
dois primeiros, resolveu a lei (art. 1.719). Quanto ao último, nada se disse. Ao examinar a espécie, decidiram as
Câmaras Reúnidas da Côrte de Apelação do Distrito Federal, pela negativa.
4.ESCRITA DO TESTAMENTO POR OUTREM. A lei permite que o testador mande a outrem que lhe escreva o
testamento: o Código Civil, art. 1.638, 1, não exige circunstâncias subjetivas do testador; deixa ao seu arbítrio
escrever ou dar a outrem que, a seu rôgo, o escreva. Mas a assinatura do testador, se êste sabe e pode assinar,
constitui formalidade essencial. Já no direito anterior, o Suprema Tribunal de Justiça, no acórdão n. 8.269, de 21 de
junho de 1873, declarou nulo o testamento escrito por outrem, porém não assinado pelo testador que sabia e podia
escrever.
A distinção entre a escrita e a assinatura é relevante, porque o testador somente roga a outrem, que por êle assine,
se não sabe assinar ou está na impossibilidade de assinar. No tocante à escrita, o testador pode, até, escrever o
comêço, ou parte do meio, ou o final, e pedir a outrem que escreva o resto. Não se lhe veda, sequer, o acréscimo no
que outrem concluiu. (Circunstâncias que convém êle declare ao oficial público quando lhe entrega a cédula
testamentária para a aprovação, a fim de constar do auto.)
1
Quem escreveu o testamento, em vez do testador, é que pode assiná-lo a rôgo. O testamento pode ser escrito por
outrem e assinado pelo testador, ou por essa pessoa que o escreveu; não por outra pessoa. O art. 1.638, III, do
Código Civil éexplícito: “Que, não sabendo, ou não podendo o testador assinar, seja assinado pela pessoa que Ibo
escreveu”. O testador tem de não saber assinar, ou de não poder assinar, no momento’ em que o teria de fazer.
Surgem questões.
Por exemplo: a) o testador escreveu a cédula e, ao ter de assinar, não no pode, razão por que roga a outrem que
assine; b) alguém, a quem o testador rogara escreveu a cédula testamentária, e o rogado faleceu, tendo o testador
ficado em estado de não poder assinar, como pretendia, com isso, só há um caminho para o testador rogar a
outrem, que escreva outra cédula testamentária e a assine. Se bem que a lei exija que-assine, quem escreveu a rôgo,
não há óbice a que assine a rôgo, por não poder assinar o testador, se a escrita foi do próprio testador.
A expressão “a rôgo” é a mais usada, porém qualquer outra basta, se diz o mesmo (e.g., “a pedido do testador”,
“rogado pelo testador”, “pelo testador”).
(No sistema jurídico brasileiro, após o Código Civil, a cédula testamentária tem de ser assinada, ou pelo testador,
ou a seu rôgo. Não se dispensa, à diferença das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1.0, ao testamento
cerrado escrito pelo testador a assinatura dêle, ou, se é o caso, por impossibilidade, a de outrem, a seu rôgo.)
Se a cédula testamentária não tem a assinatura do testador, ou de alguém a seu rôgo, não é cédula testamentária não
entrou no mundo jurídico. Evite-se, aí, falar-se de nulidade. Se’ alguém assina a rôgo e não cabia a assinatura por
outrem, então é nula a cédula. A assinatura do testador, ou de outrem, a seu rôgo, no auto de aprovação, nem
juridicíza a cédula em que não havia assinatura; nem torna válida a cédula em que a assinatura a rôgo não era de
admitir-se.
Se quem escreveu a cédula testamentária a assinou, e após’ a assinou o testador, o excesso (assinatura supérflua da
pessoa que escreveu a cédula) não tem relevância, porque houve a. escrita e a assinatura do testador.
Se o testador escreveu e assinou a cédula testamentária, ou alguém por êle a escreveu e assinou, ou só a escreveu,
sendo assinada pelo testador, mas, por êrro, ou negligência, ou ignorância, testemunhas figuram como presentes e
assinaram, essas assinaturas supérfluas não invalidam a cédula testamentária. O segrêdo não é pressuposto
necessário do testamento ‘cerrado.
A assinatura do testador é uma só. Não é preciso que assine cada página, ou que rubrique. Quem escreveu e assina
a rôgo só tem de lançar a assinatura no fim da cédula testamentaria.
Quanto à escrita pelo oficial público, ou o testador assina, ou é o próprio oficial público que o faz. Então, êle
escreveu, êle assinou e êle aprova o testamento, que o testador lhe entregou para isso. A lei brasileira não distingue
o escrever e o escrever e assinar, mas, para que o oficial público assine a cédula testamentária, é de mister que
tenha estado impossibilitado de assinA-lo o testador. Foi essa a interpretação que demos aos artigos 1.639 e 1.688,
VII e VIII, do Código Civil (Tratado dos Testamentos, II, 153 s.) e prevaleceu na doutrina.
Se o oficial público, que escreveu pelo testador, a seu rôgo, pode assinar, veremos adiante.
5. ASSINATURA DO TESTADOR. A assinatura há de ter os requisitos gerais das assinaturas: não bastam nomes
desenhados, ou marcas: ou lança o testador o próprio nome, ou outra pessoa, para evitar falsidades, se o testador
não pode assinar, terá de assinar a seu rôgo (FRANCISCO DE CALDAS PEREIRA DE CASTRO, AnalytiClLS
commeattarius, sive ad Typu-’n ir,strumenti, Emptionis eI Venditionis tractatus, 34, n. 14; MANUEL ÁLVARES
PÊCAS, Commentaria in Ordinationes Regni Portugaliae, IV, 250, n. 86; JOXO RODRIGUES CORDEIRO,
Dubitationes luris in Foro frequentis, 8, 85).
j,Se o testador encerrou o testamento, escrito do seu próprio punho, e não no assinou? No direito das Ordenações
Filipinas, estava claro que, “sendo escrito por sua mão, abastará, ainda que não seja por êle assinado” (Livro IV,
Título 80, § 1). Diferente a Ordenança francesa de 1785, art. 9, que o exigia ainda que escrito por êle mesmo. Mas
FURGOLE (Traité des Testaments, c. 2, seção 3, n. 21) atenuava o rigor. O assunto pertence aos testamentos
particulares, onde dêle se tratará, e com mais segurança se dispensará, atendido o que ali fôr dito, no testamento
cerrado cuja aprovação tiver a assinatura do testador.
6. ASSINATURA A RÔGO. Se o testador não sabe ou não pode escrever (mas lê), somente pode assinar a rôgo a
pessoa que o escreveu. Já assim era no direito anterior. O Supremo Tribunal de Justiça, a 14 de outubro de 1858,
decretou a nulidade de testamento que o infringiu. Aliás, nem cabia discutir-se diante da letra das Ordenações
Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1. Constituiu decisão contra direito expresso o acórdão ‘do Tribunal de Justiça de
São Paulo, a 25 de julho de 1906, que julgou válido testamento cerrado, escrito por outrem, a rôgo do testador, e a
rôgo assinado por pessoa que não era o redator do testamento (Gazeta Jurídica, 41, 258).
Se o testador escreveu o testamento, precisa assiná-lo. Se o não faz, é nada. No direito anterior, as Ordenações
Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1, não o exigiam. Hoje, o art. 1.688, 1, considera-o requisito essencial. É bem de
ver que nessa forma testamentária valem as conclusões sôbre espécie de assinatura que inserimos no início das
matérias.
Se o testador escreveu, quando podia, o seu testamento, e não o encerrou com a assinatura, por se achar, então,
impossibilitado, ~ pode pedir a outrem que o assine? Entendamos que pode, mas deve, após o escrito, alguém, que
vai assinar por êle, dizer o que se passou e sem interrupção do texto. Se outrem pode escrever, ~por que lhe negar
tal declaração como que ratificante do escrito do testador que não teve ensejo de assinar e ficou impossibilitado de
fazê-lo?
No testamento cerrado não pode haver espaço em branco, porém não há sanção de invalidade para o texto em que
linhas ou lugares de linhas ficaram sem ser preenchidos. O ato de aprovação, sim, é que há de começar logo após a
última palavra da cédula. Se falta lugar para se iniciar, tem o oficial público de pôr o seu sinal público, para que
não haja acréscimos ou interpolações. O que pode acontecer é que, no testamento, haja espaço, ou pequenos
brancos, em que se poderia acrescentar, e convém que o testador o evite. Se, com a aprovação,se cerrou o
testamento e, mais tarde, houve aumentos, é assunto para alegações e provas.
Quanto à cédula escrita só de um lado, tem o testador, ou quem escreveu por êle, a rôgo, de inutilizar o verso, o que
pode ser feito com traços suficientes para se mostrar que só se usou um lado do papel.
7.FÓLHA EM QUE SE ESCREVE. O testamento pode ser escrito de um lado só da fôlha, ou de ambos os lados
(opistógrafo). Se escrito de um só lado, convém que o testador, ou alguém por êle, se outrem escreveu, inutilize o
lado em bran co: se fica, pode o que escreveu intercalar outras disposições.
Dír-se-á que não há tão grande perigo no testamento cerrado, porque, neste, o testador, que o levará à aprovação, o
receberá das mãos do oficial, cerrado e cosido (art. 1.638, XI). Não é verdade, pela alografia e pela possibilidade
material de se abrir, criminosamente, o invólucro.
Porém, no testamento particular, seria preciso imitar, na parte em branco, a letra do testador. A exigência da
holografia torna difícil a falsificação ou falsidade.
De qualquer modo, negado, no Brasil, o testamento particular alografado, diminui a importância da questão da o
pistografia.
Pode ser já o dissemos em carta, volume, placa, ou o que quer que seja.
8.OFICIAL PÚBLICO E DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA. Que as duas pessoas, disponente e oficial público,
não se podem juntar na mesma, de si só se evidencia (E. RITGEN, em G.PLANCK, V, 447).
Também não pode ser herdeiro ou legatário do testador no testamento público, ou no cerrado (art. 1.719), ainda que
o não tenha escrito e só aprovado. Nula seria a disposição.
Se o oficial público escreveu pelo testador, deve satisfazer as exigências para ser testemunha. Então, ser-lhe-á
aplicável o art. 1.650, IV, bem como o art. 1.719, 1. Se, escrevendo-o, no testamento fôr contemplado, como
legatário ou herdeiro, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge dêle, nula é a disposição (art. 1.720).
Não há ligação da competência do oficial público ao domicílio do testador, ou ao lugar da feitura da cédula
testamentária. O ato da entrega para a aprovação é que importa, trate-se de notário, ou de cônsul, ou de qualquer
outro oficial público. Dentro da circunscrição, pode êle atender no ofício, ou fora do ofício, como, por exemplo, na
residência do testador, ou no hotel, ou no hospital. Não importa se em dia útil, ou em dia feriado, de dia ou de
noite.
A aprovação refere-se à cédula testamentária, escrita pelo testador, ou por outrem, ou pelo próprio oficial público.
Quem não pode ser testemunha em testamento público, ou particular, também não o pode ser em auto de aprovação
de testamento cerrado. Idem, se se trata de oficial público. Assim, os herdeiros instituidos, seus ascendentes e
descendentes, irmãos ou cônjuge, ou os legatários, não podem ser testemunhas, nem o oficial público in casu. A
vedação há de existir no momento do auto de aprovação (e. g., o casamento posterior do oficial público com a
herdeira, ou legatária, não é óbice; parentesco superveniente).
O oficial público não pode outorgar ou delegar podêres a ajudante, escrevente, auxiliar, para a aprovação de
testamentos cerrados, como não lhe é dado fazê-lo para a lavratura de testamentos públicos. Os auxiliares que
forem nomeados oficiais públicos interinos, sim; idem, os que receberam, por lei, tal função.
Se algum oficial público escreveu ou escreveu e assinou a cédula testamentária, isso não obsta a que o testador a
leve a outro oficial público para que a aprove. Aquele oficial público apenas operou como qualquer outra pessoa
que escrevesse ou escrevesse e assinasse a rôgo (cf. Tratado dos Testamentos, II, 155 s.).
Mas, se não escreveu, a rôgo do testador (art. 1.688, 1, 1.656 e 1.657), e apenas lavrou ou aprovou, é nula a
disposição feita ao ascendente, descendente, irmão ou cônjuge, porque se reputa interposta pessoa. A solução deve
ser a mesma que se daria aos legatários: o art. 1.720 completamente os equipara.
1.PERFEIÇÃO DO TESTAMENTO CERRADO. Já dissemos que o testamento, desde que se fêz, é ato perfeito.
Algumas consequências já foram tiradas de tal afirmação: outras exsurgem. Mas a cédula, de que tratamos, ainda
não é testamento. Antes de ser aprovado o testamento cerrado, não passa êle de ato imperfeito, talvez de menor
valor que um testamento hológrafo, que possa valer como codicilo e nos limites do valor dos cidicilos. Quem
morreu deixando tal cédula, morreu intestado. Se a cédula fôr hológrafa e contiver disposições permissíveis em
codicilos, pode valer como tal; não, porém, como testamento.
2.APRESENTAÇÃO DA CÉDULA. Quando o testador, na presença das cinco testemunhas, apresenta ao oficial
público a cédula, que êle, ou outrem por êle, escreveu e assinou, procede a ato de nuncupação. Por isto se fala de
nuncupação implícita: oficial público e testemunhas somente conhecem (ou melhor: somente precisam conhecer)
exteriormente, e não no seu conteúdo, a cédula testamentária.
Com o ato de entrega, começa outra fase, inconfundível, da elaboração do testamento cerrado: por isto mesmo, já o
testador, após o gesto de declaração do art. 1.638, IV, não pode introduzir modificações ou cláusulas novas, que
constem do auto e não da cédula. Se ocorre que lhe lembre alterar ou acrescentar, deve continuar na cédula e
proceder, de nôvo, à entrega e declaração.
É requisito essencial do testamento cerrado a entrega do testamento, pelo testador, em presença, pelo menos; de
cinco testemunhas, ao oficial público que o há de aprovar.
Trata-se de ato pessoalíssimo. E não só pessoalissimo ato que tem por fim deixar certo qual o testamento de que se
trata. Pessoalíssimo, para que se identifique o testador; imediatamente relativo à determinado escrito, para que se
identifique a cédula testamentária.
O oficial público e as testemunhas têm de assistir a tudo que se passa após a entrega do testamento cerrado ao
testador e até que todos assinem: o oficial público, as testemunhas e o testador.
Há a responsabilidade do oficial público pelo defeito de forma, que êle poderia ver, pela má fé, pelo descuido,
imperícia ou negligência. Quando se trata de interpretação de regra jurídica, que havia de ser observada, e há
discordâncias na doutrina ou na jurisprudência, o oficial público só é responsável se prevaleceu alguma das
interpretações e do acolhimento da outra, que foi posta de lado pela jurisprudência dominante, ou do mais alto grau
judiciário, ou pela doutrina, houve danos a algum dos interessados.
Um dos casos típicos da responsabilidade do oficial público, em se tratando de testamento cerrado, é o de ter
atrasado tanto o recebimento para a aprovação, ou para o ato aprovativo, que o testador não pôde a tempo obter a
aprovaçao.
Se o oficial público deixa que assista à entrega ou ao ato aprovativo pessoa que o testador não queria que assistisse,
responde êle pelos danos, inclusive ‘morais. A assistência com o assentimento do testador é sem conseqúências de
invalidade e de responsabilidade. Pode tratar-se, de advogado do testador, ou de jurista que êsse entendeu convidar
para evitar erros de direito.
Deve-se evitar a escrita de testamentos cerrados e a própria assinatura, ou entrega para a aprovação, em
solenidades, festas, banquetes e cerimônias fúnebres. Não há, porém, aí, priori, causa de invalidade. Se algum
herdeiro, ou legatário, está presente e declara que aceita, não há, aí, pacto sucessório, e que o sistema jurídico
brasileiro não tem. Se não figurou como oficial público, ou testemunha, o elemento superfluo da aceitação, mesmo
se declarado pelo testador, ou pela pessoa que escreveu o testamento, não há invalidade da deixa, nem do
testamento. O que pode acontecer é que se componha causa de anulabilidade, e.g., por dolo, êrro ou violência.
A entrega da cédula testamentária é ao oficial público, perante as testemunhas, que hão de ser cinco. Isso não
significa que não possa haver mais de cinco. Só o testador pode entregar. O ato é pessoalíssimo. Se não tem mãos,
ou braço que possa substituir mão, ou pé, com que pratica atos de tradição, ou outra parte do corpo, que o permita e
êle costume usar, é entrega a declaração do testador de que “ali, na mesa, está o testamento, quero que o apanhe o
oficial público e que o aprove”. Nesse caso e noutros semelhantes, o que se há de exigir é que haja a
impossibilidade de pegar a cédula testamentária e de entregá-la, materialmente. O que o testador deve evitar é o
intermediário. Se A pede a B que lhe ponha na bôca a cédula testamentária e chama o oficial público, diante das
testemunhas, para que a apanhe, há entrega. Ai, não houve intermediariedade, porque o ato de pôr na bôca de A a
cédula testamentária ainda nada tem com a tradição. A tradição pode ser brevi manu, como se A tinha feito sinal ao
oficial público para que retirasse da gaveta a cédula testamentária, ou se ao oficial público havia entregue a cédula
testamentária quem a rôgo a escrevera, ou a escrevera e assinara, e o testador não poderia recebê-la e passá-la ao
oficial público, sem ser por declaração
-de vontade que tenha eficácia de tradição, satisfeito o pressuposto de não poder o testador fazer a entrega com
parte do corpo. As testemunhas têm de atender a que a lei exige a entrega ao oficial público, diante delas.
A declaração oral de que o testamento entregue e do testador e êle quer que o oficial público o aprove é o quod
plerumque fit. Mas o surdo-mudo e o mudo têm de escrever, na face externa da cédula testamentária, que o
testamento entregue é dêle e quer que seja aprovado. O oficial público e as testemunhas têm de assistir a essa
escrita, de modo que não bastaria ter escrito antes. Se o fizera, tem de fazê-lo de nôvo, e o-auto de aprovação deve
referir-se à duplicidade da declaração, com alusão ao motivo. Dá-se o mesmo se, antes da entrega, o testador
houvera escrito parte da declaração, ainda se o tivesse feito somente diante do oficial público, ou somente diante
das testemunhas, ou de algumas, ou de uma, ou somente diante’ do oficial público e de alguma ou algumas das
cinco testemunhas.
A lei não fala em ser assinada pelo testador a declaração’ feita pelo surdo-mudo ou pelo mudo; de jeito que não se
pode reputar requisito essencial, ai, a assinatura do testador declarante.
O testador não pode outorgar podêres a alguém para entrega da cédula testamentária ao oficial público. A pessoali
dade do ato afasta qualquer delegabilidade. O’ testador tem de” fazer e de ver a entrega. Assim é que se evitam
pessoas interpostas, que poderiam substituir a cédula testamentária. Imaginemos que o testador houvesse escrito e
assinado a cédula testamentária e depois, quando já não pudesse escrever e assinar, quisesse outras disposições.
Alguém, interessado na irrevogação, em vez de apresentar a cédula escrita e assinada por outrem, a rôgo do
testador, daria para a aprovação o que o testador havia escrito e assinado.
O testador tem de dizer que o testamento é seu e que o tem por “bom, firme e valioso”, isto é, válido e eficaz (com
o auto de aprovação, entenda-se). Não precisa empregar as mesmas expressões, que aliás se afastam, com a
imprecisão da praxe, da terminologia científica. O oficial público tem de lançar o que signifique considerar o
testador que aquele é o seu testamento, que atendeu às exigências legais (xx é válido) e, com o auto de aprovação,
terá a eficácia para o futuro e a eficácia revogatória, que é a de alcance dos testamentos anteriores ou do testamento
anterior. Mesmo se o testador não empregou as expressões que a lei râncidamente conservou (na esteira das
Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 80, § 1.0), nada obsta a que o oficial público as lance.
Quanto à substituíbilidade das expressões “por seu, bom, firme e valioso”, a jurisprudência é assente (2.~ Turma
do’ Supremo Tribunal Federal, 23 de novembro de 1948, E. dos 7’.,.187, 960; 1•a Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, 28 de agôsto de 1947, E. 9., 118, 186; Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Minas
Gerais, 24 de novembro de 1938, E. dos 7’., 121, 229). Para a solução oposta citavam-se decisões antigas e o
Assento de 1’? de agôsto de 1811, em que se dizia que o intérprete tinha de atender à letra da lei, “não devendo,
nem podendo antepor-se, nem pospor-se, ou substituir por equipolência, as formas” das Ordenações Filipinas,
Livro IV, Título 80, § 1. O Assento de 10 de junho de 1817 foi expressivo: “As palavras adotadas no Assento de 17
de agôsto de 1811, que, declarando a Ordenação, Livro IV, Título 80, § 1.0, proibem antepor, pospor, ou substituir
por equipoléncia, as formas prescritas nessa Ordenação, nunca devem entender-se de uma observância
supersticiosa da lei, que, olhando só para a letra, destrua sua verdadeira intenção; mas sim das formalidades
substanciais do testamento, que se não podem, nem devem, confundir com a anteposição, posposição, ou
substituição de palavras, que tenham a mesma significação”.
A lei cercou de precauções a identificação da cédula: além da entrega, presentes as testemunhas, e feita pelo
próprio testador, exigiu que o oficial público, pergunte, perante as mesmas testemunhas, ao testador, se aquele é o
seu testamento e quer que seja aprovado, quando o testador, de si mesmo, não se tenha antecipado em declará-lo
(art. 1.638, V). Essencial é, portanto, a declaração do testador quanto a ser aquele o seu testamento e ao seu desejo
de que seja aprovado. No caso de mudez ou de surdo-mudez, o art. 1.643, que constitui substituto, permite que a
declaração seja escrita na face externa do papel ou do envoltório. (Analôgicamente, não, porque aqui não cabem
analogias; mas pela revelação do conteúdo da própria regra, aplicar-se-á o art. 1.642 quando o testador, que não
seja surdo-
-mudo nem mudo, não puder falar ou por acidente ocasional ou por prescrição médica após operação, ou pela
impossibilidade material criada pelos aparelhos.)
Uma vez que a tradição tem por fim evitar a substituição do testamento e comprovar a sua identidade, não
bastariam os gestos, não traslativos, do testador. Em 18 de junho de 1869, a Relação do Rio de Janeiro decidiu que
a entrega por outrem, apontando o testador a cômoda em que estava o testamento, não poderia ser suficiente. Em
22 de dezembro de 1900 e 13 de junho de 1901, julgou a de Minas Gerais ser essencial o recebimento das mãos do
testador, em presença de todas as testemunhas, em situação de poder ver o testador e o ato, e de ouvir as perguntas
ou declaração. Tudo isto é perfeitamente certo, mas há casos extraordinários, que convém meditar:
a)O testador sem mãos: seria absurdo reduzir a tradição à entrega manual, quando as mãos, instrumento ordinário
da tradição das cédulas, não existam. Será conveniente que o oficial declare a circunstância extraordinária e diga
em que consistiu o meio identificador da cédula entregue.
b)Testador com as mãos impedidas ou paralíticas: a situação equivale à do número anterior, a solução tem de ser a
mesma. Se fôsse a priori o princípio dos dois acórdãos da Relação de Minas Gerais, falhariam nesses dois casos.
3.TESTEMUNHAS DA APRESENTAÇÃO. São cinco as testemunhas, número igualmente exigido aos outros
testamentos. Porém, neste, não no são do testamento, mas da apresentação do testamento. Atestam a identidade da
carta e as declarações do testador de que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado. São testemunhas
dêste ato, e não das disposições testamentárias prôpriamente ditas. Mas, como as dos testamentos público e
particular, são instrumentária.s, e não acidentais. Se é certo, como, explicitamente, FRANCISCO DE CALDAS
PEREIRA DE CASTRO e FRANCISCO PINHEIRO ensinavam, que não precisam, no velho sentido, ser rogadas,
nem por isso deixam de ser, hoje em dia, testemunhas convocadas, ainda que aproveitadas dentre as pessoas
acidentalMente presentes. Devem estar ali, sem interrupção, como no testamento público, mas somente a partir do
gesto do testador ao passar às mãos do oficial público a cédula testamentária, declarando-a sua e dizendo-a para ser
aprovada, até a completa ultimação do ato, que é o cerrar e coser (art. 1.638, XI).
As testemunhas são apenas da entrega ao oficial público para a aprovação e para os atos que são necessários até
que se conclua o ato aprovativo, em que são elementos essenciais as suas assinaturas. Depois disso, é que o oficial
público o cerra e cose. Se o testador o fechara, a formalidade de cerrar e coser, que é dever do oficial público,
envolve nôvo envolvimento, pois que lá estão a cédula testamentária e o auto de aprovação, que oficial público,
testemunhas e testador (ou alguém a rôgo) têm de assinar.
O ato de aprovação, de que se lavra o auto, é uno, no espaço e no tempo, desde a entrega da cédula testamentária
até a assinatura por todos os que têm de assinar, inexcetuàvelmente sete pessoas (oficial público, testemunhas e
testador). A formalidade de cerramento e costura é formalidade essencial, porém não se diz, na lei, que as
testemunhas tenham de assistir. Depois, há a entrega ao testador e o lançamento no livro do cartório, com o dia,
mês e ano em que foi aprovado.
A presença de algum herdeiro ou beneficiado, por outro meio, pelo testamento cerrado, pode ser indício de coação
ou de induzimento. Não basta, por si, para que haja invalidado <Relação do Rio de Janeiro, 29 de abril de 1879).
A propósito da presença das testemunhas decidiu a
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a 25 de novembro de 1949 (E. J. E., 102, 168) :
“Na espécie, como acentuou a sentença apelada, alguns dêsses requlsitos essenciais falecem nos autos. ~ certo que
o tabelião fêz constar da cédula que todas as formalidades legais foram satisfeitas; mas a prova produzida, com
depoimentos de testemunhas instrumentárias, mostra que nem todas aquelas formalidades foram observadas. É o
que se há de reconhecer no caso vertente dos autos, mesmo quando se não deva alimentar a superstição dos
formalismos obsoletos, que, no dizer de PONTES DE MIRANDA (Tratado dos Testamentos, II, 11), prejudicam
em vez de servir à vida. Não vale argumentar com o conteúdo do testamento, que, pela sua licitude, pelo espírito
caridoso que o teria inspirado, favorecendo uma aleijada, revelaria a vontade do testador, mas, por defeito de
forma, venha a ser nula. É que, segundo é elementarmente sabido, as formas testamentárias são de ordem pública; e
por isso adverte o mesmo PONTES DE MIRANDA (II, 14) : No caso do testamento, sem a forma, é imperfeito e
nulo o próprio ato. A falta da forma deixa não completo, é pois nulo o ato testamentário. Na espécie, duas das
testemunhas instrumentárias declaram, firmemento, que não viram o tabelião receber qualquer papel do testador,
ocorrendo que a primeira delas, Pedro Frazão da Silva, nem sequer entrou no quarto onde se achava o testador
enfêrmo, quarto onde teria sido feito o testamento. Ora, a entrega do testamento ao oficial público ou notário, em
presença, no mínimo de cinco testemunhas, é um dos requisitos essenciais do testamento cerrado, requisito que, in
casu. não foi observado, motivo pelo qual, já por si, por êsse grave defeito de forma, o testamento é de ser
considerado nulo (Ac. das Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, E. de D., 80, 352). São
também requisitos essenciais: a) que o tabelião pergunte ao testador, perante as mesmas cinco testemunhas, se
aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado (inciso V do art. 1.638) ; b) que a auto de aprovação seja lido
pelo notário, assinando êle, as testemunhas e o testador (se êste souber e puder), qual se vê do inciso IX do artigo
mencionado. No entanto, na espécie, ao que resulta do depoimento do mesmo Frazão, de Antônio José Barbosa e
de Gumercindo da Costa Queiroz, tais formalidades também não foram observadas, e tinham de ser observadas, eis
que, e evoque-se ainda uma vez o doutíssimo PONTES DE MIRANDA: “o que é requisito essencial está no art.
1.638. Fora disso, quaisquer nulidades não são absolutas e têm de ser apreciadas pelo juiz (II, 150)”.
2. LEITURA DO AUTO PELO OFICIAL PÚBLICO. A leitura ao testador e às testemunhas é um dos requisitos
essenciais do testamento cerrado e constituiria grave argumento contra a interpretação da ignorância da língua
nacional por parte do testador <nunca das testemunhas) nos casos figurados conforme o Código Civil, art. 1.640, in
fine.
No direito anterior, não eram expressas, a êsse respeito, as Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 80, §§ 1 e 2, mas
sendo o testamento instrumento público e exigida a todos êles a leitura antes de subscreverem entendiam ser
solenidade essencial o requisito de se ler, assim o testamento público como o cerrado. Invocavam-se J . H.
BOERMER, MANUEL ÁLvARES PÊCAS (Com-meníaria in Ordinationes Regni Portugalliae, IV, 46, n. 7) e
JOÀo RODRIGUES CORDEIRO (Dubitationes luris in Foro frequentes, d. 9, n. 22, d. 47, n. ‘7, d. 47, n. 31). Mas
havia grave incoerência de doutrina: solenidade essencial é solenidade que deve vir in ipso testamento, e os
praxistas entendiam que podia ficar para prova posterior. Hoje, a solução tem de ser diferente: na aprovação, o
oficial público deve declarar ter lido, porquanto o Código Civil, art. 1.638, IX, exige a leitura.
A leitura do auto de aprovação do testamento cerrado há de ser feita pelo oficial público. Não pode êsse deixá-lo ao
testador, nem a qualquer das testemunhas, nem a auxiliar seu. Sómente no caso de surdez ou surdo-mudez do
testador, é que se há de dispensar a leitura para o testador, que o escreveu todo e o assinou, e ao entregá-lo ao
oficial público, ante as cinco testemunhas, na face externa do papel, ou do envoltório, já havia escrito que era o seu
testamento e queria a aprovação. No auto de aprovação o oficial público há de mencionar que leu o testamento para
as testemunhas e o testador estava (ou era) surdo ou surdo-mudo.
Questão delicada é a de se saber se, dito pelo oficial público o motivo por que não no assinou o testador e quem a
seu rôgo vai fazê-lo e só assinando a testemunha o auto de aprovação, vale o testamento. Cumpre distinguir:
a)Exemplo de TEIXEIRA DE FREITAS (Consolidação artigo 1.055, nota 19) : a testemunha assina a rôgo, sem
declarar porque o faz. Solução: vale o testamento: ela assinou a declaração do oficial público e o seu dizer “a rôgo”
inteiramente o reconhece
b)Exemplo da Relação de Ouro Prêto, no acórdão de 12 de agôsto de 1884: a testemunha assinou, mas nem sequer
declarou que o fazia a rôgo. Solução: vale, decidiam J. II. ConREIA TELES (Digesto português, III, art. 1.784),
que reputava equivalente dizê-lo o oficial público no instrumento ou dizê-lo a testemunha, MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA, na dissertação 4 em suplemento às Notas, e a Relação de Ouro Prêto.
c)Exemplo de ALVARO VALASCO, antifilipino: a omissão do auto e da testemunha Vale dizer as expressões da
lei seriam enunciativas e não dispositivas Bastaria, depois, que se provasse que o testador não podia assinar, e por
tal causa não assinou (et ideo non signavit).
Antes de assentarmos opinião, consignemos que as Ordenações Filipinas e os Assentos deixavam dúvida, porque
não exigiam especificação por parte do oficial, mas claramente a declaração pela testemunha, e agora o Código
Civil, à diferença do que ocorre com o testamento público (art. 1.634), deixa de exigir a especificação ao
testamento cerrado, e claramente exige a completa declaração pela testemunha-assinante. As questões perduram. O
fato de ser a antecipada declaração do oficial público, que tem fé pública, de mais valia, e achar-se subscrita,
confirmativamente pela testemunha, repõe diante de nós a velha controvérsia.
Eliminemos, desde logo, o caso c) : a falta não é mínima, como pareceu a ALVARO VALASCO. Seria protrair a
solenidades posteriores o que a lei quis in ipso testamento. A omissão feriria o princípio da essencialidade da
forma, princípio criado pelo timor falsitatis. Somente os dois outros exemplos, de TE!XEIRA DE FREITÂS e da
Relação de Ouro Prêto, deixam de pé as dúvidas. De omissão, em parte tão essencial, não cabe cogitar-se; mas de
equivalência, sim.
Temos de examinar os dois casos: o primeiro, em que a testemunha-assinante disse assinar a rôgo; o segundo, em
que o não disse. Ex hypothesi, num e noutro caso, o oficial público fêz a declaração, que caberia às testemunhas.
Nem nas Ordenações Manuelinas, nem nas Ordenações Filipinas, nem no Código Civil, se deu ao oficial público a
ir.cumbência de dizer que, pelo motivo de não poder assinar o testador, outrem assinou. A testemunha é que o
declara. Por isso mesmo, se o oficial se adianta em dizê-lo e a testemunha o subscreve, actus factus eandem vim
habet. A cautela foi observada pelo oficial público, que tem fé pública: há, na espécie, um plus, e a subscrição pela
testemunha confirma o que acima o oficial público declarou. Assim, FRANCISCO DE CALDAS PEREIRA DE
CASTRO (AnalyticuS Commentarius, sive ad Tupum znstrumenti, Emptionis et Venditionis Tractatus, c. 34, n. 22).
GABRIEL PEREIRA DE CASTRO (Detisiones Supremi Ehninentis.Simique Senatus Portugalliae, dec. 81, n. 3,
370), HATISTA FRAGOSO (Regiminis Reipublicae Christianae, III, 1., 5, d. 8, § 3,
-n. 112), obscuro ANTÔNIO DE SousA DE MAcEDO (Decisiones Supremi Senatus Iustitiae Lusitaniae, d. 4),
MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Cole ção de Disserta çdes jurídico-práticas em suplemento às notas ao livro
terceiro das Instituições de PASGOAL JOSE DE MELO FREIRE, 129), contra ANTÔNIO DA GAMA
(Decisiones Supremis Senatus Regni Lusitaniae, d. 46). Foi -excelente BATISTA FliAcoso e ainda hoje não
devemos buscar relhor lição, bem nova, bem ad corrente dos bons métodos contemporâneos de interpretação
(tirado o voluntarismo subjetivista, sinal do tempo) : “Responsio est affirmativa, quia mens Legislatoris fuit, ut
testamentorum fraudibus occurreretur; et magis occurritur, si Tabellio declaret pro testatore Titium subsignasse,
quam ipse testis, qui id ex post facto efficere potest aut addere: Idcirco plenius intentioni Legislatoris satis
-factum est per tabellionem quam per testem... Verosimile est Legislatorem, si in hoc casu fuisset interrogatus,
responsurum sufficere Notarii declaratonem, per quam fraudes eliminantur”.
Valendo mais do que a da testemunha a declaração dc oficial público, e não havendo, como não há. falta do
declaração, pois que a testemunha assina o que o oficial público escreveu, faz seu, confirmativamente, o que êle
declarou, fôra râncido formalismo sacrificar à exigência formal, duramente interpretada, a vontade do testador. Se
há um favor testamenti, não há lugar mais próprio para êle intervir. Mas, em verdade, nem questão há dêste favor:
uma coisa é serem de ordem pública as formas testamentárias, e outra, poderem ser interpretados os artigos de lei
que fixam os requisitos essenciais.
O caso segundo da Relação de Ouro Prêto, se bem que, aparentemente, seja assaz distinto do primeiro,
verdadeiramente não no é: se vale o argumento de declarar o oficial e a testemunha subscrever o que êle disse,
declarando assinar pelo testador (“a rôgo”), vale também para o caso de tudo ter sido dito pelo oficial e nada pela
testemunha-assinante: porque o a rôgo também aquele o disse e a subscrição da testemunha ou vale para tudo, ou
não vale; se vale para a parte em que se disseram os motivos da impossibilidade de assinar o testador e quem, por
êle, assina, tem de valer para a expressão a rôgo, subentendida na primeira parte. Aqui, como no primeiro caso, o
que se fêz foi interpretar o art. 1.638, VII e X, e não dispensar na lei. Certo, como já se disse, sem a forma da
aprovação, é imperfeito ainda o testamento (MANUEL FIGUEIRA DE NEGREIROS, Introductio ad ultimas
voluntates, L. 2, c. 1, n. 4), mas a lei da forma pode-se e deve-se interpretar. Na espécie, fêz-se mais do que a lei
pediu, e bastaria que fôsse o mesmo:
quando forma respicit certum effectum, per aequipollens potest ei fectualiter consequi.
Seria retrocesso exigirmos hoje mais do que se exigiria nos séculos passados ao tempo das Ordenações Manuelinas
e Filipinas. Após, os escritores que citamos, o prático de Lobão, com bons argumentos, solvia o problema da
antecipação da formalidade, por parte do oficial. ~,Não confiam as leis, perguntava MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA (Coleção de Dissertaçôes juridico-prátitos em suplemento às notas ao livro terceiro das Instituicões de
MELO FREIRE, 130), mais das escriturações dos tabeliáes que das pessoas privadas? E acrescentava: “Isto não é
equipoléncia, tomada na própria acepção esta palavra; é, sim, uma maior e – sobre equipotência, mais que uma
equipolência”.
4• DIFERENÇA DE TEMPO, FEITURA E APROVAÇÃO. A diferença de tempo entre a feitura da cédula
testamentária e o ato de entrega para a aprovação, seguido dessa e das assinaturas, inclusive do testador, suscita a
questão da capacidade do testador. Aliás, estende-se a outras espécies que não são as de incapacidade do testador,
como as de nulidade de disposições. Se o testador não estava em perfeito juízo, ou não tinha idade para testar,
quando fêz o testamento (escrito por êle, ou por outrem, não importa) e já podia testar ao entregar e assinar, vale o
testamento cerrado que teve aprovação e as assinaturas. Se houve êrro, ou violência, no momento da escrita e de
modo nenhum persistiu quando o testador entregou a cedula testamentária e assinou a aprovação, a causa de
anulabilidade desapareceu. Pode ocorrer o mesmo, embora dificilmente, em caso de dolo. Se o testador dispôs a
favor da concubina, mas, ao entregar a cédula testamentaria, já dissolvida estava a sociedade conjugal, qualquer
que fôsse a causa da. dissolução, a disposição vale.
Se o testador fêz testamento público, cerrado, ou particular, no intervalo, isto é, entre a feitura da cédula
testamentária e o momento em que levou à aprovação, o testamento cerrado que foi aprovado depois revoga o
intercalar.
A data da cédula é sem relevância, se o testador a pós-datou, em relação à data da entrega e da aprovação (cf. JoSlil
DIAS FERREIRA, Código Civil portugués anotado, IV, 302).
O Código Civil não fala de data do auto de aprovação. Se bem que não se deva permitir a oficiais públicos lavrar
autos, quaisquer que sejam, sem datar, para jue êle e as testemunhas (ou êle e figurantes do negócio jurídico)
assinem, a omissão do Código Civil deixa sem a sanção de nulidade a falta do oficial público, em se tratando de
testamento. A datação édever do oficial público, quer o testamento seja público, quer seja cerrado.
5.DECLARAÇÃO DE ASSINAR A RÔGO E EXPRESSõES EQUIVALENTES. O oficial público não precisa
usar das expressões “a rôgo”. Basta dizer o oficial público se o escreveu e vai assinar: por mim e pelo testador, ou
só pelo testador, basta: porqueneino signat pra alio. nisi ad preces ipsius (GABRIEL PEREIRA DE CASTRO,
Decisiones Supremi Eminentissimique Senatws Portugalliae, dec. Si, n. 2, 370).
6. SE A ASSINATURA DO TESTAMENTO CERRADO PODE SER FEITA POR OUTRA PESSOA, QUE NÃO
SEJA “UMA DAS TESTEMUNHAS”. No livro de FERREIRA ALNTES (Consolida çã-o das Leis relativas ao
Juízo da Provedoria, 1, 115), diz-se que “a lei só concedeu a uma das testemunhas do ato o poder de assinar pelo
testador”. Seria nulo o testamento assinado por outra. pessoa. Mas, pela exigência de uno contextu, o assinante será
presente ao ato de aprovação. Será mais uma das testemunhas, a sexta, ou octavus figurante, com o testador e o
oficial público.
Não há nulidade (Relação do Rio de Janeiro, 21 de abril de- 1874, Tribunal de Justiça de São Paulo, 3 de junho de
1899, JoÃo MONTEIRO, Aplicação de Direito, 51).
~ Quid juris, se o oficial público não disse quem vai assinar, nem a testemunha-assinante o declarou?
Se mais testemunhas do que a lei exige figurarem, melhor será, mais forte a prova instrumental (Relação do Rio de
Janeiro, 3 de dezembro de 1878). ~ de mais ir além de cinco, dizia JOÃO MONTEIRO (Aplicação de Direito, 51) ;
em mais de cinco, há sempre cinco.
Se é testemunha, deve o oficial público dizê-lo no auto, máxime se extranumerária (LAFAIETE RODRIGUES
PEREIRA, O Direito, V, 571-588). Aqui, a questão não é de assinar, casos que foram discutidos: é de ser
testemunha. Se não declarou porque assinou, nem no fêz o oficial público, falta o requisito do art. 1.638, X. Se não
se arrolou como testemunha, ~,como provar a validade? Assinatura prova que assinou, mas a presença deve constar
do auto porque é uma das solenidades essenciais.
Será nulo o testamento:
a) Se o que assina a rôgo não se mencionou como testemunha, nem se pôs entre elas como tal.
b) Se, assinando a rôgo, e mencionada só como testemunha, nem ela, nem o oficial público cogitou da declaração
do art. 1.638, X.
Se o oficial público faz as testemunhas assinarem em branco, para depois lançar o auto de aprovação, há irregulari
dade, que pode dar ensejo à decretação da nulidade. Idem, se o lavra e, mais tarde, convoca as testemunhas para
que o assinem. Para que a invalidade seja decretada, é preciso que se produza prova suficiente do ocorrido.
8. CAUTELAS VOLUNTÁRIAS DO OFICIAL PÚBLICO. Muitos dizeres nos testamentos são benefícios, porém
dispensaveis. Declarar que o testador estava doente, ou não, se em perfeito juízo e livre de coação. Mencionar o
número de fôlhas do testamento e rubricá-las: o sinal far-se-á na última fôlha, e não em todas; a lei não exige que as
rubrique, uma por uma, a segurança está no fechar e coser, e não na rubrica das fôlhas. Fechar e coser é que é
essencial.
Constitui praxe dos cartórios, além de fechar e coser o testamento, lacrá-lo sôbre os pontos, ou alhures, e declarar o
tabelião a côr do lacre, se tinha o seu carimbo, o número de pingos e os lugares em que se achavam.
Ç de grande utilidade, ao lançar no seu livro a nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado, e
entregue, registar o oficial público todos os atos de individuação das testemunhas (idade, naturalidade, profissão,
domicílio e residência).
Se o testador permitiu que o oficial público lesse o testamento, deve consignar as rasuras, emendas e ressalvas que
houver, mas isto não quer dizer que a lei exija tal leitura, ou tal inspeção sem ler, por parte do oficial público.
Chamamos auto de aprovação; os juristas franceses, de subscrição, palavra que melhor o diz.
11.“UNITAS ACTUS” DA SOLENIDADE DE APROVAÇÃO. - A lei não exige a unidade de ato à escritura da
cedula testamentária, que vai ser dada para a aprovação. Mas o instrumento de aprovação e todas as solenidades
que o precedem e sucedem tem de ser uno contextu. Vale dizer: desde o gesto da entrega, presentes o oficial
público, o testador e as testemunhas (Código Civil, art. 1.638, IV), até o cerrar e coser do testamento (art. 1.638,
XI), tudo tem de fazer-se sem interrupção: continuidade e presencialidade desde o princípio até o fim.
O uno contextu quer dizer sem interrupção para outra coisa ou ato: nou miscetur actus testamento alienus
(ANTÔNIO DE SOUSA DE MACEDO, Decisiones Supremi Senatus Iustitiae L<usitaniae, d. 4, 5, 15).
A existência de uno conteztu só se refere à parte de autentificação, similar do testamento público e proceder solene.
Quanto à cédula, não: pode ser feita num tempo, e noutro levar--se à aprovação; fazer-se aos poucos, conforme fôr
entendendo o testador, como ocorre à estrutura do testamento particular.
12.O QUE DEVE CONTER O AUTO DE APROVAÇÃO DO TESTAMENTO CERRADO. o instrumento de
aprovação deve consignar, por exigência do estatuto do oficial público:
a) A data, isto é, o dia, o mês e o ano.
b) O lugar em que foi feito.
c) O nome do testador que entregou a cédula e o seu domicílio, cautela útil (porém não para o efeito que lhe atribui
FERREIXA ALVES, Consolidação das Leis relativas ao Juizo da Provedoria, 1, 118, “para se averiguar a
competência do tabelião”, pois não é o domicílio do testador que afirma, e sim o lugar em que se fêz o testamento,
coisa diferentíssima).
d) O nome das testemunhas, sendo aconselhável dizer-lhes, pelo menos, o domicílio.
e) Reconhecimento do testador e das testemunhas ou abonação por duas pessoas, ato que pode fazer-se fora do
testamento, no livro do cartório, dando o oficial público aos figurantes, em virtude disto, como reconhecidos.
f) Leitura do auto pelo oficial público.
g) Sinal e assinatura do oficial público; assinatura das testemunhas e do testador, se pode assinar. Se não puder, por
êle assinará uma das testemunhas, com a declaração do artigo
1.638, X.
Eventualmente, ressalva no fim do instrumento de aprovação e antes das assinaturas, de todas as emendas,
entrelinhas, rasuras, etc. (Ordenações Filipinas, Livro 1, Título 78, § 4; Reg. n. ‘737, de 25 de novembro de 1850,
art. 146).
O que é requisito essencial está no art. 1.638. Fora disso, quaisquer invalidades não são absolutas e têm de ser
apreciadas pelo juiz: exemplos temos no auto de aprovação a que faltou o nome da testemunha no texto da
aprovação, mas esta subscreve o auto, ou troca de nome.
No auto de aprovação, tem o oficial público de dizer o lugar (cidade, ou vila, ou outra localidade, a rua, a casa ou
número), e a data em que se lhe entregou a cédula testamentária, o nome do testador, o estado civil, a profissão, a
nacionalidade, o domicílio e a residência. De ordinário, porém não imprescindivelmente, diz o oficial público que o
testador se acha em perfeito juízo, em pleno estado de saúde (ou doente, com voz fraca, ou acamado, ou em cadeira
de rodas). Se o oficial público afirmou que o estado mental era normal, ou fêz qualquer outra alusão à saúde, pode
ser feita prova contrária. São proposições usuais ou de estilo, que não fazem fé pública.
Após os dados sôbre o testador, têm de vir os que concernem às testemunhas, para que haja a identificação. Se nem
o oficial público nem as testemunhas conhecem o testador (o que pode ocorrer), duas outras pessoas têm de
satisfazer as exigências de identificação, conforme a legislação especial.
Depois de referir-se às pessoas presentes e à entrega, o oficial público, se o testamento foi entregue aberto, há de
referir-se às laudas ou fôlhas da cédula testamentária; se cerrado pelo próprio testador, há de dizer qual o aspecto, o
modo de fechamento e pôr o sinal público se não há lugar para iniciar o auto de aprovação, frisando que lhe fôra e
como lhe fôra entregue fechado. Se a cédula testamentária foi apresentada aberta, o oficial público folheia-o, sem o
ler (salvo se lho pede o testador), e deve dizer em que estado o encontrou (sem borrões ou com tais borrões, sem
rasura ou com tais rasuras, riscos, emendas e rompimentos sem importância, que há de apontar). Entregue aberto o
testamento, o oficial público rubrica as fôlhas. No auto de aprovação deve o oficial público dizer que a cédula
testamentária já estava cosida e que vai ser fechada e cosida com a aprovação, ou que estava aberta e vai ser
fechada e cosida.
O oficial público tem de portar por fé a identidade do testador e declarar que as testemunhas o conhecem, ou que
duas das testemunhas, ou duas pessoas identificantes o conhecem e assinaram a declaração (que pode ser no
testamento, abaixo das assinaturas instrumentais, ou fora, conforme a praxe notarial). Se o oficial público não
conhecia o testador, a declaração formal de duas pessoas é indispensável à função notarial e ao auto de aprovação;
depois da identificação, não precisa a isso referir-se o oficial público, pois que passou a conhecer o testador, o que é
de exigir ao ser-lhe entregue o testamento ou logo após.
Nem a rubrica das páginas da cédula testamentária, nem a indicação do número delas, ou das fôlhas, é pressuposto
essencíal, pôsto que de praxe notarial. Dá-se o mesmo com a própria referência a ter a cédula testamentária sido
escrita e assinada pelo testador, ou por outrem escrita e por êle assinada, ou escrita e assinada a seu rôgo.
13. VALOR JURÍDICO DO AUTO DE APROVAÇÃO. Antes de aprovado, o testamento cerrado não constitui ato
jurídico perfeito ainda não é um testamento. De tal imperfeição decorre que, no próprio caso de cédula datada, a
sua data não será a da cédula, mas a do auto de aprovação. A partir da entrega até a conclusão do auto é que se
procede à autentificação do escrito: a êste ato, e não ao conteúdo da cédula, é que as testemunhas assistem, e
atestam-no, e o oficial público certifica.
Das declarações testamentárias, nem aquelas nem êste precisam ter conhecimento explícito.
14. CERRADO E COSIDO, A QUEM SE ENTREGA O TESTAMENTO. A lei diz com quem fica o testamento
cerrado (Código Civil, art. 1.643), e devemos evitar que fique com o oficial público, como temos visto. Máxime se
a rôgo escrita a cédula, e a rôgo assinado o auto de aprovação. A impressão que deixa é um pouco chocante quando
o oficial público vai apresentá-lo.
O testamento aprovado entregue ao testador, que o guardará consigo, ou o confiará a quem entender, talvez ao
futuro testamenteiro, o que é excelente prática. ou a estabelecimento bancario ou trustee, acautelandoo em caixa
forte, e evitando criminosas utilizações, que são freqúentes e raro verificáveis, tratando-se de testamentos cerrados.
Principalmente se o testador não contemplou os herdeiros legítimos, não deve fiar dêles a guarda dos instrumentos
das suas últimas vontades. Quando não seja o intuito maldoso, o propósitO de inutilizar, a curiosidade dêles, às
vêzes comtemplados leva-os a forçar as linhas, arrebentar 05 lacres e os pontos.
A guarda, ato de fidúcia, de conseqúências jurídicas como o dever de apresentação, será estudado ao cogitarmos do
artigo 1.756.
Antes de entregar o testamento, o oficial lançará no seu livro o nome do testador, dia, mês e ano,
aconselhavelmente a própria hora em que se fêz a aproyação e o nome das testemunhas, com as características.
Mas tal providência não consta do art. 1.638 do Código Civil: não constitui, portanto causa de nulidade. Pelo fato
de a mencionar o art. 1.643, da infração resulta poder ser punido, disciplinar ou criminal mente, o oficial público
1.TEXTO LEGAL Diz o código Civil, art. 1.639: “Se o oficial tiver escrito o testamento a rôgo do testador, podê-
não obstante, aprovar”. Já no Projeto revisto, art. 1.975: “Se o oficial tiver escrito o testamento a rôgo do testador,
podê-lo-a não obstante aprovar, como pessoa pública”. Cf. Projeto de FELiCIO DOS SANTOS, art. 1.621.
2. FONTE. Cf. Assento de 23 de julho de 1811, interpretativo das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1:
“E por pluralidade de votos foi assentado pelos Ministros, que não tinham nulidade alguma, proveniente desta
causa, quaisquer testamentos escritos na forma da lei por qualquer Tabelião, e depois aprovados pelo mesmo;
porque, não havendo ordenação que o proiba, o que a lei não distingue, nós não devemos distingUir, e rogando
nulidades nos atos, que os não têm. E para não vir mais em dúvida, se tomou êste Assento, que assinou o dito
Senhor com os dembargadores, que nele votaram”. Antes tinha dito: “Foi proposto, que havendo variedade de
julgar sôbre os testamentos feitos na forma da ordenação, Livro iv, Título 80, § 1, os quais, sendo escritos por
algum Tabelião, se duvidava se êste podia ser o mesmo, que depois os aprovasse, escrevendo o ato legal da sua
aprovação, ou se ficavam nulos, por ser a mesma pessoa praticando dois atos, um como pessoa pública, outro como
particular”.
Portanto, da omissão das Ordenações tirou o Assento a regra, que o nôvo direito escrito consagrou.
1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.640: “O testamento pode ser escrito, em língua nacional ou
estrangeira, pelo próprio testador, ou por outrem, a seu rôgo. A assinatura será sempre do próprio testador, ou de
quem lhe escreveu o testamento (art. 1.638, n. 1)”. No Projeto primitivo, art. 1.810:
“As disposições testamentárias podem ser escritas, em língua vernácula ou exótica, pelo próprio testador ou por
outrem a seu rôgo. A assinatura deve ser do punho do testador ou de quem escreveu o testamento”. Cf. Projeto
revisto, art. 1.976.
4. LÍNGUA ESTRANGEIRA E LÍNGUA SECRETA. A lei permite que o testamento cerrado (Código Civil, art.
1.640) e o particular (art. 1.649) sejam em língua estrangeira. Mas, quanto a êste, é preciso que as testemunhas a
entendam.
A escolha de língua estranha, desusada pelo testador, faz presumir-se a simples troça ou pilhéria (A. ESCIIER, 88).
Não assim quando se trata de estrangeiro, pessoa mais afeiçoada a outro idioma, bilingue, ou quando, em viagem,
tenha empregado a língua do lugar. A vontade de ocultar o que escreve justifica o emprêgo de outra língua que a
própria. De qualquer modo, a presunção, que é simples, e não legal, fâcilmente se elide com a exposição dos
motivos de uso.
Pode usar qualquer língua viva, ou morta (E. RITGEN, em G. PLANCX, Burgerliches Gesetzbuch, V, 488;
WALTHER ~aocx, Das eingenhdndige Testament, 77 s.). Não são interditas as modernas línguas artificiais (P.
Tuba, Das Erbrecht. Kommentar, III, 825), como o esperanto, o ido. Um bispo, um latinista, ou um esperantista,
não se presume testarem por pilhéria.
Em regra, as línguas secretas, só compreendidas pelo testador e os beneficiados, não podem valer (1’. TuoR, Das
Erbrecht, Kommentar, III; 825). Mas, ainda nestes casos, podem as circunstâncias, apreciadas pelo juiz, justificar a
eleição aparentemente absurda do sistema. Revelada a chave, diante da seriedade das exposições, não pode a justiça
deixar de cumprir.
5. NECESSIDADE DE QUE O TESTADOR ENTENDA A LÍNGUA DE QUE USA. Quer seja cerrado, quer
particular, é preciso que o testador entenda a língua que escolheu, entenda, e por ela possa exprimir-se (E.
RITGEN, V, 438). Quando particular, que a entendam as testemunhas (art. 1.649).
Nenhuma importância têm nos testamentos os erros do ortografia, de sintaxe, de geografia ou de qualquer outro
conhecimento. O que interessa é descobrir, sob o véu espêsso, ou pregueado pela ignorância ou desatenção, a
verdadeira vontade do testador. Somente quando não se entende, nem se pode, por exemplo, descobrir o que o
testador entendia pelo que nomeava, poderá o juiz reputar ineficaz a disposição.
7.AS DECLARAÇÕES PODEM SER FEITAS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA, DESDE QUE OFICIAL
PUBLICO E TESTEMUNHAS A COMPREENDAM. Para desde logo restringirmos a questão, assentemos que
são inadmissíveis intérpretes a êsse ato. Bom ou mau, é o sistema geral do direito testamentário brasileiro Resolve-
se o problema em saber se, conhecendo oficial público e testemunhas a língua em que se exprime o testador, é
possível receber-se, na língua estrangeira, a declaração de ser aquele o seu testamento e querer que seja aprovado.
A negativa jogaria muito longe o disco do rigorismo testamentário. Se isto se der, será prudente e de boa cautela
que o oficial público o consigne no auto de aprovação, para que não haja dúvida, nem omissão de um fato por sua
natureza extraordinário. Feito isso, não poderíamos compreender que os juizes lhes negassem validade.
Se o testador não puder expressar-se em língua que o oficial público e as testemunhas compreendam? No sistema
brasileiro, só há um meio para tão difícil emergência: usar o disponente da declaração escrita, similar à do art.
1.642, declarando porque o faz. E o oficial público dirá no auto o que se passou, se as testemunhas conheciam a
língua, quais os gestos ou monossílabos pelos quais se fêz compreender o testador. Não é nada de mais que assim
se resolva, porquanto a lei permite interrogatório pelo oficial público e será possível resposta simples: sim, ou
equivalente de línguas conhecidas. Exemplo: o Persa, que apresenta o testamento, gesticula diante das testemunhas,
e compreendendo o essencial do que lhe pergunta o oficial público, responde ves. Cabe ao juiz apreciar as
circunstâncias.
1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.641: “Não poderá dispor de seus bens em testamento cerrado quem
não saiba, ou não possa ler”. No Projeto revisto, art. 1.977: “São inábeis para dispor de seus bens em testamento
cerrado os que não sabem ou não podem ler”. No Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 2.451: “Aquele que não
pode ou não sabe ler, não pode fazer testamento cerrado”. Veio o artigo alterar o sistema do Código: por isto foi
proposta a supressão (Trabalhos, VI, 496 e 540). Com êle criou-se a figura singular do sabe e pode ler, mas não
sabe assinar; com êle, permitiu-se ao analfabeto o testamento público, sem se lhe permitir o cerrado.
2.FONTE. Arg. à L. 21, C., de testamentis: quemadmodum testamenta orclinantur, 6, 23, e às Ordenações
Eilipinas, Livro IV, Título 80, § 1.0. Código Civil francês, artigo 978: “Ceux qui ne savent ou ne peuvent lire, ne
pourront faire de dispositions dans la forme du testament mystique”. A Novela 69, de Leão nunca teve autoridade
em tal matéria no direito dos últimos séculos.
3.FUNDAMENTO. A razão do art. 1.641 está em que o testador deve, por si mesmo, poder verificar se o escrito,
que êle apresenta, é, realmente, o seu testamento e se o conteúdo corresponde à expressão das suas últimas
vontades. Aliás, a E. 21, C., de testamentis: quemadmodum testameu.. tum ordinantur, 6, 23, emprega as expressóes
si litieras testator ignoret veZ subseribere nequeat, que se pretendeu dissessem o mesmo que hoje se diz, na esteira
do Código Civil francês, art. 978, do italiano revogado, art. 785, do espanhol, art. 708, e do português revogado,
art. 1.923. Em verdade, hoje, a lei brasileira, mantendo o texto duvidoso (Ordenaçóes Filipinas, Livro IV, Título 80,
§ 1; Código Civil, art. 1.638, III:
não sabendo ou não podendo o testador assinar”) e inserindo a exigência de saber e poder ler (art. 1.641), veio
deixar êste extraordinário tipo do que sabe ler e não sabe assinar, que talvez não se encontre nos nossos sertões e
centros urbanos. Raridade bem imprópria para um Código. Compreende-se que se cogitasse do que sabe ler e não
pode assinar. Aquele “não sabendo” do art. 1.638, III, precisa riscar-se numa revisão da lei civil.
4.CONSEQÚÉNCIAS DA REGRA LEGAL. A infração do Código Civil, art. 1.641, que tira ao disponente o uso
de uma forma testamentária, tem por efeito a nulidade do testamento:
a) Se cego, porque, não vendo, não pode ler.
b) Se não pode ler, ou porque não saiba, ou porque esteja, acidentalmente, impedido disto, se bem que não seja
cego. Ocorre tal circunstância subjetiva, quando operado o testador, ou, por outro motivo (pancada, inchação) não
possa ler.
§ 5.881. Surdo-mudo
2. DIREITO ANTERIOR. As Ordenações Filipinas, do’ Livro IV, Título 80, § 5, permitiam ao que se tornou surdo
e mudo, sabendo escrever, que testasse do próprio punho. Estendia-se ao particular, hológrafo, e por sugestão
posterior da Ordenança francesa de 1735, art. 12 ao cerrado, como o do Código Civil português atual e o
brasileiro.
3.ENTENDIMENTO DA REGRA LEGAL. O dispositivo fala. em surdo-mudo disponente que não pode satisfazer
as exigências do Código Civil, art. 1.638, V e IX: dizer que é seu e querer aprovado, e ouvir a leitura. Dispensa-lhe
uma e outra coisa. Por isto mesmo, o surdo, que não é mudo, pode testar, por testamento cerrado, pois que fala (a~t.
1.638, V) e lê (artigo 1.641), invocando a dispensa maior que aos surdos-mudos se concedeu, O mudo, que não é
surdo, não diz o que lhe exige O art. 1.638, V, porém lê e ouve, e não seria razoável que se lhe vedasse a dispensa
do art. 1.642 na parte de substituição da. declaração oral pela escrita.
1. TExTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.643: “Depois de aprovado e cerrado, será o testamento entregue ao
testador, o oficial lançará, no seu livro, nota de lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue”.
No Projeto revisto, art. 1.979: “Depois de aprovado e encerrado, será o testamento entregue ao testador, e o oficial
lançará, no seu. livro, nota de lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue”.
2. FONTE. Código Civil português revogado, artigo 1.926: “Aprovado e encerrado o testamento, será entregue ao
testador, e lançará o tabelião nota no seu livro, do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e
entregue”. Cp. espanhol, art. 710; mexicano, art. 3.520 (art. 3.789) ; e o guatemalense, art. 780.
3.FUNDAMENTO DA REGRA LEGAL. A exigência da entrega tem importância de alto interêsse público, que é
o da liberdade testamentária. t preciso que o testador receba o ato perfeito, que é, com a aprovação, o testamento
cerrado, para poder, arrependendo-se, revogá-lo pelo meio simples do artigo. 1.74~: abri-lo ou dilacerá-lo, ou
mandar que outrem o abra ou dilacere. Se estava o disponente em situação difícil de testar, por exemplo, estando in
extremis, não poderia recorrer aos meios escritos de revogação, e isto constituiria séria restrição ao princípio
inderrogável da livre revogabilidade testamentária.
Quando o oficial público entrega ao testador o testamento fechado e cosido, exige-lhe, de regra, que assine o
recibo, em papel à parte, ou em livro do cartório. Não é essencial, de modo que o oficial público pode dar prova de
tê-lo entregue, sem ter havido recibo, ou por ter-se perdido.
4. CONSEQUÊNCIAS. Além do que já antes se disse, convém caracterizar as duas providências do Código Civil,
artigo 1.643, e distingui-las:
a) A entrega ao testador. Não significa ato de mão a mão, mas tradição por todos os meios que a lei admite. Se o
oficial público, retirando-se, deixa na cabeceira do doente o testamento, dizendo que aí fica, ou sai, despedindo-se
normalmente, apontando o documento, com o intuito de não molestar o testador moribundo, tudo isto vale entrega.
Entrega é também abrir a gaveta da mesa em que se acha sentado o testador
1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.644: ‘O testamento será aberto pelo juiz, que o fará registrar e
arquivar no cartório a que tocar, ordenando que seja cumprido, se lhe não achar vicio externo que o torne suspeito
de nulidade, ou falsidade”. No Projeto revisto, art. 1.981: “Éste testamento será aberto pelo juiz, que o mandará
cumprir, se não encontrar vício externo que o torne suspeito de falsidade, sendo registado na repartição competente
e arquivado no respectivo cartório”. Emenda do Senado Federal: “O testamento será aberto pelo juiz, que o fará
registar e arquivar no cartório a que tocar, ordenando que seja cumprido, se lhe não achar vicio externo que o torne
suspeito de nulidade ou falsidade”.
O auto de abertura do testamento cerrado é formalidade típica, porque a lei supõe cerrar-se e coser-se o testamento,
ainda que antes já o testador o houvesse fechado, ou fechado e lacrado. Não se abre qualquer dos outros
testamentos, exceto o testamento militar, que o testador, se escrito e assinado por êle, entendeu cerrar (Código
Civil, art. 1.661).
Para a abertura do testamento, o que se exige é que o levem ao juiz, e a lei não limitou a faculdade de apresentação
para a abertura. Não se precisa da presença de qualquer outra pessoa, que o juiz e o escrivão, mesmo porque as
testemunhas podem ser ignoradas, ou não mais viverem, ou estarem longe do juízo. Quem apresenta tem de estar
presente à abertura.
Se o testador falece, ou se é julgada a sucessão provisória, tem de ser aberto o testamento cerrado. A entrega para a
abertura há de ser onde está o testamento cerrado, e não necessàriamente onde foi aprovado; pois o testador pode
ter mudado de domicílio, ou de residência, ou apenas tê-lo guardado noutro lugar, ou tê-lo enviado a algum cofre
que tenha noutra cidade, ou tê-lo confiado a alguém. A abertura onde se acha o testamento é recomendada para que
se evite extravio, ou fraude, e para se saber o que se dispôs quanto aos funerais.
A lei de organização judiciária é que diz qual o juiz competente, ou, onde não há juiz de vara especial, qual o que
há de exercer tal função.
Se o testamento cerrado é de pessoa não domiciliada no Brasil, deve o juiz remeter certidão à autoridade consular
do Estado do domicílio, ou da nacionalidade do testador, conforme a lei pessoal. Em se tratando de falecido que era
domiciliado noutro lugar do território brasileiro, tem-se de comunicar ao juízo competente do lugar do domicílio do
falecido que foi aberto o testamento, com os informes que forem úteis.
O ato de abertura supõe todo cuidado no exame exterior do testamento cerrado, do estado em que se acha o
testamento aberto. Tudo que seja de interêsse (e. g., rasuras, entrelinhas, emendas, manchas) tem de constar do
térmo de abertura.
O juiz abre o testamento cerrado, com o escrivão do juízo, ou aquele a que foi distribuído o processo, se há dois ou
mais. Primeiro, lê o que foi lançado por fora do testamento, corta o lacre e as linhas de fechamento, examina por
dentro o testamento cerrado, que abriu, diz quais as emendas, rasuras, entrelinhas e manchas que encontrou; e
ordena ao escrivão que leia todo o manuscrito, em voz alta, estejam presentes pessoas interessadas ou apenas êle,
juiz, o escrivão e o apresentante. O escrivão lavra o termo de abertura, no papel ou outro material do próprio
testamento, logo após o auto de aprovacão.
No têrmo de abertura hão de estar as indicações principais e necessárias: lugar, dia, mês e ano da abertura; o nome
do apresentante ou os nomes dos apresentantes, com informação sôbre ser ato do próprio apresentante, ou dos
próprios apresentantes, ou por ordem de outrem, com nome de tal pessoa, ou das pessoas que ordenaram a
apresentação; razão por que trouxe ou trouxeram o testamento; quais as relações do apresentante, ou dos
apresentantes, de quem ordenou ou das pessoas que ordenaram a apresentação; em poder de quem se achava o
testamento cerrado; a data e lugar do óbito, com os dados sôbre o falecido (nome, nacionalidade, naturalidade,
filiação, estado civil, domicílio) ; estado do testamento cerrado, inclusive quanto ao número de pingos de lacre,
borrões e quaisquer outros defeitos e correções.
Se alguém abriu o testamento, em vez do juiz, ou houve êrro, ou dolo, ou simples inadvertência de terceiro, ou foi o
próprio testador que o quis destruir. Não se pode considerar revogado o testamento cerrado que não foi aberto pelo
testador, intencionalmente Se foi outrem que o abriu, tem de ser feita, perante o juiz, que o teria de abrir, a
justificação do que ocorreu, citados os interessados. Julgada a justificação, cabe o ato do cumpra-se ~5.a Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 31 de julho de 1952, D. da J., 1952, 5462).
Contra a denegação do cumpra-se há recurso. Nada obsta a •que o interessado, diante do que aconteceu, proponha
ação declaratória da abertura ilegal, portanto da não-revogação do testamento.
2.VELHOS ABUSOS DOS SÉCULos XII A XIV. Desde o fim do século XII a Igreja se esforçou por facilitar os
testamentos e chamar a si a execução. Mas as publicações pelos párocos eram abusivas. O Breviário (Codex
Theod., IV, 4, 4, interpret.) fazia-as apud curias viras, cinco dias depois da morte do testador. Se os interessados
estavam ausentes, a partir da vinda. As fórmulas visigóticas atestam que tudo isto se praticou (R. ZEUMER,
Formula e Merowing. et Karol. aevi. Monumenta Germaniae historica inde ab anflo Christi 500 usque ad aunum
1500 edidit Societas aperiendis fontibus rer’um Germanicarum medji aevi, 585 s.).
No Código Visigótico, nem se fala em publicação na cúria, nem no registo. Publicavam-se perante o sacerdote na
presença de testemunhas e antes de seis meses da morte. Publicado, entregava-se ao herdeiro de maior quinhão (II,
14; V, 5, 10). Se tinha havido escrita a rôgo, ou fôra feito oralmente, era preciso que interviesse o juiz.
Com a pena de excomunhão, foi a Igreja trazendo a si todas as publicações, inclusive as dos testamentos públicos,
que não precisavam ser publicados.
Mas a Lei de 21 de maio de 1349 repôs a jurisdição secular, em todos os casos, pela posse da jurisdição por parte
da Coroa.
Nas Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 103, § 2 (igualmente nas Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título ‘76,
§ 3, e nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 3), deviam ser publicados por autoridade de Justiça,
chamados os interessados, se não tivessem nos cantos o instrumento público. Só o particular, hológrafo ou não,
escrito ou oral, se publicava. Mas o prazo de publicação não se fixou. Nem leis posteriores o disseram. Onde há fé
pública, dizia-se, não é preciso publicar-se, e o prazo pareceu injustificado.
Por isso mesmo, no art. 1.643 do Código Civil só se exige ao testamento cerrado abertura, registo e arquivamento:
publicado foi o ato (não o conteúdo da cédula) e dêle o oficial público lançou no livro nota do lugar, dia, mês e ano
em que foi aprovado e entregue (art. 1.643).
O testamento particular, êste se publica (art. 1.646).
1.DUAS FASES. As duas fases de elaboração dos testamentos fechados e aprovados pelo oficial público, por se
constituírem de atos sucessivos porém não suscetíveis de perfazer, sem a última formalidade, o ato jurídico do
testamento, permitem questões que não se identificam com as surgidas a respeito do testamento público.
1.PRINCÍPIOS. Os princípios que regem o direito internacional privado, no tocante a testamentos secretos ou
cerrados, são diferentes, conforme se trata, ou não, de testamento feito pelo testador ou por outrem a seu rôgo, mas
aprovado, necessáriamente, por autoridade pública, seja juiz, ou seja notário.
Se a legislação do lugar fala de testamento secreto ou cerrado sem a subscrição, ou aprovação de autoridade
pública, a espécie não interessa à seção do direito testamentário brasileiro, que fala do testamento cerrado, não
constitui 2•a espécie de testamento notarial ou judicial. Todas as questões, assim de direito internacional privado
como de direito intertemporal, que por ventura surjam, dirimidas hão de ser pelos princípios relativos aos
testamentos particulares nas relações de espaço e de tempo. Aqui, só nos interessa o testamento cerrado que
constitui uma das espécies de testamento judicial ou notarial.
4. QUALIFICAÇÀO DE INTRINSENTE~. Existem, porém, circunstâncias subjetivas, que os países da lei pessoal
podem reputar extraterritoriais, intrinsecando o extrínseco, ou consignando requisitos subjetivos, que digam de
perto com as espécies testamentárias. Foi o caso, antes estudado, do cego (Código Civil, art. 1.687) e é, ainda, o do
surdo-mudo (artigo 1.642) e do que não sabe ou não pode ler (art. 1.641). É matéria propícia a tais qualificações (e
estas não precisam vir em lei expressa, porquanto não só o texto escrito é fonte de direito internacional privado). O
Estado terceiro não deve ter o procedimento que teria no caso referido no n. 2, in fine:
salvo princípio seu, nada louvável, por importar absolutismo inumano da iocus regit actum, aplicará a lei pessoal,
se interessada na sucessão. (Pode ser que não esteja, isto é, que o conflito não se dê, como se todos ós bens se
acham no Estado da beco boi, se não há herdeiros segundo a lei pessoal, e pois nenhum inconveniente existe em se
reconhecer validade no país do lugar.)
CAPÍTULO XXII
TESTAMENTO PARTICULAR
1.“TESTAMENTUM BOLOGRAPRUM”. Vulgarmente se diz que o testamento particular (Código Civil, arts.
1.645-1.649) vem-nos de Valentiniano, III, no ano 446, mas, em verdade, como o do Breviário, só se referia a
certos casos. Não era forma ordinária. Deve dizer-se o mesmo do direito justinianeu, se bem que os escritores
tenham como testamentum holographum o do Codeco. Em todo o caso (e isto é de grande interêsse para a história
do direito luso-brasileiro), a Novela Nalentiniana passou ao Breviarium Alaricianum, do ano 506, e já no ano 511
pensa-se ser testamento hológrafo o de Santa Perpétua. O Breviarium atuou na península e no sul da França,
procedendo-se ai a certa evolução no sentido de tornar
-ordinário o que, originàriamente, fôra para casos particulares. Com isso retificamos os autores que o atribuem a
criação .à legislação francesa e, mais ainda, os que absurdamente o vêem no direito romano.
O que ocorreu no norte da França, onde êle veio a tornar-se costumeiro, não foi o influxo da recepção do direito
romano: tal favorecimento consistia no testar, e não no testar hologràficamente, tanto assim que, na França,
persistiam a variedade de usos, respeitada pela Ordenança de 1785, art. 19, e a tentativa de unificação, feita por
MICHEL DE MARILHAÇ, Ordenança de 1629, art. 126: os Parlamentos do Meio-dia recusaram registá-la ou só a
registaram com a reserva da Novela 107 <testamento inter liberas).
Houve o influxo romano do texto valentiniano, que os costumes fizeram evolver à forma ordinária, e depois o
influxo contrário da legislação justinianéia, exigindo fazer-se coram testibus, com certo desprêzo das práticas
costumeiras. Mas. se era poder dos legisladores exigir tais seguranças instrumentárias, adiante veremos que igual
direito não tinham os intérpretes em aplicar indistintamente as exigências comprobatórias relativas ao testamento
nuncupativo.
3.DIREITO ANTERIOR. No regime das Ordenações Filipinas, o testamento aberto e privado podia ser feito pelo
testador, ou por outra pessoa a seu rôgo, eram cinco as testemunhas (varões e maiores de quatorze anos), tinha de
ser lido perante elas e assinado em ato seguido. Depois da morte, procedia-se à publicação, ouvidas as testemunhas,
com citação dos herdeiros legítimos, julgado e confirmado (Ordenações Fuipinas, Livro IV, Título 80). Discutia-se
quanto à confirmabilidade se não fôssem vivas todas as testemunhas.
Se remontarmos ao velhíssimo direito português, encontraremos o testamento hológrafo no próprio Breviário, que
ínsere a Constituição de Valentiniano III, do ano 446, e já se dispensava, em virtude da holografia, intervenção de
testemunhas, se difícil havê-las. (Assim parece devemos entender o texto exemplificativo de casos de necessidade:
itincram necessitas, solicitudo viliarum, navigatio, pois multis enim cas bus saepe continget, ut morientibus
testium numerus et Copia denegetur.) No regime da Lei de 21 de maio de 1349, há testemunhas. E tinha de ser
publicado com audiência dos interessados.
Nas Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título 103, § 2), não vem o requisito da holograf ia, e tinha de publicar-se.
Era o testamento de pessoa privada, “sem estormento público nas costas” (auto de aprovação).
Em vez de Portugal continuar a evolução que se operava no sentido de tornar ordinário o que era extraordinário no
Breviarium Alaricianum, evolução cujos traços se percebem, evidentes, em muitos atos, deixou-se levar pelo
romanismo, que já então constituía retrocesso: aproveitou a aliás não generalizada publicação perante o sacerdote
para introduzir os romanismos das inquirições de testemunhas.
1. NEGÓCIO JURÍDICO TESTAMENTO. Se bem que sujeito a comprovação pelas testemunhas instrumentárias,
o testamento particular não é um simples documento de prova, e sim a própria vontade do testador (WALTHER
BROCK, Das eigenhdndige Testament, ‘73). Mas ~ dizer que é a própria vontade do testador importa afirmar que,
ocorrendo certos defeitos, nada vale? As formalidades são essenciais à validade, e querem WALTHER BiIoGR e
A. ESCHER (Das Erbrecht, Kommentar zum sckwcizerischen Zivilgesetzbuch, III, 87), e outros que, sem elas, não
haja testamento. Discordou ERtcn DANZ (Kõnnen Testaniente mit Formfehlcrn aufrechterhalten werden?,
Deutsche Juristen-Zeitung, 14, 282). Mas o próprio A. Escura mandou não esquecer que são suscetíveis de
interpretação as regras jurídicas de forma. Em verdade, a proposição “das eigenhãndige Testament ist keine blosse
Beweisurkunde, sondem der letzte Wille selbst” (Supremo Tribunal da Alemanha, Entsch., 12, 315) contém
verdade, mas verdade que não exclui a discussão e, pois, a revelação do que se entenda por escrita e assinatura
(art. 1.645, 1), testemunhas (art. 1.645, II), leitura perante elas e assinatura por elas (art. 1.645, III), material em
que e com que se escreve, etc.
É impressionante ver-se, todos os anos, por simples defeitos de formas, declararem-se ineficazes, nenhuns, ou
anularem-se testamentos, que todos, disse ERICH DANZ, inclusive os juizes, sabem que exprimem e contêm a
vontade do testador. Testamentos cuja data não é a verdadeira, testamentos com data carimbada, etc. Mas, no
Brasil, tais exigências quanto àdata seriam absurdas, e não, como na Alemanha, diante do § 2.231, discutíveis.
Basta pensar em algo de grave: os bens do testador vão a pessoa diversa da que éle queria. É de maior relevância
para a comunidade, para os interêsses gerais, que a transmissão do patrimônio seja a que o testador queria (ERICH
DANZ, Kõnnen Testamente mit Formfehlarn aufrechterhalten werden?, Deutsch,e Juristen-Zeitung, 14, 287) . Só
em último caso, deve o juiz sacrificar o interêsse da vontade, que merece favor, àexigência formal, cujo intuito
somente poderia ser o de garantir a boa expressão da vontade e o seu respeito.
Cumpre nunca nos esqueça diferença assaz importante entre os testamentos públicos, sejam abertos, sejam
cerrados, e os testamentos particulares: naqueles, há culpa de um funcionário público que escreveu ou somente
aprovou, e a nulidade matará o ato testamentário, deixando aos interessados a ação civil contra o culpado. No
testamento particular, não.
Quanto à técnica político-legislativa, tem-se dito que o testamento particular facilita: a) sugestão ou captação,
porque não há intervalo entre a feitura e outra formalidade, como se dá com o testamento cerrado que depende de
aprovação (verdade é que têm razões os que apontam o perigo se o sistema jurídico dispensa testemunhas) b)
destruição ou simples desaparição, sem que fique qualquer meio de provar que o testador o deixou; o) dá-se ensejo
a que as pessoas façam, com facilidade e substituições rápidas, testamentos; d) o testamento particular é o que
ocorre com a pressa emocional dos testadores, fazendo a causa de morte o que não raro é ato de amizade
passageira, ou gratidão imediata, ou ódio, ou cólera.
Em todo o caso, a facilidade com que se faz outro testamento particular apaga grande parte daqueles
inconvenientes.
Há conveniências, mas o tipo de testamento particular que está no Código Civil brasileiro tanto se caracteriza de
dificuldades e limitações que pouco se pode mostrar das suas vantagens.
2.“ANIMTJ5 TESTÂMENTO FACIENDI” No testamento público, raramente ocorre o êrro de nome, e do assunto
já se tratou. No testamento cerrado, é de supor-se que no auto de aprovação o oficial público declare, em palavras
explícitas, aprovar o testamento, e a lei exige a declaração do testador neste sentido. No testamento particular,
certamente toma a questão aspecto próprio.
Sendo possível, como é, o emprêgo de cartas, livros de família, e, segundo já vimos, diversos materiais, fàcilmente
urdem as circunstâncias casos menos claros de testamenticação.
Aqui, tem o juiz de examinar cuidadosamente a cédula, indagar das testemunhas, se a tez boi não se satisfaz com o
documento hológrafo, ou somente assinado pelo testador, mas principalmente as circunstâncias e os dados
reveladores da vontade de testar. Em tese, não se confundem os testamentos e os outros atos jurídicos, quer pela
forma em que se fazem, e as exigências instrumentárias, quer pela natureza das disposições contidas.
Mas isto só em tese. Na prática, não são fáceis as questões sôbre o animus testamentum faciendi. Exemplo
(Tribunal de Yvetot, 12 de maio de 1926) : encontram-se por ocasião da morte, em casa da testadora, a) um projeto
de testamento, b) um testamento regular, datado e assinado, cópia do anterior, o) documento, dentro de envelope,
com a declaração “êste é meu testamento”, contendo legados, mas sem data nem assinatura, ao passo que datado e
com o nome da testadora, o invólucro. Resolveu o Tribunal que êste nôvo testamento, cuja data e nome estavam
por fora, não podia revogar o anterior. Faltava-lhe a assinatura no texto. Havia o nome, porém sem um dos
elementos constitutivos: a vontade expressa de aderir ao ato em que se apôs. ~ Seria aquele, em verdade, o
testamento a que o nome e a data se reportam? A questão seria menos interessante, no direito brasileiro; pelas
obsoletas exigências com que se cerca o testamento hológrafo. Mas, na França, devolve-se a questão ao juiz do
fato, que tem o direito de consultar as circunstâncias e apreciá-las soberanamente (Chambre de Requête, 7 de
janeiro de 1924).
2.DEFEITOS DE ATIVIDADE LEGISLATIVA. O legislador brasileiro separou-se do seu tempo, ficou com o
tempo local de códigos atrasados, e mal pensados, acorrentou-se a reminiscências confusas. Na raça ibérica, aquém
do espanhol, do argentino. O Código Civil português não no tinha, não no tem:
critério que se compreende, mais do que tê-lo e torná-lo fonte de riscos.
Reminiscências confusas, disse; e é certo. O romanismo introduziu nas Ordenações aquela referência ao Direito.
Cabia aos juristas do tempo distinguir o nuncupativo e o hológrafo, naquele, a solenidade mais se exteriorizava
com a prova de que por si mesma: e as testemunhas não podiam ser menos essenciais à prova que à solenidade. A
prova, em verdade, mais era que a nuncupação: esta, sem aquela, não era nada. No caso do testamento escrito, o
raciocínio não podia ser o nesmo.
Perspicaz, PASCOAL JosÉ DE MELO FIrnIILE (Institutiones juris civilis lusitani, L. III, T. 5, § 10, nota) feriu o
ponto: “Pro testamenti igitur validitate praesumendum, quamdiu contrarium evidenter non probatur, licet testes
omnes mortui sind, itaque non possint subscriptiones suas recognoscere; namque in iure nunquam traditum est,
testamentum irritum fieri ob defectum publicationis: uno quoque, vel alio teste wortuo, testamentum per duos, qui
supersunt, probari, et recognosci potest: alia enim est ratio condendi, alia probandi testamenti”.
Quando o escreveu, não o fêz sem lição de outros, que deve ter lido, além dos que citou (SAMUEL STRYK, [[sus
modern., pandectarum specimen, L. 29, T. 3, § 4; G. L. BOERMER, Ad Iust T. qui testam. fac. poss., § 35). Era o
mesmo que ensiiiavam G. A. STRUVE, A. FABER e outros. Nuncupativo e hológrafo eram coisas diversas:
diversas deviam ser as soluções. Antes de se descobrir o Brasil, já era êrro, êrro contra a tradição do direito
peninsular e êrro de interpretação das Ordenações. A verdade estava com o uso moderno, firmado por SAMUEL
STRYXC. A velharia inutilizadora que reponta no Código Civil desmente os fatos, fere a boa doutrina e cria aos
juizes verdadeiros casos de consciência.
O Código Civil espanhol, art. 691, manteve-se com o passado <índice de estabilidade, que ainda algema a Espanha
em tantos assuntos), mas algo introduziu que atenua o afêrro:
“Presentado ei testamento ológrafo, y acreditado eI faílecimiento deI testador, eI Juez lo abrirá si estuviere en
pliego cerrado, rubricará con el actuario todas las hojas, y comprobará su identidad per medio de tres testigos que
conozcam la letra y firma deI testador y declaren que no abrigan duda racional de halíarse ei testamento escrito y
firmado de mana propia del mismo testador. A falta de testigos idóneos, é si .dudan los examinados, y siempre que
el juez lo estime conveniente, podrá emplearse con dicho objeto eI cotejo pericial de letras”. Além disso, cumpre
notar que o testamento hológrafoespanhol não tem testemunhas instrumentárias “en papel de seilo correspondiente
aí afio de su otorgamiento”, “escrito todo y firmado por ei testador, con expressión de afio, mes y dia en que se
otorgue” (art. 688). As testemunhas a que alude o art. 691 não são instrumentárias
Nos nossos dias, a Novela 1, art. 55, modificou o Código Civil austríaco, § 586, no sentido de caducidade do
testamento, se faltar uma das três testemunhas, porém referiu-se ao tes-tamento oral.
O Juiz de Direito da 4~a Vara de órfãos e Sucessões do Estado da Guanabara, a 24 de janeiro de 1963, disse: “Os
requisitos exigidos ao testamento hológrafo no direito brasileirosao de tal ordem, que PONTES DE MIItANDA, a
essa conta, não lhe poupa reproches enérgicos, quando dilucida: “A lei brasileira cercou de tais cautelas, ameaçou
de vida tão precária o testamento particular, que, em verdade, quase o proIbiu. Raro se vê”. “O legislador brasileiro
divorciou-se do seu tempo, ficou com o tempo local dos Códigos atrasados (Tratado dos Testamentos, II, 107) ‘~.
Tratava-se de testamento feito na Itália, com observància da lei italiana e apresentado a juiz do lugar em que se
dera a morte.
3. ESTRANGEIRO. No 1 Projeto alemão, excluia-se o testamento particular. Para isso, invocava a Comissão ser
um dos atos mais importantes, in¶eressar profunda. mente à família e à sociedade. Donde a necessidade de formas
rigorosas, de solenidades que ao mesmo tempo assegurem a. eficácia dos testamentos verdadeiros e dificultem as
falsificações. No caso de errar quanto à forma o disponente, estaria morto quando se descobrisse o êrro. No
testamento públicor maior segurança haveria. Mas na II Comissão (a maioria contra) houve quem considerasse isto
infantil. Trata-se de velho instituto, que sempre gozou do favor público, inspirado. na lei romana de 446, mas
trazido, através dos costumes (e das leis, dissemos nós) até os nossos dias. Lembrou-se o exempio da Áustria (§§
577 e 578), da França (arts. 969, 970 e 1.001), de Baden, da Itália, da Espanha. Afinal, o que a 1 Comissão excluia,
na II se reputava como a mais própria forma moderna de testar (Protokolle, V, 326 s.).
Entre os juristas, estava posta em causa a questão dos testamentos particulares, cujas virtudes foram discutidas e
apontadas: presteza, pois que se faz mais rápido que os outros; comodidade, pelo fazer-se sem necessidade de se
deslocar o disponente, ou de se chamar em casa autoridade pública (além disto, não se precisar, no direito alemão,
de testemunhas) familiaridade e, até, intimidade, pelo caráter de vida particular com que se faz, e, finalmente,
pouco custo. É bem a divisa do testamento privado nos povos que compreenderam a sua função nos tempos de hoje
(EMIL JAOOBY, Das eigenMndige 1’estctment im nOR., 13: “Schnelligkeit Bequemlichkeit, Ungeniertheit und
Rostenlosigkeit kõnnen aIs die Devise des eigenhãndigen Testaments hingestellt werden”) . No Código Civil da
Saxônia, §§ 2.100-2.115, exigia-se a subscrição de testemunhas. Mas o Preussisches A. L .R., 1, 13, § 66,
dispensou-a. Também as excluiu o Código Civil francês, art. 970:
“Le testament olographe ne sera point valable, s’il n’est écrit en entier, daté et signé de la main du testateur: il n’est
assujetti à aucune autre forme”.
Otestamento que os legisladores do Código Civil perseguiram, HEINRICE DERNBURG (Die Auslegung der
Testamente, Deutsche Juristen-Zeitung, 11, 4) também considerou fonte de inconvenientes, e EMIL STROI-IAL
(Das deutseke Erbreoht, 1, 90), censurou-o~ mas os inconvenientes derivam das descoíifianças dos juizes
(TIERHÂRDT EICHHORN, Zeitschrift des deutschen Notarvereins, 241 s.), das dúvidas sôbre a letra, das
exigências alemãs do livro fundiário (Grundbueh).
A respeito, entendia ZIMMER (Das eigenhãndige Testament nach dem Búrgerlichen Gesetzbuch f [ir das Deutsche
Reich, Archiv fiir Biirgerliches Recht, 24, 28 s.) que testamentos não são atos que se devam tratar como os das
relações ordinárias da vida, como os negócios: exigem forma pública, seguranças. Mas contra isto, WALTHER
BROCE (Das elgenhándige Testament, 4 e 120 s.). ~ rigorismo, que se não compadece com os nossos tempos.
No Código Civil suíço, arts. 498 e 505, o testamento partimIar é escrito pelo testador do comêço até o fim (von
Anfangbis zu Ende), datado e assinado pelo testador. Os Cantões podem legislar sôbre a entrega, aberto ou fechado,
à autoridade encarregada de receber em depósito (art. 505, 2~a alínea). Entendeu-se (e bem) que os Cantões podiam,
por isto, cobrar taxa. Mas ,o depósito tinha de ser, ou podia ser condição de validade? Zurique e outros decidiam
dêste modo. Não se trata de requisito formal, e sim de depósito facultativo (cf. A. ESCRER, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 91). Na formação do art. 505 houve propósito dc simplificar
e diminuir exigências formais (II. OSER, Der Streit um das Privattestament im ZGR., 135 s.> . A entrega não
precisa ser pessoal: pode disto encarregar-se amigo, parente, o próprio herdeiro ou legatário (P. TUOR,
Kommentar zum sehweizeriscken Zivilgesetzbuch, 330). Mas só em vida do testador.
1. PRECISÕES. A fim de bem distinguirmos o que constitui, no Código Civil, a Seção IV das formas
testamentárias. separemos: a) Os requisitos formais essenciais: lei de forma (art. 1.645), de cuja observância resulta
o ato perfeito do testamento. ti) Os requisitos de forma, eventualmente essenciais, o) As formalidades processuais
dos arts. 1.646-1.648. d) A permissão intrínseco-extrínseca do art. 1.649: por ser extrínseca, surte certos efeitos de
direito internacional privado, e, por ser intrínseca, ocasionalmente terá outros.
1. TECNIcA LEGISLATIVA. A técnica legislativa e pois as leis de forma, que são um dos processos técnicos, um
dos meios da realização da Justiça não constituem fim em ai, mas meios para a efetivação do justo nas relações
humanas.
Há fatos e expedientes que são essenczats: a observação das realidades, a experiência, o conhecimento psicológico
e social dos homens mostraram ser indispensáveis, e a lei formal vem dizer até que ponto, e se devem,
efetivamente, ser exigidos como forma inderrogável, ou ad essentiam dos atos.
Outros, ocasionalmente asseguradores ou garantidores, passam a segunda plana, e só eventualmente no probatório
se apreciarão como de ocorrente essencialidade.
2.DATA. Já dissemos o que concerne à data dos tes-tamentos. Não é escusado relembrá-lo no caso particular. Os
legisladores romanos não na exigiam nos testamentos privados (PH. E. HUSCHKE, Jurisprudentia Anteiustinianae
quae supersunt, 527; fl. WINDSCREID, Lehrbuch des Pandektenrechts, III, § 541). Nos mais velhos documentos
legislativos de Portugal visigótico e da Reconquista, não na encontramos como requisito essencial. Há exemplos de
testamentos públicos sem data. A fortiori, testamentos particulares.
A data pode interessar, mas a essencialidade só decorre do Código Civil, art. 1.645, e a data lá não está. (A critica
de CLóvís BEVIL.4QUA, Código Civil comentado, VI, 101, ao Código Civil é injusta.)
Podem ser dois, total e essencialmente contraditórios, e não se podendo apurar a data, não se imporem. Mas dir-se-
ia o mesmo, se contivessem a data, e fêsse a mesma.
Se só se deixou um, e não há dúvida sôbre a capacidade da lex tempus, nem sobrevierem filhos, apara que a data?
Sôbre a antedata e a pós-data inocentes, já se falou (Tomo LVII).
O direito inglês supõe o lugar e a data, mas não há disposição especial sôbre o assunto, que, na falta, fulmine de
nulidade o testamento (MARTIN LIEBEGO’rr, Nachlassbehandlung im englischen Recht, Arch,iv flir
Rutrgerliches Reeht, 38, 850).
Na Alemanha, o L Projeto só admitia o testamento público, judicial ou notarial (Motive, V, 257 s.). Ainda a maio-
-ria da II Comissão se pronunciou contra o testamento privado,
-mas outro parecer foi o do Reichtag (Denlcschrift, 429). Tanto e Código Civil francês, art. 970, quanto o Código
Civil de Baden, art. 970, exigiram a data e o lugar. Seguiu-lhes o exemplo o Código Civil alemão. Mas ali, como
em todos os lugares, em que se exige a data, tal essencialidade forçada traz controvérsias infindáveis. Por exemplo:
a) Engano ou inexatidão na data não torna nulo o testamento particular (F. RITGEN, em G. PLANCx, Elirgerliches
Gesetzbuch, 4 d ao § 2.231; EMIL STROHÂL, Das deutsche Erbrecht, 1, 109 5.; E. MATTHIASS, Lehrbuch des
Rhirgerliehen Reckts, II, 412; A. WEISSLER, Das deutsehe Nacklassvcrfahren,
157; J. BÕHM, Das Erbrecht des BaR., 80; HEINRICE TRiNENER, Die Form der Rechtsgeschãfte nach dem
deutschen BGE., Stich-sisehes Archiv, VII, 854; H.O. LEHMANN, em ENNECCERUS-LEHMANN, Das
Biirgerliche Recht, II, § 305; WILHELM FRANCRE, Bl-Éitter fiir Rechispílege in Thiiringen, ~0, 161 5.; H.
PEISER, Ilandbuch des Testamentsrechts, 261; PAUL MEYER, Das Erbrecht des butrgerlichen Gesetzbnehes, 1.
161; GERHARD EICHIIORN, Das Testament, 106); e há jurkqprudência (Entscheidungen in A. der freiwilligen
Gerichtsba,rkeit, III, 70; MUGDAN, fie Reehtsprechung, IV, 424).
b) Data, para o Código Civil alemão, é a verdadeira e exata (O. EROMMHOLD, Erbrecht des BGB., 216;
GUSTAV MXxOXER, fie Nachlassbehandlung, 89 5.; E. HERZFELDER, .7. von, Staudingers Kommentar, V, nota
ao § 2.231; MARTIN SCHERER, Erbrecht des RGR., 335; L. KURLENBECK, Von den Pandekten zum
Riirgerlichen Gesetzbueh, III, 223; e o Reichsgericht).
c) Deve inquirir-se do propósito, ou não, da mentira da data, ou da sua inexatidão: nulo será, naquele caso; válido,
neste (WALTHER EROCE, Das eigenhdndige Testament, 84 s.; E. MEISCREIDER, fie letztwilligen Verfiigungen
nach dem RGR., 31 s.; ITANS BORCIIERDT, Das Erbrecht und die Nachiassbehandlung, II, 475).
d) Ainda se não proposital, é preciso que outras circunstâncias tenham tornado exata a data que o não era
(HEINRICH DERNEURO, Das b~rgerliche Recht, V, 75 s.; EDUARO HOLDER, Das eigenhiindige Testament,
.Jherings .Tahrbucher, 41, 308 s.; Tnronoa Kwr, em E. WINDSCIIEID, Lehrbuch des Pandektenrechts, III, nota ao
§ 545).
e) Mas, ainda no caso anterior, RICI-IARD WIIJRE não admitia a nulidade, se inoperante a inexatidão.
f)Finalmente, ZIMMER (Das eigenhiindige Testament mnach dem Búrgerlichen Gesetzbuch fur das Deutsche
Reich, Archiv fúr Riirgerliches Recht, 24, 22) entendia que somente é nulo o testamento se é essencial ao
testamento, in concreto, a aposição de data e do lugar. Êste, evidentemente, estava de olhos abertos à realidade.
A datação nada tem com a declaração de última vontade, por isso mesmo que esta vontade é última. Demais, se o
Código Civil francês fala em “date” e o direito badense em lugar. dia e ano, o Código Civil alemão satisfez-se em
dizer Angabe -do lugar e do dia, mas êste Angabe também é equivoco: tanto pode ser facultativo de datação real,
quanto requisito formal exato. As circunstâncias é que podem fazer essencial a data.. Esta, por si só, não é requisito
formal. O legislador alemáoA foi além, no seu construir, do que lhe permitiam os dados contemporâneos de
ciência. Por isto mesmo, a despeito do texto, as questões ficaram.
Se dois ou mais testamentos não têm data, claro que se torna essencial a datação; mas a essencialidade não é
formal. Por outro lado, pode ocorrer que um testamento seja feito em lugar que exija a data, e outro, em lugar que a
dispense. A situação será bem difícil de resolver-se. Mais: inevitável o exame das circunstâncias, dos dados
realmente informativos do tempo da feitura.
Não se confunda a questão da data com a outra, limítrofe,, mas diferente, da data in fraudem legis: a data ainda
longínqua, para evitar que o testador revogue o testamento, ou para. evitar que, em viagem próxima, o disponente
possa testar. Infelizmente, os autores, e entre êles W. GÓSSLER (Zur Lehre voit der Datierung des eigen/djndigen
Testamente, 10), baralha ram fundamentos tão diversos, como sejam o requisito formal e a increpação de fraude à
lei.
A consideração de que a exigência da data afasta ou difi-. culta falsificações é bem fraco argumento~ quem
falsificou tôda a letra de um escrito falsificará a data e terá cuidado no escolhê-la. Ainda mais: quem vive em
contacto com as realidades da vida sabe que os escritos falsos são sempre, nesses. pontos, impecáveis. Ilumina-os a
má fé, ao passo que, ao testarem, estão sempre descuidosos, inscientes do mal, os disponentes.
No Código Civil suíço, art. 505, o legislador foi mais ex!-gente: menção do lugar, ano, mês e dia da feitura (ed.
alemã:
Ángabe von Ort, Jahr, Monat und Tag der Erriektung; ed. francesa: mention du ijeu, de tannée, du mois et du jour
ou l’acte a été dréssé; ed. italiana: iii eni fu serilto). Porém, ainda assim, a data do lugar e a data do tempo
suscitam. dúvidas no direito suíço. (Conforme dissemos, as leis de forma são suscetíveis de interpretação.>
Quanto à data do lugar, o Ortsdatum, não é a do lugar do domicílio, mas o da feitura. Se o testador está em viagem
e não conhece o lugar em que se acha, bastam indicações.
(A.EsclER, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizeriseken Zivilgesetzbuck de A. ECCER, III, 90). Faz-se o que é
possível. atendidas as circunstâncias.
Quanto à data do dia, logo se assentou que vale o mesmo: ano nôvo de 1969, dia da festa federal, no dia de
aniversário do meu casamento em 1970. Um tanto duvidosa, por exemplo, a referência ao “dia do noivado”. Se
houve êrro ou descuido do testador, uma vez que se possa retificar o engano, pela convicção dos fatos, não se
reputa essencial a exatidão.
(P.Tuoa, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbu~fl de MÃx GMÚR, III, 827). De qualquer modo, presume-
se ser verdadeira a data. Resta a questão da escolha. A praxe propende para a exigência da veracidade. Mas
~veracidade de quê? ~Do tempo em que escreveu o testamento? tOu do tempo em que assinou? Se fêz e assinou,
mas deixou em branco a data, apode esta ser aposta depois, quando o testador quiser? Está visto que só o exame
das circunstâncias pode resolver.
ocaso de perguntarmos aos formalistas: e que essencialidade é esta, que depende de tantos dados e exige
veracidade. sem precisar de que veracidade se quer?
O que acima dissemos é de grande importância para o direito brasileiro, que a cada momento está a cumprir
testamentos de Alemães e de Suíços, cabendo ao juiz a apreciaç&,. das formalidades extrínsecas. Certamente, não
se há de considerar não-escrito o que está nos dois Códigos Civis, mas entre as interpretações discordantes deve-se
preferir a que mais se ajusta à concepção da lei pessoal, da lex boi e da lei do Brasil, que é a lex fori, atendidos os
princípios.
No direito italiano, anterior a 1942, o testamento hológrafo não precisava de testemunhas, tinha de ser a) escrito,
todo, pelo testador; b) datado, isto é, indicar dia, més e ano (admitidos, porém, pela doutrina, os equipolentes) ; e)
subscrito pelo testador, com o seu nome, ou, explicava-se, com o nome que o indivíduo usa (exemplo: pseudônimo
por que é conhecido) Nada se disse sôbre o lugar. A Cassação de Roma (Giurisprudenza, 1917, 128) considerou a
data disposição de vontade, de modo que, falsa, não prejudicaria o ato: o testador poderia qurê-lo antedatado ou
pés-datado. Disposição de vontade não é, e nisto erraram RAYMOND SÂLEILLES e vários tribunais.
2.FORMA E TESTADOR MORTO OU NÂO NA VIGÊNCIA DA LEI NOvA. Se proibitiva do testamento
particular, nem por isto a lei nova atinge o ato perfeito. É o que se tem decidido quanto à parte formal dos
testamentos conjuntivos, que o Código Civil proibe, e o que se julgaria se lei posterior ao Código Civil revogasse
os arts. 1.645-1.649. Tem pus regit actum.
Se o testador morreu antes da nova lei, com maioria de razao. A distinção é indiferente ao princípio de se reger a
forma pela lei do tempo em que se fêz o testamento.
A forma é a do tempo da efetiva feitura, e não a da lei correspondente à data irreal que se apôs (II. HABICHT, Die
Einwirlcung eles BOR. auf zuvor entstandene Rechtsverhãltnisse, 672).
Se o testador observou as regras da lei nova, futura no momento da feitura do testamento, postergando as da lei
antiga, vigente quando fêz, nulo é o testamento (EMIL JACOBY, Das eigenhãndige Testament, 63).
Em tudo que toca à forma, o tempo que decide é o em que se fêz, e não aquele em que vai executar-se, ou aquele
em que se quer que a disposição se efetive (FRIEDRICE AFEOLTER, Das intertemporale Ilecht, 334). Exemplo:
um alemão escreveu o seu testamento antes de janeiro de 1900, mas apôs a data posterior (2 de fevereiro, ou 5 de
agôsto de 1900) para se aproveitar da lei que ainda não entrara em vigor, o testamento foi nulo.
1. FORMA EXTRÍNSECA. A forma extrínseca do testamento particular rege-se pela lei do lugar em que se faz.
Mas cumpre advertir: a) que a regra jurídica bens regit actum éfacultativa; b> que pode a lei pessoal proibir ao
testador alguma espécie de testamento, ou mesmo só lhe admitir a forma pública.
Há o problema da facultatividade da regra jurídica bocus regit actum. Desde muito que se ensina (3. Níc. 1-IERT,
Dissertatio de collisione legum, Commentaria atque Opuscula, 182) é verdadeira a doutrina a priori da
essencialidade da data (tal doutrina causa graves injustiças), nem a de que a data seja disposição de vontade. A
verdade está em que é requisito só eventualmente essencial. Portanto: a) fazê-lo requisito formal essencial seria
expor a nulidades testamentos em que a indicação de tempo nenhuma importância teria, ou cuja data se pudesse
provar; b) considerá-la disposição de vontade seria, para infirmar a contrária doutrina da essencialidade, recorrer a
extremo liberalismo.
No Código Civil italiano de 1942, diz o art. 602: “II testamento olografo deve essere scritto per intero, datato e
sotto scritto di mano dei testatore. La sottoscriziofle deve essere posta alia fine delie disposiziofli. Se anche non ~
fatta indicando nome e cognome, ê tuttavia valida quando designa con certezza la persona dei testatore. La data
deve contenere 1’indicazione dei giorno, mese e anflo. La prova deila mm verità delia data ê ammessa soltanto
quando si tratta di giudícare delia capacità dei testatore, delia priorità di data tra piú testamenti a di altra questione
da decidersi in base ai tempo dei testamento”.
Na Bélgica, apesar do Código Civil, e no Tribunal Superior prussiano, êste antes do Código Civil a1em~.o,
atenuou-se a francesia da data verdideira essencial. Mais do que atenuar-se, abstraiu-se disto, em favor do
testamento.
Aliás, deve ser assaz duro para um juiz julgar nulo testamento sôbre o qual náo pairam dúvidas e a data náo tem
importância, se foi lançada por descuido, ou por êrro. Seria demasiado algemar-se a palavras de lei: se a lei vai até
tais extremos, é lei contra Direito. Mas, como vimos, leis de forma não são, como se diz, leis não interpretadas.
A verdade está a gritar de todos os lados: trata-se de requisito formal, eventualmente essencial. Tanto isso é certo
que, no Brasil, que não exige a data, se há dois testamentos inconciliáveis e não se sabe a data dêles, a data
constitui requisito essencial. As circunstAncias fizeram-no tal. Mas tais circunstâncias são raras, e o legislador não
há de acorrentar a tais exigências ato que, por definiçáo, é de última vontade.
Diante do texto do Código Civil alemáo, os juristas e juizes têm entendido que o testador não pode aproveitar a
designação do lugar ou da data, tipogràficamente inscrita no papel. Nâo é hológrafo (RONRÀn CoSACE,
Leh,rbuch des Deutschen Blirgerliohen Reohts, II, 711; EMIL JÂCOBY, Das eigenhttndige Testame’nt im BGB.,
25).
Desde que se exige data, quer-se caligráfica e não mecânicamente obtida. Compreende-se, perfeitamente, isto.
Quanto à veracidade do lugar, ~ que importa que se chame Pelotas ao que está perto de Pelotas e possivelmente
não tinha bem precisa o testador? O Tribunal de Berum, a 23 de dezembro de 1903, decidiu pela validade. Se disse
“em minha Vila”, é válido. Mas não nos parece justo considerar-se, a priori, nulo, se muitas vilas tem o testador,
como se lê em EDUALtD HtiLDER (Das eigenhãndíge Testament, Jherings Jahrbiieher, 41, 308 s.) e A.
WEIsSLER (Das deutschc Nachlassverfahren, 156) é irrecusável que o juiz pode apreciar as circunstâncias.
Exemplo: se há algirns anos de uma delas não sai o testador, ou se nenhuma importância tem isto.
Quanto ao dia, se o testamento tem duas datas, não em lugar distinto, porque seria, talvez, ato continuado, que o
testador ia datando, mas no final, a boa opinião é a de WILHELM MANTEY (Das Erfordernis richtiger Datierung
eines holographischen Testaments, Gruchots Reitráge, 43, 652, nota 15), que considerou a data inexata como não
escrita. Aplicação que fêz, sem dizer, do princípio de resguardar-se o util, assaz salutar em todo o domínio jurídico.
Aliás, os formalistas do direito a1em~o só o consideraram nulo se a multiplicidade implica falta de data certa
<EMTL JÂCOBY, Das eigenhãndige Testament im BGB., 27). As circunstâncias colaboram no julgamento de tal
implicação.
Para os sistemas em que se exige a data exata, surge questão: ~,quem tem o ônus da prova? Ora, em tais códigos, e
em todos os sistemas jurídicos, o testamento particular não édocumento de prova, mas ato perfeito, a própria
vontade última do testador. Quem alega contra êle, que faça a prova (EMIL JÂÇOBY, Das eigenhÀndige testament
im 8GB., 85).
Quanto à presunção de que a data é verdadeira, há mais de um século, na Côrte de Cassação da França (1824),
invocando-se o disponat testator et erit lez, chegou-se a dizer:
“qu’en conséquence, la Ioi place momentanément le testateur dans Ia classe des fonetionflaires publics; d’oh ii
résulte qu’il .
Outro inconveniente que não é de somenos importância se o testador, ou alguém por êle, mandou reconhecer as
assinaturas, e há elementos probatórios, convincentes, do ato testamentário, como referência escrita da testemunha
ao testamento a que assistira, Lcomo refugar tudo isto e os princípios de direito para se ater a texto de injustificada
velharia, que exporia o Código Civil a flagrantes contradições com os seus princípios?
1.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.649 do Código Civil: “O testamento particular pode ser escrito em língua
estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.817: “O testamento
hológraf o pode ser escrito em língua estrangeira, contanto que seja bem conhecida das testemunhas”; Projeto
revisto, art. 1.986. A fonte foi o Código Civil espanhol, art. 688, alínea 33: “Los estranjeros podrán otorgar
testamento ológrafo en su propio idioma”. Cf. Código Civil argentino, art. 8.641: “El testamento ológrafo debe ser
escrito precisamente con caracteres alfabéticos y puede escribirse en cualquier idioma”.
2. LÍNGUA ESTRANGflRA E LÍNGUA SECRETA. A propósito do Código Civil, art. 1.640, antes já dissemos o
que era preciso quanto à língua estrangeira ou secreta. Testamentos públicos fazem-se em língua do país.
Testamentos cerrados entregam-se ao oficial público, em presença das testemunhas,
-não terão de ser lidos. Portanto, podem ser escritos noutra língua, viva ou morta, natural ou artificial, ainda que
não na compreendam testemunhas e oficial público. Testamentos particulares, êsses, têm de ser udos perante as
testemunhas. Depois de lidos, assinados por elas (Código Civil, art. 1.645, III) e pelo testador (art. 1.645, 1). De
nada valeria a leitura, se as testemunhas não entendessem a língua em que foram lidas as disposições. Daí a
exigência geral de compreenderem elas a língua em que o testador redigiu, hologràficamente, o escrito
testamentário (art. 1.649).
Noutros Códigos Civis, há o art. 688 do Código Civil espanhol (alínea 33: “Los estranjeros podrán otorgar
testamento ológrafo en su propio idioma”) e o art. 3.641 do Código Civil argentino (“puede escribirse en cualquier
idioma”). No Código Civil alemão, o próprio testamento perante o juiz ou notário pode ser feito por quem não
saiba a língua alemã e os §§ 2.244 e 2.245 regulam a função do intérprete. Não ocorre o mesmo no Brasil.
A lei permite a língua estrangeira e já falamos da língua artificial. Não se distinguem língua viva e língua morta.
É preciso que êle conheça, ou, pelo menos, possa verificar se os seus pensamentos foram precisamente concebidos
na língua morta, estrangeira, ou artificial. É pressunosto de ordem subjetiva, intrínseca. Se não o exigirmos, pode o
testador dizer o que não quis, no copiar o texto que lhe traduziram. Daí afirmarem alguns (e.g., WALTIIER
BROCK, ‘77 s.; F. RI’i’GEN, em O PLANCE, Biirgerliches Gesetzbuch, § 2.238, nota 5; contra, 1-1. JASTROW,
Formularbuch und Notariatsrecht, 1, 176) que o disponente precisa poder conceber, na língua empregada, os seus
pensamentos, ou conferir com o que pensou o que se traduziu (EMIL JACOBY, Das eigenhttnditie Testament, 40).
Mas a nulidade, aí, não é formal: é de declaração. O juiz não pode decretá-la de ofício, salvo se do texto consta
que o testador não sabia a língua e confiou em alguém, que traduzisse as suas últimas vontades. Ter-se-á tornado
vicio externo, porém não no era. Exemplo: “e termino o meu testamento, redigido em grego, que eu não sei; mas
dei a minuta a J., que o verteu para aquela língua e eu copiei”. A diferença que resulta de se ter extrinsecado, mas
não ser, ordinâriamente, requisito formal, é de eventuais conseqúências práticas, e pó-mo-lo em relêvo, tanto mais
quanto a doutrina passa sêbre o assunto das línguas estranhas sem ferir êste ponto, que éde importância.
1. TEMPO E FORMA. No tempo, as leis regem, quanto à forma, todos os atos que na sua vigência se perfizeram.
Perfeito o ato, a lei posterior não o fere.
imprime l’authenticité à la date qu’il donne à son testament; qu’au surpius, la force des choses conduirait seule à
cette conséquence; qu’en effet, lorsqu’une personfle a laissé plusleura testamenta, si leur date ne faisait pas foi par
elie-même, auquel de ces différents actes attribuerait-on 1’authenticité?”.
No direito civil brasileiro, que não exige a data, se esta foi aposta, há de presumir-se verdadeira. Nem seria de
aceitar-se presunção de fraude à lei. Se o testador, por exemplo, antedatou ou pós-datou para fraudar as regras
jurídicas sôbre capacidade, provado isto, não seria de admitir-se que permanecesse a eficácia presuntiva. O que é
em fraude da lei cai por nulidade. Em têrmos gerais, será admitido à prova da falsidade do datar quem quer que
nisso seja interessado: os herdeiros legítimos que foram citados para o processo de publicação, o próprio herdeiro
instituido ou o legatário que, por exemplo, no caso de dois ou mais testamentos, um dos quais revoga parcialmente
o outro, tiver interêsse em provar que a data de um foi aposta por mão de outrem. Pode ter ocorrido coaçao, não na
feitura do testamento, e sim na aposição postenor de uma data, caso que constitui matéria de anulabilidade do
elemento viciado e estranho ao que se dispôs em ato com forma suficiente de testamento. Mas mudou-se de
questão. Tal caso é similar de outros, que poderiam ocorrer pelo êrro, ou pelo dolo.
Pela data é que se sabe se o testamento, que se examina, revoga outro testamento. Sem datas, fica a investigações,
às vêzes difíceis, a conclusão sôbre os momentos em que foram concluídos. Tratando-se de testamentos
particulares, quando foram assinados, É aconselhável, portanto, que se date o testamento particular, embora a lei
não o repute requisito essencial. Passa-se o mesmo a respeito do lugar em que foi assinado.
Se datado o testamento particular, exsurgem alguns problemas. Por exemplo, há uma data no alto da página e outra
no fim, antes das assinaturas. Se aquela é anterior, o que se há de entender é que se iniciou nela e se assinou na
última. Se a primeira é posterior à da assinatura, o que se pode supor é que o testador somente queria concluir o
testamento na data que pôs acima, mas inesperadamente teve de concluí-lo mais cedo, ou não gastou o tempo que
cria que gastaria.
3. UNIDADE DO ATO, NO TESTAMENTO PARTICULAR. A lei brasileira não inseriu nos textos o princípio da
unidade do ato. Livrou-se do romanismo formular, O que é essencial não deve exceder ao que está no Código
Civil, art. 1.645.
Demais, repugna à mentalidade de hoje tal exigência da unitas actus, nos documentos particulares. A leitura
continua, por si, sujeita, de regra, à presença do testador e das testemunhas. Perante, diz o Código Civil.
Aliás, a tendência no direito dos nossos dias, é para dispensar testemunhas. (O Código Civil, neste ponto, ficou
com rigorismo obsoleto. E a leitura do ato, simultânea, às cinco testemunhas, frisa-lhe o afêrro às velhas leis,
hostis aos atos testamentários de caráter privado.)
Uma das conseqúências de não se exigir unitas actus, ainda no Código Civil alemão, que fala em designação de
lugar e de data, é poder ser escrito aos poucos o testamento, datando-o de cada dia o testador (WALTHER
BROCK, Das eigenliàndige Testament, 86; EMIL JAÇ-OBy, Das eigenMndige Testament im BOI?., 28), sem
contudo deixar desligadas as fôlhas escritas (ligação que se faz pelo sentido, ou pela repetição da última palavra, ou
por outro meio).
No direito brasileiro, que tem a leitura, o que é de mister é que seja lido às testemunhas (e interpretamos: ou elas
leiam, -cada uma por sua vez, perante as outras e o testador) e depois o assinem.
Se se exigisse a unitas actus, assinatura e data tinham de ser do mesmo dia; mais do mesmo momento. Isto não se
dá no próprio direito alemão, que fala em data, nem no direito suíço, que chega a miúdeá-la. ~ A data é a do
momento em que o testador a escreve ou escreve e assina ou só assina? Os juristas alemães dizem que só não é boa
a primeira hipótese. Se o testador escreveu e datou, deve, no dia de assinar, apor outra data (WILI-IELM
MANTEY, Das Erfordernis richtiger Datierung des holographischen Testaments, Gruchots Beitráge, 648; EMIL
JACOBY, Das eigenhuindige Testament im 11011., 88). Mas revolta tanto apriorismo. .~É possível cogitar de
princípios rígidos em tal assunto, de importância só eventual?
No meio de tudo isso, houve quem visse a verdade (ZIMMER, Das eigenhãndige Testament nach dem rúrgerlichen
Cumpre ainda advertir que o Código Civil não conhece prescrição ou prazo preclusivo de testamento, nem, no
capítulo da revogação, cogitou da invalidação dos testamentos pela falta de testemunhas instrumentárias. Ex
hypothesi, nem se poderia cogitar disso: com as formalidades do art. 1.645, ficou perfeito o ato; com a morte do
testador, nenhuma idéia de revogação poderia invocar-se. É preciso não perdermos evolução que se operou entre
GAIO e Justiniano: após êsse, e com êsse, a validade depende da persistência expressa da vontade do testador,
ainda que da simples ruptura dos fios, se feita por êle. Neste caso, o imperador diria testamentum non valere. Ao
passo que, em idênticas circunstâncias, GAIO digia: nihito minus inre civili valeat.
b)Testemunhas mortas, incapacitadas, ou desaparecidas antes da morte do testador. Se bem que negotia perfecta os
testamentos, no caso de um aviso tão direto ao testador como é o do art. 1.648, não seria possivel afastar a
invalidação pela falta dos confirmantes instrumentais se dessa falta houve conhecimento o testador.
Mas muda inteiramente de figura a questão se fica provado que o testador não conheceu tais fatos ou era de
presumir que os não conhecesse. Decidir contra tal testamento que não oferece dúvidas, ou, se as havia, foram
plenamente afastadas pelos meios probatórios admitidos em direito, seria sacrificar aquilo mesmo que as formas
solenes quiseram plenamente assegurar.
c)Testemunha que não confirma. Pode ocorrer que uma das testemunhas não confirme a assinatura ou as
disposições. É velha a discussão, e dela deu conta P. MÍYLLER, em nota a G.A. STItUvE (S~ntagma
iurisprudentiae, e. 34, t. 42) “Cum quis testis aperte suum sigilium negat, neque nunquam apposuisse dicit, tunc
testamentum suspectum redditur. Cum qul sinipliciter non agnoscit sigillum; tunc si sit alienum, redditur
suspectum, idem est, cum praetenditur proprium, nou tamen apparet forma ita ut non possit discerni. Cum apparet
sígillum, tunc recognoscentis dubitatione exclusa, praesumitur testamentum validum et non suspectum; ita ut potius
praesumatur pro sigillo quam pro negante”.
1
§ 5.896. FALTA DE TESTEMUNHAS
Ora, provado que a testemunha mente, que é sua, pelo exame pericial (Código Civil espanhol, art. 691), a
assinatura que ela nega, e verdadeiros os fatos que procura inquinar de falsos, tcomo fazer dependente de criminoso
proceder de outrem a eficácia de ato tão relevante corro o testamento? Se nega, e não há prova contrária, nem
circunstâncias apredáveis, então, sim, não pode ser confirmado (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Coleção das
Disserta çôes, 100). Em todo o caso, deve o juiz mandar cumprir o testamento se, no caso de igualdade de
elementos probatórios ou de inexistência dêles, três testemunhas das cinco, contra duas, o confirmarem, ou, ainda
no caso do art. 1.648, se houver o depoimento respeitável de uma e as duas outras forem convencidas de falso.
d)Morte simultânea do testador e das testemunhas. Vale o mesmo se falecidos, sem se poder averiguar quem
morreu primeiro (Código Civil, art. 11). Tal disponente estava seguro do seu testamento. Não era de presumir-se,
nem provável, que falecessem êle e as testemunhas na mesma vez. linfirmar o seu ato perfeito, com que êle
contava, em reverência a texto escrito, obsoleto na sua técnica, fôra sancionar a injustiça.
e>Solução global. Nos casos especiais que apontamos em b) e c), exemplificativos, se o juiz está convencido, deve
mandar cumprir o testamento. Tudo deixa de aconselhar-lhe isso se o testador sabia da falta das testemunhas.
Então, se bem que devamos estar sempre vigilantes no respeito das vontades dos testadores, omnimodo testatorum
voluntatibus próspici ent es, tal zêlo perde a razão de ser, porque a vontade negativa também é vontade e o mesmo
merece que a positiva.
São meios probatórios, para a convicção do juiz, todos os que a lei admite (Código Civil, art. 136), inclusive o
depoimento dos herdeiros legítimos não contemplados, a que não se pode, em sã consciência, negar forte valia.
As distinções, a que se procedeu, são tanto mais necessárias quanto a dura aplicação, contra a vontade do testador,
teria o gravíssimo efeito de deixar que operasse a regra do art. 1.748: ~ficar em vigor o testamento anterior, que o
particular revogou! Pense-se nas consequências da interpretação gramatical dos dois artigos, e notem-se os males
que dela adviriam.
Gesetzbuch fúr das Deutschen Reich, Archiv fúr Bhirgerliches Reeht, 24, 17 s.). O testamento datado, assinado, fica
completo, perfeito, quando (no direito alemão, já se vê), se juntam as três formalidades escrita, data e assinatura.
Se o testador datou, assinou, e depois encheu as páginas, desde o momento em que o encheu está perfeito. Se o
escreveu e assinou, deixando em branco a data, desde que lhe insira a designação de dia, mês e ano, ou só dia e
mês, se já inserira oano. ~ Como se dizer no direito alemão que não foi verdadeira a data?
Volvamos ao direito brasileiro. Se o testador datar o testamento, ~deve lê-lo, nesta data, às testemunhas? Se o não-
fizer? Não se pode decidir a priori contra tal testamento, O que é essencial é que as testemunhas o tenham ouvido.
Se, eventualmente, fôr essencial a data, decide-se de acôrdo com as circunstâncias.
1.VEDAÇÕES. No Código Civil, os arts. 1.633, 1.635 -1.637, 1.641 e 1.642 cogitam das aptidões para os
testamentos públicos e cerrados. Só o art. 1.637 é concebido em teor excludente das outras formas testamentárias,
mas há os casos do-cego-surdo e do cego-mudo, que ficariam irresolvidos.
Não podem fazê-lo: a) o analfabeto; b) aquele a quem a sua lei pessoal proiba; c) quem não pode escrever e assinar.
A capacidade para testar há de existir quando o testador e as testemunhas assinam. Assim, o testamento hológraf o,
que foi escrito pelo testador quando era incapaz e é por êle assinado quando se tornou capaz, é válido. A capacidade
das testemunhas há de existir no momento em que se lê, perante elas, o testamento, e no momento em que assinam.
A diferença, em relação ao testador, está em que não precisa êle ouvir leitura do testamento que escreveu, ao passo
que é requisito essencial do testamento hológrafo a leitura perante as testemunhas.
O mudo, o surdo-mudo, ou o que perdeu a fala, pode fazer testamento hológrafo. Incide o art. 1.645, III, do Código
Civil, que fala de ser lido o testamento particular “perante as testemunhas”, sem dizer quem o há de ler. Pode lê-lo
qualquer das.
testemunhas, ou por outra pessoa, como pode ser lido pelo próprio testador.
2. HOLOGRAFIA. A holografia faz os limites à aptidão. Ficaria a leitura, mas o art. 1.645, III, precisa ser
interpretado.
De qualquer modo, os requisitos formais é que dão à lei as regras jurídicas de aptidão. A questão fica devolvida aos
textos sôbre requisitos formais, que devem ser interpretados.
1.DIREITO -COCERNENTE E INTERPRETAÇÃO. São requisitosde lei de forma, mas as leis de forma também
se interpretam. Lis cogens não quer dizer lei que se deva aplicar gramaticalmente, com todas as durezas da
inadaptação às realidades, a que se vão aplicar, insensível o juiz aos princípios superiores de direito. Já vimos que
as leis de forma, como todas as leis, inclusive as constitucionais, precisam que se lhes revelem o-conteúdo e o
alcance. Dizer que são imperativas não quer dizer que se devam adequar, desajeitadamente, aos fatos da vida,.
perturbando-a em vez de regrá-la, ou levando ao domínio do direito inflexibilidades injustas e despóticas, que lhe
vêm do-coeficiente político.
2.PRIMEIRO REQUISITO FORMAL. Primeiro requisito formal essencial: holografia. Entenda-se: holografia das
disposições testamentárias e holograf ia da assinatura. Donde cíndir-se o requisito.
8.HOLOGRAFIA DAS POSIÇÕES TESTAMENTARIAS. Na parte de estudo geral das formas (Tomo LVIII),
disse-se o que-seja suficiente sôbre a holograf ia. Não se trata de escrita necessâriamente com a mão: é um
requisito de dermograf ia, ainda nos países em que as leis empregam palavras como de próprio punho, da própria
nuto. Sabidos tais princípios gerais da hologra fia, só nos interessa o caso do testamento particular, e êsteexige: a)
que o testador não tenha colaborado com outro na feitura, isto é, que o tivesse escrito todo, e não parte: seria
4.NATUREZA DAS DUAS REGRAS JURÍDICAS. 0s artigos
1.647 e 1.648 do Código Civil são de forma probatória. Êdever do juiz reputá-los tais. Por outro lado, acreditava o
legislador que o disponente, sabendo da morte, da ausência, ou da incapacidade da testemunha, fizesse outro
testamento. Era compreensível que supusesse isso. Mas essa suposição pode falhar:
a)Três ou mais testemunhas, após a morte e antes da apresentação do testamento para publicar-se, morrem,
enlouquecem, ausentam-se para lugar não sabido, ou surdo-emudecem, de modo a não poderem depor.
b) Três ou mais testemunhas morrem, tornam-se incapazes, ou desaparecem, ainda em vida do testador, sem que
êsse saiba. Pressupomos que se prove ter morrido êle na convicção de que nada disso ocorrera.
c) Três ou mais testemunhas, peitadas pelos interessados no não-cumprimento do ato testamentário, depõem contra
o próprio ato que firmaram. Muitas vêzes, o direito cede àsugestão moral, corrigindo o abuso do poder da
legislação, do fenômeno político; aqui, se prevalecesse o falso testemunho, com a ajuda da lei de forma que o art.
1.648 consagra, teríamos a imoralidade (o que é absurdo) prevalecendo contra o direito no dominio déste.
Ora, a perfectibilidade da adaptação social global está na crescente redução do conflito entre o texto e o que devia
ser, entre o escrito na lei e a regra jurídica não descoberta pelo legislador na sua insuficiência de ciência e de
técnica.
Aos casos principais que apontamos acrescentaremos outro, pelo caráter especial que o extrema dos demais.
d) Morte simultânea do testador e das testemunhas no mesmo navio, no mesmo trem, no mesmo avião, ou em
lugares diversos.
Em qualquer dos casos que sugerimos, feita a prova de que o testador não teve conhecimento do golpe no seu ato
testamentário, impõe-se o cumprimento do testamento particular.
O testemunho não é prova insuprível, e não deve, nem pode a lei, criar injunções contra a realidade das coisas.
5.SOLUÇÀO DAS QUESTÕES. Ver-se-á que a delicadeza do problema constitui séria crítica ao sistema do
Código Civil.
2.DIREITO ANTERIOR. Eram seis as testemunhas, admitia-se a assinatura a rôgo, hoje abolida no testamento
particular; e fazia-se a publicação com a citação dos interessados, citatis illis quorum interest.
No direito anterior, muito se discutia se, morta ou em lugar não sabido alguma testemunha, poderia valer o
testamento com a confirmação das vivas, e reconhecimento das assinaturas dos defuntos. Se bem conhecemos a
história das formas do testamento particular, certo se sabe que muito tinha do nuncupativo e muito dos outros.
Compreende-se que alguns autores raciocinassem com as reminiscências da nuncupação e outros, de espírito mais
aberto à vida, quisessem menos precária a condição da cédula hológrafa. Por isso, PASCOAL JOSE DE MELO
FREIRE (Íris titutiones furis Civilis Lu.sitani, Livro III. Título V, § 10), estribado em SAMUEL STRYK (Usus
moderni pandectarum specimen, L. 29,111, § 4), G.L. BOERMER (§ 85) e talvez G. A. STRUVE (Syntagma, 84, t.
42), reputaram válido o testamento com as testemunhas restantes. Contra: MELCHIOR FEnO (Decisiones Senatzís
Regni Lusitanae, d. 75), DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL (Tractatus de Donationibus, L. 8, c. 16, ns. 11 e
12), JoXo ROURIGUES CORDEIRO (Dubitationes Juris iii foro frequentes, d. 4, n. 80> e MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA (CoIe$o de Disserta cões .Turidico-práticas, 98). Juristas franceses, depois de ANTÔNIO
GOMES (In Leges Tauri Commentaria, L. 8, n. 48), ressalvavam, sem razão, o caso de ser escrito pelo tabelião. Tal
intervenção acidental não poderia atuar como exceção ao principio.
Hoje, o Código Civil admite que, das cinco testemunhas, duas faltem, critério quantitativo que resolve sem optar
por uma ou outra corrente doutrinária. Por isso mesmo, há questões antigas que ainda ficam.
~ Se duas faltam e das três restantes uma leva o testamento ao juiz e morre antes de depor? Em têrmos mais gerais,
~ se, depois da morte do testador, e antes de depor, morre uma das testemunhas? ,Se das cinco testemunhas, ou das
três restantes, uma nega a assinatura ou alguma das cláusulas testamentárias? Invalidar por tais motivos o ato que é
a própria vontade do testador, fôra devolver a outros, e não aos que êle queria, o patrimônio testado. Das questões
referidas, não só a terceira merece tratar-se à parte. Na confirmação, é impossível negar-se ao juiz a apreciação das
circunstâncias. Mas, por método, discutamos o geral antes de descermos aos casos especiais.
8.DADoS GERAIS PARA A SOLUÇÃO DAS QUESTOES. A despeito do tardio formalismo do Código Civil,
arts. 1.647 e 1.648, é irrecusável que a lei não pôs no mesmo plano os requisitos instrumentais do art. 1.645 e os
requisitos probatórios daquelas regras jurídicas. A primeira aquisição cientifica, que podemos invocar contra a
equiparação dêles, consiste na perfeição do ato testamentário: o Código Civil não acolheu a teoria de C . E. A.
KÓPPEN (Der obligatorische Vertrag unter Abwesenden, .Jherings Jahrbiicher, 11, 158), nem a de E . R.
BIERLINO (Juristisefle prinzipienlehren, II, 267), quer dizer, para o Código Civil, o testamento é perfeito desde
que se faz, e não pela morte, nem pela publicação. Ainda instrumento particular, êle se consumou com a assinatura
do testador e das testemunhas: lei nova não no atinge, incapacidade superveniente não no invalida.
No Código Civil, art. 1.648, substitui-se o qualificativo pelo quantitativo (RUDOLE VON JHERING, Der
Besitzwiile, 147--150; Geist des rõmische’n Rechts, 1, 58 s.; PONTES DE MIRANDA, Sistema, 1, 484; II, 246-
248). Mas o meio traiu o fim: a interpretação estrita, literal, tem o grave resultado de matar ato de extraordinária
importância, como é o testamento, seriu culpa e contra a vontade provada do testador. Então, o artifício, que tinha
por fito proteger a testamentifação, passa a constituir injunção contrária à justiça. Nessa discordância entre o meio
e o fim, a inércia do juiz pode ser indefensável, pode, mesmo, ser felonia à sua missão. LIe não é instrumento de
imposição, mas instrumento do direito, e o conflito entre o texto imperfeito e as realidades que compõem a situação
jurídica deve resolver-se segundo o direito, e não pela capitulação diante da letra injusta.
O testador escreve com a ortografia que entende (talvez a que consta da minuta feita por outrem, ou por outrem
cor-rígida). Não importam os alinhamentos, nem as separações concernentes às disposições, nem os erros
ortográficos, nem trocas de letras (às vêzes, devido ao estado nervoso do testador). Os números podem ser em
algarismos, mesmo romanos, ou escritos por extenso. As corrigendas, acréscimos e cancelamentos somente
precisam ser ressalvados se entrelinhados, ou super-postos; e antes da assinatura hão de estar todos. Se vêm após a
assinatura do testador, tem êsse de assinar de nôvo (cf. L. 11, § 8, C., de his quibus zd indignis auf eruntur et ad
senatus consultum silanianum, 6, 85: “nihil etenim actum esse credimus, dum aliquid addendum superest”. Nada se
tem como inserto no ato se algo resta para se acrescentar. Se as testemunhas já haviam assinado, também elas têm
de reassinar.
Quaisquer acréscimos ou correções, se feitos em separado, têm de compor outro testamento particular, com todos
os requisitos essenciais. Nada obsta a que se insiram em testamento cerrado, ou público.
Se o testamento particular que se fizera é válido, e não no é o acréscimo, ou a correção, a invalidade não se estende.
Dá-se o mesmo se inválido q testamento particular anterior e válido o que se acrescentou ou contém correção.
Têdavia, para que tenha eficácia o acréscimo ou correção, em testamento postenor, é preciso que o conteúdo possa
ser a vontade do testador, a despeito da invalidade do texto a que se fêz o aditamento ou a correção. Para isso, um
dos pressupostos é a independência do que é válido. O que mais acontece é o aumento ou a emenda
ser ineficaz, por supor a eficácia do que recebeu o aditamento ou do que foi corrigido. A correção independente é
substituição. Se a amplificação ou correção foi obra de outrem, com assentimento do testador, e ainda não houvera
assinatura do testador e das testemunhas, todo o testamento particular énulo. Se já havia as assinaturas e ao pós-
escrito se acrescentaram novas assinaturas, nulo é êsse, e não o testamento particular. Também nulo seria o pós-
escrito se foi feito à revelia do testador, mas, rigorosamente, aí, não existe aditamento ou correção. Nulidade só
haveria se o testador e as testemunhas o assinassem, porque, à revelia ou não, faltaria a holograf ia.
Se o testador ressalvou a intromissão da letra de terceiro, a ressalva é inoperante. Repila-se a opinião daqueles que
sustentam ser nulo, então, todo o testamento particular se a intromissão foi após a assinatura pelo testador e pelas
testemunhas.
Se, ao escrever o testamento particular, o testador usou papel em que já havia escritos, ou dactilografia, mas não há
confusão resultante da proximidade, o que êle escreveu como testamento particular e foi por êle e pelas
testemunhas assinado, é incólume a alegações de invalidade.
A assinatura é no fim da página, ou da última página, sem ser preciso rubrica. As testemunhas assinam depois da
assinatura do testador.
4. QUESTõES QUE SURGEM. a) Se o testador escreveu todo o testamento, e depois, com a sua letra,
acrescentou, entre linhas, valem se foram realmente suas, e se, neste aditamento, não houve incapacidade ou vício
de vontade. (Se, na ocasião do acréscimo estava, por exemplo, fora do seu juízo perfeito, ou se houve coação, pode
ser proposta a ação de invalidade só para esta parte, utile per mutile nou vitiatur.)
b) Se, escrito todo, os acrescentos foram de outrem: o ato estava perfeito, e tal intervenção, contra a vontade do
testador, é inoperante.
c) Se a parte escrita por outrem, com o consentimento do testador, não é essencial? Há escritores que não
distinguem, outros que se desinteressam, inteiramente, da questão, em. tranquilidade bem pouco científica e prenhe
de injustiças.
De um lado, vemos a E. ENDEMANN <Das Testament im Briefe, Deutsche Juristen-Zeitung, 21, 82 s., e
Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, § 87, 285), com a dureza de: absoluta holograf ia, qualquer, e por mínima
que seja a inter-venção de outrem, G. FROMMHOLD (Erbrecht des SOB., nota:
2.~, WALTHER BItOCK (Das eigenhãndige Testament, 75 s.),, GUSTAv MÀaKni (fie Nachlassbehandlung, 89).
Porém, de outro lado KONRAD COSACK (Lehrbuch des Deutschen b-úrgerlichen Rechts, II, § 881, 711), que
reclamava, para as espécies, o exame das circunstâncias, a R. WILKE (Erbrecht,. nota 4 e), Ii. NEUMANN
(Handsaus gabe des BOS., nota 2 b)e F. RITGEN, em G. PLANCK (Búrgerliches Gesetzbuch, V, 48S) –
De qualquer modo, ao que alega incumbe a prova. Pode alegá-lo o órgão do Ministério Público, o Procurador da
Fazenda, ou quem é herdeiro legítimo.
Se ninguém alegou no prazo que a lei processual fixou, -só a ação de nulidade pode ser proposta.
Se ninguém impugnou, mas parece ao juiz que se não trata de testamento escrito e assinado pelo testador?
tDevemos admitir que o juiz, na sentença com que o há de mandar cumprir, possa converter em diligência o
julgamento para os exames que se façam precisos?
A práxe dos juizes brasileiros é ordenar-se, em qualquer tempo, nos processos de testamento ou de inventário, que
se reconheçam os escritos que foram juntos. Mas, a conversão em diligência, poderia, eventualmente, ser perigosa:
não reconhecido o escrito, seria inútil a providência, ou o juiz levaria a negar o cumpra-se, sem o rito processual
devido. Melhor será que se ordenem tais providências na fase das impuguaçóes e das provas.
1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.647 do Código Civil: “Se as testemunhas forem contestes sôbre o fato da
disposição, ou, ao menos, sôbre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a
do testador, será confirmado o testamento”.
Cf. Projeto primitivo, art. 1.815: “Se as testemunhas forem acordes sôbre a fatura do testamento e se reconhecerem
as suas próprias assinaturas assim como a do disponente, o juiz confirmará o testamento”; Projeto revisto, art.
1.984:
“Se as testemunhas forem contestes sôbre o fato da disposição, ou ao menos sôbre a sua leitura perante elas, e se
reconhecerem as próprias assinaturas ou sinais, assim como a do testador, será confirmado o testamento”.
3.INTERPRETAÇAO DO TEXTO LEGAL. O Código Civil, art. 1.647, deve ser entendido como suficiente, e não,
a priori, como necessário. No fundo, o que êle diz e o que os princípios superiores de direitos permitem que nele
leiamos é bastar ao processo da publicação serem contestes pelo menos sôbre a leitura perante elas, e reconhecidas,
por elas, as assinaturas próprias e a do testador.
Aliás, a lei não diz “só se confirmará”, mas “será confirmado o testamento”. Seria a lei contra o direito, lei injusta,
talvez imoral (portanto, inaplicável), se permitisse que a testemunha, subornada, ou que, por outro qualquer modo,
depõe falsamente, constituísse elemento de invalidação de ato tão importante quanto o testamento. -
1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.643 do Código Civil: “Faltando até duas das testemunhas, por morte, ou ausência
em lugar não sabido, o testamento pode ser confirmado, se as três restantes forem contestes, nos têrmos do artigo
antecedente”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.816: “Faltando até duas das testemunhas por morte, ou ausência em lugar
não sabido, o testamento poderá receber a confirmação judiciária, se as três restantes forem acordes segundo o
preceituado no artigo antecedente”; Projeto revisto, ad. 1.985: “Faltando até duas Exemplos: o testador escreveu o
testamento e, depois, disse ao seu filho: escreva no fim o seguinte “estive presente à feitura do testamento de meu
pai, A”, ou, sem o pai lhe dizer, ou dizendo-lho, “meu pai pediu que só apresentasse o testamento oito dias depois
da morte dêle”. Mais: com a letra de outrem, à margem, “a casa a que papai se refere mudou de número, era 41 e
hoje é 5, nota que escrevi à vista dêle”. Claro que ao juiz ficará a apreciação da veracidade de tal mudança e de
modo nenhum o escrito por mão de outrem poderá ainda quando consentido pelo testador mudar o objeto da
disposição de última vontade, restringi-to ou aumentá-lo.
A opinião de F. ENDEMANN, G. FROMMIIOLD e de muitos outros escritores franceses e italianos é contra os
princípios superiores de direito: não deve ser aceita. No Brasil, sempre que se tiver de decidir sôbre isso, devem os
juizes, quer quanto aos testamentos brasileiros, quer quanto aos estrangeiros, distinguir a intervenção que toca ao
essencial e a intervenção que não pode escapar ao princípio do utile per mutile non vitiatur.
Vejamos outros pontos que possivelmente interessam o testamento particular. -
O teor do testamento constitui levissima solennitas. O disponente tem liberdade de escolher, e daí a ingenuidade
dos formulários. Nem se exige a subscrição de cada página, ou a rubrica em cima, se as junturas fazem sentido
contínuo (WALTHER BROCK, Das cigenhandige Testament, 38; A. WEISSLER, Das deutsche
Naehlassverfahren, 158), ou o disponente as marca pelos meios usuais (por exemplo, repetição da última palavra
da página anterior).
Se ocorrer apresentar o testamento alguma coisa escrita a máquina, resolver-se-á como se fôsse escrito por mão de
outrem. Não assim, se parte com os caracteres ordinários e parte em estenogramas, ou caracteres de outra língua,
desde que se possa verificar a procedência holográfica. O que - em tudo isto importa é a individualidade do
testador, o traço característico, suscetível de revelar-se num ou noutro meio de escrita.
6.HOLOGRAFIA DA ASSINATURA. O essencial sôbre isto já foi dito. Mas cumpre advertir que, no testamento
hológrafo, a natureza das coisas recomenda menos rigor do que no testamento público ou no cerrado alógraf o,
nestes, o único indício extrínseco da individualidade do testador é a assinatura, ao passo que no testamento
hológrafo houve frases inteiras~ talvez fôlhas completas, com a escrita cursiva do testador. Naqueles, há a fé
pública dos oficiais públicos, mas na ação-de nulidade, em que se discuta e se negue a própria assinatura do
testador esta ficará desacompanhada de outros indícios hologêneos para os exames periciais.
Desta consideração resultam soluções como as que se vao citar e podem servir de exemplos, assaz significativos, à
decisão dos juizes. No testamento em carta, que seja, realmente, testamento, ou sem ser em carta, a doutrina alemã
considera suficiente o prenome dos príncipes e das autoridades católicas.
À e assim devemos entender uma das suas acerbas censuras aos vigários e à Igreja de outrora. Porém nem ela nem
as Ordenaçóes Afonsinas poderiam conter o absurdo do art. 1.648 do Código Civil brasileiro, inserto por inovações
de CLóvís BEvILÁQUA, art. 1.816 (cp. Código Civil mexicano, arts. 3.545 e 8.546).
O que se pode alegar é o “segundo forma de Direito”, que seria o romano. Mas: a) a Novela Valentiniana, III, 20, 2,
1 (si holographa manu testamenta condantur, testes necessarios non putamos) não passou ao direito de Justiniano;
b) a formalidade que se queria concernia à nuncupatividade, de modo que só se referia ao testamento sem tabulae.
Aliás, seria péssima interpretação entender-se aplicado ao feito pelo testador o que só se referia ao testamento
nuncupativo.
4.CITAÇÃO DOS HERDEIROS LEGITíMOS. O Código Civil manda que se citem os herdeiros legítimos.
Convém seguir, no tempo, a regra ainda hoje inserta em lei. ~ Por que somente os herdeiros legítimos?
Nas Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título 103, § 2), mandava-se: “e em esse caso, a saber, quando for feito pelo
testador, ou per alguma outra privada pessoa, sem teer estormento pruvico nas costas, deve tal testamento seer
poblicado despois da morte do testador per autoridade de Justiça e chamadas as partes, a que perteeneer, segundo
forma de direito”. Alusão ao direito romano. As Ordenações Manuelinas (Livro IV, Título 76, § 3) copiaram o
texto. O mesmo fizeram as Ordenações Filipinas (Livro IV, Título 80, § 3).
PASCOAL J-osÊ DE MELO FREIRE (Institutiones luris Civilis Lusitani, Livro III, Título 5, § 10), explicava:
“citatis iis, quorum interest hereditatem ab intestato deferri”.
Se está em dúvida a revogação de anterior testamento, deve o juiz mandar citar os interessados do outro. E o
cônjuge do testador, caso lhe conste haver póstumo.
No testamento de Massilon, a assinatura apenas continha iniciais e a cidade episcopal: “J.-B., évêque de Clermont”.
No processo, o juiz de primeira instância julgou pela validade; na apelação, as partes transigiram. O que é essencial
e a assinatura que marque a personalidade. O caso de Massilon satisfazia tal exigência.
Na França, a Côrte de Cassação (20 de abril de 1813 e 20 de maio de 1877) admitiu como assinatura do testamento
hológraf o a aposição do nome, não no fim, porém em frase que começava com as palavras: “Feito por mim”.
Dadas certas circunstâncias, no próprio invólucro (Besançon, 20 de novembro de 1921).
Se bem que a praxe seja a assinatura com todo o nome do testador, de modo que raramente se abrevia, com as letras
iniciais ou com omissões dos elementos do nome, e embora a lei fale de “assinado pelo testador” e “assinado” pelas
testemunhas, basta que aquilo que se lançou identifique o testador. Se o testador se habituou a assinar com o
pseudônimo, não há afastar-se que assine com êle. Se tem êle firma comercial, não pode assinar com a firma
(CARL CROME, System des Deutsehefl Ritrgerlichefl Rechts, V, 63, nota 51; EMIL STROHAL, Das deutsche
Erbreeht, 1, S.~ ed., 167). Porém, se a firma é individual e idêntica ao nome que usa, nos contactos pessoais, pode
lançar o nome, que provàvelmente é identificante.
Se, de ordinário, a assinatura do testador, nos negócios jurídicos entre vivos e na correspondência, é ilegível, mas
verificável a autenticidade, não há razão para se vedar o uso em testamento particular.
Onome, lançado no ato do testamento, como “eu, A -termino aqui o meu testamento”, não é assinatura. Se, porém,
no fim, o testador escreve “assim dispus e quero que se cumpra, A. F . “, entenda-se que assinou.
Não atinge a assinatura a aposição da data após ela, uma vez que após venham as assinaturas das testemunhas.
A data depois da assinatura das testemunhas é apenas indício de que aquela foi a data da feitura, sem se poder
considerar indiscutivelmente datado tal testamento, a despeito de s. letra ser do testador-
1. EXIGÊNCIA FORMAL. Antes da apreciação judicial, que o mandará cumprir, aos testamentos falta fôrça
executória. São, desde que se fizeram, atos jurídicos perfeitos, mas uma coisa é a perfeição de um testamento e
outra a efetiva eficácia de cumprir-se. No art. 1.644, o Código Civil fala,. explícito, do exame externo do
testamento cerrado. Nos arti-gos 1.646-1.648, da publicação e cumprimento do particular. Também o público está
sujeito à apresentação e a exame, assuntos de ordem processual, que noutro lugar serão tratados.
Morto o testador, ou aberta a sucessão provisória, por-ausência, tem de ser publicado o testamento particular. Há as
citações dos herdeiros legítimos, do membro do Ministério-Público, a quem caiba a função no Juízo dos
Testamentos, e dos interessados no testamento, para se tomarem os depolmentos das testemunhas testamentárias.
Apenas dizem que o testador testou, que o testamento foi lido perante elas, o que o testador escrevera, quç o
testador assinou e elas assinaram:
oque lhes fôra lido e que reconhecem as assinaturas. Têm de-referir-se às disposições, porém tal elemento
processual não é essencial à eficácia da publicação, a despeito do texto do art. 582 do Código de Processo Civil.
A publicação ou redução a público do testamento parti-cular somente pode ocorrer se ainda há três das
testemunhas, que não morreram, nem estão em lugar não sabido. Se morre-ram três testemunhas, perdeu eficácia o
testamento e deixa de ser. Se não ~e sabe onde se acham, tem de haver a investigação, até que se apure se existem
ou não.
Se das cinco testemunhas, três são contestes quanto àautenticidade, basta o que depuseram. Se somente três restam
e uma, sem prova possível da sua má fé, nega que lhes tenha sido lido o testamento, ou que tenham assinado, não
há a publicação.
2.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.646 do Código Civil: “Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com-
citação dos herdeiros legítimos”. Cf. Projeto primitivo, artigo 1.814: “Depois da morte do testador será o
testamento publicado em juízo, sendo ouvidas as testemunhas e os interessados”; Projeto revisto, art. 1.988: “Por
morte do testador, será o testamento publicado em juízo com citação dos herdeiros legítimos”.
8.ASSINATURAS DAS TESTEMUNHAS Nenhuma particularidade oferece a assinatura das testemunhas: aqui,
como a respeito da assinatura do testador, exige a lei a holografia. No testamento particular, que só se admite
hológrafo, seria Inconsequente discutir-se se basta a assinatura e se pode tratar-se de testemunha analfabeta que
assine, e depois reconheça a assinatura. Não deve só por isso dá-la por nenhuma o juiz e reputar nulo o testamento.
Satisfez-se o que a lei queria: a assinatura. E tal testemunha terá de depor sôbre o que ouvia ou sôbre o fato da
leitura. Se dúvida houver sôbre a holografia, não poderá ser crida, pois o depor só lhe foi exigido quanto à própria
assinatura e à do testador. Demais, trata-se de testamento que em si mesmo contém outros meios de verificação:
conferência e exame pericial da escrita.
A testemunha, no direito brasileiro, não precisa dizer que assina como testemunha. Se assinou após a assinatura do
testador, foi como testemunha que assinou.
1.EXPEDIENTES UMIS. Há expedientes, que a lei não exige, mas seriam úteis, ou, por ventura, em certos casos,
o seriam.
2.RECONHECIMENTO DA LETRA E DAS ASSINATURAS. O testador, ou alguém por êle, pode levar a
tabelião o testamento particular, para que lhe reconheça a letra e as assinaturas. É da função dos tabeliães e a lei
não podia impedir ato voluntário, abundans, do testador, ou de outra pessoa, em nome dêle.
Tratando-se, porém, de ato da importância do testamento e de efeitos ou discussão talvez remotos, deve o tabelião
ter a cautela de anotar nos seus livros o dia em que o fêz e a pessoa que lhe pediu.
Tal reconhecimento não atribui fé pública ao testamento, não no equipara ao testamento público, ou, sequer, ao
cerrado com aprovação; dá-lhe apenas refôrço para futuras provas, que em processo de anulação ou de nulidade ou
de publicação possam ser precisas.
3.INVÓLUCRO E TESTAMENTO PARTICULAR. Se o testamento particular fôr fechado pelo testador, depois de
ter as formalidades do Código Civil, art. 1.645, levado ou não ao tabelião, o juiz abri-lo-á, porque não é de mister
que as testemunhas assinem duas vêzes dentro e fora: fora, é exigência do testamento cerrado (art. 1.638, IX>. Nem
o segrêdo é essencial ao testamento cerrado, e pois vale o que, subscrito dentro, o seja por fora, satisfazendo ao art.
1.688. Nem o particular, por ser, de fato, cerrado (cosido e envolto), precisa que se aprove e tenha, de nôvo, as
assinaturas das testemunhas.
Mas zbasta ao testamento particular a assinatura do invólucro? Temos contra J . E. Lurovíci (Dissertatio de
involucro, vom Couveri, oder Umschlage bei Testamenten, 2 s.), a O. L. BOEHMER (Testamenti signati ei
subscripti a testibus in invo lucro vis et auctoritas vindicata, 4 s.), que o reputava válido. C.U. GRUPEN
(Observationes de forma conficiendi acta, 2 s.), distinguia os testamentos, em que se devia assinar in ipsa
soáptura, e os que podiam ser assinados no invólucro: scriptura clausa involuta que, tabulae linteo involuta ei
clausae.
Se o invólucro é continuação do escrito (quaes tio facti), nenhuma dúvida pode haver. Mas, se há outra capa, algo
de fora, algo que envolve, e não há assinaturas de testemunhas no texto, a questão é mais delicada.
Se, no lado de fora, o testador declara “êste é o meu testamento, que eu e as testemunhas assinamos” e assina
tendo elas assinado dentro, não devemos levar o formalismo a invalidar a cédula. C. MANZIUS (Tractatu.s de
testamento valido vel invalido, IV, 1, 111 s.), no seu tempo, nem distinguia se o testador assinava intus ou foris.
Contra, CHa. FRIED. VON GLÚCK (Kommentar, 34, 467).
Se, no lado de fora, só assinam as testemunhas e o testador o encerrou, dentro, com a sua assinatura, inquiridas na
forma do art. 1.647, nada obsta a que se aprove.
5. DEPÓSITO DO TESTAMENTO PARTICULAR. A lei brasileira não tem qualquer alusão a depósito do
testamento hológrafo.
No Código Civil alemão, há o § 2.248, onde se dá, a pedido do testador, o depósito oficial (amiliche Verwahrung),
podendo obter certificado (§ 2.246, alínea 2.a). A doutrina assentou, na interpretação do § 2.248: a) o pedido do
testador não está sujeito à forma especial: pode ser por escrito, ainda sem reconhecimento da assinatura, ou, até,
oral; b) pode ser pessoal, ou não, a entrega, admitindo-se a própria remessa pelo correio (Reehtsprechzungen des
OLG., 1, 294)
e)a entrega pode ser em certas circunstâncias (F. HímEN, em G. PLANCK, Bitrgerliches Gesetzbuch, V, 469) por
terceiro, sem escrito de podêres passado pelo testador; d) a retirada do testamento pode ser feita em todo o tempo,
mas somente pelo testador em pessoa. Ademais, cumpre advertir que o depósito é facultativo, e não tem o efeito
revogatório, que, também para o testamento público, não tem a retirada a que se refere o § 2.256, alínea 3a• Se o
testador não faz o depósito, fica com êle, ou com pessoa de sua confiança o testamento, e esta, por princípio geral
de direito, que nem precisava vir nas leis (§ 2.259), deve apresentá-lo após a morte do testador.
6.QUESTIO DE -ORDEM, ESTRANHA AO DIREITO ERASILEIRO.
Nos requisitos do testamento hológrafo, não vem mencionado o de ser datado. No direito brasileiro, não tem
importância a questão (ventilada na Itália e na França) da subscrição antes da data. Os italianos resolvem pela não-
nulidade do testamento cuja data vem depois da assinatura. O critério da lei brasileira mais se ajusta às idéias de R.
SALEILLES, que via nas datas dos testamentos hológrafos mais declarações de vontade do que outra coisa: com
ela, o testador quis declarar que naquele dia se concretizou a sua vontade. Em todo o caso, pode ser necessário
apurar-lhe a veracidade, para se decidir quanto à capacidade do testador ou a ruptura do testamento, quiçá
anterioridade ou posterioridade em relação a outros, e isto bem mostra que se tem de receber sob reservas o parecer
do jurista francês. O que a lei brasileira dispensa é a menção do momento de feitura. Mas os testamentos
particulares, como todos atos jurídicos, têm um dia de feitura, verificável no seu contexto, ou em outros dados
exteriores.
3.APÁTRIDES. Tratemos dos sem pátria, que teriam a lei da nacionalidade como lei pessoal, e os de mais de uma
nacionalidade, O sem pátria, sem lei pessoal do domicílio, testa bem, testando pela lei local, se domiciliado no
Brasil; ou, se sujeito à ler sucoessianis de outro pais (exemplo, o Hei-. matias que tem um filho brasileiro), optou
pela forma da lei que seria a pessoal. Mas também pode escolher a forma da lei do domicílio, ou da residência se
não tem domicílio,
4.NACIONALIDADE MÚLTIPLA, SE A LEI PESSOAL E A “LES PATRIAE”. Se o disponente tem mais de uma
nacionalidade, e as leis dos respectivos Estados não resolvem o conflito, pode testar pela ler boi, ou optar pela do
Estado do domicílio, ou da residência, salvo se a lei do seu domicílio é a brasileira, porque, então, somente pode
testar pela ler boi ou pelas formas da lei do Brasil. A facultatividade é entre a lei pessoal e a do lugar; e o Estado da
lei pessoal não pode permitir que opte por outra lei: utilítatis causa, surgiu a própria bex boi. Cp. TURODOR
NIEMEYER (Das internationale Privatrecht des EGO., B2).
7.CASO ESPECIAL DO MENOR BRASILEIRO ALHURES. Temos de cogitar do menor com domicílio
brasileiro se está na Alemanha. Éste menor ou testa pela lei alemã, pública oral (Código Civil, § 2.288, alínea 2.a),
ou opta pela forma brasileira, hológrafa, ou cerrada com a aprova~ão do cônsul, ou pública, perante êste. Porém
nào pode dispensar as formalidades a mais da lei brasileira, empregando a mais fácil forma particular alemã: desta
não lhe era dado usar. A alternatividade da lei da forma cede onde a lei local considera o não-emprégo da sua forma
como de ordem pública.
Na forma hológraf a, observando a lei brasileira, testa bem, salvo qualificação especial pela lei estrangeira.
Se o testador escolheu a forma hológraf a segundo a lei pessoal, testa bem. Seria absurdo ler-se como somente de
aplicação facultativa a regra jurídica locus regit actum, se no estrangeiro o testador, e obrigatória, tratando-se de
estrangeiro ou domiciliado no estrangeiro, se está no Brasil.
A espécie é de instrumento particular e a regra jurídica iocus regit actum não tem, e não deve ter, caráter
obrigatório.
Se o testador estrangeiro testou em país estrangeiro. não estando em jôgo a ordem pública do Brasil, o tribunal
brasileiro tem de assumir atitude fria e objetiva. Pode ocorrer que o Estado da lei pessoal não conheça a alograf ia
do testamento particular, e o testador tenha preferido a lei local, que lho permite. Nào devemos, por isso, reputar
válido o testamento alógrafo feito com as testemunhas em lugar que o admite, por testador cuja lex personcilis lho
interdiz, no interior ou no estrangeiro, ou só no estrangeiro (qualificação> a alografia particular. Mais: se, por
exemplo, o cidadão holandês está na França e faz testamento hológraf o. Neste assunto é de concluir-se que valem:
a) os testamentos públicos na forma autêntica local; b) se a lei pessoal não lho proibe, o testamento que o
estrangeiro fêz na forma privada da lei local; e) o testamento feito na forma particular que a lei pessoal admite. No
último caso, trata-se de ap1icaç~o da facultatividade da regra jurídica Meus regit actum.
10.EXIGÊNCIA FORMAL DA DATA. No direito de alguns povos, diante dos textos legais que falam em data, há
questées relativas à essencialidade de tal requisito.
~Qual a atitude que deve assumir o juiz brasileiro quando tiver de se pronunciar sôbre isso?
A atitude do juiz do Estado-terceiro será se também exigir a data verdadeira como requisito formal a de acolher a
solução que coincida com a lese fort.
No Brasil, que não exige a data como requisito formal, terá de julgar com muita prudência o juiz a que
se levar a questão da validade do testamento estrangeiro.
Diante, por exemplo, das opiniôes alemãs, somente deve negar validade ao testamento hológraf o alemão:
a) se êle não teve data nenhuma <seria dispensar ao testador o conhecimento da sua lei) ; b) se a data aposta,
inexata, fôr eventual-mente essencial; o) se constituiu ato in fraudem legis.
~ Quid juris, se testamento hológrafo de pessoa com a lei pessoal brasileira, feito na Alemanha? As soluções b) e
o) são perfeitamente aplicáveis. Mas a razão da solução a) desapareceu. Pode ter havido érro de direito. Optou pela
lei alenia, leu um livro que segue a essencialidade da data exata. Érro que fácil se compreende pela omissão da data
no texto da lei pessoal. Não se trata de reenvio, mas observadas as circunstâncias deve o juiz atender aos
princípios sôbre possibilidade do êrro de direito e mandar cumprir o testamento, se, no caso concreto, a data não fôr
essencial. Não assim se
fôr eventualmente essencial (e. g., dois sem se poder saber qual o primeiro).
São questões de extrema delicadeza. As leis de forma, as regras jurídicas rígidas e pontiagudas, os gumes de espada
dos princípios apriorísticos, semearam de injustiças e de desrespeito ao querer último as sociedades
contemporâneas. Ora, no passado, havia as válvulas de valer como nuncupativo, de valer como codicilo, e outras
semelhantes cláusulas explícitas ou implícitas. Hoje, obturadas tais canalizações salutares, muito se sacrificaria
com o e,xagerado formalismo. Na própria ordem internacional, não é exótico falar-se em favor testa-menti.
Porém, pelo fato mesmo da facultatividade, ~que é que se resolverá, quando o testador estava em país de
testamento holégrafo intestemunhado, e é a sua lei pessoal a que exige as testemunhas? Se, ali, interpretamos o
animus testamentum faciendi com a circunstância da lese Mci, ~ será que a facultatividade da regra jurídica locus
regit actum exclui a possibilidade de se interpretar com a lei pessoal? Ali, era a circunstân. cia da estada, da
residência, talvez do domicílio, que se invocava; porém aqui também seria de invocar-se a criação excepcional da
regra jurídica, nascida utilitatis causa, e hoje reconhecida como facultativa. Com maioria de razão, em Estados cuja
concepção de tal princípio seja a de bastar, na falta da lei do ato, a lei do lugar (como ocorre, por exemplo, no
direito alemão).
Mais difícil será se nem a lei local, nem a lei pessoal exigirem testemunhas. ~ A que direito, a que lei formal se
podia supor referido o testamento? Mas o difícil não é o impossível.
Nas relações internacionais, deve reconhecer-se mais larga aplicação ao error communis e ao êrro justificável de
direito.
12.EXIGÊNCIA DE AUTENTICIDADE E VIGÊNCIA DA FORMA SÓMENTE PARTICULAR EM ESTADO
DA “LEx LOCI”. Alguns autores, para prover ao caso de Estado que não tenha testamento público, e a lei do
estrangeiro, nele domiciliado ou de passagem, diga só dever testar pela forma pública, recorrem, como
A.PILLET (Traité pratique de Droit International Privé, II, 428), à definição mesma de ato autêntico ou público.
Na Inglaterra, por exemplo, faz-se com o concurso de duas testemunhas. i,Será ato autêntico no sentido do art. 999
do Código Civil francês? Respondem que sim. Mas, se nos aprofundarmos, Veremos que, com o intuito de
interpretar o art. 999, os julgados e os escritores franceses foram ao extremo de mudar a noção mesma do ato
autêntico. Nada o justifica. A Inglaterra só tem o testamento particular. Tal o fato, e o art. 999 supõe que todos os
Estados tenham o testamento público, o que mio se dá. Ora, não é a noção de ato autêntico que se deve torcer,
amolgar, utilizar, para servir ao texto francês, é o texto
Assim, digamos: pressupôs o Código Civil francês, art. 999, que no Estado em que se ache o Francês haja aquela
forma; se não há, satisfaz-se a regra jurídica com o uso da que fôr a mais segura, a de maior garantia, nos países
estrangeiros.
Preferivelmente, a forma pública, aberta ou fechada, se houver. Na jurisprudência internacional, julgou bem, a 23
de janeiro de 1917, o Tribunal Superior de Lisboa.
As condições de publicidade, de autenticidade, julgam-se pela lei do lugar, é a lei da forma do ato. As nulidades
formais são as desta lei. Nem podia ser de outro modo.
Se, no lugar, há a forma autêntica, toilitur quaestio. Se não há, teste o estrangeiro pela sua lei, se possível, ou, se
outro meio não houver, pela forma que existir na lez Mci.
CAPITULO XXIII
TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS
1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.650 do Código Civil: Não podem ser testemunhas em testamentos: 1. Os menores
de dezesseis anos. II. Os loucos de todo o gênero. III. Os surdos-mudos e os cegos. IV. O herdeiro instituído, seus
ascendentes e descendentes, irmãos e cônjuges. V. Os legatários”. No Projeto primitivo, art. 1.818: “Não podem ser
testemunhas do testamento ordinário: 19 O herdeiro instituido e o legatário;
2.0 Os ascendentes, descendentes, irmãos ou cônjuge do herdeiro ou do legatário; O escrevente ou empregado do
tabelião que o escrever ou aprovar”; no Projeto revisto, artigo 1.990: “Não podem ser testemunhas em testamento:
1.0 Os menores de 14 anos; 2.0 Os loucos de todo o gênero; 39 Os mudos e surdos, e os cegos; 49 O herdeiro
instituído, seu cônjuge, os filhos que tiver sob pátrio poder, assim como os lega-tários; 5.~ O pai, sob cujo poder
estiver o herdeiro instituido;
Os irmãos do herdeiro instituído, se todos estiverem sob o poder de seu pai; Os herdeiros e legatários, seus
ascendentes e descendentes e afins na mesma linha, salvo no auto de aprovação do testamento cerrado”.
tou foi o da nulidade parcial não invalidante da parte sã, se esta fôr separável (art. 153). Mais ainda: no art. 130,
estatui-se que o ato valerá se a sanção fôr diferente. Quer dizer:
se a lei fôsse omissa, a preterição do que se diz no art. 1.650 seria a nulidade (o que se dá em relação ao art. 1.650,
1-111), porém, havendo sanção diferente contra a preterição da forma exigida, esta, e não a nulidade, é a
conseqUência da civa ex hypothesi existente.
Por método, distingamos: a> nulidade absoluta, por incapacidade absoluta das testemunhas; b) nulidade da
disposição, por aplicável a sanção do art. 1.720 e, em virtude do art. 130, somente ela.
Isto pôsto, lancemos entre as regras jurídicas do artigo 1.650, 1-111, e do art. 1.650, IV e V, linha divisória que nos
sirva de advertência na análise da lei.
6. SURDOS E MUDOS, E SURDOS-MUDOS. Neque furiosus, neque mutus, neque surdus, possunt in numero
testium adhiberi. Tal o que está nas Institutas. A lei brasileira só exclui os surdos-mudos. No Projeto primitivo, art.
1.818, falava-se de mudos e surdos. No Projeto revisto, art. 1.990, de mudos e surdos. Sucederam a redação que se
lhe deu na Câmara dos Deputados (Trabalhos, VII, 208), onde ainda se lia mudos e surdos, e a da comissão de
redação (Trabalhos, VIII, 241), onde, pela primeira vez, se substituiu por hífen a copulativa e.
No Código Civil francês, no Código Civil italiano e no Código Civil alemão, tais questões ficaram às regras
jurídicas gerais sôbre testemunhas, CLÔVIS BEVILÂQUA (Código Civil comentado, VI, 105) entendia que eram
escusadas as regras jurídicas do art. 1.650, 1-111, à vista do que fôra dito no art. 142. Mas a verdade é que as regras
jurídicas não coincidem: no seu propósito de uniformidade, e de simetria, em vez de atender ao art. 142, a respeito
dos surdos e dos mudos no testemunho testamentário, o Código Civil ajustou o art. 1.650 ao que se estatui no art. 5,
referente à incapacidade absoluta.
Mudos e surdos, talvez quisesse, por apêgo à errada tradição, dizer; e disse surdos-mudos. Interpretação superficial
tiraria que mudos ou surdos não estão proibidos de figurar nos testamentos como testemunhas. Ora, quem proibe ao
cego, porque não vê, proibe ao surdo, porque não ouve.
Quanto ao mudo, não se deve, hoje, negar-lhe a capacidade de ser testemunha instrumentária: nos testamentos
contemporâneos, a testemunha não tem de falar. Tem de ver e de ouvir. O mudo vê e ouve. Se o surdo-mudo, que
pode exprinúr-se, é capaz de exercer direito (art. 5, III), porém não pode ser testemunha testamentária, não é porque
seja surdo- mudo, e sim porque é surdo. Por ser surdo, não pode testemunhar o que depende do ouvido. O
legislador brasileiro foi assaz desatento, e o art. 1.650, III, contém, evidentemente, uma das suas muitas
incorreções.
A questão da mudez não interessa, hoje, à capacidade para ser testemunha testamentária, mas sim ao exercício das
formas de testar: constitui, pois, qualidade subjetiva do testador, e não das testemunhas.
Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 85, pr., lia-se:
“nem pode ser testemunha o furioso, nem o mudo e surdo, nem o cego”. Mas ANTÔNIO JOAQUIM DE
COUVEIA PINTO (Tratado regular e prático de Testamentos e Sucessões, 108), como o Repertório das Ordena
çóes e Leis cio Reino de Portugal (IV, 419), entendia tratar-se de furioso, surdo, mudo, cego, e não surdo-mudo.
Assim, TEIXEIIIA DE FREITAS (Consolidação, artigo 1.063, § 3, e Tratado de Testamentos e Sucessões, 112)
distinguia duas classes: mudos e surdos, porque era o que se achava na lei. O velho êrro do direito lusitano, que
equiparava a mudez da testemunha à mudez do testador, persiste, agravado pelo hífen, no Código Civil, art. 1.650,
III.
A pessoa completamente surda pode ser testemunha no testamento particular. A lei cogitou de surdos-mudos e de
cegos (art. 1.650, III), e não de surdos.
Se o surdo não sabe ler, toltitur quaestio: não pode conheeer o conteúdo do testamento público ou do particular,
nem de ouvido, nem pela leitura; nem ouvir o que o oficial público pergunta, ou o que o testador declara, ao
entregar o testamento cerrado (art. 1.688, V), nem ler o que o testador teria de escrever no caso do art. 1.642.
Se o surdo sabe ler, pode conhecer a redação do art. 1.682, 1, porém não poderia atestar as declarações do testador.
No testamento particular, se viu escrever, e leu, então não está êle inibido, É verdade que o art. 1.645, III, manda
que seja lido perante as testemunhas. Porém seria excesso de apêgo à. letra. No cerrado, teria de ouvir as
declarações do testador ao entregar à aprovação e ouvir a leitura do auto.
No direito escrito suíço, nada se disse quanto aos surdos. Quanto a êles e aos surdos-mudos, a doutrina entendeu,
acertadamente, que não há incapacidade a priori: se pode, por algum modo, certificar-se da identidade do testador e
da veracidade do testamento escrito, não lhe é vedado ser testemunha.
~ Quais são os incapazes, pelo Código Civil, art. 1.650, III, de figurar como testemunhas testamentárias? A lei,
reduzida a iniciativa da regra jurídica, pelos seus defeitos, perdeu a respeitabilidade ordinária. ~Qual o juiz que
aceitaria testamentos cujas testemunhas fôssem surdas? Nenhum. E a lei não os fêz incapazes. j,Qual o juiz que
reputaria nulo o testamento em que figurassem mudos como testemunhas, se êles pudessem, pela escrita, ou pela
linguagem dêles, prestar o testemunho do que ouviram ler? Nenhum. ~Qual o juiz que julgaria nulo o testamento
cujas testemunhas, surdas-mudas, leram o instrumento, que o testador escreveu à vista delas, ou o oficial público,
uno actu, lavrou? Nenhum.
Para os nossos dias, o art. 1.650 é defeituoso. Melhor fôra não existisse. Aqui, os dados da vida prefixam,
precisamente, a regra jurídica. Nem por falta de texto, que o proTbisse, deixariam os cegos de ser incapazes.
Melhor proceder teve o Código Civil alemão: que a doutrina formule a regra jurídica. Aqui, ou alhures, se é preciso
ouvir, surdo não pode testemunhar; se é preciso ver e isto é indispensável, pela exigência de identificação cego
não pode ser testemunha (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Ritrgerlichen Rechis, III, 300).
Quanto ao mudo, ~ por que exclui-lo? Mudo vê, mudo ouve:
mudo, talvez, possa atestar (exigência probatória) e figurar, assinando (exigência instrumental).
O surdo-mudo, a que a lei se refere, é o que não pode exprimir, nem ler: quem lê, lerá; quem lê, e sabe escrever
assina e pode depor, pois tudo viu, leu (vale o mesmo que ouvir, se testamento hológrafo). Pode, pois, ser
testemunha nos casos de holograf ia. Não precisa ouvir o que está escrito, se êle mesmo leu. Mas está excluido dos
testamentos públicos e cerrados, por ser surdo.
A lei civil, por inadvertência, omitiu os que não sabem ou não podem assinar. O art. 1.650, 1-111, do Código Civil
refere-se a menores de dezesseis anos, a loucos de todo o gênero e aos que, por defeito de vista ou de ouvido, não
podem ser testemunhas. Mas não se referiu ao que não sabe assinar. Todavia, em virtude da letra da própria lei, só o
que pode assinar figura, como testemunha, no testamento público (art. 1.632, IV), no cerrado (art. 1.688, IX) e no
particular (art. 1.645, III). Nos próprios testamentos especiais: marítimo (ad. 1.657, § 2.0) e militar (art. 1.660).
Sõmente no caso do art. 1.663, inteiramente excepcional, fôra de discutir-se a possibilidade.
Mas o que não sabe ou não pode assinar não fica inibido de depor como testemunha de fatos (o art. 142 não os
exclui. nem os poderia excluir).
7. ANALFABETO E INCAPACIDADE EUREMÁTICA Além dos casos do Código Civil, art. 1.650, não podem
ser testemunhas testamentárias os analfabetos: no testamento público, porque precisa ser assinado por elas (art.
1.632, IV); no cerrado e no particular, pelo mesmo motivo (arts. 1.638, IX, e 1.645, III) ; bem assim no marítimo
(art. 1.657). Só há um caso de testamento em que o analfabeto pode ser testemunha: o militar nuncupativo (art.
1.668).
Resta uma questão: ~ se a testemunha (somos levados ao “cortar de cabelo em quatro”, criado pelo Código Civil,
artigos 1.638, III, e 1.641, em caso inverso) sabe assinar e não sabe ler? ~ Pode figurar no testamento cerrado?
Seria admissível, porque é testemunha de fato, e não de escrita (art. 1.638, 1V-VI) ; mas, ainda neste caso, é
preciso que se lhe leia o auto de aprovação (art. 1.638, IX). Não pode assinar a rogo do testador: somente assina a
rôgo quem sabe ler. De qualquer maneira, a testemunha que não sabe ler seria fraquissima prova de leitura. Nos
testamentos públicos, o oficial público não as deve admitir. Nos particulares, deve evitá-las o testador. Seria assaz
precário o valor probante do seu testemunho sôbre as disposições.
Mas aqui (tratando-se de testamento hológrafo), como em todos os outros casos, as circunstâncias têm de ser
levadas em conta. Pode haver no lugar e em momento urgente quem não saiba ler e no entanto saiba assinar.
No direito alemão exige-se, no processo verbal do testamento público, presença e assinatura das testemunhas
(Código Civil alemão, § 2.242), mas pode ser a rógo (F. RITGEN, em O.PLANCK, Riirgerliches Gesetzbuch, V,
460), ou pela marca de que trata o § 116 (Motive, V, 273 5.; A. WEISSLER, Das deutsche Nachlassverfahren,
146).
No direito suíço, a lei, falando dos incapazes de testemunhar nos testamentos, incluiu os que não sabem ler nem
escrever (art. 503). A d%speito da redação, que parece af ir-mar que só sejam incapazes os que não sabem ler nem
escrever (~ ficariam a salvo os que sabem ler e não sabem ou não podem escrever, e os que sabem escrever e não
sabem ou não podem ler!) e da opinião de EUGÊNE CURTI-FORRER (Commentaire dii Code Civil suisse, 398), a
boa sustentação é a de P.TUOR (Kommentar zum schweizerisehen Zivilgesetzbuch, III, 817).
8.ESCREvENTES E EMPREGADOS DOS CARTÓRIOS. Podem ser testemunhas, ainda que em testamentos
públicos. Mas, em verdade, ficam diminuídas pela função no caso de surgir ação de nulidade. Fôra melhor tê-los
excluído da capacidade de ser testemunhas.
Os funcionários dos cartórios podem ser testemunhas nos testamentos que lá se lavrem, ou forem entregues para
cerramento, ou para publicação. O art. 1.650 do Código Civil de modo nenhum os apanha (cf. 3•3 Câmara Civil da
Côrte de Apelação de São Paulo, 11 de dezembro de 1986; 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,
21 de março de 1950, R. dos 2’., 105, 674, e 186, 763).
Também os testamenteiros ou inventariantes podem ser testemunhas (3.3 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de
São Paulo, 30 de outubro de 1946, R. dos T., 165, 680).
Nos países, em que os empregados podem escrever, pelos oficiais, os testamentos, cria-se séria questão: se a êstes
empregados são aplicáveis disposições da natureza do Código Civil, arts. 1.719 e 1.720. Ter-se-á, então, de cindir o
problema:
empregado-instrumento e empregado-substituto do oficial público. Dá-se isto, por exemplo, a respeito dos arts. 501
e 503 do Código Civil suíço (Protolcolle, 602; A. ESCRER, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen
Zivilgesetzbuch, III, 86).
No Código Civil alemão, §§ 2.2342.237, as disposições apanham não só os escreventes como também (§ 2.237, 4)
os que são empregados do juiz ou do notário instrumentante. (Instrumentante, ai, é o notário, e não o empregado: o
§ 2.237, 4, apanha quaisquer empregados, domésticos ou não.)
1. LIGAÇõES. O art. 130 do Código Civil é de sérias conseqúências na interpretação do art. 1.650. Não se pode
decretar a nulidade do ato quando, por preterição da formalidade exigida, deu a lei sanção diferente.
O oficial público, diante do art. 1.650, não deve lacrar o ato com as testemunhas a que se refere o art. 1.650, IV e V.
Mas, se lavrar, só por isto não será nulo o testamento: nula será a disposição (art. 1.720). Foi a sanção que a lei
fixou.
Demais, tal é o direito contemporâneo: o concurso da pessoa proibida só tem o efeito de tornar nula a liberalidade a
que se liga. Cp. Código Civil alemão, § 2.285, alínea 2~a• As espécies do art. 1.650, IV e V, do Código Civil
(Código Civil alemão, § 2.235) são essencialmente diferentes das que se mencionam no art. 1.650, 1-111 (Código
Civil alemão, § 2.237).
Como teremos de ver, a enumeração do art. 1.650, IV e V, é incompleta (como o foi a do art. 1.650, 1-111) : o
próprio Código Civil, arts. 1.720 e 1.719, se choca com o art. 1.650.
No Código Civil, art. 1.650, IV e V, veda-se ao herdeiro instituído, seus ascendentes e descendentes, irmãos e
cônjuge, bem como aos legatários, serem testemunhas no testamento. Discute-se se tais pessoas podem assinar, a
rôgo, o testâmento, se não são testemunhas testamentárias, e sim extratestamentárias, isto é, pessoas presentes a
mais. A resposta foi firmada em interpretação que déramos (Tratado dos Testamentos, II, 253). Se quem assinou a
rôgo não era uma das testemunhas instrumentárias, não há nulidade pelo fato de ser herdeira instituída, descendente
ou ascendente, irmão ou cônjuge do herdeiro instituído. Acrescentemos: o legatário, que não é testemunha, pode
assinar a rôgo. O art. 1.650, IV e V, só se refere a testemunhas instrumentárias (cf. Supremo Tribunal Federal, 8 de
janeiro de 1950, D. da J. de 25 de novembro de 1951).
~Os herdeiros instituidos a que se refere o art. 1.650, IV, são apenas os diretos? Herdeiros instituidos que não
podem ser testemunhas são os plenos proprietários, os nus-proprietários e os usufrutuários. Resta saber se também
os fideicomissários.
No direito romano, se heres primus ou heres substitutus, universal ou ex parte, não havia questão (F . C.
HARPPRECHT, Disputatio de testimonio testamentario heredi interdieto, §§ 10 e 13).
Mas os fideicomissários, com o os legatários, eram excluídos da proibição (F . C. HARPPRECHT, Disputatio de
testimoqijo testamentario legatarjis permisso, 1 5.; E. vON LÕER, Kurze Bemerkungen aus dem’ Gebiete des
Erbrechts, Archir fur die civilistisefle Praxis, II, 189-191). Nas Institutas, § 11, de testamentis ordinandis, 2, 10,
escreveu-se: “Legatariis autem et fideicommissariis, quia non iuris successores sunt, et aliis personis eis coniunctis
testimonium non denegamus, immo in quadam nostra constitutione et hoc specialiter concessimus, et multo magis
bis, qui in eorum potestate sunt, vel qui eos ha~ bent in potestate, huiusmodi licentiam damus”.
A constituição não está no Codex. Talvez falte (KARL WITTE, Leges restitutae des Jwstinianischen Codex, 199).
Mas, antes de Justiniano, já existia a exceção (L. 14, D., de rebus dubjis, 34, 5).
Alguns velhos praxistas e comentadores distinguiam (e bem) o fideicomisso singular e o universal. Se
fideicomissarius universalis, não podia ser testemunha no testamento. Se s2n-gularis, não lhe era vedado (A.
FABER, De Erroribus pragmaticorum et Inter pretatione inris, d. 66, error 5; C. CANTIUNGUIA, Paraphras. in
tres prior. Institution. civil. libros, 347). Tal separação, que se vê em A. VINIUS, 1-1. HAHN, STRAUCH,
BAdilovIus e Cmi. GIL. HAUBOLD, se simetriza com a distinção romana de herdeiro e legatário. Mas teve
opositores fortes, e.g., E. C. HARPPRECHT (Disputatio de testimonio testamentario fideicommissarii, t. 15-20),
em dissertação especial. Também, em parte, com razão; porque, se a distinção era justa, aqueles entendiam que o
fideicommissarius singularis não era iuris successor. Em suma: mistura de conceitos romanos e modernos.
Hoje, seja legado ou herança, o fideicomissário não pode ser testemunha. Mas, se o fideicomisso é legado, os
parentes e cônjuges, se figurarem como testemunhas, não fazem nulo o testamento. Ainda sendo herança, se o
beneficiado como fideicomissário é pessoa incerta, porque, então, seriam excluídos do testemunho todos os
parentes das pessoas possíveis.
2.PARENTES EM LINHA RETA, IRMÀOS E CÔNJUGE DO HERDEIRO. Na proibição do Código Civil, art.
1.650, IV, operou-se mudança de conteúdo em relação ao direito romano. Nele, o fundamento era o poder político-
jurídico do pater familias, se testemunha, se pai da testemunha, ou se testemunha e herdeiro estavam sob a patria
potestas; hoje, o fundamento é econômico afetivo (ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuges).
Devido a tal diferença, temos:
a) No velho direito, o parentesco, só por si, não opa rava: não tornava incapaz a testemunha; a relação de pátrio
poder, horizontal ou vertical, sim. Cp. H . F. OTTo (Tractatus de testimonio fraterno testamentario contra
communem doetorum opznzonem, s. III), contra a opinião dominante.
b) No direito de hoje, opera: o irmão do herdeiro, s6 por ser herdeiro, é incapaz. Não se cogita de pátrio poder: o’
conteúdo é econômico afetivo. (Por isso mesmo, é lamentável ler-se em FERREIRA ALvES, Manual, 19, 186, que
as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 85, § 19, foram a fonte do art. 1.650, IV.)
O herdeiro ex re certa herdeiro é, e não legatário. Se tem ins accrescendi de tôda a herança, nenhuma dúvida fica
quanto a ser herdeiro, e observar-se-á o inciso IV, e não o V.
5.LEGATÁRIO NÃO PODE SER TESTEMUNHA EM TESTAMENTO. Com a proibição do Código Civil, art.
1.650, V, vence a velha opinião de A. FABER (De Erroribus pragmaticorum et Interpretatione luris, d. 66. error 8),
que era só, combatida, nos séculos passados. No célebre tratado De Erroribus pragmaticorum, sustentava que, após
a Novela 1, c. 1, legatários não podiam ser testemunhas no testamento. Porque podiam ser iuris successores, no
caso da Novela.
O argumento contra A. FAamt era o seguinte: no caso de virem a ser, segundo a Novela, iuris successores, não no
eram ex testamento, como os heredes seriptis e substituti, mas ex singulari legis dispositione (F. C.
HARPFRECHT, Disputationes academicae, 1, 1479 5.; E. CHR. WESTPHAL, Theorie des rômischen Rech,ts vou
Testamenten, § 197).
Com a proibição de ser testemunha o legatário, o Código Civil francês, art. 975, o espanhol, art. 682, o argentino,
artigo 3.740, e o alemão, § 2.285.
9.TESTAMENTO DO PAI DA TESTEMUNHA. Há questões que o Código Civil, art. 1.650, deixou.
Se, no testamento do pai, pode o filho menor de vinte e um anos e maior de dezesseis ser testemunha. Não se trata
de testemunha acidental, mas instrumentária. Acidental, só para atestar, não poderia ser (art. 142, IV). Mas, quanto
ao testemunho testamentário, não há, na lei, exclusão de ascendentes, descendentes, colaterais ou cônjuges dos
testadores. Os parentes que se excluem são os dos herdeiros instituidos. Só êstes.
Fica o argumento de se tratar de menor sob o pátrio poder do testador. Se no testamento fôr contemplado, a questão
não se formula: na qualidade de herdeiro instituído, não pode ser testemunha instrumentária do testamento. Se o
testador não dispõe a favor dêle, vale o testemunho: a lei ressalva a parte legítima, e o testador pode dispor
livremente da outra. Só uma espécie é de molde a levantar discussão: se, no testamento, - o pai deserda o filho
testemunha.
Dois aspectos: inexistência de pátrio poder ou exercício por outrem, que não o pai testador; exercício pelo pai.
Ali, há parentesco, aqui, parentesco e pátrio poder. Diz-se que aquele, só por si, não impede (C. F. WALCH,
Introductio in controversias iuris civilis, 268) : pode o filho subscrever, confessar, concordar com a própria
deserdação (L. 8, § 6, D., de bonorum possessione contra tabul as, 87, 4). Assim, HUGO DONELO (Commentarii
de iure civili, cp. 7, § 17), J. PACIUS (Analys. Institution. Tit. de testamentis ordinandis, § 9),
E. BRONCHORST ($>atuaçrnkou, 292) e R. BAcHOvIUS (Not. et animadvers. ad TREUTLER, 540). A despeito
de tais sustenta-dores, quem diz deserda ção diz afirmativa de atos ímora2s (arts. 1.595-1.744). Tal testemunha
probatória seria defeituosíssima. Testamentária (e aqui só esta é questão), participa de ato em que se lhe imputam
torpezas. Nem a sua assinatura dispensa a prova do art. 1.743, nem fica posta de parte a incapacidade da
testemunha por Vocação.
Se houver deserdação, e a testemunha fôr filho sob o pátrio poder, o seu testemunho não vale (J. J. WISSENBACH,
Commentaria ad Institut. Iustin., 100). A torpeza, que se declara, foi reconhecida por pessoa subordinada ao
interessado no ato. Tal testamento é, em si, ato nulo, por ilicitude: ofende aos bons costumes, ofende à dignidade
humana, ofende à função, educativa e protetora, do pátrio poder.
10.PAI, TESTEMUNHA NO TESTAMENTO DO FILHO. A lei não proibe que o filho teste e chame por
testemunha o pai. Se êste é herdeiro instituído, ou alguém do Código Civil, artigo 1.650, IV, ou se é legatária a
testemunha, nulo é o testamento. Mas, se o pai nenhum beneficio para si tirou, não lhe é proIbido ser testemunha
no testamento do filho. Contra:RAEvARDUS, V. ZUICHEMUS (Conim. in Tit. Ins titutionum de testamentis
ordinandis, ad § 9, 1., 2, 10), J. PACIUS (Analys. Institution. Tit. de testamentis ordinandis, § 91>, B. BaíssoNiUs
(Opus de Verborum, quae ad ius civile pertinent,significatione, v. Domesticus) . A favor: L. 20, § 2, D., qul
testamenta facere possunt et quemadmodum testamenta fiant, 28, 1, e A. VINNIUS. Os outros juristas explicaram o
texto como só referente ao testamento militar. A distinção do peculium castrense e dos outros bens não interessa,
hoje, ao testamento. Não há nenhuma limitação quanto a objeto.
Oque dissemos sôbre o testamento em que se deserda o filho vale para o em que se deserda o pai. A situação é a
mesma.
§ 5.908. Nulidade do testamento por incapacidade da testemunha e outros figurantes
1.SANÇÀO DE NULIDADE. A lei só se referiu a testemunhas. Mas há pessoas que nos testamentos figuram, e
sao, neles, como se fôssem testemunhas. Em regra, não os reduz a lei a simples instrumentos. Dá-lhes atribuições
cuja importância os eleva, pelo menos, à categoria de testemunhas instrumentárias.
Enumeração dos casos de nulidade devida a figurantes. É nulo o testamento:
a)Se figura como uma das cinco testemunhas pessoa menor de dezesseis anos: não há o número legal (arts. 1.632,
1, 1.688, IV, e 1.645, II).
b)Se figura como subscritor, a rôgo, menor de dezesseis anos, tenha ou não figurado como redator do ato
(subscritor, art. 1.637, redator e subscritor, art. 1.688, 1-111).
c)Se figura como leitor do testamento do surdo pessoa menor de dezesseis anos (art. 1.636>. Outrossim do
testamento do cego (art. 1.637).
d)Se fôr louca uma das cinco testemunhas (arts. 1.650, II, 1.682, 1, 1.688, IV, e 1.645, II). Igualmente, qualquer das
pessoas acima referidas, em b) e c).
e)Se qualquer das pessoas referidas em a), b) e c) fôr cega (art. 1.650, III).
f)Se qualquer das testemunhas fôr completamente surda (somente por isso o surdo-mudo é incapaz). Mas, se no
testamento particular, houve três que o confirmam, vale (artigo 1.647), bem como se, ainda sendo uma das
restantes, se o surdo (ou o surdo-mudo) puder depor. Não é possível, sem absurdo,
ainda quanto aos testamentos públicos e cerrados, negar ao juiz a apreciação das circunstâncias. Nunca se deve,
porém, excluir em tais casos a responsabilidade do oficial público:
nulo o testamento, por defeito tão visível da testemunha, quer no testamento público, quer no cerrado,
necessáriamente se estabelece a sua responsabilidade, ali por sua função em tod.o o ato; aqui, pela aprovação que
deu à cédula testamentária.
Tenhamos sempre aos olhos que o formalismo mais se justifica onde se pode salvar, pela indireta execuçao do
testamento, à custa do oficial público, o interêsse dos contemplados. Com êste fundamento é que se conciliam
rigorismo formular e favor testamenti.
g)Se alguma das testemunhas deixou de assinar, ou se outrem assinou por ela. O testamento a rôgo só se permite,
vor necessidade irremovível, quanto ao testador, e não quanto às testemunhas.
h)Se o testamento não é hológraf o e analfabeta a testemunha ou a pessoa mencionada em b) e c), nulo é o
testamento público, pela impossibilidade da conferência do declarado com o redigido, ou o cerrado, pelo motivo da
verificação da leitura do ato de aprovação. Nos testamentos hológrafos, wais liberal deve ser a interpretação: a
testemunha depoe sôbre o que lhe foi tido e reconhece a própria assinatura (artigo 1.647). A solução está sujeita a
outros princípios, que são, na espécie, os de publicação em juízo conforme regras jurídicas de caráter probatório
que permitem atenuar o duro formalismo instrumental da forma pública. Demais, nulo o testamento particular,
apagam-se quaisquer efeitos do ato testamentário. Nulo o testamento cerrado ou público, responde o oficial
público. Antes, quanto aos arts. 1.647 e 1.648, já tratamos de outros pontos.
i)No caso de, aplicada a lei penal, ficar alguém privado de testemunhar, nulo é o seu testemunho. Nulo, portanto, o
testamento. Mas a putatividade não pode ser desprezada.
Pelas razões que já demos, não está privado de ser testemunha o mudo.
2.NULIDADE POR INCAPACIDADE DE TESTEMUNHA E “FAVOR TESTAMENTI. Tudo que acima se disse
seria simples e claro, se, em favor do testamento, não interviessem considerações de grande importância, para
atenuar a rigidez dos princípios de nulidade.
1.CONVOCAÇÃO E ERRO. No convocar as testemunhas~ dois erros podem dar-se: o de direito e o de fato.
2.ÉRRO DE DIREITO E CAPACIDADE. O êrro pode ser quanto à incapacidade das testemunhas, dos leitores e
dos. subscritores a rôgo. Pode ocorrer que o testador ignore a lei que exclui do testemunho testamentário as pessoas
que convocou e das funções dos arts. 1.637, 1.688, 1 e III, e 1.636, as pessoas que não podem ser testemunhas.
Tratando-se, como se trata, de êrro de direito, a ignorância, em princípio, não sana a nulidade do ato. Nemo iu,s
ignorare consetur. Tem-se decidido que não merece indulgência, mas acertadamente se introduz caber ação contra
o notário, cujo êrro de direito constitui. grave perigo público, por parte dos herdeiros, ou legatários (R.SAVATIER,
Sanction sur l’incapacité d’un témoin dans les. testaments authentiques, Révue Trimestrielle de Droit Civil, 22,
810), e beneficiados. Contra isso, o que se alega é que o testador, e não o tabelião que escolhe as testemunhas. De
qualquer modo, trata-se de culpa se êste oficial público conhecia o estado de fato.
Pode ocorrer que tenham sido os herdeiros legítimos os causadores da escolha, com o fito na nulidade, que lhes
aproveita. Serão responsáveis. O tribunal <de Mauriac argumentou com a cobertura do ato dos herdeiros, pois o
testador fêz sua a escolha. Mas é inaceitável a objeção. Se o testador aceitou, ou quis as testemunhas que lhe
sugeriram isso, prova que a. manobra dolosa surtiu efeito. Cabe a ação de indenização contra os herdeiros.
Oprincípio esbarra com os fatos, no testamento particular, ou, ainda nos demais, quando nem testador, nem oficial
público podiam conhecer a lei regedora da capacidade testemunhal.
Daí têrmos de afastar, em alguns casos, ao princípio das. limitações da putatividade
3.DE COMO SE APRECIA A INCAPACIDADE DAS TES’rEMUNHA5. Algumas proposições podemos extrair
quanto ao assunto:
a) A incapacidade das testemunhas não se presume. Quem a alega deve prová-la.
b) A capacidade é a do momento da feitura e vale o que se disse sôbre a capacidade do próprio testador.
c) Neste assunto, a capacidade putativa há de ter o mesmo trato que a real.
4.CAPACIDADE PIITATIVA DAS TESTEMUNHAS O assunto envolve a questão, assaz delicada, dos erros de
fato e dos erros de direito. É princípio decorrente da necessidade social que a lei, pela publicação, deve obrigar em
todo o círculo social. Donde as conseqúências aforísticas: error iuris non excusat, error juris cuique nocet, nemo
ius ignorare censetur. Porém não só as leis como os próprios princípios superiores de direito reduzem a valôres
relativos tais adágios, acutilando-os por todos os lados. Em verdade, todos êles refletem o apriorismo das regras
jurídicas de inescusabilidade do êrro. Uma das principais distinções é a seguinte~ um fato é o aplicar-se a lei, de
golpe, a todos, e isto não se nega, e outro, invocar-se o êrro de direito como pressuposto de certos atos a que a lei
atribui consequências jurídicas. Ora, nessa espécie, em que se invoca êrro de direito como pressuposto de ato, não
se ofende o princípio da eficácia obrigatória da lei.
Cinde-se, assim, a questão: a) êrro de direito; b) êrro de fato.
5.ÉRRO DE DIREITO QUANTO À CAPACIDADE DAS TESTEMUNHAS. É evidente que não se pode ignorar
o dirlito territorial quanto à capacidade das pessoas que servem de testemunhas. Nem o disponente que, em Estado
estrangeiro opta pela forma da lei pessoal, pode ignorar a lei que escolheu. As duas considerações, que aí ficam, já
servem para limitar a questão, que ora nos interessa, da escusabilidade do êrro de direito em matéria de capacidade
das testemunhas. E elas mesmas não são absolutas: devem ceder onde é razoável e atingível ao comum dos homens
tal ignorància, ou se o estrangeiro que escolheu a sua lei pessoal estava em circunstâncias de crer não revogado o
direito do seu país. Exemplos: a.) se uma lei brasileira viesse alterar o art. 1.650 do Código Civil e o habitante do
interior do Acre, provadamente, não tiver tido conhecimento da nova lei no prazo do Decreto-lei n. 4.657, de 4 de
setembro de 1942, art. 1.0, ou, residente na China, dentro dos três meses da publicação oficial (art. 1.0, § 1.0) ; b)
se o chinês, ou o índio, que se ache no Brasil, efetivamente ignora a mudança de lei do seu país.
Como quer que seja, não se deve considerar nulo o testamento, por incapacidade das testemunhas, sempre que seja
de presumir-se, ou se prove, que havia fundadas razões para que o testador o ignorasse.
Em escritores de séculos passados a questão era levada para o terreno de outra máxima errar communis ius facti, a
fim de admitir-se como equipolente à capacidade real a capacidade putativa, se ocorreu êrro comum de direito no
crer-se capaz a testemunha. Com tal propósito, invocaram a L. 8. Ii, de officio praetorum, 1, 14, conhecida por Lez
Rarbarius Philippus, que não se prestava à invocação: tratava-se de escravo elevado à dignidade de Pretor, e
ULPIANO queria que valesse propter utilitatem daqbeles que perante êle compareceram, ou dêle se serviram,
porquanto (note-se que é ‘mais um fundamento) o povo romano, podendo fazê-lo Pretor, podia conf e-rir-lhe a
liberdade. (Neste assunto, convém compare-se o que escrevemos sôbre os governos de fato, inclusive legislações.)
Outros traziam à balha a sentença arbitral proferida pelo escravo em posse pública da liberdade, que havia de
produzir coisa julgada (L. 2, C., de sententiis et interlocutionibus omnium iudieium, 7, 45: “Si arbiter datus a
magistratibus, cum senfentiam dixit, in libertate morabatur, quamvis postea in servitutem depulsus sit, sententia ab
eo dicta habet rei iudicatae auctoritatem”).
Nem aquela citação, nem a outra, bastaria para se assentar a só exigência da capacidade putativa. Cada uma delas
aplica princípio de direito, mas os princípios que elas aplicam não são os mesmos que seriam de mister para se
considerar válido otestamento em que figurasse testemunha incapaz e tivesse de atuar a máxima do errar commun.
No texto do Digesto, o princípio é o de quem deu o mais deu o menos: quem fêz Pretor podia ter feito livre.
No texto do Código Civil, o princípio é outro: se a fonte foi legal, não se deve apurar a legalidade do investido da
função.
FUIIOOLE, além de invocar a Lex Rarbarius Philip pus, referiu as L. 1 e L. 8, C., ad senatus consultum
Macedonianum, 4, 28, que A. FABER (Rationalia iii Pandectas, L. 14, Tit. 6, 1.
8), não queria fundadas no error communis, porém no ódio aos usurários. Duas outras FURGOLE referiu, mais
próximas do assunto: a) a L. 1, C., de testamentis: quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28, onde realmente se
trata de errar communis, pois o escravo testemunha no conceito geral era tido por livre; b) o § 7 das Institutas, de
testamentis ordinandis, 2, 10, em que o mesmo se decidiu.
Mas, ainda em tais casos, a solução fôra pro liberalitate dos imperadores. Escusado é, pois, estar-se a procurar
exemplo rúmano, tanto mais quanto o êrro dos textos citados é êrro de fato, e não de direito. O “ninguém se escusa,
alegando ignorar a lei”, nio pode ter, nos nossos dias, a lamentável conseqUência de invalidar testamento, em que o
disponente tinha razões fundadas para ignorar a incapacidade da testemunha, pôsto que error inris.
6.Ê ANO DE FATO QUANTO À CAPACIDADE DAS TESTEMUNHAS. Sadios princípios de direito, como os
do número anterior, com mais forte razão têm de aplicar-se aos erros de fato. Aqui, evidentemente, mais fácil se
mostra a escusabilidade: porém, aqui, como no caso do errar inris, deve evitar-se a máxima errar communis ins
facit, porquanto o êrro pode ter sido comum, e não ter existido na espécie, e pode não ser comum. A escusabilidade
de um êrro aprecia-se em concreto, no caso de exame.
cônjuges, não podem receber liberalidades no testamento”. Na edição alemã: “Ehegatten dieser Personen”. iO
cônjuge do oficial público? A redação não é perfeita: deve entender-se cônjuge do oficial público e cônjuge de
testemunha, e não, justamente, destas pessoas, isto é, dos descendentes, ascendentes, irmãos. Mas não é errada a
redação: o texto alemão enumera os descendentes, os ascendentes (Blutsverwandtefl in gerada Linie) e so irmãos
ou cônjuges destas pessoas, e o “destas” significa, globalmente, “do oficial público e das testemunhas”, ligando a
elas, não só o cônjuge, como todas as mais pessoas: modo que se não torna relativamente incapaz o cônjuge do pai,
do filho, do irmão do oficial público ou da testemunha (Protokolle, 602; A. ESÇHER, Das Erbrecht, Kommentar
zum schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 86).
Na edição francesa diz-se ne peuvent recevoir de liberalités dans te testament; na alemã, ditrfen in der Verfúgung
nicht bedacht werden: entende-se herança ou legado.
Há algumas questões e subentendidos:
a>Na Ezpertenkommission perguntou-se se ao que escreve o testamento, em vez do oficial público, art. 500
(CorroFREI, Prot., 602), se aplica o art. 508, que só se refere, expl’icitamente, a oficial público e testemunhas.
Pretendem (ISLER, Prot., 602; A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar zum schnveizerischen Zivilgesetzbuch, III,
86> que, se mero instrumento, não se lhe aplica; se substituto do notário, será aplicável. (A situação não interessa
ao direito brasileiro, que não tem igual, nem semelhante: no art. 500 do Código Civil suíço, o escritor é
representante autônomo ou instrumento do oficial público, e não do testador, e no testamento público do Brasil o
oficial público escreve, de sua própria mão, o testamento público.)
b) O membro de um govêrno ou corporação pública pode ser testemunha em testamento em que se contempla o
Estado, ou a Comuna (cp. EUGÉN HUBER, System und Geschichte des Schweizerischen Privatrechts, II, 207).
Mas o juiz examina o caso concreto (A. ESCUER, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizeriscken Zivilgesetzbuch,
III, 86). Assim, quanto às sociedades particulares (P. TUeit, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuck, III,
819)
c) O médico do enfêrmo e o eclesiástico que o visita não são incapazes (A. ESCHER, Das Erbredht, Kommentar
zum schweizerischen Zivilgesetzbuck III, 86).
São incapacidades absolvtas, se bem que não estejam escritas na lei:
a) Os defeitos de escrita e de sentido, que torne a pessoa imprópria às funções (P. TUOR, Kommentar zum
schweizerischen Zivilgesetzbuck, III, 818). A falta das mãos ao oficial público, às testemunhas, se não escrevem por
outra maneira. O cego, pois que não pode afirmar a identidade da pessoa do testador e a veracidade do documento,
não pode ser testemunha no testamento (P. TUoit, Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuclz, III, 318).
Claro que também não poderia ser oficial público.
b) O surdo, que não saiba ler, e o surdo-mudo, que não possa ler: por si só, a surdo-mudez, e a tortiori, a mudez
não torna incapaz (a testemunha pode ler a declaração do art. 501, lA parte). Cf. P. TIJOR (Kommentar zum
sckweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 818).
6. CÓDIGOS CIVIS AMERICANOS. No Código Civil mexicano, art. 8.781, se alguma das testemunhas não sabe
assinar, é chamada outra pessoa que assine em seu nome e em sua presença, de maneira que sempre haja três
assinaturas. (Repare-se na inutilidade disto: se se tem de chamar outra pessoa, ~ por que estoutra não figura no
testamento como testemunha? Assinatura a rôg’o faz-se, por necessidade, para o testador. Para a testemunha, nada
significa.) Cf. Código Civil uruguaio, arts. 758 e 768.
No Código Civil argentino, o testamento público tem três testemunhas (art. 3.654) ; e o cerrado (art. 3.666), cinco,
residentes no lugar. Facultativas são as testemunhas se o testamento é ho!ógrafo, art. 3.649.
No Código Civil da Venezuela, art. 851, estatuiu-se: “Los testigos en los testamentos deben ser varones, mayores
de edad, vecinos dei lugar donde se otorgue ei testamento y saber leer y escribir. No pueden ser testigos en los
testamentos, los ciegos y los totalmente sordos o mudos; los que no entienden eI idioma casteliano; los parientes
dentro del cuarto grado de consanguinidad o segundo de afinidad deI registrador que autoriza eI acto; los herederos
y legatarios instituidos en eI testamento y los parientes de los mismos dentro de los grados expressados, respecto de
los testamentos abiertos; ni, enfin, eI que tuviere algún impedimento general para declarar en todo juicio”.
Lá estão os mudos, os parentes dos legatários e dos herdeiros, mas sem a inclusão dos cônjuges. Os mudos, ~por
quê? E por que não os cônjuges?
No Código Civil boliviano, além de ser varão, maior, estar no gôzo dos direitos civis (art. 465), exige-se que não
seja herdeiro, ou parente do herdeiro dentro do quarto grau (artigo 467), e os ascendentes e descendentes do
testador (artigo 466).
1.TESTEMUNHO E TESTAMENTO. No momento em que se pratica o ato, devem ser verificados os seus
elementos: a capacidade das partes, as solenidades materiais, o número e capacidade das testemunhas. t o momento
decisivo, do qual sairá o ato perfeito.
Donde, em direito intertemporal, a regra geral: tem pus regit actuin.
1.CAPACIDADE E LEI PESSOAL. Clima, solo, raça, tradições, tudo isso se consulta e atua sempre que se trata
de determinar a capacidade de exercício das pessoas. Daí o princípio de reger-se a capacidade pela lei pessoal.
Trata-se de atos jurídicos praticados por elas. Porém não ocorre o mesmo
• quando se trata de capacidade para ser testemunha: neste
• caso, o indivíduo concorre para a prova de alguma situação jurídica, ou para a instrumentação de ato de outrem.
Daí não se aplicar a lei pessoal.
5.Aro PERFEITO E “ABUNDANS CAUTELA”. Maior dificuldade surge quando a lei do lugar dispensa
testemunhas, o testador opta por ela, e abunclans cautela faz com que assinem o testamento pessoas incluídas nos
arts. 1.650, IV V, 1.719 e 1.720, quer dizer pessoas que não devem testemunhar, porém de cuja infração resulta
nulidade da disposição, fenômeno, portanto, relativo aos efeitos e à forma. Ainda melhor: relativo à capacidade
testamentária passiva. Em todo o caso, houve ato perfeito, ato, ex hypothesi, voluntàriamente praticado segundo a
lei do lugar, a assinatura de testemunhas supérfluas deve ser levada em conta de escusável êrro de direito do
testador, de demasiado escrúpulo (abundans cai tela mm nocet), ou talvez de intuito criminoso dos próprios
subscritores, para abrir a sucessão legítima, ou de terceiros, para obter o efeito do art. 1.720. Em qualquer dos
casos, não se deve levar a aplicação das regras jurídicas semelhantes ao artigo 1.720 a êsse extremo de rigor.
6.SANÇÃO DA LEI DA SUCESSÀO MAIS FORTE OU SÓ EM RELAÇÃO À LEI DO LUGAR. Outra
conseqUência das considerações que fizemos: tôda a matéria do Código Civil, arts. 1.719 e 1.720, constitui objeto
de lei pessoal do testador, ou da lei brasileira, se êsse era casado com brasileira ou tinha filhos brasileiros e os bens
são situados no Brasil (Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 10,
§ 1.0). Assim, se o beneficiado no testamento do Brasileiro, ou da pessoa com os pressupostos do art. 10 da Lei de
Introdução ao Código Civil, era oficial público, judicial ou notarial, civil ou militar, ou pessoa instrumental do país
que lhe vede reieber herança ou legado, o juiz brasileiro não precisa invocar ordem pública para considerar não
escrita a disposição: será a própria lei da sucessão que a riscará.
. Quid juris, se nem a lei do testador, nem a da sucessão, nem a do lugar considera nulidade? Aqui é que há matéria
de ordem pública do Estado da lez fori, e a solução depende
Exame superficial dirá que se trata do conflito de qualificaçãoo. Porém não é verdade. Não há o conflito. A lei da
sucessão, na espécie, supôe testamento válido, a que se aparem tais cláusulas proibidas. É posterior, concerne à
capacidade passiva, e à capacidade de adquirir rege-se pela lei do momento da morte, pela lei pessoal. Antes delas
atuarem, houve lei do tempo da feitura, lei do lugar, elaborada com o conhecimento das circunstâncias peculiares
do meio, única que, normalmente, pode ser competente para julgar da validade formal do ato.
Poder-se-á argumentar com as qualificaçóes do extrínseco e do intrínseco, mas a situação é bem diferente: em tais
casos, a lei pessoal preestabelece pressupostos de validade do testamento e no próprio instante da feitura atua no
sentido de afastar a competência da lei local. São duas leis no mesmo tempo; há, então, o conflito.
Exemplos: a pessoa domiciliada no Brasil que testa na Alemanha, tendo por testemunha um irmão, a que deixa
legado, não terá riscada a disposição testamentária, porque, antes da verificação dos efeitos dos testamentos, já
êste, por haver irmão do testador como testemunha, é nulo segundo a lei local (Código Civil alemão, § 2.284); nos
lugares, em que a deixa ao oficial público invalida o testamento, a pessoa domiciliada no Brasil, que testa segundo
a lei do lugar, morre intestada.
desta lei.
7.SANÇÃO DA LEI LOCAL MAIS FORTE QUE A DA LEI DE SUCESSÃO. Pode ocorrer que a lei do lugar,
regedora da forma, considere nenhum o ato testamentário com infração de regras jurídicas que a lei da sucessão
reputa de capacidade para adquirir. Ali, a sanção é mais forte: nulo é o testamento. Aqui, só é nula a disposição: são
os efeitos que se cortam.
CAPÍTULO XXIV
CODICILO
1.CoNcmrro INICIAL DE GODICILO. Codicilo, diminutivo de codez, pequeno rôlo, caderninho, mantém-se,
através dos tempos, com forma simplificada, inferior, do testamento. Podêres, extensão, exigências formais,
variaram, desde o seu aparecimento. Como os testamentos especiais, foi criação imposta pela vida e constitui
vitória da voluntas contra a forma.
2.COnimuo NO DIREITO ROMANO. No comêço do Império Romano, legados começaram a fazer-se em simples
escritos, codiejili, confirmados por testamentos. Mas os fideicomissos não estavam sujeitos às mesmas exigências
dos legados, e faziam-se por êsses pequenos folhetos, rolos, pequenos códigos, ou caderninhos. ~ Donde vinham
êles? Sob Justiniano fala-se. de certo L. Lentulus, para cujo pedido Augusto convocara, homens esclarecidos, entre
os quais C. TREBATIUS TESTA, e êste jurisconsulto aconselhou se admitissem codicilos, devido às~ grandes
peregrinações ou viagens (pr., 1., de codiclilis, 2, 25).. Ora se tratava de satélites de testamento anterior ou
post&nor, codiejilis in practeritum, ou in futurum confirmati (GAIO’, II, 273), chamados codicilos testamentários,
ora cédulas independentes, dirigidos a quem quer que tivesse de herdar, codicilos intestados. Constantino (L. 1,
Codex Theodosianus, de testamentis et codiejilis, 4, 4) exigiu a presença de sete, ou,. pelo menos, cinco
testemunhas. Teodósio II confirmou a exigência das cinco testemunhas e Justiniano não só recolheu a constituição
de Teodósio, como também exigiu, nas declarações escritas, as assinaturas do testador e das testemunhas. Parece
que desde ai, perdendo-se o sentido etimológico da palavra “codícilo”, se admitiram codicilos orais, sine seriptis
(L. 8, §~ 3, C., de codicilis, 6, 86; L. 3, pr., O., de bonis Ubertorum et de jure patronatus, 6, 4: “vel codicilis
seriptis vel sino ecriptis”).
A forma codicelius, que vem em algumas fontes, como em ISIDORO, que foi bispo em Sevilha e morreu em 636,
deve ser provincialismo hispânico (EDHAIm FEIN, em 01-IR. FRIED. VON GLÚCK, Ausfilhrliche Erliiuterung
der Pandecten, 44, 25).
3.DEFINIÇÂO DE GODICILO. J. CuJAcio (Ad L. 15, O., de jure codiciliorum, Tractatus II ad Afriortrnum, II,
1880) definiu o codidilo: “intestati voluntas vel testamenti sequela irninus solennis”. Noutro lugar (III, 122)
“codicilil sunt intestatorum vel intestatorum voluntates quaedam nudae nuilis subnixae solennibus inris”. fluco
DONELO (Comrnentarii de jure dviii, Liv. VII, cap. 18) “codiejili sunt voluntatis supremae imperfecta testado de
eo quod quis post mortem suam fieri velit non in hoc parata ut esset testamentum”.
Além dessas, citam-se as definições de ISIDORO e de TEÓFILO que vêm nas Basílicas e no tratado de
HARMENÕPUIIJO, que foi traduzido: “est autem codicilius imperfectae in testamento sententiae testatoris
suppletio”.
7.VISÃO PANORÂMICA DAS TRÊS SOLUÇõES CONTEMPORÂNEAS. Muito nos auxiliará, no trato das
questões relativas a codicilos, o exame sintético dos três critérios pelos quais, discordantes entre si, se orientaram
os Códigos Civis hodiernos. Por bem dizer, um dêles é o de quase todos; outro, o do Brasil. Bastaria isso para
apontar a necessidade de aprofundar o estudo daquilo que o extrema dos demais países. Do sistema romano, já não
havemos de falar: pertence ao passado e nas linhas gerais já o conhecemos. Contemporâneos, três são os critérios
que podemos apontar como as soluções vigentes do direito a propósito de codicilos:
a)A solução da inexistência dos codicilos. Nesta, se não é testamento, não é disposição codicilar, porque só existe
testamento, ou, em alguns povos, testamento e contrato de herança. Ou é testamento, ou não é.
b)A solução da existência de codicilos, sem distinção quanto à forma. Nesta, que é a do Código Civil austríaco,
eliminam-se várias questões, eliminações comuns a esta e àterceira solução, ou peculiares a esta. Exemplo de
eliminação peculiar: impraticabilidade da cláusula codicilar (E’. VON ZEILLER, Kommentar Uber das
aligemeine bilrgerliche Gesetzbuch litr die gesamniteu deutschen Erblãnder der ôsterreichischeri Monarchie, III,
489) : se, por defeito de forma, como testamento não vale, não vale como êodicilo (identidade de formas, que
caracteriza o segundo sistema). Mas, se só nula ou caduca a instituição, vale o texto, sem ela (§ 726), e o herdeiro
legitimo cumpre os legados como os cumpriria o testamenteiro (quasi substitutus). Aqui, a transição realizada pelo
Código Civil austríaco mostra-se ao vivo, nítida, como peça anatômica: em verdade, deixou de exigir a instituição
de herdeiro, e por isso, excluída ela, vale o resto (conservaçúo), mas atribuindo-se ao instituto do codicilo a
permissão não se pode cogitar de conversão, pois que a forma é a mesma, nem da cláusula codicilar. Em todo o
caso, quanto a esta, é discutível:
desde que a lei conhece os dos institutos, e caduca ou é nula a instituição, Lpode-se explicar o efeito sem a
subinteligência da cláusula? Outra dificuldade surge com o § 778 do Código Civil austríaco, no caso de se preterir,
erradamente, herdeiro necessário. A doutrina falaria de cláusula codicilar propter defectus voluntatis.
Com essa solução o Código Civil boliviano, arts. 659-661, de pasmosa inutilidade.
c) O da existência de codicilos, distintos, quanto àforma, dos testamentos. Tal é o caso do Brasil. Por isso mesmo
que se conservam diferenças formais, exaurgem as velhas questões, que precisam ser tratadas com a mentalidade
dos dias de hoje. Sobretudo, em relação aos fenômenos de conservação, conversão, cláusula codicilar, os recursos
de hoje são maiores para lhes conhecermos, cientificamente, a natureza.
A diferença entre a snlução austríaca e a brasileira, comparadas à romana, está na maior autonomia que elas dão aos
codicilos, ainda testamentários; mas a solução c) não pode, de modo nenhum, excluir a cláusula codicilar,
reputando-a velharia. Contraviria à letra da lei, pois que adotara esta, contra os outros sistemas, a diversidade
formal. A discussão pode persistir quanto à natureza da cláudula; mas, quanto à sua existência, é questão líquida.
Basta pensar-se na cédula hológrafa a que só se oponha faltarem as testemunhas (arts. 1.645, II, e 1.648), porém no
qual o testador tenha dito “como posso, pelos arts. 1.651, 1.653 e 1.654, revogar os codicilos anteriores, revogo-os
por êsse ato”, ou “como pode ser que não nos salvemos, se êsse meu ato puder ser confirmado na forma do art.
1.648, quero que se observe, como codicilo, tudo que dispus sôbre o meu entêrro e as minhas jóias”. Seguir a
opinião de CLóvís BEvILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 107), que de uma penada aparou tôda a questão da
cláusula codicilar, e nada admitiu a respeito, sem qualquer argumento, seria grave injustiça. As instituições
jurídicas vivem la fora, na vida, respiram como lhes permitem a procedência, as tradições, os princípios gerais de
direito. Ninguém tem o poder de asseverar contra a ciência jurídica, Opinativamente Se somos o último povo com
o codicilo, não nos podemos furtar ao estudo dêle: temos de vê-lo funcionar, corrigir, com as convicções
contemporâneas, os erros do passado, porém nunca para simplificar a missão do intérprete, cortar, com a foice,
todas as galhadas que nos trazem dificuldades. Tôda ciência requer meditação, tôda ciência é difícil: e os dados
estão lá fora, ou diretamente, na vida, ou indiretamente, nos documentos históricos. Todas as soluções de
inspiração, a priori, sê mente podem ter valor opinativo. Onde o texto legal que vedasse a cláusula codicilar?
(nosso Tratado dos Testamentos, Tomo li, 309).
No regime anterior, ela existia, e onde o texto das Ordenações Filipinas que a apontasse? Se formos assim,
chegaremos ao absurdo de não ser preciso estudar direito civil: o Código Civil passará a livro sacro, livro absoluto.
Código Civil que tudo resolve e somente com êle se resolve: seria Código Civil de onisciência, de onipotência, que
nunca, e em lugar nenhum, se viu.
8.POSSIBILIDADE DO CODICILIO NO DIREITO BRASILEIRO. Com a cláusula codicilar, pode ocorrer o
seguinte: a)vedá-la a lei (Preussisckes Alígemeines Lííndrecht, II, 7, tit. 17) ; b) estatuir a lei, expressamente, que se
subentenda a cláusula (Código da Sabóia, V, 1, § 20) ; e) deixar à ciência a questao; d) pelo fato de equiparar
quanto aos requisitos formais e intrínsecos testamentos e codicilos, como se dá no Código Civil boliviano, ou pelo
fato de proibir codicilos (o que éo mesmo), tornar sem objeto, ou inútil, a cláusula codicilar; e) ou, ainda, equiparar
formalmente testamentos e codicilos, deixando dúvidas quanto ao intrínseco, como sucede ao Código Civil
austríaco. Ora, a tradição do direito brasileiro é a da letra c). Todas as outras soluções seriam arbitrárias. O Código
Civil nada mudou a êsse respeito. Dizer que a cláusula codicilar desapareceu seria o mesmo que afirmar não haver,
no direito brasileiro, ação de in rem verso, porque não há texto de lei. Compare-se tal atitude com a que têm os
juristas nos próprios países em que se extinguiram os codicilos. No direito francês, disse MALtCEL PLANIOL
(TraiU élémentaire de Droit Civil, III. 673, nota 1): “De là l’usage de la elause codicillaire, par laquelle le testateur,
prévoyant le cas oú son testament serait declaré nul comme tel, declarait qu’il devrait valoir au moins comme
codicille. L’ordonnance de 1735 en avait conservé l’usage; elIe est devenue mutile sous le Code Civil, qui ne
distingue plus le testament proprement dit du codicille”. No direito alemão, não se perderam da rota científica os
escritores. Por exemplo, P. SIMÊON (Lehrbuch des Rúrgerlichen Rechts, 1, 186, nota 6) escreveu que a cláusula
codicilar, pela qual, em caso de necessidade, o testamento havia de valer como codicilo, é, hoje, sem objeto, porque
o Código Civil alemão misturou, identificou, codicilo e testamento. Se futuro legislador brasileiro revogar a
exigência de testemunhas no testamento particular do art. 1.645, então ocorreria igual perda de objeto à cláusula
codicilar, tornada inútil. Nas circunstâncias atuais, absolutamente não: não só não se proibiu, como também a
vitoriosa doutrina anterior, quase unânime e só discordante em pormenores que nada têm com a existência, força o
respeito à tradição nacional, o voluntas testatoris e mais do que tudo isso: aos princípios de direito.
Aqui cogitamos da possibilidade da cláusula. Adiante trataremos da sua natureza no direito brasileiro, da sua
extensão e dos seus efeitos.
1.TEXTO LEGAL SÔBRE CODICILO. Diz o art. 1.651 do Código Civil: “Tôda pessoa capaz de testar poderá,
mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sôbre o seu entêrro, sôbre esmolas de
pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar
móveis, roupas ou jóias. não mui valiosas, de seu uso pessoal (art. 1.797”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.819: “Por
um simples ato particular, escrito, datado e assinado por pessoa capaz de testar, poderá ela deixar determinações
especiais sôbre seu entêrro ou sôbre pequenas esmolas a certas e determinadas pessoas, ou aos pobres de certo
lugar, indeterminadamente, assim como fazer legados de roupas, alfaias, móveis ou jóias não muito valiosas de seu
uso particular”; Projeto revisto, art. 1.991: “Também se pode fazer disposição de última vontade por meio de
codicilos sem instituir herdeiro, ou deserdá-lo, como se faz no testamento”; art. 1.992: “Aqueles que podem fazer
testamento podem fazer codicilos”.
2.FONTE DA REGRA JURÍDICA. Já se achava no Projeto de COELHO ROniucuEs, art. 2.456: “Por um simples
ato particular, escrito, datado e assinado por pessoa capaz de testar, poderá ela deixar determinações especiais sôbre
seu en têrro ou sôbre pequenas esmolas a certas e determinadas pessoas, ou aos pobres de certo lugar,
indeterminadamente; assim como fazer legados de roupas, alfaias, móveis ou jóias, do seu uso particular”.
iDe que legislação tirou COELHO RODRIGUES o texto que prevaleceu? Do Preussisches Alígemeines
Lo,ndrecht, 1, Tit. 12, art. 161, com as diferenças de não se limitar a deixa, que, naquele Código, era, no máximo,
da vigésima parte da sucessao. Codicilos haviam de ser escritos, datados, assinados, sem outras formalidades (cf.
Código da Sardenha, art. 775).
3. DIRBíTO ANTERIOR. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 86, pr., codicilo “é uma disposição de última
vontade sem instituição de herdeiro”. Podiam ser “abertos, ou feitos por público talebiáo, ou cerrados, com
instrumentos de aprovação nas costas, ou feitos e assinados pelo testador, ou por outra alguma pessoa privada”,
com quatro testemunhas, que fizessem cinco com o Tabelião, ou com o que o faz, ou com qualquer outro, que o
escrever (§ 19). Nos lugares de tão pequena população que fâcilmente não se achasse tal número, valeria com três
(§ 2). A capacidade era a mesma regulada para os testamentos (§ 3).
4.REQUISITOS FORMAIS DOS CODICILOS. A lei estatui que seja escrito pelo disponente, que tenha data
(exigência que, ainda aí, só eventualmente será essencial, dado o sistema do direito brasileiro). Nada mais se lhe
exige.
Tudo o que dissemos sôbre holograf ia do testamento, material de escrita, parte do corpo humano com que se
escreve, data, assinatura, expedientes acauteladores facultativos, se estende aos codicilos.
Exigindo o Código Civil a escrita particular aos codicilos, afastou questões do velho direito. É de notar-se que em
tais instrumentos supôs data, contràriamente ao proceder em relação aos testamentos. Não precisa de testemunhas.
Se o cego pode escrever, respeitando o art. 1.651, é-lhe facultado o codicilo, sem necessidade de leitura por
outremr pois que se não trata de nuncupatividade. Não há codicilos nuncupativos. O art. 1.637 só se refere aos
testamentos. No caso do art. 1.663, quem pode o mais pode o menos: se as pessoas designadas do art. 1.660,
achando-se nas circunstâncias:
do art. 1.663, podem fazer testamento nuncupativo perante duas testemunhas, a fortiori podem dispor quanto à
matéria dos arts. 1.651 e 1.653.
Se ao codicilo falta a data, não vale como codicilo, por infração do ad. 1.651 do Código Civil. Assim, se o
testamento hológrafo não vale e lhe falta a data, não se pode dizer que vale como codicilo (cf. 23 Turma do
Supremo Tribunal Federal, 23 de janeiro de 1951, 1?. F., 136, 114: “É o sistema da nossa lei civil, cuja
singularidade realça PONTES DE MIRANDA). Dá-se o mesmo se as disposições não são “sôbre o seu entêrro,
sôbre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas”, ou “aos pobres de certo lugar”, ou de “legado de
móveis, roupas, ou jóias, não mui valiosas, de seu uso pessoal” ; (õ•~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal,. 21 de maio de 1948, R. F., 133, 44’?, e R. dos T., 185, 417:
..... os juristas, dentre outros sobrelevando PONTES DE MiRANDA, têm entendido tratar-se de coisas não
excedentes de um vigésimo do valor do monte, suprida, assim, pela doutrina, a deficiência da lei, que silenciou
quanto à proporção aritlnética interpretativa ou fixadora do conceito de pouca monta. No caso dos autos não se
provou ter o de cuius deixado outros bens. Como um codicilo, o apelante só teria direito aos bens que pretende, se
demonstrado que efetivamente representam êles um vigésimo do valor do monte-mor. É paralelamente o mesmo
critério para a doação manual, a que alude o parágrafo único do art. 1.168 do Código Civil, onde a noção de
pequeno valor é condicionada ao que possuir o doador. Ao que tudo indica, entretanto, os bens constitutivos do
codicilo representam tudo quanto o de onius possuía, não sendo, assim, de pouca monta, em face do seu pequeno
patrimônio”; 1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação, 22 de abril de 1946, R. dos T., 164, 287, sôbre falta de
data).
A alografia é inadmissível para o codicilo, bem como a dactilografia pelo próprio disponente (4.~ Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de novembro de 1951, E. dos T., 197, 149; sem razão os julgados que constam
da E. dos T., 46, 351, e 164, 287). A gratificação, em reconhecimento de serviços prestados, liga-se ao conceito de
pouca monta (cf. 3•a Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, 30 de outubro de 1936, E. dos T., 106,
570).
Quem faz codicilo há de ter capacidade de testar (53 Câmara Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, 14 de
agôsto de 1935, E. dos T., 97, 424).
5. COnICíLo pog FORMA PÚBLICA. No direito anterior, o codicilo podia fazer-se por escritura pública, isto é,
em notas do oficial público. Diferia do testamento em se não poder, nele, instituir herdeiro, substitui-lo ou deserdá-
lo, e em bastarem quatro testemunhas, ou, nos lugares de pequena povoação, três (Ordenações Filipinas, Livro IV,
Título 86, §§ 1 e 2).
Hoje, o Código Civil, art. 1.651, só se refere ao codicilo “mediante escrito particular”. Pergunta-se: ~já se não
permite por instrumento público, ou cerrado, com aprovação do Tabelião?
De qualquer modo, seria abundans cautela. Aliás, o próprio Código Civil, no art. 1.655, admitindo que seja
fechado, cita o art. 1.644.
Resta saber se precisa ser hológrafo. Sim, ainda que cerrado, com aprovação. Se não fôr hológrafo, terá de ter todas
as solenidades do testamento cerrado. Mas, se público, <terá de ter o mesmo número de testemunhas que os
testamentos? Aqui, a holograf ia não é possível. O oficial público deve exigir as formalidades dos testamentos. Se
fôr nulo, responde civil e criminalmente.
6.REQUISITOS SUBJETIVOS E CONTENUTÍSTICOS DOS CODICILOS. Nos arts. 1.627 e 1.628 do Código
Civil, fala-se de capacidade de testar. Mas, para fazer codicilos, a mesma capacidade se requer. Já assim no direito
romano, codicilios is demum facere potest, qui et testamentum facere potest (L. 6, § 3, D., de jure codiciliorum, 29,
7), codiejili totiens valent, quotiens quis testamentum quo que facere possit (L. 8, § 2). A regra catoniana, na forma
hodierna do art. 1.628, aplica-se assim a codicilos como a testamentos, e não cabem as discussões antigas.
O que se disse no Tomo LVI, §§ 5.658-5.661 e 5.668-5.678, sôbre faculdade de testar e capacidade de testar, é
inteiramente invocável.
A vontade do testador pode não estar livre ou manchar-se de outros vícios. Túdo o que se disse a respeito dos
testamentos, cabe quanto aos codicilos. Escusado é repetir o que foi dito.
No mais, bem diferente e bem distanciado está de certas questões romanas o codicilo do Código Civil, a respeito do
qual muito pouco se pode buscar no raciocínio dos jurisconsultos e dos glosadores, se bem que algumas diferenças
entre êles e os testamentos persistam quanto à forma e quanto aos efeitos.
7.DíSposíçio EM CODICILOS. No Código Civil, as únicas disposições e cláusulas que podem ter validade,
insertas em codicilos, são as seguintes: a) disposições especiais sôbre o entêrro; b) esmolas de pouca monta a certas
e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar; e) legados de móveis, roupas, ou jóias;’
não muito valiosas, do uso do testador (art. 1.651) ; d) nomeação ou substituição de testamenteiros (art. 1.653).
Valem, pois, as velhas regras jurídicas, e as parêmias romanas e dos glosadores: “codicillis hereditas adimi non
potest”, “neque dari neque adimi potest” (§ 2, 1., de codicillis, 2, 25>. “exheredatio fieri nequit”, “condictio heredis
institutioni adiici non potest”, “substitutio fieri nequit” (ROLANTIINUS PASSACERIUS, Tractatus de Codicillis,
165, 170).
8.APRRECIAÇÃO QUANTITATIVA DAS DEIXAS CODICILARES. Quanto às esmolas, a lei exigiu que fôssem
“de pouca monta”; quanto aos móveis, roupas ou jóias, disse “não mui valiosas, de seu uso pessoal”; quanto ao
entêrro, citou, entre parêntesis, o art. 1.797.
tQue se há de entender por esmola de pouca monta? Em vez de se inserir expediente quantitativo, que aí seria
processo técnico assaz útil, como, no Preussisefles Allg’emeines Landrecht, 1, Tit. 12, art. 161 (a vigésima parte da
sucessão para todos os legados), entendeu o Código Civil brasileiro deixar à apreciação do juiz o quanto
concretamente possível, assim das esmolas como de todas as outras disposições. Tratando-se, como se trata, de
requisito essencial intrínseco dos codicilos, compreende-se a impropriedade de tal solução imprecisa. Certo, podem
os juizes apreciar, mas, na espécie, o que se havia de querer era a lei que prêviamente dissesse até quanto se podia
estender a liberalidade codicilar, ou dizei’ qual o critério de fixação. Não se disse, e os inconvenientes sao graves.
Luponhamos que se acolhe, pràticamente, o critério do vigésima parte, e o disponente haja disposto quanto a dez
por cento do monte. Se reputássemos “de pouca monta” as esmolas e “não valiosas” as jóias, ou “não valiosos” os
móveis deixados, que seriam, por exemplo, em herança de nove milhões de cruzeiros, novecentos mil cruzeiros,
procederíamos sem atenção se considerássemos de acôrdo com a letra da lei tais disposições. Mas, se deixássemos
de cumprir, não havendo, no Código Civil, limite quantitativo, resolveríamos contra a vontade do testador.
Tudo isso serve para persuadir os intérpretes da necessidade, assim jurídica como consciencial, de evitar
invalidações de codicilos, a respeito de cuja feitura, liberdade e autenticidade não há dúvidas. Ainda que os legados
orcem pela décima parte da herança. Sempre que parecer exagerado, para a cédula codicilar, o de que se dispôs, e
sendo possível, tem o juiz de cumprir, ouvidos os interessados, com o mesmo critério que acolheu o legislador
quanto às disposições testamentárias exageradas( art. 1.727 e §§ 1.0 e 2.0), a redução proporcional das esmolas,
ou, se isto mais se aproximar do que poderia ter querido, conhecendo o testador a redução proporcional de todas
as disposições, esmolas, legados ou outras liberalidades. Com isto, observa o juiz o que resulta da lei.
Se fôr ab intestato o codicilo e beneficiados os próprios herdeiros legítimos, nenhuns inconvenientes jurídicos
haverá (respeitadas, se fôr o caso, as quotas necessárias) em que se cumpra integralmente o codicilo exorbitante
dos limites objetivos do ad. 1.651. Para reforçar a interpretação que demos, digamos que se devem cumprir todos
os codicilos formalmente válidos, feitos por pessoa capaz, e só se poderá levantar a questão dos limites de objeto
quando haja direito de terceiro, e a êste direito de terceiro explicitamente se refere o art. 1.652.
9.DIREITOS DE TERCEIROS E CODICILO. Diz o art. 1.652 do Código Civil: “Ésses atos, salvo direito de
terceiro, valerão como codicilo, deixe, ou não, testamento o autor”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.819, § 1: “Ésses
atos, salvo direito de terceiro, valerão como codicilos, quer o autor deixe testamento, quer não”; Projeto revisto, art.
1.992, § único: “Os codicilos valerão como tais, quer o autor da herança deixe testamento, quer não, e podem ser
revogados por outros ou por qualquer espécie de testamento posterior que lhes não faça referência confirmando-os
ou modificando-os”. A fonte foi o Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 2.456, § 1.0: “Ésses atos, salvo direito
de terceiro, valerão como codicilos ou mernoranda de últimas vontades, quer o autor deixe testamento, quer não”.
10.DIREITO ROMANO. Havia os codicilos ab intestato e os codicilos testamentários. Para conhecerem o codicilo
ab intestato e o testamentário, os juristas antigos recorriam à proximidade qualificada da delação: se era de esperar-
se a sucessão intestada, ab intestato era o codicilo; se a testamentária, tratava-se de codicilo testamentário.
Septimius Severus e Antoninus Caracaíla modificaram tal simplismo, preferindo a vontade do testador a tal
apriorístico entender.
Não nos adiantam hoje as meditações de VIvIANO e ACÚRsio em tôrno daL . 8, pr., D., de inre codiciliorum, 29, 7
(PAULO), sob a cláusula confirmatória a que se seguiram as de E. DUNIUS (De veteri ac novo inre codiciliorum
commentarius, 53) e J. H. BOERMER (Exercitationes ad Pandectas, V, 235).
5.DIREITO DE TERCEIRO. A lei ressalva direitos de terceiros. ~Por quê? tQue direitos são êsses que precisam
ser ressalvados quanto aos codicilos? ~ Os dos herdeiros necessários? Não era preciso dizê-lo, O art. 1.721 do
Código Civil concerne a todas as disposições de última vontade, Os herdeiros testamentários? Os direitos dêles
provêm da vontade do testador, e outra coisa não são os codicilos. A proposição veio do Projeto de COELHO
RODRIGUES, art. 2.456, § 1. tSerá que se permite que se cumpram os codicilos sempre que os interessados no
excesso de objeto não reclamem? ~ Será que se pensou nos credores? Tudo isso é incerto.
6.NOMEAÇÃO E SUBSTITUIÇÃo DE TESTAMENTEIRO. Diz o art. 1.653 do Código Civil: “Pelo modo
estabeelcido no artigo 1.651, se poderão nomear ou substituir testamenteiros”,. Cf. Projeto primitivo, art. 1.819, §
2.0: “Do mesmo modo se poderão nomear ou substituir os testamenteiros” A fonte foi o Projeto de COELHO
RODRIGUES, art. 2.456, § 2.0: “Do mesmo modo também se poderá nomear ou substituir os testamen-.
teiros”. Pode-se nomear testamenteiros e dar-lhe funções? Sim, quanto ao objeto restrito do codicilo ou para a
execução do testamento que acaso exista.
Mas, pergunta-se o testador, além disto, diz que o testamenteiro grave de inalienabilidade as legítimas? ~ O artigo
1.651 é exemplificativo? No art. 1.723, só se fala de testador. No art. 1.171, permitiu-se o adiantamento da
legítima. Nele não se disse que o doador podia impor, desde logo, a inalienabilidade, mas isto, se o art. 1.676 não
bastasse, teria de admitir-se, porque o adiantamento emprega ficção e esta tem de operar no caso fito como operaria
no caso verdadeiro. É a velha regra de A. D. ALTESERRA. Ora, aquela doação pode ser feita por escritura pública
ou por instrumento particular, só-mente assinado e com duas testemunhas. O codicilo não nas tem. Pode, a despeito
disto, conter doações. Será o caso de se raciocinar para êle como se raciocina para as doações inter vivos. Não há
nenhum inconveniente em se cumprir a vontade do testador, hologràficamente declarada, datada, assinada, para
êste efeito, fundamentalmente destinado a amparar os herdeiros legítimos.
1.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.654 do Código Civil: “Os atos desta espécie revogam-se por atos iguais, e
consideram-se revogados, se, havendo testamento posterior, de qualquer natureza, êste os não confirmar, ou
modificar”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.819, § 3.0: “Os atos desta espécie podem ser revogados por outros iguais,
ou por qualquer espécie de testamento posterior, que não lhes faça referência confirmando, ou modificando”.
A fonte foi o Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 2.456, § 39: “Os atos desta espécie podem ser utilizados pelo
autor em qualquer tempo, ou revogados por outros iguais, se porventura se houverem extraviados e caducando no
todo, por qualquer espécie de testamento posterior, que não lhes faça referência, confirmando ou modificando”.
2.DISTINÇõEs. Quanto à revogações, temos de distinguir três casos: a) revogação de codicilos por outros; b)
revogação dos codicilos pelos testamentos; o) revogação dos testamentos pelos codicilos. Neste Capítulo, só os
casos das espécies a) e b) nos interessam. O da espécie c) pertence ao capitulo sôbre revogação dos testamentos.
a)Revogação dos codicilos por outros codicilos. O direito de hoje que se observa quanto à revogação dos
testamentos (artigos 1.747 e 1.748) já regia os codicilos. Enquanto se dizia turno oum pluribus testamentis
decedere potest, sutilizavam os escritores em tôrno do codicillos et plures quis facere potest da L. 6, § 1, D., de
iurc codiciliorum, 29, 7. t inegável o valor histórico de tais discussões, que prepararam o direito para melhores
soluções jurídicas, auxiliadas pelas confusões.
b)Revogação dos codicilos pelos testamentos. Sobrevin do testamento, tira-se de PAPINIANO o seguinte (L. 5, D.,
29,
7): a) valia o codicilo, se o testamento posterior o confirmava
b)se o confirmava outro codicilo. O que vem em seguida ou se a vontade dos mesmos (codicilos e testamentos)
resulta de outro qualquer indício, azd voluntas eorum quocum que indicio retineatur” constitui interpolação
justinianéia (J. CUJA-CIO), mas serve para formar o caso o).
A respeito de revogação, vale o que se disse sôbre o testamento, ainda que se trate de codicilos intestados, êstes
pela razão de fazerem as vêzes de testamento. Mutati.s mutandis. aplicam-se aos codicilos os arts. 1.747 e 1.748,
bem como o art. 1.749, no entendimento mais amplo que lhe daremos ao cogitarmos dessas regras jurídicas.
Discute-se se só o fato de testamento posterior, que expressamente não confirma ou modifica, revoga o codicilo.
Leitura. superficial da lei responderia afirmativamente. Mas, se o codicilo anterior, pela interpretação dos dois
instrumentos de última vontade, foi tàcitamente confirmado, ou subsiste incólume, por se tratar de matéria de que
não cogitou o testamento,. o que também constitui confirmação tácita, claro é que se deve observar o que nele se
dispôs. Vale dizer: a confirmação de que cogita o art. 1.654. Por via de regra, é o que ocorre aos codicilos ab
intestato.
3.RUPTURA DOS CODICILOS. Segundo o Código Civil, arts. 1.750 e 1.751, rompe-se o testamento se sobrevém
descendente sucessível ao testador, que o não tinha, ou o não conhecia, quando testou, e o descendente lhe
sobreviver, ou no caso de ignorar a existência de outros herdeiros necessários. Pergunta-se: ~ aplicam-se, por
analogia, aos codicilos?
Antes de caracterizarmos a questão hodierna, percorramos os textos romanos, que, até certo ponto, de perto
examinaram as relações juridicas que interessam. Depois, temos de levar em conta o restrito objeto dos codicilos
no direito brasileiro.
a) No direito romano, já ocorria partir-se a questão se referente a codicilos dos intestados ou de disponentes
testados. Acessórios dos testamentos, rompiam-Se 0s codicilos testamentários sempre que se dava superveniêflcia
de filho.
Na L. 16, O., de jure codicillorum, 29, 7, PAULO disse que o sucessor do intestado, ainda que nasça depois, deve
cumprir o que se dispôs nos codicilos: ab intestato factis codiciflis reLicta etiam postea natus intestati sucoessor
dcbebit; porque, qualquer que seja quem intestado sucedeu, cabem os codicilos, locum habent codiejili. O caso é
um só e não importa quem sucede, desde que suceda intestado. Mas, se houve testamentO, seguem os direitos
dêste, testamento autem facto ius sequuntur ejus (regra jurídica, que, em caráter a priori, não devemos admitir).
Portanto, a ag’tuitio postumi não rompia o codicilo intestado. Assim, a L. 3, § 1, O., 29, 7. A regra jurídica veio na
L. 19: “adgnatiOne sui heredis nemo dixerit codicillos evanuisse”. Postumi sui, ou postu?nZ aliem.
Tudo isso é perfeitamente certo.
Mas, na própria L. 19, MARCELO entendeu que, se o decujo supunha morto um dos filhos, só o filho, a que era
destinado o codicilo, devia o que se dispôs: o filho, que êle cria vivo, pagaria a sua parte, e o outro, nada; se fôsse
Qbjeto que se não pudesse dar em parte, nada teria de pagar, porque o disponente pensava que tôda a herança iria
ao obrigado e por isso lhe deu tais obrigações (immo dumtaxat partem debet: eorum tamem, quae pro parte
praesta’ri non possunt, nihil eo’fllm praestfUfr tiniu, quoniam ilti non fuerit filio abtaturus, nisi solum putaret
successorem sibi futurum).
Mas, ~‘,se o disponente morreu testado, e o codicilo é testado?
No direito civil, só havia duas espécies ou situações: codicilo com sucessão intestada e codicilo com sucessão
testada.
A terceira criou-Se com a tríplice pretoriafla bonorum possessio contra tabixUtS, secundum tabulas e ab intestatO.
b)Vejamos as soluções quanto à ruptura no direito brasileiro. Se o codidilo foi feito para ser cumprido pelos
herdeiros legítimos, não se rompe com a superveniêndia de filho, com o pos tumi, ou concorrência de outro
herdeiro: nam unus casus est neo interest qui succedit dum intestato suocedat. A glosa de ACÚRCIO explicava:
“sine distinctione personarum nati vel nascituri”.
Mas as conseqúêndias de MARCELO não devemos, hoje, aceitá-las. Ao juiz examinar as circunstâncias e
interpretar a vontade do testador. A solução, que êle dava, supunha non fuerit filio ablaUtrus, nzst solum putaut
sucessso sibi luturum. Se êle, com o outro, nato ou nascituro, ou sem essoutro, disporia o mesmo, não cabe nos
nossos dias, como princípio, a solução de MARCELO, porque o objeto dos codicilos, pelo Código Civil, é ínfimo.
Não há no direito brasileiro alusão à nã~ruptura dos codieMos nos casos dos arts. 1.750 e 1.751, mas tal solução,
explícita nas L. 3, § 1, e 19, O., 29, 7, do direito romano, não precisa de texto para que se observe: decorre dos
princípios gerais de direito.
1.TExTO LEGAL. Diz o art. 1.655 do Código Civil:
“Se estiver fechado o codicilo, abrir-se-á do mesmo modo que o testamento cerrado (art. 1.644) “. Cf. Projeto
primitivo, artigo 1.820: “Se o codicilo estiver fechado, deverá ser aberto do mesmo modo que os testamentos”.
A fonte foi o Projeto de COELHO RIODRIGUES, art. 2.457:
~‘Se o codicilo estiver fechado, deverá ser aberto do mesmo modo que os testamentos, e apenso ao do seu autor, se
êste morrer testado”.
2.ALCANCE DA REGRA JURÍDICA. Ço direito anterior, ocodicilo seguia as três formas do testamento. O art.
1.655 do Código Civil constitui reminiscência e diz que, sendo cerrado o codicilo, o juiz o abra, fazendo-o registar
e arquivar no cartório a que tocar, ordenando que seja cumprido se lhe não achar vício externo que o torne suspeito
de nulidade, ou de falsidade (art. 1.644)
Pode o disponente levar o codicilo, com as formalidades do art. 1.651, ao oficial público, para que o aprove como
se fôra testamento cerrado: abundans cautela non nocet. Se, em vez das formalidades do art. 1.651, tem todas as
formalidades dos testamentos cerrados, ainda que não seja hológrafo, vale, porque testamento é, e testamento é
mais do que codicilo. Dir-se-á o mesmo se se observam as regras jurídicas relativas ao testamento público.
2.CLÁUSULA CODICILAR E CONVERSAO. Como se vê, cláusula codicilar, que é cláusula, nada tem com o
instituto jurídico da conversão (HEINRICR AUGUST Voss, Die Konvershn des Rechtsgesohâfts, 47). A conversão
não se opera pelo querer do disponente: resulta de princípios jurídicos. Nela, o conteúdo do negócio jurídico,
passando a outra forma, produz os mesmos resultados que se queriam. Não se quis o nôvo negócio jurídico ou a
nova forma, o que se dá é que os resultados queridos são os mesmos. Teremos de ver o enorme campo de
aplicação que encontram nos testamentos as conversões. A cláusula codicilar, esta, por sua natureza, se restringe às
relações entre testamentos e codicilos. Não exclui as figuras jurídicas da conservação e da conversão,
independentes da existência de cláusulas. Sôbre conversão, Tomo IV, §§ 374-379 e 403, 2.
Na cláusula codicilar, não podemos ver conversão, não só-mente porque por definição o testador quis a outra
forma, ou, mais amplamente, o outro corpo do negócio jurídico, como porque cláusula, isto é, disposição do
testador, e não figura do mundo jurídico institucional na cláusula se podiam conter conseqUências futuras de
conversão, de conservação e de outra natureza.
Êsse ponto é de tôda a importância. Conservação, conversão, convalescença, são efeitos da ordem jurídica,
resultam da aplicação de textos legais ou de princípios superiores ou gerais de direito. A cláusula, não. Quer se
subentenda, quer se não subentenda, a cláusula é declaração de vontade dos disponentes. Dizer que se extinguiu
vale o mesmo que restringir, sem lei, a vontade dos que dispõem. Somente pode provir tão inconsiderada
asseveração de conclusões, certamente lamentáveis, entre institutos jurídicos e vontades das partes. Cláusula não é
instituto. Cláusula é vontade, surge onde quer que o seu objeto seja possível. No caso dos testamentos e codicilos,
desde que há diferença entre êles, caracterizado está o objeto da cláusula codicilar. Pois que existe êsse objeto,
existe a possibilidade da cláusula.
3.CLÁUSULA CODICILAR E CONSERVAÇÁO. Das nulidades formais tirou-se o adágio feci quod non potui,
quod potui non feci. Sem se poder fazer, fêz-se, vale o mesmo que se não fôsse feito. Mas a êsse apriorístico “fiz o
que não podia, o que fiz sem poder não fiz” a Ciência opôs considerações de salv3-mento do útil. Donde o
princípio jurídico da conservação, de alta valia em matéria testamentária. Porém não se confunda com a cláusula
codicilar, que não é princípio jurídico, mas disposição de vontade.
Exemplos:
a) O testador escreveu do próprio punho com os requisitos do art. 1.651 a cédula testamentária que havia de ser
aprovada pelo oficial público, de acôrdo com o art. 1.638, IV -XI. Mas a aprovação não satisfaz as exigências
legais. Na cédula, só existem disposições de ordem codicilar (arts. 1.651 e 1.653), ou existem separáveis. Que há
de fazer o juiz? Deve salvar o útil. É o princípio de conservação, que deriva de ordem superior do direito e às vêzes
as próprias leis a êle se reportam, se bem que imperfeitamente.
b) O testador declarou: “Não sei se, pela minha naturalização, ainda posso testar como testei antes de me
naturalizar segundo a lei do Estado em que nasci; porém, se fôr nulo êste testamento, quero que valha como o que
possa valer e respeitem a minha vontade quanto ao meu entêrro e a entrega das jóias, que uso, ao meu amigo F”. É
a cláusula codicilar. Opera pela vontade do disponente. Francês ou Alemão, que se naturalizou Brasileiro, mal
conhecedor do direito da sua pátria,
testou nulamente. Mas o codicilo, êle, como Brasileiro, podia fazer, e quis a alternativa.
7.ONDE E COMO OPERA A CLÁUSULA GODICILAR. Se não é caso de nulidade de testamento, não cabe
falar-se em cláusula codicilar. No direito brasileiro, ngo havendo nenhuma diferença quanto à capacidade para
fazer testamentos e à capacidade para fazer codicilos, fica sem objeto a cláusula codicilar relativa a defeitos
subjetivos. Exigida a holografia aos codicilos, a própria aptidão para as formas não pode ser objeto da cláusula. No
caso de disposições codicilares em testamento público nulo por êsse motivo, a observância do que se dispôs quanto
ao entêrro somente terá fundamento moral.
A ruptura do testamento somente impede que se realize a cláusula codicilar se as disposições contidas forem
incompatíveis com a abertura da sucessão legítima. Note-se bem: não se subentende a alternativa em nenhum
testamento. Rôto, somente se dará o que o testador queria se há cláusula codi. cilar, ex scripto (expressa ou
tàcitamente), que deva prevalecer ainda neste caso.
8.CASOS PARTICULARES RELEVANTES. Pode ocorrer que o codicilo preceda ou suceda a testamento válido:
pode ocorrer que a cláusula codicilar opere em testamento que, por ser nulo, não revogue o anterior, ou seja nulo o
primeiro, com que o posterior não se chocava e a cláusula codicilar, salvando o codicilo do infirmado, suceda ou
anteceda o testamento válido.
O testador pode incluir a cláusula só em relação a outras disposições, em vez de indistintamente se referir a todas
que possam ser objeto de codicilo (M. 5. MAYER, Die Lekre von dem Erbreckt nach. heutigen rõmisch,en Rechte,
§ 23, nota 9).
O que caracteriza a cláusula codidilar é a alternativa, com que o disponente subtrai à nulidade, sanatôriamente,
parte aproveitável da cédula. Não se trata de validade parcial do testamento: havia como dois atos disjuntivamente,
no mesmo ato, testamento ou codicilo; nulo aquele, sobe êsse à tona.
Aliás, o testador pode dizer: “daqui em diante, se o meu testamento fôr nulo, valha como codicilo” (cp. E.
WINDSCHETD, Lekrbuck des Pandektenreckts, III, § 631, 2).
A L. 8, pr., e §§ 1, 2, C., de codiciltis, 6, 35, estatuía que obeneficiado decidisse desde logo se pleiteada a validade
do testamento ou do codicilo: excluída uma via, negava-se-lhe a outra. Ficava vinculado ao que pediu. (Seja
judicial ou extra-judicial a eleição ou resposta, discutia-se, em tôrno aos textos, cp. EDUARD FEIN, em CHR.
FRIED. VON GLÚCK, Kommentar, 285, e E. WINDSCHEID, Lekrbuck des Pandektenrechts, III,§ 631.)
Hoje, tal faculdade de eleger não se justifica. Nem ainda o cerrar as portas à validade, porque se abriu a outra. Nem
o apresentante do testamento tem de explanar, desde logo, as suas intenções: propositum suae intentionis explanet.
(Aliás, ,~perdia o eligente o direito de outra via se perdia a primeira lide? Seria ainda mais absurdo.)
A cláusula há de achar-se ex scriptum, isso é, expressa ou tâcitamente declarada (não subentendida) : o juiz, ao
apredar o testamento, declarando a nulidade, deve ressalvar o que o testador quis e vale. No estado atual do direito,
isso é o que se há de observar.
1. QUESTÕES QUE SUROEM. Ainda podem surgir as questões relativas a codicilos, tais como existiam e se
regulavam ao tempo das Ordenações: entre um e outro direito a distância é curta.
Mas cresce de ponto a importância do assunto, pelo fato de se ter de apreciar a legislação de outros povos, nos
testamentos de estrangeiros.
2. FORMAS ExTRÍNSECAS DO CODICILO. Em regra, a pessoa, estando noutro Estado, e não no da lei pessoal,
pode fazer codicilo segundo a lei do lugar, ou segundo a sua lei pessoal, se opta por essa. O estrangeiro, no Brasil,
pode fazer codicilo segundo a lex loci ou a da sua pátria, ou a do seu domicílio, conforme a lei pessoal, salvo se a
lei pessoal qualifica como intrínseca o emprêgo de tal forma simplificada e expressa-mente a proibe.
3. FORMAS INTRÍNSECAS E EFEITOS DOS CODICILOS. Formas e eficácia se regem pela lei pessoal. A
extensão das conseqUências poder revogatório dos testamentos pelos codicilos, substituição de herdeiros
testamentários, conversão das instituições nulas em fideicomissos, ou outras substituições tudo isso fica sujeito às
limitações e exigências da lei pessoal. Pelo fato de se fazer em Estado que tem o efeito conversivo da instituição
em fideicomisso, por efeito da cláusula codicilar, ou por disposição de lei, ou codicilo (forma simplificada do
testamento), o codicilo que a pessoa fizer alhures não terá, em relação ao testamento, outras conseqUências além
das que lhe reconhece a lei pessoal. Mas, se o codicilo, de que se trata, não é forma simplificada e inferior ao
testamento, e sim persistência de nome, então testamento é, e como testamento vale. Não atendeu a isso a Côrte de
Apelação de 17 de junho de 1927 e formulou emenda que seria, generalizada, contra direito. Tão-pouco tinha o
codicilo de que se tratava os requisitos do testamento hológrafo francês. O acórdão, errado em matéria de fato,
estava certo, quanto aos princípios: se tivesse as formalidades do testamento, testamento seria. Nenhuma questão
haveria quanto a codicilo, que o direito francês não tem.
4. CLÁUSULA CODICILAR E DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Uma vez que se apôs cumpra-se ao
codicilo, os seus: efeitos são os da lei do Estado da lei pessoal. Se na lei local bá codicilo (forma abreviada), e o
testamento dêsse lugar fôr nulo e contiver cláusula codicilar, esta valerá segundo o direito que regeu a forma, se de
forma se trata. Mas, se a apre-ciação parcial concerne ao intrínseco, será a lei pessoal a que incide.
Feito no estrangeiro o testamento, e nulo por vicio de forma, a lei pessoal não pode, contra a lei do lugar, aplicar a
cláusula codicilar. Salvo principio superior de direito ou ordem’ pública, o que seria difícil.
Em caso de conversão, prôpriamente dita, mais se trata, ordinàriamente, de regra de interpretação, e deve ser
observado o direito local permissivo, ou, se permissivo o da lei pes soaI, êsse, por favor voluntatis que se justifica.
CAPITULO XXV
TESTAMENTOS ESPECIAIS
1.DADOS HISTÓRICOS. Os dados históricos que ainda podem ser úteis na interpretação das regras jurídicas do
Código Civil, principalmente, nos mostram o que se foi, o que não é mais, no conhecimento dos iura singularia
dos testamentos privilegiados. Ora espécies mortas, ora mortos efeitos. Foi-se, por exemplo, o testamento inter
liberos, e do testamento militar, que ficou, só nos restam dispensas formais. quando muito de certos pressupostos
subjetivos para uso das formas.
Assim, temos de cogitar do direito romano, do direito comum, que se aplicava a todos os testamentos, especiais ou
não, do direito vigente, quanto ao testamento marítimo e ao militar, e da existência de outras espécies
extraordinárias em direito intertemporal e em direito internacional privado: quer dizer noutro tempus e noutro
locus. Estudo dos dois princípios lei pessoal, que rege a sucessão e a capacidade, lez loci, que rege a forma.
Histôricamente, temos de primeiro tratar do testamento militar que devia, por isso mesmo, ser a Seção 1, e não a
Seção II, do Livro IV, Título III, Capítulo V do Código Civil.
4. TEMPO DE FEITURA. O testamento de 500 anos antes de Cristo, in procinctu, fazia-se antes da marcha,
momento
-sacral-político. O de 59-44 antes de Cristo, milita-re, em qualquer momento: era o quanto despótico, estuante, da
ditadura. O de 44-1 antes de Cristo e 1-79, in castris, diferença assaz importante entre o testamento militar de Júlio
César e o posterior à sua morte até Tito, em 79 (cf. E. STEIDLE, Das Soldaten-Testament, 11, 18 e 89).
testamento de 79-117 volveu a ser a todo o tempo, como privilégio, e assim se há de entender o texto de
ULPIANO: posteo; vero primus Divus Titus dedit...
O testamento de 117-129 tinha de ser in castris.
Em 529, sob Justiniano, só era feito por aqueles qui in expeditionibus occupati sunt. Realismo que apagou as
reminiscências do auspicium procintual, o elemento religioso, e esvaziou o incondicionado privilégio político de
classe, que existira -com Júlio César e de 79 a 117. Nas guarnições, nos quartéís, hyberna, sedes, não tinha o
soldado tal faculdade.
7. TESTAMENTO MILITAR DESDE O SÉCUJO XV. Seguindo a Reforma de Worms, em 1498, fazia testamento
militar doutor, em seu trabalho e arte, mít seyne Arbeyt oder Kunst, e o cavaleiro, quando em luta ou em guerra.
Não desaparecera de todo a distinção dos glosadores, in belio (in expeditione) e extra proelium, mas, no primeiro
caso, sine ulio teste, e, no segundo, per duos testes.
Na Ordenança notarial de Maximiliano 1, em 1511, se bem que se dirigisse a notários, ressalva-se expressamente o
testamento militar no momento de batalha, sem qualquer solenidade de forma (§ 2). Fora disso, precisava de duas
testemunhas, e PAULO DE CÂSmO esclareceu que eram ad probandum e debent esse rogati.
Após isso, as Ordenações Filipinas conforme veremos e Codez Maximilianeus Ravaricus civilis de 1756 (P. III, c.
4, § 4), onde se explica que, iure privilegiado, seja em campanha, seja em expedição, testam agentes de guerra, e
in dubio -presume-se que o militar testou pro militari. Mais: militar, gente de guerra, é quem serve em terra ou em
água. E tal gente não é só o soldado, mas o que serve à guerra: médico!, auditores, quartéis-mestres, comissários,
criados de quarto e mesa, oficiais de víveres.
8. TESTAMENTO MILITAR NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 83,
seguiram o direito romano, mas, na prática, consultava-se o uso moderno, através de MANZIO e de SAMUEL
STRYK, as ampliações da Ordenança de Luis XV, de 1785, arts. 27 s., e do Preussisches Allgemeines Landrecht,
art. 1. Tinha-se, pois, ampla messe em que se alimentava a doutrina, apurando a construção do instituto.
PASCOAL JOSÉ UE MELO FREntE (Institutiones Juris Civilis Lusitani, L. III, Tít. 5, § 15) censurou os que
ampliavam o testamento militar aos cavaleiros das Ordens Militares, quando em suas casas ou claustros, aos
clérigos e doutôres: “illud autem inepte ad Equestris Ordinis Militis estenditur, et ineptus ad Clericos, et Doctores,
ín quibus ratio privilegii cessat”. Não disse quais os escritores que avançaram em tais extensões.
Mas de certo os houve. Na sua própria pátria com a emenda minimê sunt mutanda, quae certam semper haboerunt
interpretationem, ANTÔNIO MENDES AROUCA (Allegationes funis, 219) apontou o êrro crasso.
Tratava-se de privilégio em serviço. Eram testamentos ia expeditione constitutis. Só então cabiam a todos, soldados
ou não: soldados ou auditores militares, capelães, médicos, cirurgiôes, quartéis-mestres, comissários e empregados
de munições (SAMUEL STRYK, De Cautelis testamentorum, c. 9, § 17).
Ao tempo das Ordenações Manuelinas, podia discutir-se se o soldado, ainda em tempo de paz isto é, sem guerra
viva, ou cêrco, podia testar na forma especial. A luta havia entre os doutôres: contra ÁLvARO VALASCO
(Decisionum Consultationum ac Rerum iudicatarum, c. 104, n. 11) erguia-se JORGE DE CABEDO (Practicarunt
Observationum sire Decisionum Supremi Senatus Regni Lusito;niae, 1, dec. 129).
PASCOAL JOSÉ DE MEIO FREntE dizia que a causa do privilégio é o imminetw peniculum, e não a militum
imperitia. Porém MANUEL RIBEIRO NETO (Commentaria in bis Civile ia quibus universa ultimarum
voluntatum mateniam, tam specuiative quam pratice explicâtur, L. 3, tit. 33), chamava a atenção, com o cuidado de
sempre, para o acrescento que às Ordenações Manuelinas fizeram as Ordenações Filipinas (Livro IV, Título 83, § 9)
: “E todos testamentos, que os soldados fizerem fora do exército, ou expedição ou conflito da guerra em suas casas,
ou em outra parte, serão feitos com a solenidade, que o direito requer nos testamentos dos que não são soldados. E
portanto os que temos postos em Presidios, ou Fortalezas, e os moradores e fronteiros dos lugares de África, não
gozarão do dito privilégio de testar sem as solenidades, que o direito requer, salvo se os soldados dos ditos
Presídios e Fortalezas estiverem de cêrco, ou em conflito de batalha; porque em tais casos poderão fazer seu
testamento da maneira que acima dissemos, que o podem fazer os outros soldados”.
10.CRITÉRIO CONTEMrORANEO. É bem certo que, se não se ultimou nos séculos passados o princípio do
testamento em estado de necessidade, estava nos fatos, como hoje está, podia o intérprete colhê-lo na vida, apanhá-
lo, segurá-lo, trazê-lo à categoria de regra jurídica, como forma legal inspiradas nas próprias realidades. Porém não
se chegara a tal estado amadurecido de técnica. Pelo fato de ser fruto imediato das realidades, das circunstâncias
excepcionais e prementes, há uma como usurpação dos princípios superiores de direito por parte dos Códigos Civis
que não provêm a tais situações de-extrema dificuldade para a expressão das últimas vontades.
1. CONSIDERAÇõES “DE IURE CONDENDO”. Nada justifica que sejam o estar em alto mar e o estar
mobilizado, as duas únicas circunstâncias extraordinárias, que permitam os testamentos especiais. Os legisladores
do Código Civil não estavam a par da evolução técnica do instituto do testamento em estado de necessidade, do
Nottestament dos povos que abrem veredas ao direito civil. Certo, havíamos de afastar velharias privilegiadas, mas
a fórmula, a que chegaram os legisladores alemães e suíços, alimentada por sensata indução, havia de merecer o
estudo e acolhimento. Aqui, em vez de tratar, em primeiro lugar, de tal fórmula, devemos mencionar os testamentos
especiais que Portugal e o Brasil tiveram, ou ainda há noutros povos.
2. TESTAMENTO “INTER LIBElOS”. As situações são de ordem parental, e não do ambiente. Feito pelos
ascendentes a favor dos descendentes. A praxe portuguêsa recebeu-o do direito romano, e eram escritos ou só
subscritos pelos testadores (ANTÔNIO DA GAMA, Decisiones Supremi Senatus Regni Lusitaniae, d. 61, 109;
JORGE DE CABEIJO, Practicarum Observationum sive Decisionum Supremi Senatws Regni Lusitaniae, d. 199;
ÁLVAI?o VALASCO, Decisionum Consultationum, 67; MELCHIOR FEnO, Decisiones Senatus Regni Lusitaniae,
d. 187, n. 17), nunca, porém, em Portugal, nancupativos, isto é, orais, somente com as duas testemunhas do inter
liberos.
Era, no direito sucessório testamentário, o que, no legítimo, é a partilha em vida. Mas é preciso notar a diferença:
quem “parte” declara, ainda que antes da aquisição, ou pelo adiantamento das legitimas, o direito de cada um,
dividindcv o todo, sem atribuir; quem testa inter liberos não declara, atribui. Aliás, as formalidades eram
diferentes, o que, ainda formalmente, os tornava coisas distintas, como, em verdade, o eram no fundo. No assunto,
reinava escuridade, pela insuficiência da ciência jurídica do tempo: para conseguir salvar
o escrito inter liberos, recorriam à analogia com a partilha dos pais entre os filhos, quando, e êles não viam, por
deficiêneia dos estudos técnicos, o que se passava era a figura jurídica da conservação ou da conversão.
A Ordenança francesa de 1735 teve o testamento inter liberos, só hológrafo, datado, assinado pelo ascendente. Já o
Preussisches Allgemeines Landrecht (P. II, Tit. 11, art. 12, §§ 17 s.), concedia-os aos ascendentes, hológrafos,
datado, assinado. O Código de Sabója (Livro V, Título 1) não lhe dava privilégio de formas. Lei antiga da Espanha,
recopilada na L. 3 do Touro, exigiu-lhe as mesmas solenidades.
Portugal não tinha lei sôbre isso. Mas a praxe, e com o bom fundamento das Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo
80, § 5. Com os Estatutos da Universidade (Livro 2, Título 5, c. 2, §§ 4, 5, 7), foi preferido o direito da Novela 107,
tanto mais quanto havia o exemplo das nações cultas daquele século (cp. FURGOIJE, Traité des Testaments, c. 2, s.
1, ns. 29 s., 85).
Quanto à recepção dêle, tinha razão PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE (Institutiones, III, tit. 5, § 16), e não os
que a negavam: “testamentum parentis”, dizia êle, “inter liberos eosque solos testantis, valet sine ullis
solennitatibus; et satis est, si de illius voluntate constat, vel per scripturam propria, alienave manu subscriptam, vel
per duos testes”. Acrescentou: “et hoc jure in foro utimur”.
Nesses testamentos só se instituiam os filhos, e não pessoas estranhas. Por isso, só os filhos e descendentes podiam
ser contemplados como substitutos. Discutia-se quanto aos legados a estranhos (F. C. HARPPRECHT e DIooo
GUERREIRO CAMACHO DE ABOIM).
Volver-se-á ao assunto quando se tratar de direito internacional privado.
3. TESTAMENTO RURAL. Estava nas Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título 103, § 4) e passou às Ordenações
Alanuelinas (Livro IV, Título 76, § 7), com três testemunhas. Nas Ordenações Filipinas, a diferença só se refere aos
codicilos (Livro IV, Título 86, § 2); mas entendiam alguns intérpretes que isso provava havê-la nos testamentos.
Em verdade, se as Ordenações Filipinas o excluiram, devia entender-se que não mais o havia à sua vigência
(FRANCIsCo PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, d. 2, sec. 8, § 1, n. 280; MANUEL RIBEIRO NETO.
Commentaria in lus Civile, L. 1, tit. 5, n. 2; DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL, Tractatus de Donationibus, L.
2, c. 16, n. 19; MANUEL FIGUEIRA DE NEGREIROS, Introductio ad ultimas voluntates, L. 3, c. 9, n. 2).
Não há no Código Civil. Interessa ao direito internacional privado. Mas, feito perante oficial público, o número de
testemunhas é assunto da lex frei. Escrito e assinado, ou só assinado, é indiferente à lei pessoal, se brasileira, que no
estrangeiro se faça sem testemunha. Nuncupativo, surge a questão geral e o caso subsume-se nela.
4. “TESTAMENTUM AD PIAS CAUSAS”. Foi reconhecido pela Decretal do Papa Alexandre III: coram
presbytero suo, com duas ou três testemunhas (C. 10, X, de test. III, 26). Dêles já se falou e sabemos o que lhes
ocorreu em Portugal.
5. TESTAMENTO EM TEMPO DE PESTE. A respeito dêle, os doutrinadores portuguêses eram decisivos: não no
havia. Não havia lei que o privilegiasse. Mas verdade é que duas decisões se citavam: as que vêm em ANTÔNIO
DA GAMA (Decisiones Supremi Senatus Regni Lusitaniae, d. 81, 210) e em JORGE DE CABEDO (Practicarum
C)bservationum sive Decisionum Supremi Senatus Regni Lusitaniae, d. 170), ao tempo da grassante peste (cp.
FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testa-mentis, disp. 2, 8, § 8).
Legalmente, não existia; mas, diante do estado de necessidade, rendiam-se os praxistas. Daí a dúvida: o afirmar
“não o haver” pelo lado da lei, e não querer assegurar, pelo lado do direito. Vacilações de que deram ffiostras
MANUEL DE ALMEmA E SOUSA (Notas do uso prático, e criticas, III, 265) e
A.J. GOUVEIA PINTO (Tratado regular e prático de Testamentos e Sucessões, 81). PASCOAL JOSÉ DE MEIO
FREIRE (hir stitutiones (uns Civilis Lusitani, L. III, Tít. 5, § 16) não duvidou: “neque praeterea ad ilíjus
validatatem necesse est, quod testes lungantur, et quod eodem momento, et tempore subscribant”.
6.VISTA PANORAMICA DOS TESTAMENTOS ESPECIAIS. Do que dêles dissemos e da discordância que, a
respeito de alguns, havia entre doutrina e prática, ou na própria doutrina, ensinada por essa, tira-se que há
imperfeição nas leis quando, criando testamento em estado de necessidade, arbitrâriamente. limitam tal estado às
batalhas e guerras, ou a elas e às viagens de alto-mar.
Casos há tão graves quanto êsses, ou mais graves do que êsses. Daí a contingência em que fica o juiz: para êles, no
Brasil, por exemplo, o direito do seu país só tem dois testamentos especiais. Mas, perguntemos, ~se lhe
apresentarem um, feito na forma do art. 1.663, pela pessoa que ficou entre as chamas, ou na forma do art. 1.660,
pelo que, cercado de águas o mandou em garrafa, que estava boiando? Não era militar, não estava em guerra, mas
estava nas mesmas circunstâncias. objetivas e, talvez, a serviço de salvação pública.
1.LIMITAÇÃO. O Código Civil somente tratou de dois testamentos especiais: o marítimo e o militar.
São especiais: neles, conservam-se caracteres dos testamentos em geral; dispensa-se-lhes o que os torna especiais.
2. DISPENSAS E ExIGÊNCIAS. Vejamos o que se lhes conserva e o que se lhes escusa; primeiro, o que se não
dispensa com a forma dos testamentos especiais. São ius com-mune, aplicável aos iura singulania dos testamentos
marítimos e militares.
a)Tudo que concerne à faculdade de testar (capacidade de direito).
b)Tôda a matéria de capacidade de testar (capacidade de exercício), cf. art. 1.627.
c)A regra jurídica do art. 1.628.
d)As nulidades de disposições de que cogitam os arti gos 1.719, 1.720 e 1.650, IV e V.
e)As incapacidades de testar passivas, a que se referem os arts. 1.717 e 1.718, e as gerais de direito sucessório.
f)Tôda a matéria imperativa de sucessão legítima, com a quota necessária dos herdeiros legítimos, segundo a lei
pessoal.
g)As disposições captatórias, que são nulas (art. 1.667),. e tudo o mais que o Código Civil estatui quanto a
condições,causa, tempo, incerta pessoa, interpretação das cláusulas, êrro, etc. Em suma: todas as regras jurídicas ds
arts. 1.664-1.769.
h) O que se estatuiu na Parte Geral do Código Civil, quer quanto aos defeitos de vontade, quer quanto às nulidades.
i) A incapacidade das testemunhas (art. 1.650, 1-111, e j) As regras de revogação e ruptura que são inteiramente
aplicáveis. Na mesma guerra ou na mesma batalha, o posterior especial revoga o anterior, se o não completa, ou o
não modifica.
Passemos a cogitar do que se escusa aos testamentos especiais. Quando ocorre o ins singutare da forma do
testamento militar, deixam de se aplicar as exigências de solenuitates internae. Exemplo: cegueira, surdo-mudez,
analfabetismo. Onde ficar admitida a simplificação de forma, exigências internas e externas são igualmente
dispensadas (B. J. HOMMEL, Disser-tatio de ezigua differentia inter testamentum militis et pagani in hostico
conditum, § 23 s.) mas só as solenidades internas que constituem inaptidão a formas testamentárias, e não as que
derivam de incapacidade (de exercício, art. 1.627, e, a fortiori, por absolutamente inderrogável, a de direito). Tão-
pouco se derroga o que está sujeito à lei pessoal.
Hoje, o privilégio do testamento militar não tem aplicação quanto a efeitos, como o de permitir deixas a incapazes.
restrito à forma.
TESTAMENTO MARÍTIMO
2.LEGITIMAÇÀO SUBJETIVA. O Código Civil, art. 1.656, é assaz compreensível: nele estão contempladas
todas as pessoas que se achem em viagem de alto-mar, seja navio de guerra nacional, seja navio mercante nacional.
Donde se tira: que podem dêle usar quaisquer pessoas que a bordo estejam.
Ainda mais:
a>Em viagem de alto-mar, diz-se. Não é preciso que já se esteja, ou ainda se esteja em alto-mar.
b)A legislação brasileira considera aplicável a forma dos arts. 1.656-1.659 do Código Civil aos testamentos que se
fizerem a bordo dos navios brasileiros, ainda que em águas estrangeiras. Assunto, êsse, que suscita questões de
direita internacional privado.
c)Se o testador quiser, dispensará as formalidades da ad. 1.656: seguirá o ad. 1.657.
d)Cessa a testamentifação especial se o navio está em pôrto onde o testador possa descer e testar em terra, pela
forma ordinária.
3.ESCOLHA DAS TESTEMUNHAS PARA O TESTAMENTO MARÍTIMO. Estatui o Código Civil, art. 1.656:
“Ante duas testemunhas idôneas, de preferência escolhidas entre os passa geiros”. Pergunta-se: se não forem
passageiros, mas empregados de bordo, ou gente da tripulação, 2,há nulidade? Não; a regra jurídica, nessa parte, é
meralmente instrucional.
5.NAVIOS DE GUERRA OU MERCANTES. O Projeto revisto, art. 2.001, pôs em têrmos explícitos que o
testamento marítimo concerne aos que se acham em navios nacionais, de guerra ou mercantes. Rigorosamente, não
devia dizê-lo. Não havia dúvida quanto a isso. A dúvida, que havia, e o Código Civil não apagou, é a da extensão
dos testamentos, não maritimos, mas militares, aos soldados e mais pessoas dos navios de guerra.
6.TESTAMENTO EM VIAGEM AÉREA. Viagem pelo ar Luscita duas questões: a) ~ pode o viajante testar pela
forma dos arts. 1.656 e 1.657? b) em tempo de guerra, ~aplica-se aos soldados e mais pessoas nas situações do art.
1.660 o que se estabelece sôbre testamento militar?
Aqui, só nos interessa a primeira.
A lei, a respeito de viagem marítima, diz alto-mar (artigo 1.656), mas em viagem de alto-mar, e não em alto-mar:
o navio que, para aquela viagem, zarpou, é navio em viagem de alto-mar, se bem que ainda esteja no pôrto. Não se
pára, nem se volta navio, para que alguém desça e teste.
Por êsse mesmo argumento, está em viagem de alto-mar, o que, na barca, em busca do navio que o levará e prestes
a partir, precisa testar, e o faz na forma dos arts. 1.656-1.659. Quem vai para longe não volta para testar. Uma
viagem começa com a partida para o navio. A morte não é certa, mas pode temer-se.
Ora, no domínio aéreo, dar-se-á o mesmo. Não se pára uma aeronave para que o passageiro teste. Se a morte é de
esperar-se, e não pode o testador recorrer, em terra, às formas ordinárias (como, por exemplo, se no pôsto de
descida não há os meios, ou é demasiado curta a permanência), deve entender-se aplicável o disposto dos arts.
1.656-1.659. Infelizmente, não se cogitou do assunto na legislação sôbre navegação aerea.
§ 5.920. Feitura e entrega do testamento
2.1-TOLOGRAFIA E ALOGRAFIA. Apesar da exigência da holograf ia, se o testador sabe escrever, o Código
Civil exige as formalidades acauteladoras dos §§ 1.~ e 2.0.
~ A alografia da assinatura só é permitida se o testador não puder ou ndn souber ?screver? Devido ao “querendo”,
poderá parecer que a lei facultou escrita e assinatura a rôgo, quando o testador saiba e possa escrever. Seria
absurdo. O “querendo” só se refere à escrita; e não à assinatura: assina quem sabe e pode assinar; assinatura a rôgo
só se permite (e isso é princípio superior de direito) a quem não sabe ou não pode asszn ar.
A facultatividade holografia, alograf ia só se concede quanto à escrita.
2.EFICÁCIA TEMPORÁRIA DOS TESTAMENTOS ESPECIAIS. Principio comum aos testamentos especiais ou
extraordinários é o de que, feitos, como são êles, em circunstáneias particulares perdem a eficácia quando se passa
tempo após elas cessarem. Não se confundem com as simplificações de outra natureza, que não dizem de perto
com a acidentalidade do ambiente, isto e, com as guerras, as pestes, as inundações e comunicações interceptadas A
diferença é visível nos países que têm o testamento ruri conditum e o in tempore pestis. Aquele é simplificação;
êste, ligado à acidentalidade.
Nos testamentos especiais, extraordinários, acidentais, privilegiados, ou como quer que se lhe chame, cria-se dia
certo em que lhe cessa a eficácia. Se, por acaso, o testador perseverar na sua vontade, tem de renová-la noutra
forma, ordinária, ou, se novas circunstâncias justificarem, em forma especial.
Quem veio de uma guerra e deixa passar o prazo do artigo 1.658 (ou do art. 1.662) pode, voltando, fazer outro
testamento da mesma espécie, ou, embarcado, o do art. 1.656 (ou art. 1.657).
3. EFEITOS DA CADUCIDADE Testamento caduco é nenhum. Assim, se o testamento do Código Civil, arts.
1.656--1.658, caduca pelo passar do último dia dos três meses, último em que persiste, volta a existir e ter efeitos o
testamento que êle revogou.
Em todo o caso, conserva-se e converte-se, quando possível, o que nele se possa aproveitar, reconhecimento de
filho, e o valer como codicilo, se consignado na cédula.
1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.659 do Código Civil: “Não valerá o testamento marítimo, bem que feito no curso
de uma viagem, se, ao tempo em que se fêz, o navio estava em pôrto, onde o testador pudesse desembarcar, e testar
na forma ordinária Cf. Projeto revisto, art. 2.010: “Não se reputará testamanto feito no mar, pôsto que no curso da
viagem, se ao tempo em que foi feito o navio tinha chegado a algum pôrto, salvo o caso de impossibilidade de
comunicação do navio com a terra”.
2.ENTENDIMENTO DA REGRA JURÍDICA. Se o testador pode desembarcar, por se achar em pôrto o navio,
cumpre atender ao seguinte:
a) Só se lhe permite a forma especial, se a despeito de desembarcar não pode, pelo tempo, pela ignorância da
lingua, pela falta de quem o reconheça, ou por outro motivo de igual indo le, testar na forma ordinária. A lei não
diz só:
“não valerá o testamento marítimo.., se, ao tempo em que se fêz, o navio estava em pôrto, onde o testador pudesse
desembarcar”, mas acrescentour. “e testar na forma ordinária”.
b) Permite-se-lhe a forma especial se desembarcou, podia testar, mas sentido-se mal voltou para bordo, e só aí, já
não havendo tempo, ou não podendo descer, resolveu testar. O poder desembarcar e testar na forma ordinária só
se aprecia no momento em que se vai testar: é o princípio da atualidade das circunstâncias extraordinárias,
jústificativas dos testamentos especiais.
c)Descida a terra para função que suponha incógnita não se compadece com o uso da forma ordinária.
d) As proibições de descer importam impossibilidades. Exemplos: por parte do comandante, da policia marítima,
ou da polícia sanitária.
e) São impossibilidades de testar, em terra, na forma ordinária, os estados extraordinários, como as pestes, os
motins e as revoluções. Ao juiz cabe apreciar, com precisão, se houve impossibilidade, ou simples dificuldade.
Também as proibições oferecem alguns problemas, pois que supõem a com-
petência de quem proibe, sem que êsse elemento exija ter a pessoa, que ia descer, de repelir a proibição por parte de
quem se apresentou como autoridade sem no ser. Houve impossibilitação que a policia devera ter evitado.
SEÇIO II
TESTAMENTO MILITAR
2.CRITERIO SUBJETIVO E OBJETIVO DO TEXTO LEGAL. O art. 1.660 do Código Civil prevê os seguintes
casos:
a) Militares e mais pessoas ao serviço do exército em campanha, dentro ou fora do país.
b)Militares ou mais pessoas em praça sitiada. Não se disse se em terra do Brasil, ou do estrangeiro. Mas há de
entender-se num e noutro caso.
c) Militares ou mais pessoas em praça que esteja de ~comunicações cortadas.
É evidente o intuito de aplicar o testamento ao caso bélico, quer se trate de campanha, quer de praças que estejam
sitiadas ou sem comunicação.
Aqui, põe-se à mostra que a adjetivação militar, constituindo instituto à parte, já destoa do princípio. Se o militar
foi, com o seu corpo, salvar populações cujas comunicações estão cortadas por acidente (não bélico) e fica na
mesma posição, apode usar da forma do art. 1.660? Se pode, também dela podem usar as outras pessoas: a lei diz
“militares e mais pessoas”. Tudo isso evidencia a inferioridade técnica em relação aos Códigos Civis alemão e
suíço.
3.INTERPRETAÇAO DA LEI. A solução que os princípios superiores de direito nos aconselham é a seguinte: Se
o militar recebe ordem de trabalho de salvação pública, é como se estivesse ao serviço do exército em campanha.
Onde pode o militar, pode qualquer pessoa, se o mesmo o perigo.
Tem-se de saber quais são as pessoas que podem invocar os arts. 1.656-1.668 do Código Civil, isto é, quais as
pessoas que, hoje, podem testar iure militari.
Oque é preciso é que esteja in expeditione occupatus. donde o testamento militare e o quasi militare. É a razão do
mesmo perigo: cum eadem pericula experiantur (L. única, pr., D., de bonorum possessione ex testamento militis,
37, 18). Sôbre hosticolo, hostico, hostilis locus, hosticus locus, que se procurou ler na L. única, prevalecendo o
primeiro (GERII. NOODT, Opera 1, 36; C. VAN BYNKERSHOEK, Observationes juris Romani, IV, obs. 20; E. J.
HOMMEL, Dissertatio de exigua dif ferentia inter testamentum militis et pagani in hostica conditum, §§ 23 5.; G.
E. HAENEIJ, Dissertatio II, 4; F. C. HARPPRECRT, Dissertatio 1. et II. de testamento Pagani in hostico condito,
Disputationes academieae, II, §§ 64 5.; e Cmi. RAU, flissertatio de discrimine inter testamentum militare et
testarnentum pagani in hostico conditum, 1 s.).
As enfermeiras que receberam ordem para seguir as tropas não consideradas militares para os efeitos dos textos
legais.
4. DO SOLDADO QUE SE ACHA NAS TROPAS. -~ Pode testar pela forma militar a mulher do soldado que se
acha nas tropas? Esta, evidentemente, partilha dos mesmos riscos. Se não se acha contra a lei, residia legalmente,
corria os mesmos perigos. Nada se afaste que ela entra na imensa classe dos omnes omnino, qui inre mititari testari
non possunt, mas há as circunstâncias que a sujeitaram aos mesmos riscos. Todos entram na classe, frisam; salvo os
que proíbidamente lá se acham, ou com fins ilícitos.
A questão não é tão simples. No Codez Maximilianus Ravaricus, é de entender-se que sim, seguindo-se a W. X. A.
VON KREIT’rMAYR. Aqui, é que o princípio do testamento tem de ser invocado: ou êle se dá pelo perigo e
extraordinariedade. ou pela natureza do serviço. No primeiro caso, a mulher élegitimada a testar com a forma
especial. No segundo, não. Salvo se serve. Isso é, se está obrigada à guerra, à permanência. No Freussisches
Aligemeines Landrecht, P. 1, tit. 2, § 180,falava-se de “todas as pessoas, que são obrigadas a seguir o exército”.
Mas no § 181. incluía-se “voluntários”; no § 182, o próprio refém. Quanto à mulher e aos criados, GUSTAv ALEX.
BIELITZ (Praktischer Kommentar zum alígem. Landrechte fitr die Preussischen Staaten, 2~a ed., § 180), afirmava-
o, peremptõriamente. H. GILXFF, L. v. RÕNNE e E. SIMON (Ergiinzungen und ErlLiuterunqen der preussischen
Rechtsbúcher durch die Gesetzgebung und Wissenschaft unter Renutzung der JustizministenaZ Alcten und der
Gesetz-Revisions-Arbeiten, 1 s.), negavam-no. E. STEIDLE (Das Soldaten-Testament, 38 s.) distirguia: criados e
mulher têm o privilégio, se prestam serviços, ou “se estão obrigados a seguir”. (É evidente a superioridade técnica
do Landrecht de 1794 em relação com o Codez Bavaricus.) Gente de guerra é quem serve, ainda voluntàriamente,
ou quem é obrigado a servir.
Mas, se às mulheres foi permitida aproximação das tropas e permanência, e foram feridas, ou, deentes, lhes faltam
os meios, seria injusto afastar-lhe o emprêgo da forma extraordinária.
O serviço militar começa com a mobilização; a circunstância extraordinária (sítio, corte de comunicações)
estabelece desde logo a aplicação do- Código Civil, art. 1.660.
A permissão vale obrigação. A guerra, em si, não a faria apta a utilizar o testamento especial, mas o juiz não deve
deixar de cumprir êsse testamento: um dever mais uma permissão levam-na, lá, aos campos de batalha.
~Quid iuris, se só há o dever?
Aqui, intercedem princípios superiores de direito. Seria desumano, anti-social, negar validade a quem penetrou nos
campos de batalha para ver o marido, o filho, o irmão, o noivo, ou o pai, e lá adoeceu, está a falecer, e quer dispor
dos seus bens. Serão êsses mesmos princípios superiores de direito a que acodem os legisladores quando, no após-
guerra, se redigem leis sanatórias para todos os atos testamentários das regiões devastadas, sitiadas ou submetidas.
Direito é instrumento de Justiça. Há de servir, e não desservir aos homens, às consciências. ~ um pouco de
adaptação entre sêres que pensam, que sentem, e querem o bem.
A mulher de um soldado que mora em fortaleza, ou em farol militar, pode usar, havendo as circunstâncias
extraordinárias, o testamento militar.
5.CASO ESPECIAL DAS MANOBRAS MILITARES. Os militares ou demais pessoas feridas em manobras, ou
que estiverem a falecer na ocasião delas, podem usar das formas especiais. Quanto ao Código Civil, arts. 1.656-
1.659, não há dúvida:
estão a bordo as pessoas. Quanto aos arts. 1.660-1.663, manobras são serviços militares, que podem provocar
acidentes graves, e é de natureza de tais exercícios tratarem-se os casos como em guerra: as ambulâncias levarão os
enfermos, unidade de um corpo, o que não deve ter o efeito de suspender as evoluções, os ataques, as defesas. Se o
ferido (ou vítima de outro meio mortífero) entender de declarar as suas últimas vontades, o oficial de saúde, ou o
diretor do estabelecimento deve tomá-las por escrito (art. 1.660, § 29). Não tendo de escrever, pela maneira que se
admite no art. 1.668. Não tendo sido conduzido por ambulância para pô5to de saude e achando-se em corpo
destacado, escrever-lhe-à o testamento o comandante respectivo, ainda que oficial inferior (art. 1.660, § 19).
Escreve o testamento do oficial mais graduado aquele que o substitui (art. 1.660, § 3.O)
6.AVIADOR MILITAR E TESTAMENTO. O Código Civil não permite somente o testamento militar em serviço
de campanha; reconhece-o aos militares e mais pessoas ao serviço do exército, se em praça sitiada, ou em praça não
sitiada, que esteja de comunicações cortadas. A situação do aviador ou da pessoa a serviço do exército ou das
fôrças aéreas, que se ache em aeronave de onde não possa descer, como no caso de defeito mecânico que apenas
retarde a queda, equipara-se à daqueles soldados ou pessoas a serviço do exército que se achem num forte, cujas
comunicações foram cortadas. O estado de necessidade é o mesmo.
7.OFICIAL DO TESTAMENTO PÚBLICO MILITAR. Tôda a organização militar constitui-se de unidades com
chefes, grupos de unidades com chefes. Grupos de unidades formam novos corpos, à frente dos quais há um
comandante. O comandante, a que se refere o Código Civil, é o da unidade imediata: a primeira patente superior
que comanda. Se a seção do corpo se acha separada, por ser, por exemplo, de guarda, de vigia, de reconhecimento,
de exploração, o chefe dêsse grupo sôzinho é o oficial público a que se refere a lei.
Ooficial que se recusa a isso comete infração das leis e responde civil e criminalmente. Cabe a própria ação de
perdas e danos. Exemplo: se se negou e o testador, recorrendo a outro meio, testar nulamente.
1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.661 do Código Civil: “Se o testador souber escrever, poderá fazer o testamento de
seu punho, contanto que o date e assine por extenso, e o apresente aberto ou cerrado, na presença de duas
testemunhas ao auditor, ou ao oficial de patente, que lhe faça as vêzes neste mister”.
2.EXIGÉNGIA DE NOTA. Lê-se no Código Civil, artigo 1.661, parágrafo único: “O auditor, ou oficial a quem o
testamento se apresente, notará, em qualquer parte dêle, o lugar, dia, mês e ano em que lhe fôr apresentado. Esta
nota será assinada por êle e pelas ditas testemunhas”. Cf. Projeto revisto, art. 2.014: “Se o testador souber escrever,
poderá fazer testamento por seu próprio punho, contanto que o date e assine por extenso e o apresente, aberto ou
cerrado, na presença de duas testemunhas, ao auditor ou ao oficial de patente que para êsse fim o substituir”.
Acrescentava o parágrafo único: “O auditor ou o oficial, a quem o dito testamento fôr apresentado, escreverá em
qualquer parte dêle uma nota do lugar, dia, mês e ano em que foi apresentadO. Esta nota será assinada por êle e
pelas ditas testemunhas, dando-se ao testamento a destino indicado no art. 2.008”.
1.TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.662 do Código Civil: “Caduca o testamento militar, desde que, depois dêle, o
testador esteja, três meses seguidos em lugar onde possa testar na forma ordinária, salvo se êsse testamento
apresentar as solenidades prescritas no parágrafo único do artigo antecedente”.
Cf. Projeto primitivo, art. 1.885: “O testamento feito na conformidade do mesmo artigo fica nulo três meses depois
da volta do testador ao lugar onde possa testar em forma ordinária”. Revisto, art. 2.017: “O testamento feito na
conformidade do mesmo artigo fica nulo três meses depois da volta do testador a lugar onde possa testar em forma
ordinária, salvo hipótese do art. 2.014, parágrafo único”.
2.ENTENDIMENTO DA REGRA JURÍDICA. Aqui, como a respeito do Códigd Civil, art. 1.658, a vitalidade do
testamento é curta: o mesmo prazo de três meses. Salvo se fôr da espécie do art. 1.661, acrescentado das
formalidades do art. 1.661, parágrafo único. Portanto, podemos dizer que o testamento do art. 1.661, parágrafo
único, constitui forma ordinária, no tocante à durabilidade. Apenas, para ser feito, é que se lhe exige a limitação do
art. 1.660.
a)Ao testamento escrito pelo chefe militar (art. 1.660, § 1.0).
b)Ao testamento escrito pelo oficial de saúde ou pelo diretor do estabelecimento (art. 1.660, § 2.0).
c)Ao testamento escrito, datado e assinado pelo testador, aberto ou cerrado, entregue ao superior (art. 1.661).
d) Ao testamento nuncupativo do art. 1.668.
O prazo, nos casos a), b) e c), é o de três meses, contados de quando o testador chegou a lugar onde podia testar na
forma ordinária. Claro que, no caso de permanência em terra estranha, não se conta o prazo: o militar não testa pela
ler boi do Estado adversário. Já foi decidida ta questão.
No caso d), o prazo é incerto: se o testador morre na guerra, vale; não vale, se convalesceu o testador.
A caducidade não concerne ao testamento do art. 1.661 com as formalidades do parágrafo único.
1. TEXTO LEGAL. Diz o art. 1.663 do Código Civil: ‘As pessoas designadas no art. 1.660, estando empenhadas
em combate, ou feridas, podem testar nuncupativamente, confiando a sua última vontade a duas testemunhas”. E o
parágrafo único: “Não terá, porém, efeito êsse testamento, se o testador não morrer na guerra, e convalescer do
ferimento”.
Cf. Projeto revisto, art. 2.015: ‘No conflito da batalha, ou estando feridas, podem as pessoas mencionadas no artigo
2.013, testar nuncupatívamente só com duas testemunhas. ainda que saibam e possam escrever”; parágrafo único:
‘¶Éste testamento deixará de ter validade se o testador não morrer na guerra, ou logo que se restabeleça do
ferimento”; art. 2.016: “Os testamentos, de que trata o artigo antecedente, ser&o remetidos com a possível
brevidade ao Govérno, nos têrmos da art. 2.008”.
3.GASES ASFIXIANTES E OUTROS MEIOS DE GUERRA. O texto do Código Civil, art. 1.663, fala de pessoas
feridas. Mas deve entender-se que também gozam da nuncupatividade excepcional, com só duas testemunhas, os
militares e mais pessoas em serviço de guerra, que por motivo de qualquer recurso bélico, como os gases
asfixiantes ou lacrimogênicos, ou acidentes de batalha se achem em perigo de morte, O perigo de morte, em
conseqúência de serviço de guerra, ou a impossibilidade de usar de formas ordinárias, devido a êsse mesmo
serviço, tal o que deve orientar-nos na aplicação do artigo 1.668. Em razão disso, o cego, que a guerra cegou, e
ainda dela, de fato, não saiu, pode testar, oralmente, de acôrdo com o art. 1.663.
2. TESTAMENTOS ESPECIAIS NO DIREITO ARGENTINO. Além das regras jurídicas do Código Civil
argentino, referidas a propósito dos testamentos ordinários, é de interêsse lembrar as seguintes:
a) Quanto ao testamento marítimo: “Los que naveguen en un buque de guerra de la República, sean ó no individuos
de la oficialidad é tripulación, podrán testar ante eI comandante deI buque y tres testigos de los cuales dos à lo
menos sepan firmar. El testamento debe ser fechado. Se extenderá un duplicado con las mismas firmas que eI
original” (artigo 3.679). Mais: “Si el buque, antes de volver á la República, arribare á un puerto extranjero en que
haya un agente diplomático ó un cónsul argentino, eI comandante entregará á este agente un ejemplar del
testamento, y el agente lo remitirá aí Ministro de Marina, para los efectos que se ha dispuesto respecto aí
testamento militar. Si eI buque volviese á la República, lo entregará aí capitan dei puerto, para que lo remita á
iguales efectos aí Ministerio de Marina” (art. 3.681). Regra jurídica que assaz interessa aos testamentos que tenham
de ser cumpridos no Brasil está no art. 3.685: “El testamento no se reputará hecho en eI mar, si en la época en que
se ortorgá se se haílaba ei buque en puerto donde hubiese cónsul de la República”.
3.TESTAMENTO DO MILITAR NO DIREITO SUÍÇO. No direito suíço, art. 507, alínea &a, o testamento de
militar em serviço constitui espécie do testamento oral a que se referem os arts. 506-509 do Código Civil suíço. Por
isso, consulte-se o que se disse sôbre o Código Civil brasileiro, art. 1.629. Lê-se no texto alemão: “Errichtet der
Erbiasser die múndijebe Verfúgung im Militârdienst, se kann em Offizier mit Hauptmauns- odor hóherem Rang die
Gerichts- behórde ersetzen”. No texto francês: “Si les derniêres dispositions émanent d’un militaire au service, un
officier du rang de capitaine ou d’uíi rang supérieur peut remplacer l’autorité judiciaire”. Serviço de paz, ou serviço
de guerra. O que importa, para a substituiçao da autoridade jurídica, é o pôsto do oficial, e não a sua função. Nem é
de mister que o testador esteja sob as ordens dêle. O oficial é obrigado, sob pena de morte e danos, a receber tais
disposições de última vontade (EUGÊNE CURTI-FORRER, Commentaire dn Code Civil suisse, 402).
Tanto a regra jurídica tem pus regit actum quanto a outra, locus regit actum, podem servir a fraudes. Donde a
possibilidade de fraude à lei em direito internacional privado e em direito intertemporal do testamentos.
2.FORMAS TESTAMENTÁRIAS E FRAUDE À LEI EM DIREITO INTERTEMPORAL. Tem pua regit actum:
o testador, sabendo que no próximo ano estará em vigor lei que facilitará a testamentífação, pelo dispensar, por
exemplo, algumas testemunhas, escreve o testamento, data-o de qualquer dia do próximo ano. Temos exemplo
frisante de testamento in traudem legis e a lei violada, melhor diremos, fraudada, foi a les» tempus. Tal testamento
é nulo de pleno direito.
Outro exemplo. A lei do tempo A permite o testamento de mão comum, e a lei do tempo E proibiu-o. Os testadores,
querendo testar conjuntivamente, antedatam as suas disposições de última vontade. Tal testamento é nulo, por ser
em fraude da lei. Fraudou-se a les» tempus. No primeiro exemplo, recorreu-se à lei futura permissiva; aqui, evitou-
se a lei proibitiva de hoje, recorrendo-se à permissiva do passado.
3.FRAUDE À LEI EM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Para o direito contemporâneo, a les» loci é
permitida, ora em primeira plana, como no Brasil, ora em segunda plana, como ocorre no direito internacional
privado da Alemanha. Somente onde a Les» loci fôsse obrigatória, cresceriam as possibilidades de fraudações. Por
isso mesmo são raríssimos os casos no regime da facultatividade da les» loci. Os dois casos que se citam, o do
Tribunal de Oldemburgo, de 1859, e o de uma Côrte de Apelação italiana, de 11 de junho de 1867, foram decididos
diferentemente: no primeiro, negou-se a nulidade de testamento do Oldemburguês feito na cidade livre de Brema,
pôsto que para lá fôssem com êsse fim (JAKoB VETSCH, Die Umgehung des Gesetzes, 151) ; no segundo, anulou-
se o testamento do italiano que se fêz no estrangeiro para evitar a aplicação da lei italiana.
Seria perigoso simplismo julgar-se que a facultatividade da les» loci afasta ou elide a invocação da fraude à lei em
matéria testamentária.
Se o testador, cego, surdo, sem que as formas respectivas sejam pela lei pessoal reputadas intrínsecas (porque
então, sendo intrínsecas, a fraude à les» loci seria inoperante e inútil)> sai do seu país para testar por forma
proibida pela les» loe do país a que pertence, claro que se dá fraude à lei. Dír-se-a o mesmo no caso de domicílio,
em vez de pátria.
Em relação aos testamentos extraordinários, é mais fácil fraudar-se a lei: o testador declara o que fêz no campo de
batalha, ou a bordo de um navio estrangeiro, cuja lei lhe dispense testemunhas, ou usará de outra falsa
circunstância que por lei o habilite a simplificações de forma.
CAPÍTULO XXVI
1.TESTAMENTOS E “UNITAS ACTUS”. A unitas actus no testamento público é caso particular da unitus actus
nas escrituras públicas: porque o testamento público é instrumento público subordinado a requisitos especiais. Mais
cuidado inspirou as cautelas que o cercam, além das regras jurídicas gerais concernentes às escrituras públicas. É
exatamente a propósito dos testamentos que assume tôda importância saber-se em que consiste a unitas actus, pois
os legisladores, na esteira da velha política jurídica, protetora da vontade dos testadores e asseguradora da verdade
nas relações humanas, a cada passo a consideraram essencial à forma testamentária. FRANCK (Arckiv flir
praktiscke flechtswissenschaft, VI, 374- 386) levantou a questão de se saber se o testamento público, no sentido
estrito, exigia a unitas actus. A resposta foi af irmativa. Seguiu-o, à risca, RUDOLPH FREIHERR VON
HOLZSCHUHER (Theorie und Casuistik des gemeineu Civilrechts, II, s.a ed., de J. E. RUNTZE, 374 e 738).
Hoje, no testamento cerrado, há a izcdicialis lides desde a entrega, que é testemunhada (privata lides). A escrita não
no é. No testamento público (stricto seus), tudo se passa com indicialis lides e privata lides, e não cabe qualquer
dúvida.
2.DADOS HISTORICOS. Dizia-se nas Ordenações Aforsinas, Livro IV, Título 103: “Costume foi e he
d’antigamente em estes Regnos geeralmente usado, julgado, e appellado, e confirmado em Juizo contraditorio, se o
testamento he feito com. cinquo testemunhas, ainda que algumas delas sejam molheres, tal testamento vai, e ha
avudo por boom e valioso, assy como se tevesse sete testemunhas todos barooês. E porque costume sempre
d’antigamente assy foi guardado, como dito he, algumas vezes recreciam sobre elIo duvidas, e contendas em Juizo.
E porque nossa teençom com a graça de Deos he dar modo e maneira, como as demandas a todo nosso poder sejam
tolhidas, acordamos mandar aqui escrepver o dito costume, por tolher as duvidas, que d’outra guisa poderiam
acontecer, como dito he”. No § 1/’: “O qual costume declaramos em esta guisa. Primeiramente mandamos, que aja
em todo testamento, assy aberto feito por Tabelliam, como no cao que tever estormento pruvico nas costas, e que as
testemunhas em elIe contheudas sejam todas barooês, e homenns que nom sejam servos, e que sejam maiores de
quatorze annos, em tal guisa que com o Tabeliam, que fizer o testamento, ou instrumento nas costas delle, sejam
seis As Ordenações Afonsinas mantinham exigências que bem demonstravam não se satisfazer o legislador com o
que se usava. no tocante a escrituras públicas em geral, sendo de notar-se que eram satisfeitas as demais exigências
do direito romano..
1. TESTAMENTO PÚBLICO. Nas Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título 76, pr., lia-se: “Querendo algíla
pessoa fazer testamento aberto por Tabaliam pubrico, pode-lo-ha fazer, com tanto que tenha cinco testjemunhas
baroês liures, ou reputados por liures, e sejam maiores de quatorze annos, por maneira, que com o Tabaliam que
fezer o testamento sejam seis testemunhas; o qual testamento o dito Tabeliam escreuerá em sua Nota, e será
assinado por as ditas testemunhas, e pelo. testador se souber ou poder assinar, e nom sabendo ou nom podendo,
assinará por elIe húa das ditas testemunhas, a qual loguo dirá ao pee do final, como assina por mandado do dite
testador, por nom saber ou nom poder assinar, e tal testamento será firme e valioso”.
As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, pr., repetiu-o: “Querendo alguma pessoa fazer testamento aberto por
Tabelião público, podê-lo-á fazer, contanto que tenha cinco testemunhas varões, ou tidos por livres, e que sejam
maiores de quatorze anos, de maneira que com o Tabelião, que fizer o testamento, sejam seis testemunhas. O qual
testamento o Tabelião escreverá nas Notas, e será assinado pelas ditas testemunhas e pelo testador, se souber e
puder assinar; e não sabendo, ou não podendo, assinará por êle uma das testemunhas, a qual logo dirá ao pé do
sinal, que assina por mandado do testador, por êle não saber, ou não poder assinar. E tal testamento será firme e
valioso”. Assim, se alguma pessoa queria fazer testamento aberto (testamento público, no sentido estrito), cinco
haviam de ser, e do sexo masculino, as testemunhas (“testemunhas varões livres, ou tidos por livres, maiores de
quatorze anos”), de modo que, com o tabelião, fôssem seis es figurantes, além do testador. Escrito nas costas pelo
tabelião, havia de ser assinado pelas testemunhas e pelo testador se soubesse ou pudesse assinar. Não no sabendo,
ou não no podendo, assinaria por êle uma das testemunhas (note-se a diferença em relação às escrituras públicas
em geral, para as quais, sendo duas as testemunhas exigidas, mister seria mais uma, ou terceiro assinante). O que
assinasse a rôgo tinha de dizer (menção pelo próprio assinante) que assinava por mandado do testador, com a razão
de o fazer. de notar-se que, a despeito de não serem claras as Ordenações, sempre se exigia a co-presença das
testemunhas e do testador.
2.CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. O Código Civil fêz de direito material, civil, o que devera pertencer ao direito
administrativo formal ou ao direito processual extrajudiciário. Mas persiste, como de direito público, tudo que diz
respeito, em geral, à função do oficial público e às formalidades comuns das escrituras públicas. No corpo do
Código Civil, o art. 1.632 é direito material sóbre forma. Nele são enumerados requisitos “essenciais”. Vale dizer:
requisitos sem qualquer dos quais não vale o ato, por omissão ou infração de regra jurídica de forma. Não são os
únicos requisitos “essenciais” tocantes às formalidades: há a portada por fé, a que se refere o art. 1.684; e o mesmo
se há de dizer quanto ao que é forma nos arts. 1.633, 1.636 e 1.637.
Os textos do Código Civil, que substituiram o direito renícola, caracterizam-se pelo rigor formal e pelo corte de
todas as questões que poderiam nascer do laconismo das Ordenações Filipinas.
3.FATOs E “UNITAS ACTUS”. Desde logo observemos que a lei mantém a distinção entre fato e menção. São
fatos: a)ter sido escrito, por oficial público, em seu Livro de notas; b) ter sido ditado pelo testador, em língua
nacional, ou toma• do, pelas declarações dêle, em língua nacional e na presença de cinco testemunhas (art. 1.632,
1, e parágrafo único) ; e) terem as testemunhas assistido a todo o ato (art. 1.632, II) ei) depois de escrito, ter sido
lido pelo oficial público, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo testador, se o quis, na presença dessas
e do oficial público (terceira vez que o Código Civil alude à co-presença, art. 1.632, III) ; e) ter sido, em seguida à
leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial público (art. 1.632, IV); /) se o testador não sabia ou
não podia assinar, ter sido assinado, a rôgo do testador e, em vez dêle, por uma das testemunhas instrumentárias
(art. 1.633) ; g) se o testador era surdo, mas sabia ler, ter sido lido por êle, ou, se não sabia ler, ter sido lido por
outrem, em seu lugar, presentes as testemunhas (art. 1.636)
Iv) se o testador era cego, ter sido lido, em alta voz, duas vêzes, uma pelo oficial público e a outra por uma das
testemunhas, designadas pelo testador (art. 1.637).
Tais fatos, por definicão, precisam ter acontecido. são coisas diferentes ter acontecido e ser mencionado. Se o
Código Civil se tivesse satisfeito com a só ocqrrência dos fatos, teria ficado na enumeração dos chamados
requisitos essenciais. Todavia, depois da lista dos arts. 1.632 e 1.633, que corresponde às letras a) a f), acima
apontadas, ordenou que o oficial público especificasse cada uma dessas formalidades (menção>. Quer dizer:
mandou que dissesse ter sido escrito, no Livro de notas, de acôrdo com o ditado, ou as declarações do testador, em
presença de cinco testemunhas (art. 1.632, 1), que as testemunhas assistiram a todo o ato (art. 1.632, II), que,
depois de escrito, foi lido pelo oficial público, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo testador, se o
quis, na presença dessas e do oficial público (art. 1.632, III), que, em seguida à leitura, foi o ato assinado pelo
testador, pelas testemunhas e pelo oficial público (art. 1.632, IV), que, no caso do art. 1.633, foi assinado a rOgo. A
obrigação de especificar é distinta da obrigação de portar por fé, no testamento, haverem sido observadas tOdas as
formalidades constantes do art. 1.632.
4. CONCLUSÃO. O testamento público há de ser una actu, com a presença contínua das testemunhas, do oficial
público e do testador. É regra juridica da L. 21, § 3, D., qui testamenta facere possunt et quemadmodum testamenta
fiant, 28, 1: “Uno contextu actus testari oportet, est autem uno contextu nuílum actum alienum testamento
intermiscere: quod si aliquid pertinens ad testamentum faciat, testamentum non vitiatur”. Deve-se testar com um só
contexto de ato. Há um só contexto de ato se não intervém ato estranho ao testamento:
se algo se fêz pertinente ao testamento, não se vicia o testamento.
5. Voz IX> TESTADOR. Pretendeu-se introduzir no Brasil o testamento público somente por nota escrita do
testador. Não no há; não se compadece com êle o direito brasileiro, O testador declara ou difli, isto é, fala ou lê o
que escreveu, ou entrega e declara. A sua voz é essencial. Se o testador é mudo, ou não pode fazer de viva voz as
suas declarações, não lhe épermitido fazer testamento público (art. 1.635 do Código Civil>. Se é surdo, sem ser
mudo, dispensa-se a leitura a êle, porém não a voz dêle nem a leitura às testemunhas (art. 1.636). Não há
testamento público sem a voz do testador.
O Supremo Tribunal Federal, na Carta testemunhável n. 7.466, a 3 de junho de 1938, pôs côbro ao que se insinuava
em pareceres e julgados, salvando a letra do Código Civil (1?. P., 76, 32-34) : .... . é sustentada uma tese contrária
àletra do Código Civil que preceitua: “Art. 1.632. São requi altos essenciais do testamento público: 1. Que seja
escrito por oficial público em seu Livro de notas, de acôrdo com o ditado ou as declarações do testador, em
presença das testemunhas”. O preceito exige, como requisito essencial, que o testador dite ou declare a sua última
vontade; não basta a entrega, por êle, de simples minuta, nem o assentimento final, ou ouvir a leitura feita pelo
notário; pois isto constitui outro requisito, o IV.Assim opinou o Relator dêste Acórdão, no seu Direito das
Sucessões, 379-382, apoiado em F. LAURENT, C. DEMOLOMBE, CLÓVIS BEvILÁQUA, ITABAIANA DE
OLrVEIRA, F. ENDEMANN, EUGÊNE CURTI-FORRER, F. RIca, O. P. CHIRONI, E. PACIF 101- .-MAZZoNI,
AUBRY E RAU, BAUDRY-LACANTINERIE e MAURICE COLIN, JOAQUIM AUGUSTO DE ALMEIDA,
PONTES DE MIRANDA e MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA. PONTES DE MIRANDA (Tratado dos
Testamentos, II, 210) é explícito: “O notário não pode limitar-se a copiar a minuta ou projeto, salvo se o próprio
testador lhe lê”. O Código Civil francês apenas fala em ditado. Eis o seu texto: “Art. 972: Se o testamento é
recebido por dois notários, êle lhes é ditado pelo testador”. O art. 971 definira: “Testamento por ato público é o
recebido por dois notários”. Dando a inteligência do preceito imperativo, ensinaram AUBRY e RAU e E. BARTIN
(Cours de Droit civil, 10, 5•5 ed., 644 s.) “tIe (testamento) seria nulo, se o testador não manifestasse a sua vontade
senão por meio de notas entregues ao notário, ou, até mesmo, por um projeto que o notário se limitasse a copiar;
porém não resulta da regra exposta que o testador não possa ditar o seu testamento, no sentido legal da palavra,
lendo ao notário e às testemunhas um projeto de testamento redigido de antemão”. C. BEIJDANT (Des Donations
entre vifs et les Testantents, j, 2a ed., 283) manda, não só anular o testamento cuja minuta foi apenas entregue ao
tabelião, mas também responsabilizar o oficial. Como se viu, o repositório de normas gaulesas usa uma só das
expressões do brasileiro: ditado; o italiano adota uma só, porém a segunda empregada entre nós: declarar, fazer
declaração. Eis as suas palavras: “O testador declararás ao notário, em presença das testemunhas, a sua vontade”.
LUla BORSARI (Commentario deI Codice Civile italiano, III, § 1.688) leciona: “De resto, não é vedado, antes
precaução ótima do testador será, o consignar aquilo que êle pretende dar a conhecer ao notário. em escrito não-
fechado, de sua própria ou de alheia mão; com a advertência, porém, de o ler éle próprio, de modo que seja
compreendido também pelas testemunhas”. No mesmo sentido, e talvez com profligação da nulidade, em tom mais
enérgico, se nos depara a lição de NICOLA STOLFI (Diritto civile, VI, 1236) e F. DEGNI (La Successione
testamentaria, 1, 134 s.).
Infere-se do exposto que nem da palavra ditar, nem da dedorar, ou declarações, pode o intérprete concluir que
tanto se permite a manifestação oral da última vontade, como a simpIes entrega de projeto ou minuta ao notário
para que êsse. traslade no Livro de notas. As duas expressões, conjugadas, redundam no estabelecido com
admirável clareza pelo Código espanhol: “Art. 679. Trata-se de testamento aberto, sempre que o testador manifesta
a sua última vontade na presença das pessoas que devem imprimir autoridade ao ato, ficando inteiradas do que no
mesmo se dispõe”. Pouco menos trans-lúcida a linguagem do repositório brasileiro de normas civis:
“de acôrdo com o ditado ou as declarações do testador”. O vo cábulo ditado, inserto no texto positivo, torna
evidente, como se entendeu na França, que, na hipótese de se servir o disponente de qualquer minuta, não basta
entregá-la ao oficial; deve ditar, isto é, lê-la, em voz inteligível, perante as testemunhas. A palavra declarações
também força a exposição oral do intento liberalizador, como se concluiu na Itália. As duas expressões se
completam, harmônicas, visando um só objetivo; não abrir margem, uma, ao que a outra impede; ambas colimam a
publicidade da manifestação, o conhecimento das liberalidades pelas pessoas chamadas a assistir ao ato. O testador,
ou declara espontâneamente, auxiliado só pela própria memória, as liberalidades que deseja fazer, ou dita, isto é, lê
as notas, o esbOço ou a minuta que elaborou ou mandou elaborar, para maior segurança e método na exposição do
seu derradeiro querer. Entretanto, o tribunal paulista declarou suficiente a entrega silenciosa de um rascunho ou
minuta ao tabelião. Existe, pois, um fundamento para o remédio excepcional instituído pelo estatuto básico”.
Já o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 4 de julho de 1933, havia seguido o reto caminho: “O art. 1.632 do Código
Civil, estabelece que, entre os requisitos essenciais para a validade do testamento, está o de ser escrito por oficial
público em seu Livro de notas, de acOrdo com o ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco
testemunhas. No testamento das fôlhas..., que se pretende anular, o testador não ditou nem declarou as respectivas
disposições testamentárias. Estas, conforme consta da escritura pública das folhas.., em confronto com os
depoimentos das testemunhas do ato, não foram feitas espontâneamente pela testadora, tendo-se o oficial limitado a
ler e copiar a minuta entregue, sem que fôsse ditada pela testadora. Ora, a lei o exige, expressa-mente, para a
validade do testamento, e é curial que, em matéria de testamento, o texto da lei deve ser rigorosamente entendido e
estritamente interpretado” (1?. dos 7’., 88, 177 s.). Confirmado em grau de embargos, a 1.0 de junho de 1934 (93,
159).
A 33 Câmara da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 11 de junho de 1934, tentou fixar a suficiência da entrega
de minuta, sem que a lêsse o testador (11. dos 7’., 107, 353 s.) “Alegaram ainda os autores que o testamento era
nulo de pleno direito porque tinha sido feito com violação do art. 1.632, 1 e III, do Código Civil, combinado com
os arts. 1.634, parágrafo único, e 1.635 do mesmo Código, visto como o testador não fizera de viva voz as suas
declarações, nem verificara pela sua leitura se elas tinham sido fielmente exaradas naquele documento. Entretanto,
o tabelião, à proporção que escreveu o testamento, foi consignando uma por uma as formalidades legais, que
constituem os requisitos essenciais nos documentos desta natureza, inclusive mencionou expressamente que tinha
escrito as disposições de última vontade pelo que lhe dissera o testador. ~ certo que os autores entendem que o
testador não fêz pessoal e diretamente suas declarações, por ter dito o tabelião, em seu depoimento, que recebera do
testador as notas das declarações que deveriam ser incluidas no testamento. Aliás o tabelião, assim depondo,
acrescentou que, “nessa ocasião, o testador, entregando a êlé depoente uma meia fôlha de papel almaço com notas
escritas a lápis, disse a êle depoente-que queria que fOsse o seu testamento, que era para o fim de ser instituida
herdeira única d. M., que estava presente, no mesmo quarto do testador, etc.”. A Côrte de Apelação, em sessão
plena a 15 de abril de 1936, reexaminou o caso, mas o relator não entrou no estudo das questões jurídicas
resultantes da alegação, e lacônicamente concluiu que não havia errônea interpretação da lei (1?. dos 7’., 107, 351
s.).
No acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, datado de 14 de abril de 1931 (R. dos T., ‘79, 116 e 177), a ementa
vai mais longe que a sentença confirmada, lacônicamente, por êle. Diz a ementa: “A interferência de advogado,
redigindo cláusulas do testamento, não o nulifica, uma vez que, ao transmitir-se ao tabelião as declarações do
testador, se respeitou fielmente a sua vontade, conforme afirmam as testemunhas instrumentárias”. Pode parecer
que se permite, aí, estar o advogado a redigir parte do testamento. Não foi isso o que se julgou. O que se decidiu foi
que, fazendo o testador as suas declarações, pode consultar, ou receber conselhos técnicos, de forma, do seu
advogado, desde que isso não passe de ajuda, e o tabelião e as testemunhas percebam que só se muda a forma,
respeitando-se fielmente a vontade do testador. O acórdão apenas confirmou a sentença do juiz de direito de
Espírito Santo do Pinhal, datada de 14 de agOsto de 1929, e essa explicou a espécie nos seus fundamentos:
“Considerando que todas as testemunhas instrumentárias depõem que o testador, perante o oficial público, fazia,
em língua nacional, as suas declarações de última vontade e que eram ao dito oficial público fielmente transmitidas
pelo advogado dr. Manuel de Almeida Vergueiro, o fato de haver êste advogado redigido o testamento de acôrdo
com a vontade do testador na determinação das verbas testamentárias, não o nulifica, uma vez que nessa redação se
respeitou fielmente a vontade do testador, e isso as testemunhas afirmam que foi feito. A própria testemunha José
Avelino da Silva, citada pelos autores em defesa da sua afirmativa de que o testador não ditara o seu testamento,
nega essa afirmação. dizendo que o testador manifestava claramente a sua vontade e o advogado apenas auxiliava a
redação do testamento, sem desvirtuar a vontade expressa do testador; Considerando que todas as referidas
testemunhas assistiram a todo o ato do testamento, como afirmam e o oficial público o confirma...
A Côrte de Apelação de São Paulo, a 11 de dezembro de 1936, teve de decidir outro caso, e dissertou:
“Relativamente à alegação de não ter sido o testamento feito sob ditado do testador, é bem de ver que essa alegação
não ficou convenlentemente provada e, assim, não pode ser aceita contra o que reza o testamento, como ainda, em
boa doutrina, consoante se pode ver nos pareceres publicados na Revista dos Tribunais, 93, 533 e seguintes, não há
inconveniente em que o tabelião
5.932. “UNITAS ACTUS”, TESTAMENTO ABERTO -redija o ato de acôrdo com minuta fornecida pelo testador,
uma vez que, de início, manifesta êste ser essa a sua vontade e, afinal, como ocorreu no caso, após a leitura do
testamento ao testador, perante as testemunhas, êste o confirmou” (1?. dos T., 105, 675). O acórdão violou a lei
sObre a forma testamentária e apontou, em vez de argumentos, pareceres.
6.ASSISTÊNCIA DAS TESTEMUNHAS A TODO O ATO. O ato do testamento público ditado, escritura,
assistência testemunhal não pode ser partido. Entende-se por partir o ato:
a) Sair do lugar, em que estão, os figurantes, porque então faltaria o pressuposto da co-presença dêles, que é
essencial. Não é sair do lugar mudarem todos de onde se acham desde que estejam, sem discontinuYdade. Nem no
é um do~ figurantes entrar no reservado para satisfação de necessidades corporais, desde que volte logo e sem
demorar alhures e, no intervalo, não se prossiga, pois tudo que por todos não foi presenciado não vale, e vicia.
Vicia exatamente porque interrompe, e a unita.s actua não permite interrupções. Se o oficial público, o testador e as
testemunhas se acham em trem, ou diligência, ou outro meio de transporte, e foi preciso iniciar-se a feitura, o que
há de constar do texto, temos o testamento in itinere confecto e a co-presença de todos faz a unidade do lugar,
desde que em todo o percurso tenha competência territonal o oficial público, ou pelo menos a tenha onde começou
e onde acabou, pelo princípio de que, in transitu, o espaço percorrido por necessidade não conta. Seria contra
direito que se reputasse nulo o testamento que foi feito pelo oficial público durante a viagem do testador que,
partindo de lugar em que podia ser começado o testamento, passou por lugar que escapa à competência territorial
do oficial público e chegou a outro lugar, fim da viagem, ou da descida do oficial público, em que êsse tem
competência territorial.
b) Durante descanso, ou sono do testador, ausentar-se alguma das testemunhas, ou o oficial público, ou, para
descansar ou dormir, ausentar-se o testador. Por onde se vê que é a co-presença olhos e ouvidos em recíproca
inspecção o verdadeiro pressuposto necessário e suficiente da unitas actua e só se tem o problema de se fixar o
que é que importa quebra dessa unidade.
A unidade do testamento público não se quebra. se o testador trata uma parte como um todo; e.g., tendo urgência de
ausentar-se, êle, alguma testemunha ou o oficial público, resolve-se encerrar o ato do testamento público com a
menção de que será continuado, desde que assinem todos com todas as mais formalidades. O outro testamento deve
dizer que completa o primeiro, sob pena de serem tidas como revogadas as disposições do primeiro que se não
compadecerem com as do segundo; e assim por diante.
Pode ter-se apagado a luz ou ter havido qualquer incidente que haja obstado a vista de cada um dos figurantes ou a
audição de qualquer dêles no tocante ao testador, ao oficial público, ou a qualquer testemunha. Quid juris?
Em texto de ULPIANO está a exigência clarissima de permanecerem co-presentes juntas as testemunhas e o
testador: “Et veteres putaverunt eos, qul propter solemnia testa-menti adhibentur, durare debere, donec suprema
contestatio peragatur” (L. 20, § 8, O., qul testamenta facere possunt et quemadmodum testamenta fian,t, 28, 1). Em
vernáculo: “E os antigos opinaram que os convocados para as solenidades de um testamento devem permanecer até
que se últime a declaração suprema”.
Devem permanecer... Testemunhas não se afastam, porque, na ausência delas, fraudes e coação podem ocorrer.
“Ourare debere”, lê-se no Digesto. “Que as testemunhas assistam a todo o ato”, encontra-se no Código Civil, art.
1.632, II, depois de se já haver estabelecido que o ditado ou as declarações têm de ser em presença de cinco
testemunhas (art. 1.632, 1). CHR. FRIED. VON GIJtYCK traduziu o pressuposto pelas expressões: “Das
Beisammenbleiben der Zeugen und des Testierers”. Bíeibeu, ficar, permanecer; beisammen, agregados, juntos,
retinidos. E temos: o ficarem juntos, reUnidos, testemunhas e testador, até que se ultime o testamento.
Também o Código Civil brasileiro o disse e redisse (artigo 1.632, 1 e II).
Estamos, por bem dizer, no âmago do nosso assunto: a imitas actua. Não que a unidade do ato só se refira à co-
presença das testemunhas. A co-presença é de todos os figurantes:
testador, oficial público, testemunhas. Se o testador é surdo, e não sabe ler o testamento, aquele que, designado por
êle, o lê, não precisa ter estado presente a todo o ato. Note-se a dif erença entre os arts. 1.636 e 1.637.
Quem quer que leia o Código Civil logo percebe que o legislador exige a co-presença dos figurantes, sem exceção.
Conhece-se, porém, descaida, aqui e ali, dos tribunais. Descaída que, mais cedo ou mais tarde, o Supremo Tribunal
Federal teve de corrigir, como corrigiu outro imperdoável vício, que se ia arraigando, o de se lavrarem testamentos
públicos mediante minutas.
Examinemos a jurisprudência, para bem precisarmos os limites de afastamento, de vista e de audição. De comêço,
frisemos que as expressões “em presença de cinco testemunhas” (art. 1.632, 1), “na presença do testador e das
testemunhas”, “na presença destas e do oficial” (art. 1.632, III), “presentes as testemunhas” (art. 1.636), não são
obrigatórias. Basta que se diga “perante as testemunhas”, “estando juntos, no mesmo quarto, testador, oficial
público e testemunhas”, etc. Já dissemos que se trata de fato e de menção. Além disso, tem o oficial público de
portar por fé que todas as formalidades foram observadas e a co-presença das testemunhas é uma dessas
formalidades.
O acórdão da Côrte3e Apelação de São Paulo, de 31 de julho de 1935, foi longo e preciso (1?. dos T., 99, 182 s.) :
“Em suas razões de apelação, adstringe-se a apelante a averbar de nulo o testamento, sob a arguição de que lhe
falece um dos requisitos essenciais à sua validade, segundo o disposto no art. 1.632 do Código Civil, ou seja a
declaração expressa de que as testemunhas assistiram a todo o ato de sua fação, desde as primeiras palavras do
testador até a sua assinatura. Não tem razão a apelante. O exame atento da cédula testamentária convence de que
tOdas as exigências legais foram rigorosa-mente satisfeitas. No tocante à presença das testemunhas, apura-se, com
efeito, do próprio testamento que, no cartório do tabelião, compareceu o testador, cuja qualificação é feita e cuja
identidade é atestada, não só pelo notário senão também pelas cinco testemunhas, “especialmente convocadas para
o ato”. Em seguida, enuncia a escritura, “perante essas testemunhas”, vale dizer na presença dessas testemunhas,
fêz
§ 5.982. “UNITAS ACTUS”, TESTAMENTO ABERTO o testador as suas declarações de última vontade. E, uma
vez terminadas as suas declarações, que o testamento consigna terem sido feitas na presença das cinco mencionadas
testemunhas, passa a lê-las o tabelião, perante o testador e perante as testemunhas, conforme expressamente o
afirma, entrando a declinar-lhes os nomes. E, para arrematar, após haver mencionado, no corpo do instrumento, a
prática de atos que correspondem às formalidades estabelecidas no citado art. 1.632 do Código Civil, o tabelião,
antes de encerrar o testamento, deixou expresso que todas as referidas formalidades foram praticadas em seguida,
isto é, sem interrupção, ou discontinuídade, o que importa dizer: o testador compareceu; convocadas, também
compareceram as testemunhas; na presença delas, exprimiu o testador os seus derradeiros desejos; procedeu-se à
leitura do testamento, perante o testador e as testenunhas aludidas, o que, feito, aceitou o testador a escritura, por
achá-la conforme à sua intenção, passando a assiná-la com o tabelião e as testemunhas. O que tudo o notário portou
por fé”.
Às vêzes, ao folhear-se a jurisprudência, se nos deparam acórdãos que denunciam a vontade dos juizes de
arrebentar o sistema formal do Código Civil brasileiro, esquecendo-lhes a letra clara, insofismável, dos textos e
deixando-se levar pelo prurido de imitação de direitos estrangeiros que nada têm com a lei elaborada em 1916, ou,
sequer, com a tradição do sistema. Nada mais grave do que, não encontrando o juiz a prova do fato e sendo isso
bastante para a sua decisão, ir resolver questões téticas, como se lhe coubesse estar a doutrinar sôbre pontos que
não estão sujeitos à sua cognição, à aemelhança dos professôres que expõem o estado atual de um problema
doutrinário e terminam por apresentar o seu parecer.
O Tribunal de Apelação de São Paulo, a 8 de abril de 1988, decidiu (ti. dos T., 113, 113-116) : “Pondera-se ainda
que o testamento foi lavrado em sala contígua de onde a testadora não podia ver nem ouvir o que se passava. Não é
exato. As testemunhas demonstraram o contrário, isto é, que a testadora do seu leito podia tudo ver e ouvir. Aliás,
nulo não seria, na hipótese, o testamento, mesmo que as coisas se houvessem passado de maneira diversa, pois o
que se teria dado seria o seguinte: o tabelião, após ouvir a declaração da testadora, em’ presença das testemunhas,
teria ido redigir o testamento em sala anexa, de onde voltou, depois de redigido, para lê-lo àtestadora, em presença
das testemunhas. Tratando-se de disposição única, muito simples, seria excesso de formalismo anular-se o ato, pois
a presença ininterrupta de todos visa não só a unidade do contexto como impedir que os interessados, sabedores das
disposições, intervenham para modificá-las. Na espécie, nem se interrompeu o contexto, nem seria possível
intervenção estranha. O que figuramos, para argumentar, éprecisamente o fato constante da decisão citada por
CÂNDIDO DE OLIVEIRA FILHO, Prática Civil, 11, 231, n. 511. Cf. também Revista dos Tribunais, 53, 380”.
A tese pareceu fraca ao próprio relator do acórdão, que se sentiu obrigado a responder a CARLOS
MAxIMILTANO: “CARvos MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, 1, 431) acha lícito ocuparem o tabelião e
testemunhas uma peça contígua; mas acrescenta ser indispensável possam ver e ouvir o testador. Naturalmente que
isso é de absoluta necessidade, se o testador estiver ditando a sua vontade à medida que fôr sendo redigida. Não
parece, entretanto, que a impossibilidade de ouvir (a única que, na mais favorável das hipóteses, teria ocorrido no
caso em julgamento) baste para anular o testaniento, que constava de uma única verba, já ouvida pelo tabehão da
testadora em presença das testemunhas, minutos antes de iniciar a redação do testamento. Do lugar onde se
achavam o tabelião e as testemunhas, êles podiam ver a testadora e ser vistos por ela; e mesmo, como disseram, a
audição recíproca seria possível, ao que se infere da prova”.
O julgado do Tribunal de Apelação de São Paulo decidiu o que não tinha de decidir e decidiu mal, contra a letra da
lei. Depois de decidir, verificou que o trecho de CARLOS MAxIMILIANO estava a esmagar as suas palavras e
sentiu ser fraca a situação jurídica da sua tese. Pelo trecho do julgado, acima transcrito, em resposta a CARLOS
MAxIMILIANO, bem se vê que o acôrdão acaba por destruir aquilo que disse: admitira a redação em sala anexa,
para posterior leitura ao testador, mas defendera que, do lugar onde se achavam o tabelião e as testemunhas, todos
podiam ver a testadora e ser vistos por ela e que a audição recíproca seria possível, ao que se inferia da prova.
Seja como fôr, não pode firmar jurisprudência a decisão. de 8 de abril de 1938 senão para assentar que, sendo
contíguas as salas, havendo visão e audição recíprocas, quebrada não fica a exigência da co-presença dos
figurantes. No mais, sôbre ter resolvido tese que não mais estava em causa, o acórdão viola o texto legal,
suficientemente explícito. Falar contra excesso de formalismo, em matéria de testamento público, édesconhecer
que o legislador acolheu, aí, o máximo de formalismo que se encontra no Código Civil.
7. “UNITAs LOCI”. Uma das conseqUências de não ser preciso caber no mesmo dia o ato testamentário é a de
poder o oficial público começar de apanhar o ditado ou as declarações do testador, atravessando a meia-noite. Dirá
a hora em que foi chamado, o momento em que principiou a escrever o testamento público e o momento em que
findou. Se, no inicio, falou do dia x, sem prever o tempo que levaria para ultimar a escritura pública de última
vontade e passou ao outro dia, no fecho dirá o que ocorreu e a razão de ser diferente a data no encerramento.
Temos, agora, de atender a problema que assumiu, no Brasil, importância capital: o do espaço ocupado pelo
testador, pelo oficial público e pelas testemunhas. É a unitas loci que se apresenta a exame.
Preliminarmente, evitemos confusão entre o caso do testamento público em que o testador está dentro do nicho, ou
em cama com docel, ou por trás de biombo, ou paravento, e o caso da existência de dois compartimentos, num dos
quais se ache o testador, ou êle e alguns dos outros figurantes estejam, ficando os demais no outro.
Aqui, sOmente havemos de tratar da multiplicidade de quartos, ou salas, ou outros lugares em que se divida a casa
ou o acampamento.
Três hipóteses precisam ser consideradas:
a) O compartimento em que se acha o testador é principal em relação àquele em que se acham o oficial público e as
testemunhas, ou sOmente algum dêsses figurantes.
b) O compartimento em que se acha o testador é acessório em relação àquele em que se acham o oficial público e
as testemunhas, ou somente algum dêsses figurantes.
c) O compartimento em que se acha o testador é independente em relação àquele em que se acham ooficial público
e as testemunhas, ou somente algum dêsses figurantes.
Quanto à hipótese a), a regra é a de que o testador, o oficial público e as testemunhas se vêem e se ouvem uns aos
outros. Dá-se isso quando o lugar de dormida, ou da casa de saúde, compõe-se de duas ou mais partes, ligadas por
arco, ou apenas separadas por colunas, ou só distintas por diferença de nível, ou largura., ou altura. Se o oficial
público e as testemunhas vêem e ouvem o testador, que os vê e ouve, ou somente os vê (art. 1.636), por ser surdo,
ou somente os ouve (artigo 1.637), por ser cego, o que deve constar da escritura pública do testamento, não é nulo
o testamento. Ajiter, se dif’icilmente ocorreriam visão e audição.
Às vêzes, o lugar acessório não permite a continuidade da audição, ou, mesmo, a audição suficiente, ou impede a
visão, como acontece se há espêssa cortina. Então, é nulo o testamento. Por outro lado, não basta que pudessem ver
e ouvir: e preciso que as testemunhas tenham assistido a todo o ato, e assistir a todo o ato é assistir ao ditado ou às
declarações do testador, que o oficial público vai escrevendo, à leitura segundo o art. 1.632, III, ou segundo o art.
1.636, ou segundo o art. 1.637, e à assinatura por todos os figurantes.
Quanto a hipótese b), a solução não é diferente da que se deu para a hipótese a). Quer se ache na parte principal,
quer na parte acessória o testador, é preciso que o oficial público e as testemunhas vejam e ouçam o testador, e êsse
os veja e ouça, ou somente os veja (art. 1.636), por ser surdo, ou somente os ouça (art. 1.637), por ser cego, o que
deve constar da escritura pública do testamento. Se tal não se dá, nulo é o testamento. Também aqui a espêssa
cortina, ou o docel demasiado fechado, ou alguma particularidade de construção, ou composição, pode impedir a
visão ou a audição suficiente. A assistência a todo o ato significa assistência ao ditado ou às declarações do
testador, que o oficial vai escrevendo, à leitura segundo o art. 1.632, III, ou segundo o art. 1.636, ou segundo o art.
1.637, e à assinatura por todos os figurantes.
Quanto a hipótese c), é pouco provável que haja audição e visão suficientes se os dois compartimentos são
independentes. A excepcionalidade obriga os réus, na ação de nulidade do testamento, a darem prova de que eram
perfeitas visão e audição.
Se, em se tratando das hipóteses a) e b), pode o juiz achar que a falta de menção da circunstância não invalida o
testamento, por se tomar por um só o compartimento dividido em dois, um dos quais acessório e o outro principal,
de modo nenhum se justificaria que, sendo independentes os compartimentos, de tal circunstância não se cogitasse
na escritura pública do testamento. Não podem estar co-presentes pessoas que se acham em compartimentos
diversos. A porta aberta, a janela intercalar, nada disso assegura visibilidade e audição que o direito testamentário
considere compatíveis com a solenidade do testamento público. Invoca-se o acórdão do Tribunal de Justiça de São
Paulo, de 10 de março de 1925, como permissivo de redação fora do quarto do testador, de acôrdo com as notas
ditadas, mas o acórdão não diz isso: di-lo a noticia da Revista dos Tribunais, 53, 380. O julgado é lacônico, afirma
que foram observadas as formalidades do art. 1.632, e nada mais. Foi confirmado em embargos, precedido de
idêntica explicação da Revista, mas igualmente lacônico, sem valor de jurisprudência, o nôvo acórdão (1.0 de
fevereiro de 1928, II. dos T., 65, 406 s.).
Se o tabelião não vê o testador, ao escrever o testamento, ou se escreve o testamento fora do quarto em que está o
testador, sem o ver, ou sem o ouvir, sob pretexto de que já o ouviu e tomou as suas notas, ou as notas que lhe dera o
testador, o testamento é nulo, e nenhuma prova se pode dar que o salve. Se, durante a feitura, fora das vistas do
testador, algum advogado ou pessoa não-figurante aconselha, ou conversa com o oficial público, que vai
escrevendo o testamento, nulo é, com abundantes nulidades, o testamento. Mais se agrava a situação quando as
testemunhas não estão presentes, por passearem noutros quartos, ou se entreterem em conversa.
Algumas vêzes, ouvimos a testemunhas, em ações de nulidade de testamento, que não precisavam ficar perto, ou
estar atentas, ou procurar ouvir o que dizia o testador, por conf iarem no oficial público, de honra ilibada, ou nas
outras testemunhas, ou, até, nos parentes contemplados no testamento. Tais testemunhas são inidôneas, quebraram
a unitas actus. Não fica ao critério delas a apreciação da honra do tabelião ou das outras testemunhas, ou dos
herdeiros. Quanto ao oficial público, o Estado que o nomeou, submete-o, na feitura do testamento, à observância de
formalidades que vão além das formalidades exigidas às escrituras públicas. Não se satisfaz com a fé, que êle tem,
a despeito dos critérios adotados para o provimento dos cargos. Ordena-lhe que vigie a feitura do testamento, que
não faça testamentos sem os requisitos essenciais dos arts. 1.632, 1.633 e 1.635-1.637. Ainda mais: que mencione
êsses requisitos e porte por fé terem sido observados. Se algum falta ou se não se menciona, nulo é o testamento, e
responde êle civil e criminalmente.
Uma vez que a co-presença tem por fito assegurar a liberdade de testar, a autenticidade da procedência do ditado ou
das declarações e a continuidade do querer do testador, pela confirmação do testador, ao lhe ser lido o testamento,
não se compreende que o juiz opte pela validade da cédula se o oficial público permitiu que o testador ficasse num
quarto e algum ou alguns dos outros figurantes noutro quarto. Se entre o quarto em que se acha o testador e aquele
em que êsse ou êsses figurantes se encontram, ou a cada momento vão, interrompendo, assim, a unitas actus,
medeia outro quarto, terraço, pérgula, varanda, sacada, ,‘iall, jardim-de-inverno, ou outro lugar de serventia, seria
conspirar contra a letra da lei e contra o direito brasileiro, em sua sistemática, pretender-se que valha a cédula
testamentária em que o testador e algum ou alguns dos figurantes ficaram separados.
Durante o tempo em que o testador dita o seu testamento, ou faz as declarações testamentárias, é preciso que se
achem co-presentes oficial público, testador e as cinco testemunhas. O direito brasileiro não conhece tomada de
notas pelo oficial público, para lavrar, depois, aí mesmo ou alhures, o testamento. Testamento que foi ditado ou
declarado pelo testador, passando o tabelião a outro cômodo, para escrevê-lo, é nulo. Tal nulidade não teria a
escritura pública comum, porque não se exige que o tabelião colha, auditivamente, o que, “de viva voz”, diz ~0
outorgante, ao passo que, além do que está escrito no artigo 1.632, 1 (“que seja escrito por oficial público em seu
Livro de notas, de acôrdo com o ditado ou as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas”), se lê,
no Código Civil, art. 1.635: “Considera-se habilitado a testar públicamente aquele que puder fazer de viva voz as
suas declarações, e verificar, pela sua leitura, haverem sido fielmente exaradas”.
8. LEITURA CO-PRESENCIADA. Durante a leitura, têm de estar co-presentes testador, oficial público e
testemunhas. No caso do art. 1.636, há outro figurante: o ledor designado pelo testador inteiramente surdo, que não
sabe ler. No caso do art. 1.637, por ser cego o testador, há duas leituras: uma, pelo oficial; e outra, por uma das
testemunhas, designadas pelo testador. Também aqui todos devem estar co-presentes, quer durante a primeira, quer
durante a segunda leitura.
Tudo que antes dissemos, a respeito dos compartimentos, tem aplicação à leitura. Se há dois compartimentos, um
dos quais acessório, a audição e a visão recíprocas são indispensáveis, previstas pela lei a hipótese do art. 1.636
(testador inteiramente surdo) e a do art. 1.637 (testador cego). Nulo seria, fora de qualquer dúvida, o testamento
lido quando umas testemunhas se achavam em compartimento independente, ou só o testador num dos
compartimentos, ou qualquer que fôsse a distribuição dos figurantes.
Se algum fato obriga o ledor a interromper a leitura, desde que as testemunhas continuem presentes e não se
afastem testador e oficial público, nada obsta a que se prossiga na leitura, salvo se com isso se perturbou o
entendimento das declarações por parte do testador ou das testemunhas, ou de alguma delas. Se houve perturbação
na leitura, sem ausência de algum dos figurantes, mas prejudicada ficou a inteligência da escritura, aconselhável é
que se narre o acontecido, sendo de notar-se que a leitura perturbada, entendendo-se como tal a que escapou a
alguma das testemunhas, ou ao testador, .cu ao oficial público, não é leitura, e dá-se a falta de um dos requisitos
essenciais, o que determina a nulidade do testamento (arts. 1.632, IV, e 1.634, parágrafo único).
10.MENÇÃO OU ESPECIFICAÇÀO. As formalidades dos arts. 1.632 e 1.633 têm de ser especificadas, isto é,
mencionadas de per si. Para que tal exigência se haja por satisfeitar é mister que, narrando o que se passou, a elas
se refira o texto do testamento público.
As expressões “perante mim compareceu F., que ditou (ou fêz as suas declarações), testando” e o fato de achar-se o
testamento no Livro de notas bastam como especificação do artigo 1.632, 1, desde que se diga que estavam
presentes as cinco testemunhas.
A narração da assistência “a todo o ato” oferece algumas dificuldades.
Problema 1. Se se diz que as testemunhas assistiram àdeclaração ou ao ditado e à escrita, que assistiram depois,
àleitura, e, finalmente, às assinaturas, j,é essencial dizer-se que assistiram a “todo o ato”? Ora, se assistiram (e se se
afirma) a todos êsses atos, a tudo assistiram. O mesmo é contar-se por partes que se contar em geral, desde que se
narre em todas as partes e se consigne a co-presença.
Problema II. Assistir é estar presente; assistiu a todo o ato quem se retirou da casa, ou do apartamento, ou do
quarto? Tal problema será adiante tratado.
Porque não basta que o oficial público declare, em geral, terem sido observadas as formalidades dos arts. 1.632 e
1.633, ‘sendo preciso mencioná-las uma por uma, é nulo o testamento em que se não diz ter sido lido de acôrdo
com o art. 1.632, III, ou de acôrdo com o art. 1.636, ou de acôrdo com o artigo 1.637. A lei, conforme veremos,
somente anui em declaração em têrmos gerais quanto ao porte por fé, e não quanto à parte ‘narrativa do
testamento:’ Quando o fato consta do testamento, como a assinatura do testador, ou das testemunhas, não se
dispensa a menção pelo oficial. Assim, se, do texto escrito pelo oficial, não consta que o testador assinou, mas está,
efetivamente, assinado pelo testador o testamento, nem vale êste, nem se exime da responsabilidade, o oficial que
deixou de mencionar o fato da assinatura.
11.PORTE POR FI. Conforme por vêzes temos mostrado e aparece, nítido, no art. 1.634, a especificação das
formalidades ou requisitos essenciais (nos casos ordinários, os do art. 1.632; não sabendo ou não podendo ler o
testador, êsses e os do art. 1.633; se inteiramente surdo, êsses e os do art. 1.636; sendo cego, êsses e os do art.
1.637) e o porte por fé de terem sido observadas tódas as formalidades são exigências distintas. Se o oficial porta
por fé terem sido obedecidas, mas não as especificou, é nulo o testamento e responde civil e criminalimente o
oficial. Se as especificou, esquecendo-se de portar por fé a observância, ainda que em têrmos gerais, nulo é, e tem
de responder o oficial. Pode haver especificação sem haver porte por fé; pode haver porte por fé sem ter havido
especificação. Num e noutro caso, a nulidade ressalta.
A confusão entre a menção e o porte por fé tem sido causa de grandes erros judiciários, que acabam por ser
corrigidos nas instâncias superiores. Não raro, os repertórios, os ementários e alguns livros incidem no êrro, e o
que é pior atribuem a certos acórdãos soluções erradas que dêles não constam. Uma das vitimas é o acórdão da
Côrte de Apelação do Estado de Alagoas, datado de 5 de abril de 1935. Atribui--se-lhe ter decidido que o porte por
fé há de conter alusão a cada uma das formalidades. Ora, em tal julgado foi declarado nulo o testamento público
em exame, por ser nulo todo o testamento de cujo instrumento “não consta que as testemunhas assistiram a todo o
ato, nem é especificada esta formalidade, bem assim quando não se especifica, nem se menciona que o testamento
foi lido perante o testador, e as testemunhas simultâneamente”. Citam-se, ainda, aí, dois outros acórdãos, um, de 26
de janeiro de 1924, e outro, de 27 de janeiro de 1933. Mas ~,que foi que se decidiu no acórdão de 1935? Que é
preciso terem assistido as testemunhas a todo o ato e mencionar-se isso. Noutros térmos: fato e menção dêle.
Outrossim, que é de mister menção do fato da leitura perante as testemunhas. Não se discutiu a questão de ser
preciso que a fides do tabelião (ao portar por fé a observância do art. 1.632 do Código Civil) se refira a cada uma
das formalidades ou a todas em alusão geral.
A parte narrativa é que há de conter as especificações. Não é cogente que o porte por fé também especifique. O
porte por fé pode ser geral. A jurisprudência já se firmou nesse sentido. O que é de lamentar-se é que tal
interpretação, que écerta, das exigências relativas ao porte por fé, tenha concorrido para erros de juizes
inexperientes que pretenderam levar a suficiência dos têrmos gerais para o terreno da especificação das
formalidades. E é de admirar que se pense em têrmos gerais quando a lei fala de especificação: especificar e falar
em têrmos gerais são coisas diversas.
No fôro de Minas Gerais, alegou-se nulidade de testamento porque o tabelião não havia declarado, portando por fé,
que as testemunhas assistiram a todo ato (Código Civil, art. 1.632, II). A Câmara Civel do Tribunal da Relação, a
14 de junho de 1919, deu provimento à apelação para julgar improcedente a ação (1?. de D., 56, 197 5.; 1?. F., 32,
156; confirmação em embargos, a 19 de junho de 1920, 34, 157), pois, havendo o tabelião mifideado os momentos
e dito que presentes se achavam as testemunhas, implicitamente portou por fé a observância do art. 1.632, II: “A
forma solene do testamento público, mantida pelo Código Civil e definida no Livro IV, Título III, Cap. III, seção
23, é, quanto aos requisitos, a mesma prescrita pelo direito filipino, que também exigia, entre outras solenidades,
que estivessem presentes em todos os momentos do ato cinco testemunhas idôneas e que o escrivão certificasse
específicadamente a observância dêsse requisito e dos outros, substanciais para a validade do instrumento
(Ordenação do Livro IV, Título 80, pr.; CARLOS DE CARVALHO, Nova Consolidação, art. 1.760). Na espécie,
consta que foi rigorosamente satisfeita a exigência legal no tocante ao requisito que se diz omitido. O oficial, na
parte enunciativa da escritura, declara que, ao acercar-se do testador para redigir o ato, eram presentes as cinco
testemunhas instrumentárias, verbis: “aí, perante mim, tabelião, e as cinco testemunhas idôneas, adiante nomeadas
e assinadas, estava Manuel flonório de Paula Mota” (o testa-dor), etc.; e, antes de entrar na parte dispositiva da
nota, ajunta que, perante as mesmas testemunhas, o testador, depois de qualificado, fêz as suas disposições de
última vontade, verbis: “e por êle foi dito, perante mim tabelião e as referidas testemunhas, que faz o seu
testamento e declara a sua última vontade pela maneira seguinte” e, ao rematar essa parte principal, reitera a
atestação de que o de cuins disse as suas disposições em presença das cinco testemunhas, verbis: “Assim o disse,
sendo testemunhas presentes F., F., F., F., F.” E concluiu a nota dizendo que essas testemunhas, que foram
especialmente convocadas para o ato, assinam a diposição que foi escrita e lida em presença delas, verbis: “as
quais assinam comigo esta disposição depois de escrita e lida por mim em alta voz na presença das mesmas”. Aí
está, pois, expressa-mente notada a presença das testemunhas em todos os momentos do ato, a saber: a) no
antelóquio, ao defrontar o oficial com o testador, antes de encetar êsse o ditado das suas disposições; b) na parte
disposítiva, ao fazer o testador as suas declarações; e) no remate dessa parte; e finalmente d) na conclusao do
instrumento que se declara ter sido escrito e lido’ perante elas. É o quantum satis. Fôra difícil especificar de’ modo
mais cabal a observância da exigência legal, O que o artigo 1.634 determina é a menção individuada dos requisitos
do ato. Incorreria em contravenção a êsse artigo o testamento que, por exemplo, se dissesse, em globo, sem
especificações~ que tinham sido observados todos os requisitos essenciais do ato. Mas na espécie não foi o que se
deu: houve, ao revés, a notação, de um a um, de todos êsses requisitos, inclusive êsse, que se diz ter sido omitido”.
Da leitura do acórdão tira-se que foram especificadas as formalidades do art. 1.632 do Código Civil, e satisfaz à lei
a especificação implícita se referente ao requisito do art. 1.632, II (“Que as testemunhas assistam a todo o ato”),
pois, se não houve interrupção e assistiram ao ditado ou às declarações, àescrita e à leitura, bem como à assinatura,
a tudo assistiram. O porte por fé foi, ao que parece, em têrmos gerais.
A Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais a 2 de maio de 1923, teve de pronunciar-se sôbre
testamento público em que os requisitos do art. 1.632 foram satisfeitos e o tabelião certificou terem sido
observados. A despeito da má redação do acórdão e da ementa malfeita, o que se tinha dc decidir e se decidiu foi a
questão de bastar, ou não, o porte por fé em têrmos gerais. O Tribunal resolveu-a no sentido de’ não ser preciso
enumeraremse, de nôvo, os requisitos do artigo 1.632, ser suficiente portar por fé o tabelião terem sido. observadas
(1?. 77., 41, 96 s.) : “O traslado exibido deixa patente que o testamento foi escrito por um oficial público, o
escrivão de paz do distrito da Boa-Vista, no seu Livro de notas;; que a testadora fêz suas declarações em presença
de cinco testesmunhas; e que, depois de inseridas no testamento, foram lidas em voz alta pelo oficial à testadora, e,
afinal, “depois de todas as formalidades legais”, assinadas pela testadora, testemunhas e notário público. Se está
especificada no instrumento cada uma das formalidades enumeradas no art. 1.632 do Código Civil, as únicas
essenciais ao testamento público, e se o tabelião ainda fechou a escritura com o certificado de que ile observaram
todos os requisitos legais, forçoso é considerar-se o testamento sem vícios na sua forma, de acôrdo com a
jurisprudência pacifica da Câmara e a melhor doutrina, certo que na espécie foi observado o art. 1.634 do Código
Civil, que, se exige a menção individuada dos requisitos legais, não o faz sob forma sacramental de que êles foram
guardados”. O Tribunal não reputou dispensável o portar-se por fé terem sido observadas as formalidades do art.
1.632, nem no poderia fazer; apenas se pronunciou pela suficiência da referência geral (e.g., “todas as exigências
legais”).
Diante de testamento em que constava ter sido lido ao testador e às testemunhas, mas sem que, no portar-se por fé a
observância, se repetisse isso, a Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 25 de abril de 1925,
achou que não há forma sacramental para menção no porte por fé: “t cerLo que, entre os requisitos essenciais do
testamento público, se encontram o do art. 1.632, III, que recomenda que o testamento, depois de escrito, seja lido
pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas, e do art. 1.634, que impõe ao oficial a obrigação de
especificar cada uma das formalidades. portando por fé, no testamento, haverem sido todas observa. das; mas se, no
testamento em lide, está expresso textualmente: e depois de escrito e de lhe ser éste lido por mim em voz alta e por
ela testadora outorgado e aprovado, vai assinado de seu próprio punho, com as testemunhas a tudo presentes, é
evidente que foi observada essa formalidade, ao lado das outras, certo que o Código Civil não tem forma
sacramental na men-çáo dos requisitos legais, conforme já decidiu a Câmara, no Agravo n. 2.153”. Ç pena que do
acórdão, ou, pelo menos, da sua publicação (E. 77., 45, 105 s., e 46, 505), não conste o teor do porte por fé e seja
obscuro o final do julgado. Parece que se discutia a necessidade, ou não, de repetir-se, na certidão, a referência a
cada um dos requisitos, a questão de bastarem, eu não, as expressões gerais. Mas uma coisa é a menção, na
narrativa, e outra a menção no portar-se por fé a observância. Ora, o final do acórdão diz: “certo que o Código Civil
não tem forma sacramental na menção dos requisitos legais”, em vez de dizer: “certo que o Código Civil não tem
forma sacramental, nem exigência de especificação no porte por fé”. Porque a especificação na narrativa é
essencial e o próprio acórdão o reconhece.
De outra feita, reproduziu-se a espécie: requisitos observados e apontados; porte por fé sem referência especial a
cada um (Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, 24 de setembro de 1927) : “O fundamento do
pedido é, segundo alegam os autores, a inobservância dos arts. 1.632, II, e 1.634, pois o oficial público não portou
por fé que as testemunhas chamadas estivessem presentes a todo o ato e não especificou cada uma das formalidades
exigidas no art. 1.632, que foram observadas, assim também portando por fé, como prescreve o citado art. 1.634”.
O porte por fé em têrmos gerais foi reconhecido pela 5a Câmara da Côrte de Apelação de São Paulo, a 25 de
setembro de 1935 (E. dos T., 108, 123 s.) : “No testamento em exame foram cumpridos todos os preceitos legais,
especificados pelo art. 1.632 do Código Civil, não havendo pois necessidade, nem o Código o requere, de ser
reiterada cada uma das formalidades, especificadamente, pelo oficial público; é bastante que reafirme, com a sua fé
pública, haverem sido praticadas as solenidades previstas pela lei”.
Na interpretação do Código Civil, arts. 1.632 e 1.634. a jurisprudência tende a fixar-se no sentido certo; mas
verdade é que alguns acórdãos revelam estudo superficial das questões. Um dos exemplos mais berrantes é o de se
discutir se são “sacramentais” ou não as palavras do art. 1.634. ANão percebem os juizes, que disso falam, o
imperdoável anacronismo, a ev~dente cegueira aos textos, de que dão mostras?
Falou em “sacramental”, por exemplo, a Côrte de Apelação de Santa Catarina, a 28 de julho de 1936, para dizer
que não é “sacramental”, no se portar por fé a observância, especificar-se, de nôvo, o que se narrou, isto é, um por
um dos requisitos do art. 1.632. Quer dizer: basta a fé em têrmos gerais, v.g., “foram observadas as exigências do
art. 1.632”, ou “as quais formalidades foram, com minha fé, observadas”.
A Câmara Cível do Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 2 de maio de 1923, falou em “sacramental” no sentido
(le bastar referência geral, não havendo expressões sacramentais (verbis “na espécie, foi observado o art. 1.634 do
Código Civil, que, se exige a menção individuada dos requisitos legais, não no faz, sob forma sacramental, de que
êles foram guardados”). Noutros têrmos: decidiu que é essencial o porte por fé, mas a lei não possui, para isso,
expressões sacramentais, nem, sequer, exige, nele, a enumeração. As formalidades observadas hão de ser
especificadas, não no porte por fé, e sim na parte narrativa do testamento.
Discutia-se, no direito anterior, e discute-se hoje se é preciso dizer-se, a respeito de testamentos cerrados, que se
tinha por bom, firme e valioso, e assente estava não serem sacramentais tais expressões. Daí vem a alusão a
sacramental a respeito do art. 1.634, que nada tem com isso. Era o texto do direito anterior sôbre testamentos
cerrados, que só a propósito dêles se reproduz (art. 1.638, VI).
Ao exame da Côrte de Apelação de Santa Catarina (1?. de D., 122, 396 s.), a 7 de julho de 1936, foi parar
testamento ruja nulidade se argúia porque se não portava por fé terem sido observadas todas as formalidades
(dizeres gerais), nem se especificara qualquer delas.
Quanto à especificação, por ser só questão de fato, o acórdão logo nos informa da improcedência da alegação:
“Examinando-se o testamento, para logo se verifica que foi escrito pelo tabelião em seu Livro de notas, de acôrdo
com as declarações do testador, em presença de cinco testemunhas, que o assinaram. Portanto, foram satisfeitos os
requisitos enumerados no art. 1.632 do Código Civil”.
Resta a questão de fato e de direito de haver portado por fé o tabelião terem sido observadas ias formalidades.
Aqui, o relator do acórdão, em vez de ficar na questão de fato, que tudo resolveria, emaranhou-se em interpretações
do art. 1.634. Assim é que afirma: “No testamento, com que faleceu Joviano Fatista da Silva, nenhuma delas faltou
ou não foi mencionada, cumprindo notar que o tabelião deu sua fé de que foram obser-vadas”; mas entende que,
analisando-se o art. 1.634, se há de toncluir: “A ausência de especificação e da fé do tabelião consfituem simples
irregularidades, a que não está imposta penalidade alguma; o que, porém, acarreta a nulidade do testainento e a
responsabilidade civil e criminal do tabelião é a omissão ou falta de menção de alguma das solenidades prescritas
no art. 1.632 do Código Civil”.
O que faltou foi a fé em têrmos especiais, que não é de mister. fl lamentável que os juizes, pelo gôsto de discorrer,
enveredem por assuntos que não meditaram bem, nem é objeto de discussão in casu.
A questão da ocorrência dos fatos, a da menção e a do porte por fé aparecem englobadamente, o que nos obriga ao
máximo cuidado.
A Câmara Cível da Côrte de Apelação de Minas Gerais, a 15 de maio de 1935 (1?. de D., 120, 213-215 e 217-220),
julgou improcedente ação de nulidade de testamento, mas nos votos vencedores há trechos que merecem ser
citados: “No que se atém à forma do testamento: o Código Civil estabelece no artigo 1.632 as solenidades de que
deve revestir-se o testamento público. Não são sacramentais as disposições do art. 1.634. Se todas as solenidades
constam do contexto do instrumento, éválido o testamento. Demais, o que se mostra logo ao exame do juiz é
verificar se é falso, ou não, o testamento, e sôbre a leitura do instrumento ao testador é, também, ponto assente que,
findo êle, presentes o testador e as testemunhas, se do contexto consta que o testamento foi lido às testemunhas ou
ao testador apenas, tem-se como provado o requisito legal, porque a leitura feita às testemunhas, em presença do
testador, é por certo ouvida e o mesmo se dá, no outro caso leitura feita ao testador, presentes as testemunhas, que
também ouvem a leitura. Numa só assentada todo o testamento se fêz. Findo o ditado pelo testador, presentes êste e
testemunhas, foi o testamento lido perantes êstes, diz o instrumento. Ora, nos têrmos da jurisprudência, tem-se
como preenchido o requisto legal, porque a leitura que se fêz às testemunhas, presente o testador, por êle fôra
ouvida. Não fôsse isto ponto incontestável, ad argumentum, se nos autos fôssemos buscar, não no próprio
testamento, elementos de convicção nesse sentido, aí os teríamos, a tôda evidência, pois está provado que o
testador acompanhou a leitura, atento, e fêz repetir o nome Nélson, que supôs haver sido escrito Neto, dando
margem a que o tabelião confirmasse haver sido lido êste último nome, mas que no instrumento estava lançado
Nélson, como o testador ditara.
Referem ainda testemunhas que, finda a leitura, o testador sorriu, disse uma frase chístosa de gíria popular e lançou
firmemente sua assinatura, conforme se vê de fotografia, em confronto com outras firmas, de datas anteriores à sua
enfermidade” (voto do Desembargador GUSTAVO PENA).
“Menciona o art. 1.682 do Código Civil, entre os requisitos essenciais, que, depois de escrito, seja o testamento lido
pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas e manda o art. 1.684, do mesmo Código, que, como as
demais formalidades, seja essa especificada pelo oficial público, portando por fé, no testamento, haver sido
cumprida. Reconhece o juiz a qua faltar, na escritura, a declaração de que se trata, expressa-mente; mas conclui,
pela prova dos autos, que a leitura foi feita como determina a lei. Não me parece civil, data venia, no caso, o apêlo
a provas estranhas ao instrumento. Veda-o o Código, no próprio art. 1.684, citado. E a doutrina é, a respeito,
uniforme. Excelentemente: TEIXEIRA DE FREITAS (Consolidação, nota 21 ao art. 1.956) : “Admitir testemunhas
ou outro gênero de prova quando a lei quer expressamente uma certa prova instrumental, fôra abertamente
transgredi-la”. Não dou, entretanto, pela nulidade argãida; do contexto do ato resulta que foi cumprida a
formalidade de que se trata. A lei não exige, para o caso, palavras sacramentais e a prova do cumprimento da
formalidade pode ressair do sentido complexo do instrumento. Ora, do instrumento de fís., consta a presença do
testador e das testemunhas que, todos, assinaram a escritura. Conclui-se, pois, que a leitura respectiva foi por êles
assistida. Se o testamento foi ditado pelo testador e lido na presença das testemunhas, não se pode concluir que a
leitura se fêz às testemunhas, mas àquele na presença das testemunhas” (voto do Desembargador OItOSIMBO
NONATO).
“Não assistiram as testemunhas a todo o ato. É o que se argúi no libelo. Quanto a êsse ponto, convém logo notar
que foi o testador quem nomeou as testemunhas e que, por ordem dêle, foram convocadas. Compareceram ao local
da residência do testador, viram-no, e também ao tabelião e ao advogado. O ato realizou-se a portas abertas, abertas
todas as do pavimento superior do prédio onde aquele residia, edifício êsse de proporções diminutas, no seu
pavimento citado, em que só há
quatro aposentos, excluído o hail da escada, o qual pavimento, o maior dêles, contém apenas quatro metros e
oitenta centímetros por três metros e vinte e cinco milímetros. As testemunhas, conforme consta da prova,
convocadas, ali estavam, não se dirigiram sequer ao pavimento inferior do prédio. Viram o tabelião, o advogado e o
testador, cientificaramse da integridade mental dêste último, ao fazer o seu testamento. Ora se aproximavam da
mesa em que o tabelião escrevia, ora se dirigiam ao hail e aposento contíguo, de portas abertas. Ouviam que o
testador ditava o seu testamento e a voz lhe conheceram. Afastada a hipótese, de modo preciso, de falsidade do ato,
a meu ver também essa solenidade a da presença das testemunhas a todo o ato está satisfeita. Fôsse a casa de
pavimento superior de dimensóes amplas, de aposentos com comunicações interceptadas por portas que se
fechassem, por varandas abertas ou salões que modificassem as condições normais de acústica, e estivesse provado
que testemunhas nesses recintos (varandas, salões, quartos fechados) se detivessem, sem ver e ouvir o testador,
outro seria o juízo. Mas, no caso, êsse pavimento diminuto, de aposentos pequenos, todos de portas abertas, de
onde a fiscalização do ato se podia fazer; a circunstância de que a legitimidade do testamento era sabida e
fiscalizada por essas testemunhas; o fato de ser o quarto adjacente ao do testador aberto por uma porta para o hali, a
menos de um metro da porta do quarto do testador, fazem crer que presentes estavam as testemunhas, sem embargo
de, por momentos, uma, ou algumas, a êsse quarto contíguo e aberto fôssem ter. Se, em direito, a saída
momentânea de uma testemunha presencial não infirma o ato, não o infirma a presença de testemunhas, em
cômodo contíguo ao quarto do testador, onde entraram ou sairam, sem transpor salas, ou salões e varandas, e sim,
apenas, tão-só, o espaço de metro, ou poucos passos. Anular-se o testamento porque uma testemunha, ou algumas
delas se dirigiam ao cômodo contíguo ao aposento do testador, depois de cientificados da legitimidade do ato, da
integridade moral de quem o fizera, depois de ver e ouvir o testador, ou de continuar a ouvir-lhe a voz durante o
ditado, a poucos passos, é proclamar o império da máxima: “La forme emporte le fond”, quando se faz sentir, na
atualidade, o vigor de outra mais sábia: “Le fond emporte la forme”, o que quer dizer, na expressão de JoXo
MONTEIRO: “Salve-se a substância do direito e, portanto, só quando êste perigar pela inobservância da forma,
haja nulidade (Processo Civil, § 70, nota)” (voto do desembargador GUSTAVO PENA).
“Outra grave argUição contra a validade do testamento está em que, ao revés do que certifica o notário, as
testemunhas não teriam assistido a todo o ato, como é exigência peremptória da lei, sob pena de nulidade.
Realmente, ao que declaram as próprias testemunhas, não estiveram elas, durante todo o ato, ao pé do testador e do
tabelião, e sem isso, na opiniáo dos recorrentes, que a lastrearam de fartas afirmações doutrinais e de
jurisprudência, não existe a presença que a lei exige, a assistência a todo o ato do mandamento peremptório do
legislador. Dos depoimentos tomados, há um infidedigno e que desmerece consideração, pelos motivos a que se
refere o juiz a qua e de que fala, em seu parecer de fís., o sr. dr. Procurador-Geral: o da testemunha Coelho.
Segundo afirmam as demais testemunhas, encontravam-se elas no edifício em que realizou o testamento, próximos
à acanhada sala onde estavam tabelião e testador e em condições, querendo, de ver, ouvír e compreender o que se
passava. O formalismo no testamento édestinado a proteger a veracidade, a realidade do ato. Daí e só por isso o seu
caráter im5erativo, sua feição ritual. A interpretação, pois, ainda nesse terreno, não perde sua razão de ser. As
formas testamentárias são de ordem pública, mas isto não quer dizer que se não possam interpretar os artigos de lei
que fixam os requisitos essenciais. PONTES DE MIRANDA:
“Em direito, que é movimento, adaptação, justaposição, nada se impermeabiliza às apreciações com que a ciência e
a prá-fica procedem à sua adaptação aos fatos da vida”. Na pesquisa da observância das formalidades do
testamento, no lhes compreender a extensão, o rigor, a nimiam et mis eram diligentiam, a que se refere 11.
TROPIJONG, não deve ir ao ponto de, sob côr de guardar a lei, destruir a vontade veneranda do de cuins (voto do
desembargador OROsIMBo NONATO).
Iniciando o voto, o Desembargador GUSTAVO PENA disse que o Código Civil estabelece as solenidades de que se
há de revestir o testamento, entendendo por solenidades os “requisitos essenciais”, e acrescenta que as disposições
do art. 1.634 não são “sacramentais”, adjetivo, conforme já vimos, imprhjprio e equívoco. Se algumas expressões
ou frases a serem pronunciadas ou escritas se contivessem no art. 1.634, ensejo haveria para discutir a
sacramentalidade ou a não-sacramentali. dade delas. Não as há. A discordância dos intérpretes é apenas entre ser
preciso o porte por fé com alusão a cada uma das formalidades, ou bastar o porte por fé em térmos gerais. Passou
o voto a resolver questão nova: ~vale o testamento se o contexto diz “lido ao testador, presentes as testemunhas”,
ou “lido pelo testador, presentes as testemunhas (ou às testemunhas) “, ou “lido às testemunhas, na presença do
testador”? Resolve-a bem. O que se não deve admitir é a procura de provas nos autos para se julgar sôbre nulidade
por infração do art. 1.634 (menção, porte por fé) : provam-se fatos; a menção precisa estar no testamento mesmo. O
desembargador OROsIMBO NONATO fere o ponto, com todo o acêrto.
Em seguida, surgiu a questão da pluralidade de compartimentos. Pequeno o aposento em que se achava o testador,
aposento que abria para um hail e para um aposento contíguo, de portas abertas. Conforme os votos, não se tratava
de dois aposentes ligados por um hali. Temos, pois, a hipótese 1 (o compartimento em que se acha o testador é
principal em relação àquele em que se acham o oficial público e as testemunhas, ou somente algum dêsses
figurantes). Quanto ao hail, evidentemente acessório, sendo diminuto, dadas as dimensões do quarto principal,
havemos de crer na sua situação de perfeita visão ~ audição recíprocas dos figurantes. Aliás, dizem-no os votos
vencedores. Quanto ao quarto contíguo, um dos votos frisou que estava de portas abertas, podendo ser feita a
fiscalização do ato. Em todo o caso, devido, talvez, a descuido de redação, não se sabe bem se o quarto adjacente
dava para o hail, a menos de um metro da porta do quarto do testador, ou se, além disso, havia porta de
comunicação direta. Se tal porta não houvesse, dificilmente explicaríamos que o desembargador GUSTAVO PENA
falasse em aposento contíguo, de portas abertas. É também de notar-se que o julgado mineiro nunca perdeu de vista
o ponto principal: a continuidade da visão e da audição recíprocas.
O Desembargador ORosíMBo NONATO acentuou a proximidade ininterrupta das testemunhas que, ao se
afastarem, não deixavam de ouvir e ver o testador.
Seja como fôr, uma lição existe nos votos vencedores da Câmara Cível da Côrte de Apelação de Minas Gerais.
Disse o desembargador GUSTAVO PENA: “Fôsse a casa de pavimento superior de dimensões amplas, de
aposentos com comunicações interceptadas por portas que se fechassem, por varandas abertas, ou salões que
modificassem as condições normais de acústica, e estivesse provado que testemunhas nesse recinto (varandas,
salões, quartos fechados) se detivessem, sem ver e ouvir o testador, outro seria o juízo”. Quer dizer: se houvesse
hail intercalar, terraço ou varanda, ou qualquer outro compartimento, não vendo o testador o tabelião e as
testemunhas, eu algum dêsses figurantes, ou não vendo algum dêsses figurantes ao testador, a Câmara Cível da
Côrte de Apelação de Minas Gerais teria reputado nulo o testamento. O mesmo procedimento teria se algum dos
figurantes, em tais circunstâncias, não visse aos outros ou a algum dêles. Demais disso, no caso julgado, as
testemunhas que se dirigiram ao cômodo contíguo só o fizeram ràpidamente, sem prejuízo do ato.
Doutrinàriamente, a citação da máxima “De fond emporte la forme”, feita pelo desembargador GUSTAVO PENA,
é sem pertinência. Exatamente, a respeito de testamentos, continua em inteiro vigor a máxima “La forme emporte
le fond”, e foi sso o que quis, terminante e enêrgicamente, o Código Civil, no art. 1.634, parágrafo único: “Se faltar,
ou se se não mencionar alguma delas (formalidades), será nulo o testamento, respondendo o oficial público civil e
criminalmente”. Nem o desembargador procurou livros sôbre o direito testamentário; citou a JOÃO MONTEIRO,
ao tratar do processo civil, que possui regra jurídica especial sôbre nulidades.
Podemos interpretar, com certa largueza, o texto dos artigos 1.682-1.637, tendo o desembargador OROSIMBO
NONATO citado trecho nosso a êsse respeito, mas uma coisa é interpretar-se a lei e outra inverterem-se os seus
planos de política jurídica, insinuar-se o dito “Le fond emporte la forme” onde o legislador quis, ordenou, entendeu
ser de interêsse público,. que a forma prime, que “La forme emporte le fond”.
1. CONCEITO. Testamento cerrado, ou testamento por oblação, ou testamento místico, ou, ainda, testamento
secreto, é aquele em que só se exigem formalidades de autenticação. Vale dizer: formalidades que firmem o papel
apresentado como instrumento da declaração de vontade do testador. Entregue ao príncipe, ou ao juiz, ou ao
simples notário ou tabelião, a cédula passa a valer como testamento público, no senido amplo, e como tal só se
invalida pelos meios por que se invalidam, de ordinário, os atos públicos.
2. PARTES TEMPORAIS. Em verdade, há duas partes temporais, dois momentos, um, que corresponde ao
documento particular, e outro, que é preenchido pela própria publicização, ou autenticação do testamento. Boa
análise diria, em conclusão, que o testamento cerrado é testamento particular incompleto, que, em vez de se
completar como testamento particular, vai além e se completa como testamento público.
Não há dúvida que depende da lei exigir-se, ou não, aos testamentos cerrados ou secretos, ou, em geral, por
oblação, a imitas actus desde a primeira palavra da declaração testamentária. Assim, não há princípio a pri cri,
ainda no antigo direito, que considere necessária a unidade do ato testamentário do testamento por oblação a partir
da redação do documento que se vai entregar ao príncipe, ao juiz, ao notário ou ao tabelião.
3.DIREITO ROMANO. No direito romano, a declaração testamentária perante o tribunal podia ser oral, ou pela
entrega de documento que a contivesse. A assinatura não era necessária. A guarda do intrumento, com a
autenticação, também não no era, pôsto que usual.
FRANCE entendia que a un,itas actus era necessária ao testamentum indiciale no sentido estrito, como ao
testamento judice oblatum. Cf. FRANCK (Archiv flir praktisch,e Reehtswissenschaft, VI, 374-886). Certo; mas é
de mister atender-se a que o testamentum judice oblatum somente requeria a oblação como unidade, e não a feitura
do escrito.
RUDOLPE FREIHEER VON HOLZSCHUHER levantou, de nôvo. a questão de se saber se a unitas actus era
exigida no testaruento cerrado (Theorie und Casuistik des gemeineu Civil echts, ~J, 3.~ ed., 374 e 738) e deu
resposta que reproduziu, tão-só, a argumentação de FRANCK. 4.“UNITAS ACTUS”. A L. 21, 2, C., de
testamentis:
quernadmodum testamenta ordinantur, 6, 23, advertia: “In omnibus autem testamentis, quae praesentibus vel
absentibus testibus dictantur, superfluum est uno eodemque tempore exigere testatorem et testes adhibere et dictare
suum arbitrium et finire testamentum. sed licet alio tempore dictatum scriptumve proferatur testamentum, sufficiet
uno eodemque die nuílo actu interveniente testes omnes, videlicet simul nec diversis temporibus, subscribere
signareque testamentum”.
Traduzindo-o, temos: “Mas em todos os testamentos que se ditam, estando presentes ou ausentes as testemunhas, é
supérfluo exigir que a um mesmo tempo apresente o testador as testemunhas, dite a sua vontade e acabe o
testamento. Em vez disso, produzindo testamento ditado ou escrito noutro tempo, basta que, no mesmo dia, não
intervindo ato, todas as testemiínhas, isto é, simultâneamente e não em diversos tempos, subscrevam e assinem o
testamento. Mandamos que o final do testamento sejam as assinaturas e os selos das testemunhas. Porque convém
que o testamento não firmado e selado pelas testemunhas seja tido como imperfeito”.
A parte solene é que há de ser una. Se ao testamento público, no sentido estrito, judicial ou notarial, como o
brasileiro, a unitas actus é de exigir-se desde todo o comêço, resulta da natureza das coisas, pois, sendo oral, não se
compreenderia que se dispensasse a co-presença de todos os figurantes, ou se deixasse para outro momento a
continuação daquilo que estava sendo feito. Se há oblação, perante o juiz, ou perante o notário, como é o nosso
testamento cerrado, a unitas actua apanha todos os momentos que vão da apresentação à formalidade final da
publicação do testamento cerrado.
5. OBDENAÇÕES APONSINAS. Nas Ordenações Afonsinas, o testamento cerrado é objeto do Livro IV, Titulo
103, § 1, conjuntamente com o testamento público, depois de se advertir (Livro IV, Título 103, pr.) em que havia
dúvida sôbre serem cinco pessoas as testemunhas e sôbre poderem testemunhar as mulheres.
6.ORDENAÇÕES FILIPINAS. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 1, dizia-se: “E querendo o
testador fazer testamento cerrado, o poderá fazer desta maneira. Depois que escrever, ou mandar escrever seu
testamento, em que declare sua vontade, o assinará, não sendo escrito per sua mão; porque, sendo escrito per sua
mão, bastará, ainda que não seja per êle assinado. E não sabendo assinar será assinado pela pessoa, que lho
escrever, e será cerrado e cosido, e êle testador o entregará ao tabelião perante cinco testemunhas, varões livres, ou
havidos por tais, e maiores de quatorze anos, e perante elas lhe perguntará o tabelião se é aquele o seu testamento, e
se há por bom, firme e valioso; e dizendo que sim, fará logo em presença das testemunhas o instrumento da
aprovação nas costas do próprio testamento, declarando como o testador lho entregou, e o houve por seu, bom e
firme; no qual instrumento de aprovação assinarão todas as cinco testemunhas, e o testador, se souber, ou puder
assinar. E não sabendo, ou não podendo, assinará por êle uma das testemunhas, declarando ao pé do sinal, que
assina por mandado do testador, por êle não saber, ou não poder assinar, e de outra maneira não será valioso o
testamento: E isW sem embargo de qualquer costume, que em contrário haja em algum lugar, ou lugares. E o
tabelião, que fizer instrumento de aprovação de algum testamento, ou codicilo, sem o fazer assinar pelas
testemunhas, nele nomeadas, e pelo testador, perderá o oficio, e o instrumento de aprovação será nenhum”.
Ainda no § 2: “E por se evitarem as falsidades, que se poderiam fazer nos testamentos, mandamos ao tabelião, que
o instrumento de aprovação fizer, o faça ou comece em parte de alguma das fôlhas, em que alguma parte do
testamento seja escrita. E sendo todas as fôlhas escritas, em maneira que não possa fazer o instrumento de
aprovação, ou o começar a fazer em alguma das fôlhas do testamento, então porá em qualquer parte do testamento
o seu sinal público. E no instrumento, que fizer de aprovação em outra fôlha, em que stê envolto, ou cosido o
testamento, declarará como nele fica o seu sinal público, por não ter fôlha limpa, em que começasse o instrumento
de aprovação, de maneira que se não possa tirar o testamento verdadeiro do instrumento de aprovação, e meter
outro falsamente fabricado em seu lugar. E o tabelião, que de outra maneira fizer o instrumento de aprovação,
perderá o ofício”.
As formalidades eram quase as mesmas que as de hoje:
escrito pelo testador ou por outra pessoa a seu rôgo; se não foi escrito pelo testador, mas êsse sabia escrever,
assinado por êle, sob pena de nulidade.
As diferenças principais são as seguintes: a) escrito pelo testador o testamento, o direito anterior não exigia a
assinatura da cédula; b) as expressões bom, firme e valioso eram sacramentais. Mas havia divergências, e.g.,
AGOSTINHO MARQUES PERDIGXO MALHEIRO (Consultas Jurídicas, 460-468) satisfazia-se com a
manifestação da vontade de aprovação, por aquelas, ou palavras equivalentes; com êle, o Tribunal de Justiça de São
Paulo, a 6 de junho de 1923. Contra, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 26 de julho de 1876, adstrito às
Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 80, § 1.
As expressões “bom, firme e valioso”, que eram sacramentais no direito anterior, deixaram de o ser. O que é de
lamentar-se é que juizes e tribunais levantem questões sôbre sacra-mentalidade.., no testamento público.
Muito se discutia se era necessário que o testamento fôsse entregue cerrado e cosida. (necessariedade do segrêdo).
Não, Tespondiam os Assentos de 8 de agôsto de 1815 e de 10 de junho de 1817, e MANUEL DE ALMEIDA E
SOUSA: bastava ser dobrado. Cosido e cerrado donde o nome por tê-lo de cerrar e coser o oficial, e não o
testador, a quem não se concedeu cerrasse e cosesse. Oficial vê, mas não lê. Contrária opinião, talvez pelo influxo
dos Códigos Civis francês e italiano, a de M. A.DUARTE DE AZEVEDO e MARTINHO GARCEZ.
As Ordenações diziam, Livro IV, Título 80, § 1, “será cerrado e cosido, e êle testador o entregará ao tabelião
perante cinco testemunhas”. No § 2: “no instrumento, que se fizer, de aprovação em outra fôlha, em que esteja
envolto e cosido o testamento”. Daí concluir FRANCISCO PINHEIRO (disp. 2, 3, 34):
“deinde claudi et consui debet; sic consutum tradendum est a testatore tabellioni”. Assim fechado havia de
entregar-se. Ao oficial? Mas tinha-se de começar da última fôlha escrita. ~ Como consegui-lo, se estava cerrado e
cosido? Reabrindo-o, dizia-se. Então, apara que apresentá-lo cerrado e cosido? ANTÔNIO JOAQUIM DE
GouvEIA PINTO (Tratado regular e prático dos Testamentos e Sucessões, nota 303) e a Relação do Rio de Janeiro,
a 16 de dezembro de 1873, apoiavam tal solução.
No direito anterior não se exigia expressamente a leitura do ato de aprovação (diferente, hoje, o Código Civil, art.
1.688, IX), porém os praxistas reputavam uma das solenidades, se bem que se pudesse provar, diziam,
posteriormente.
No Código Civil brasileiro, conservou-se muito do formalismo do direito anterior, sendo de notar-se que, em
alguns pontos, mais se acentuou o rigor formal. Nada menos de sete artigos foram dedicados ao testamento cerrado.
A solução vitoriosa no Código Civil brasileiro é a da não -necessariedade do segrêdo. Cerrado e cosido pelo
testador, ou entregue aberto, e até escrito, a rôgo, pelo próprio oficial que o vai aprovar tê-lo-á de cerrar e coser o
oficial (artigo 1.638, XI).
Não-necessariedade não é o mesmo que inexistência de segrêdo: o testador tem direito a êsse segrêdo, não lho pode
negar o oficial; se êle não lho concede, procederá mal o oficial que, para o aprovar, exigir lê-lo. Pode ser que o
disponente só pelo segrêdo tenha escolhido tal forma testamentária, que evita ódios e discórdias entre herdeiros
legitimos ou parentes e estranhos esperançosos de heranças e legados.
8.PERFEIÇÃO E ENTREGA. Já dissemos que o testamento, desde que se fêz, é ato perfeito. Algumas
consequências já foram tiradas de tal afirmação; outras exsurgem em todo o direito testamentário. A cédula de que
tratamos ainda não é um testamento.
Antes de ser aprovado o testamento cerrado, não passa êle de ato imperfeito, talvez de menor valor que um
testamento hológrafo, que possa valer como codicilo e nos limites do valor dos codicilos. Quem morreu deixando
tal cédula. morreu intestado. Se essa cédula fôr hológrafa e contiver disposições permissíveis em codicilos, poderá
valer como tal; não, porém, como testamento.
Quando o testador, na presença das cinco testemunhas, apresenta ao oficial a cédula, que êle, ou outrem por êle, es
creveu e assinou, procede a um ató de nuncupação. Por isso se fala de nuncupação implícita: oficial público e
testemunhas somente conhecem (ou melhor: somente precisam conhecer) exteriormente, e não no seu conteúdo, a
cédula testamentária.
Com o ato de entrega, começa outra fase, inconfundível, da elaboração do testamento cerrado: por isso mesmo, já o
testador, após o gesto de declaração do art. 1.638, IV, não pode introduzir modificações ou cláusulas novas, que
constem do auto e não da cédula. Se ocorrer que lhe lembre alterar ou acrescentar, deve continuar na cédula e
proceder, de nôvo, à entrega e declaração. É requisito essencial do testamento cerrado a entrega do testamento,
pelo testador, em presença, pelo menos, de cinco testemunhas, ao oficial público que o há de aprovar.
Trata-se de ato pessoalíssimo. E não só pessoal4ssimo, ato que tem por fim deixar certo qual o testamento de que se
trata. Pessoalíssimo, para que se identifique o testador, e imediatamente relativo a determinado escrito, para que se
identifique a cédula testamentária.
A lei cercou de precauções a identificação da cédula: além da entrega, presentes as testemunhas, e feita pelo
próprio testador, exige que o oficial público pergunte, perante as mesmas testemunhas, ao testador, se aquele é o
seu testamento e quer que seja aprovado, quando o testador, de si mesmo, não se tenha antecipado em declará-lo
(art. 1.638, V). Essencial é, portanto, a declaração do testador quanto a ser aquele o seu testamento e ao seu desejo
de que seja aprovado. No caso de mudez ou de surdo-mudez, o art. 1.642, que constitui substituto, permite que a
declaração seja escrita na face externa do papel ou do envoltório. (Analôgicamente, não; porque aqui não cabem
analogias, mas pela revelação do conteúdo da própria regra, apli• car-se-á o art. 1.642 quando o testador, que não
seja surdo-mudo nem mudo, não puder falar, ou por acidente ocasional, ou por prescrição médica após operações,
ou pela impossibilidade material criada pelos aparelhos.)
Uma vez que a tradição tem por fim evitar a substituição do testamento e comprovar a sua identidade, não
bastariam gestos, não-traslativos, do testador. Em 18 de junho de 1869, a Relação do Rio de Janeiro decidiu que a
entrega por outrem, apontando o testador a cômoda em que estava o testamento, não poderia ser suficiente. Em 22
de dezembro de 1900 e 10 de julho de 1901, julgou a Relação de Minas Gerais ser essencial o recebimento das
nutos do testador, em presença de todas as testemunhas, em situação de poderem ver o testador e o ato, e de
ouvirem as perguntas ou declaração. Tudo isso é perfeitamente certo, mas há casos extraordinários, que convém
meditar:
a) O testador sem mãos: seria absurdo reduzir a tradição à entrega manual, quando as mãos, instrumento ordinário
da tradição das cédulas, não existam. Será conveniente que o oficial declare a circunstância extraordinária e diga
em que consistiu o meio identificador da cédula entregue.
b) Testador com as mãos impedidas ou paralíticas: a situação equivale à do número anterior, a solução tem de ser a
mesma. Se fôsse a priori o princípio dos dois acórdãos do Tribunal da Relação de Minas Gerais, falhariam nesses
dois casos.
São cinco as testemunhas, número igualmente exigido aos outros testamentos. Porém, neste, não no são do
testamento, mas da apresentação do testamento. Atestam a identidade da carta e as declarações do testador de que
aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado. São testemunhas dêsse ato, e não das disposições
testamentárias prôpriamente ditas. Mas, como as dos testamentos públicos e particular, são instrumentárias, e não
acidentais. Se é certo, como FRANCISCO DE CALDAS PERFURA DE CASTRa e FRANCISCO PINHEIRO
ensinavam, que não precisam, no velho sentido, ser rogadas, nem por isso deixam de ser, hoje em dia, testemunhas
convocadas, ainda que aproveitadas dentre as pessoas acidentalmente presentes. Devem estar ali, sem interrupção,
como no testamento público, mas somente a partir do gesto do testador ao passar às mãos do oficial a cédula
testamentária, declarando-a sua e dizendo que é para ser aprovada, até ~a completa ultimação do ato que é o cerrar
e coser (art. 1.688, XI).
A lei não exige a unidade de ato à escritura da cédula testamentária, que vai ser dada para a aprovação. Mas o
instrumento de aprovação e todas as solenidades que o precedem e sucedem têm de ser ininterruptos. Yale dizer:
desde o gesto da entrega, presentes oficial, testador e testemunhas (artigo 1.688, IV), até o cerrar e coser do
testamento (art. 1.688, XI), tudo tem de fazer-se sem interrupção: continuIdade e presencialidade desde o principio
até o fim.
Ouno contextu quer dizer sem interrupção para outra coisa ou ato: non miscetur actus testamento alienus
(ANTÔNIO flE SOUSA DE MACEDO, Decisiones supremi Senatus iutitiae lusitaniae, 15).
A exigência de uno contextu só se refere à parte de autenticação, similar do testamento público, e ao proceder
solene. Quanto à cédula, não: pode ser feita num tempo, e noutro levar-se à aprovação; fazer-se aos poucos,
conforme fôr entendendo o testador, como ocorre à escritura do testamento particular.
2. “UNITAs ACTUS”. No Código Civil, portanto, o testamento particular não mais exige a unitas actus, no seu
rigor antigo. Alguma coisa, porém, permanece. O art. 1.645, II, satisfaz-se com a intervenção das cinco
testemunhas (“além do testador”, diz, supêrfluamente, a lei), e com a leitura a elas, seguindo-se a assinatura, e o art.
1.647 é explícito: será confirmado o testamento, a) se as testemunhas forem contestes sôbre o fato da disposição e
reconhecerem as próprias assinaturas e a do testador, ou b) se (“ao menos”) forem contestes sôbre a leitura perante
elas, o que mostra ser bastante ter-lhes sido lido o testamento. -:
Assim, exige a lei brasileira, como formalidade essencial:
a)A holograf ia da cédula e da assinatura do testador: é isto o que diz o requisito de ser “escrito e assinado pelo
testador”.
b)A intervenção de cinco testemunhas, a que o testador leia. ou mande ler, ou às quais dê a ler, q testamento, isto é,
a cada uma delas (nosso Tratado dos Testamentos, II, 192 e 209).
c)A assinatura das cinco testemunhas.
A redação do art. 1.645 não é boa: há três pressupostos de forma holograf ia do texto e da assinatura do testador,
leitura perante cinco testemunhas e assinatura delas.
Todos os três se acham no art. 1.645, 1 e III, de modo que é supérfluo o inciso II: se é preciso ser lido às cinco
testemunhas e elas assinarem, claro que cinco testemunhas intervêm. A intervenção co-presença ininterrupta seria
requisito essencial se o art. 1.647 não houvesse quebrado a unitu.s actus.
§ 5.935. TESTAMENTOS ESPECIAIS o permitir que baste (verbis “ao menos”) serem contestes as testemunhas
sôbre a leitura a elas.
2. TESTAMENTO MILITAR. No art. 1.660, a respeito do testamento dos militares e mais pessoas ao serviço do
exército em campanha, é evidente a exigência da unitas actus, sendo essencial a co-presença de quem serve de
oficial público, do testador e das testemunhas, que são duas, ou, se o testador não pode ou não sabe assinar, três. Se
três figuram e não figura a assinatura do testador, vale o testamento, por não se ter exigido, no art. 1.660, a menção.
Trata-se no art. 1.661 de testamento com oblação, ao qual é inteiramente aplicável tudo quanto, a respeito de imitas
actus, se disse dos testamentos cerrados.
Também o testamento militar tem prazo de caducidade.
O Código Civil possui o testamento militar nuncupativo, a que também se aplica o art. 1.662.
A nuncupação supõe que o testador confie a sua última vontade a duas testemunhas. Não seria possível que fizesse
as declarações, em lugares e tempos diferentes, às duas testemunhas. A co-presença é indispensável. Certo, durante
combate, ou em virtude de grave situação do testador, pode não haver sala, ou tenda, em que êle solenemente diga
o que quer, e basta que o vejam e ouçam as duas testemunhas. De qualquer modo, há exigência da imitas actus,
porque, se uma testemunha ouviu o comêçó e a outra só ouviu o fim, não se pode pensar em testamento válido.
3. CODIGO. No direito brasileiro, o codicilo é escrito particular, datado e assinado. Escreve-o, data-o e assina-o o
testador. Feito por escritura pública, tem de obedecer às regras exigidas aos testamentos, e então é possível não
valer por infração da unitas actus. Escrito, datado e assinado pelo testador, tal exigência não existe: pode escrevê-lo
hoje, datá-lo mais tarde, assiná-lo amanhã, ou quando quiser, ou vice-versa.
1. PRECISÕES. Quando se exige unitas actus, afasta-se qualquer possibilidade de momento em que, na feitura do
ato, alguma testemunha ou o declarante se ausente. Se é quebra da unidade intrometer-se a lavratura de outro
negócio jurídico, ou entabular-se conversação sôbre assunto diferente, ou ir alguma das pessoas figurantes almoçar,
ou jantar, fora do lugar em que se está a elaborar o testamento, casos há que constituíram problema técnico a que o
direito romano deu resposta e a que a doutrina contemporânea não pode deixar de dedicar reexame cuidadoso.
No reexame, havemos de levar em conta a mudança das situações da vida. Se é certo que em alguns lugares, hoje
em dia, ainda persistem o desconfôrto e a falta de meios de transporte dos tempos antigos e medievais, de regra os
tabeliães ocupam prédios dotados de instalações próprias, e a deslocação dos doentes, testemunhas e tabelião se
processa com tôda a comodidade.
Em todo o caso, o jurista contemporâneo tem de atender às circunstâncias de lugar, pois que nem todo o país
apresenta o mesmo grau de civilização, a fim de apreciar, iii concreto, a interrupção que as necessidades
impuserem. Por exemplo: não se compreenderia que, no Rio de Janeiro, ou em qualquer Capita! de Estado-
membro, o testador, ou alguma testemunha, ou o próprio tabelião saísse do cartório para ir satisfazer exigências de
ordem fisiológica noutra casa, uma vez que haja, próximo, instalação adequada, ou no mesmo prédio. Ainda é de
observar-se que se não há de admitir a preferência por quarto afastado, se outro mais próximo existe, ou se o
cartório o tem seu.
2. RAZÕES DA SAIDA. Qualquer que seja a razão da saída, se alguma pessoa figurante em algum momento se
au-sentou, é preciso que o tabelião narre o fato, sob pena de não ter observado a lei. Isso não quer dizer que êle haja
de mencionar, precisamente, o ato que se teve de praticar. Basta que aluda a necessidades corporais, ou materiais,
ou exigências físicas. Se apenas alude a que teve necessidade de sair alguma das pessoas figurantes, deixa na
cédula causa explícita de suspeita de se haver quebrado a imitas actus. Em tal assunto, o que mais importa é a
fidelidade da narrativa, para que não fique a vontade do testador exposta às ações de invalidade da cédula
testamentária.
Não se diga que o formalismo deve ceder ao privilégio da vontade última, porque os requisitos formais foram
criados exatamente para proteger essa vontade última.
É bem possível que o testador só tenha confiança, verdadeiramente, numa testemunha, e o recado urgente para que
ela atenda a um telefone, ou vá falar a alguém, constitua expediente usado pelos fraudadores, com a cumplicidade
das outras testemunhas, bem como do tabelião, para coação ao testador, ou inserção de palavras no texto, ou
alteração de números, ou, até (e o caso não é nôvo>, de troca do Livro de notas. Se a ação de nulidade sacrifica a
vontade de um testador, a condescendência dos juizes, deixando de observar as regras da legislação especial sôbre
testamentos, expõe a vontade de muitos testadores, abre portas às mais graves falsidades e põe em risco a herança
de qualquer pessoa.
O que acima dissemos vem a pêlo, porquanto, lamentável-mente, tantas e tão audazes têm sido, nos últimos
tempos, as elaborações capciosas, obscuras, criminosas, de cédulas testamentárias, que não é fora de propósito
chamar-se a atenção dos juizes para o respeito dos pressupostos formais dos testamentes. A cada passo, aparecem
contempladas em cédulas testamentárias pessoas que não são parentes, nem amigos íntimos, nem necessitados de
caridade, ou de proteção, e raramente os médicos que assistem aos últimos momentos dos testadores têm a coragem
de manifestar à família, ou aos que cercam ocasionalmente o moribundo, a sua opinião sôbre o estado mental dêle.
As exceções aparentes à unitas actue são as que foram apontadas na L. 28, O., de testamentis: quemadmodum
testamenta ordirtctntur, 6, 28.
Traduzindo-se o texto: “Como a antiguidade quis que os testamentos se fizessem sem que medeasse algum ato, e o
sentido de tais palavras, não bem interpretado, redundava em prejuízo assim dos testadores como dos testamentos,
mandamos que, durante o tempo em que se faz um testamento, ou se forma um codicilo, ou se celebra alguma
disposição última segundo antiga formalidade, e contamos com que nada se há de alterar nela, não se façam, de
maneira alguma, aquelas coisas que não são necessárias, pois que, ocorrendo causa sutilíssima, o que é supérfluo
não deve ser intrometido. Mas, se acontece algo de necessário, e atinge o corpo mesmo do paciente, isto é, o tomar
alimentos necessários, ou poção, ou o dar-se ou aplicar-se medicamento, de modo que, sem êles, perigasse a saúde
do testador, ou se o uso necessário da natureza é premente para o testador, ou para as testemunhas, tratando-se de
deposição de supérfluo, não seja invalidado, por isso, o testamento, ainda que sobrevenha a uma das testemunhas
ataque de epilepsia, o que sabemos ter acontecido, mas, executado ou deixado o que era urgente ou premente, se
cumpram, de nôvo, as formalidades usadas para a feitura do testamento”.
Assim, se o testador tem alguma coisa a fazer que fiquem dêle separados, por se envergonhar o testador de alguma
coisa natural, fazer diante delas, introduzidas, de nôvo, as testemunhas, prossiga-se na feitura do testamento. Se
algo semelhante acontece a alguma ou a algumas das testemunhas e a necessidade pode passar em breve intervalo
de tempo, espere-se de nôvo o regresso delas e levem-se a cabo as solenidades.
Todavia, se a reparação de caso fortuito necessita de mais largo espaço, principalmente se ameaça a saúde do
testador que está em perigo, então, separada aquela ou separadas aquelas testemunhas a quem aconteceu coisa
semelhante, substituam-se outras, e pergunte-se, por ela ou por elas, assim ao testador como às demais
testemunhas, se todas as coisas que antecederam à presença da nova ou das novas testemunhas se passaram ante
todos. E, se todos são acordes, façam elas, ou ela, juntamente com as demais testemunhas, o que é preciso fazer-se,
ainda que, no intervalo, já se houvessem lançado assinaturas das testemunhas. Porque, assim, atendemos à
natureza, e fazemos permanecer em seu estado às últimas vontades dos mortos.
O Código Civil brasileiro está longe de anuir em tudo que aí se permite. A doutrina não pode tolerar, diante do
direito expresso, que se substituam testemunhas, quebrar-se-ía a unitas actus. Por outro lado, se assinaturas há,
como se supôe no texto romano, a saida da testemunha ou se deu entre a leitura e a assinatura pelas outras, ou
depois da leitura e assinatura pelas outras, e então nenhum valor tem o testamento, que a testemunha ou
testemunhas, que saíram, não sabem se é o que foi lido. A assinatura do testamento é ato rápido, e a lei brasileira,
além da co-presença, exige que as assinaturas sejam “em seguida à leitura” (art. 1.632, IV).
O Código Civil exige que as testemunhas assistam a todo o ato. Quer dizer: que estejam presentes a) no momento
em que o testador vai começar a ditar o testamento ou a prestar as declarações (testamento ditado ou declarado) ; b)
no momento em que começa a ditar ou prestar as declarações; c) durante os momentos subsequentes em que se
prossegue o ditado ou a declaração; d) a tôda a redação do testamento, quc. há de ser à medida que o testador dita
ou declara,; porque não seria de admitir-se que o tabelião ouvisse todo o ditado ou as declarações e só depois,
confiando na sua memória, ou nas suas notas, redigisse o testamento; e) à leitura do testamento, que há de ser logo
após a escrita e sem quebra da co-presença de todos os figurantes; f) à declaração do testador de que está conforme
o que ditou ou declarou, ou à indicação dos pontos que precisam ser acentuados, alterados, corrigidos, repetidos ou
retirados; g) à leitura, dos pontos acêntuados, alterados. corrigidos, repetidos ou retirados, e à declaração do
testador de que está satisfeito com a forma e o fundo; h) à assinatura do testamento pelo testador, testemunhas e
tabelião, que há de ser “em seguida à leitura”.
8. CASOS EM EXAME. Em conseqUência do que acima foi dito, temos: a) Se as testemunhas declaram que só
ouviram a leitura do testamento, isto é, que não ouviram as declarações ou ditado do testador, é nulo o testamento.
b) Também é nulo’ o testamento se o tabelião escreveu o testamento em quarto contíguo ao do testador, ou em lugar
em que não o viam as testemunhas, ou em que não o via o testador. O testamento tem de ser escrito à medida que o
testador fala, de modo que não é possível tomar notas o tabelião, para depois as lançar, ou receber das mãos do
testador, ou de outrem, minuta, ou apontamentos. o) O testamento é ato de rigor formal, que exige a co-presença de
todos os figurantes (testador, testemunhas, tabelião), e, assim, é nulo o testamento se o tabelião lança qualquer
proposição ao Livro de notas quando não estão presentes todas as testemunhas e o testador. A satisfação das
necessidades fisiológicas que permite rápido afastamento implica parar-se a recepção das declarações do testador e,
como essas declarações’ hão de ser escritas, corrente e imediatamente, pelo tabelião, nada justifica que, ausente
algum dos figurantes, o tabelião escreva qualquer frase ou palavra. d) Se as testemunhas depõem que o testamento
foi feito segundo apanhado, canhenho, ou rascunho, ainda que escrito pelo testador, não vale.
e)Se o tabelião tomou as declarações sem ver o testador, ou parte delas, sem no ver, o testamento é nulo, porque é
preciso que o tabelião veja e ouça o testador para identificar a procedência da voz e assegurar a liberdade de testar.
Se o tabelião não vê o testador quando êsse fala, não pode saber se a voz édêle, ou, pelo menos, se, ao falar, fala
sem coação física ou moral. f) Se, durante a leitura, não se achava presente alguma testemunha, ou não se achavam
presentes algumas testemunhas, ou o oficial, nulo é o testamento. g) Se o testador, o oficial público ou alguma
testemunha se ausentou entre a leitura e a assinatura de todos, nulo é o testamento.
Os testamentos, ainda públicos (senso estrito), ou cerrados, podem ser feitos à noite. Lê-se na L. 22, § 6, D., qui
testamenta facere possunt et quemadmodum testamenta fiant, 28, 1: “Posse et nocte signari testamentum nuíla
dubitatio est”.
A~ falta de luz, durante a noite, impede a validade do testamento, ou, pelo menos, o faz suspeito. É de LUDF.
OFE’. MADrnN: “testamentum noctu absque luminibus confectum suspicionem falsi habet, quae per probationem
contrarii elididebet”. Assim, firma-se a presunção, e só a prova contráriapode elidi-la. Em todo o caso, a opinião de
alguns que exigiam*três luzes, com invocação da L. 1, § 10, D., de inspiciendo ventre custodiendo que partu, 25, 4,
orça pela pilhéria (Ru-flOLl’I-T FREIHERR VON HOLZSCHUHER, Theorie und Casuistikdes gemeinen
Civilrechts, II, 726). Foi posta de lado a atitude dos que excluiam a prova em contrário, como CHE. FR.
VONMUHLENBRUCH. No caso de doença contagiosa do testador, perguntou-se epergunta-se se podem ficar
longe as testemunhas. A questãofoi assaz controvertida. Tratava-se de interpretar a L. 8, C.,de testamentis:
quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28.Alguns escritores, apoiados na Glosa e. em GoDOFREDO (sôbreo
testamento feito tem pore pestis), respondiam que não ficariaquebrada a unitas actus, mas a circunstância havia de
serjustificada, uma vez que a solenidade é que importaria. (Aliás,alguns falam de interrupção desculpável e
excepcional, em vezde permanência excepcional da unitas actue.) Ainda aí,ALBRECHT SCI-IWEPPE mostrou
que o quarto, em que podiamficar as testemunhas, havia de ser o imediato, naturalmentepara que fôsse verdadeira a
solenidade testamentária (Das rõmische Privatrecht iii seiner heutigeu Anwendung, V, 4•a ed., 119). CER. Ri. vON
MtYHLENERUCH (Lehrbuch ties Pandecten-Rechts, III, g•a ed., 342) somente cogitou do testamento
privilegiado (testamentum tempore pestis conditum).
Desde logo observemos que a Glosa e GODoFREDO se referiam ao testamento privilegiado tem poris pestis
conditvm GUST. Ltmov. THEOD. MAREZOUL supôs doença súbitamente manifestada, que atinja ao testador ou
alguma testemunha, para dizer que, então, a unitas actus é inatingida pelo afastamento (Zeitschrift fúr Civilreckt
und Prozess, V, 77). O que é certo é que se misturaram a questão de lege lata do testamento ordinário e a questão
do fundamento do privilégio.
Para a crítica das diferentes opiniões é útil a leitura do escrito de E. ACKERMANN (Ueber das testament zur
Pestzeit, Archiv fiir die civilistieche Prazis, 82, 55-82).
Outros pensavam na unitas boi e só exigiam que as testemunhas vissem e ouvissem o testador. G. E. PUCHTA
(Pandekten, 9? ed., § 467, 674) foi dêsse número, com J. N. VON WENING~INGENHEIM e KARL AD. VON
VANGEROW (Lehrbuck der Pandlekten, II, 142).
Diante do texto da L. 8, essa, que foi a mais velha interpretação, se firmou nas Basílicas, segundo a tradução de
FABUGIO: “Si metuerint testes accedere proprius ad testatorem, no morbi contagione inficiantur, permittatur eis,
ut separatim ab eo testamentum signent”.
Na L. 8, C., de testamentis: quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28, lia-se: “Casus maioris ac novi
contingentis ratione adversus timorem contagio~Iis, quae testes deterret, aliquid de iure laxatum est: non tamen
prorsus reliqua etiam testamentorum solemnitas perempta est. Testes enim huiusmodi morbe oppresso eo tempore
lunge atque sociari remissum est, non etiam conveniendi numeri eorum observatio sublata”.
Em português: “Em razão de caso de fôrça maior e de nova contingência por temor de contágio, que aterre as
testemunhas, algo se atenuou no direito. Mas não foram suprimidas também as demais solenidades testamentárias.
Assim, atacado de alguma enfermidade o testador, dispensou-se que as testemunhas se juntassem e reUnissem no
momento, e por igual se suprimiu a formalidade de se reUnir o número delas”.
CAPITULO XXVII
1. MATÉRIAS EM EXAME. A propósito da revogação dos testamentos, o Código Civil estatui: a) sôbre a revoga
çdo prôpriamente dita (art. 1.746), que há de ser feita por testamento ou forma testamentária; b) sôbre a totalidade
ou parcialidade da revogação (art. 1.747) ; o) sôbre a infirmação, que se caracteriza pela incompatibilidade no
tempo (art. 1.747, parágrafo único) d) sôbre a caducidade, a destruição ou deserção (art. 1.748) e) sôbre a
destruição material (artigo 1.749) ; f) sôbre os casos de ruptio (arts. 1.750 e 1.751) ; g> sôbre o não se romper no
caso do art. 1.752.
O sistema jurídico brasileiro não tem prescrição, nem prazos preclusivos para os testamentos. Feitos, valem em
todo tempo, salvo revogação. Se remontarmos às leis visigóticas,. veremos que o testamento hológraf o tinha a
prescrição de trinta anos (Lez Visigothorum, II, 5, 16). Mas a de dez anos,. que se viu no direito romano, não surgiu
no Breviário (Codez Theodosianus, IV, 4, 6, interpret.). Cf. arts. 1.658-1.662.
2.VIDA DOS TESTAMENTOS. O princípio ambulatoria usque ad vitae supremum ezitum a voluntas defuncti é
hoje da essência do testamento, tal como se cristalizou, através dos tempos, a revogabilidade. Assim como são
nulas as cláusulas pré-excludentes de futuros testamentos e as que dizem irrevo gável o que se fêz, não nulas as
poenae que se prometem aos beneficiados para o caso de revogação.
Todo o assunto da revogabilidade inderrogável foi tratado. O que ora nos interessa é a maneira, são as espécies, os
efeitos de revogação expressa, ou revogação tácita, ou ruptura dos testamentos.
Em testamento, como em qualquer outro ato jurídico, não pode a pessoa vincular-se a não revogar testamento ou
codicilo, ou qualquer disposição de vontade ou cláusula inserta em testamento ou em codicilo. Tudo que se disse é
revogável. IJLPIANO falava de ambulatoriedade da vontade dos que testam, de modo que da vontade do defunto
êle cogitava como mudável, ambulatória, até que a morte chegou. Mas, em vez de aludir ao tempo passado,
empregou “é” (est), em vez de “foi” (L. 4, D., de adimendis vel trans ferendis legatis vel fideieommissis, 34, 4:
“ambulatoria enim est voluntas defuncti usque ad vitae supremum exitum”).
Qualquer testamento pode conter a cláusula revogatória. Se a cláusula é cláusula de irrevogabilidade, é nula; não
pelo fundamento, que se costuma invocar, com citação de HERMOGENIANO (L. 22, D., de legatis et
fideicommissis, 32), o de não se poder ditar norma para si que prive de afastar o que antes se disse; mas, sim, com o
da inadmissibilidade de se vedar a alguém que manifeste a vontade, principalmente se para eficácia após a morte. A
<cláusula de irrevogabilidade criaria vinculação para o patrimônio, quando falecesse o testador, a despeito dos
elementos subjetivos e objetivos que podem ocorrer antes disso. (É êrro chamar-se a tal cláusula “clausula
derrogatória”. Trata-se de clausula de nau revocanda priore voluntate, que é proibida, máxime nos Estados que não
têm o pacto sucessório, porque o pactum de nau revocando testamento seria vedado como pacto sucessório e como
pactum de nou revocanda priore voluntate.)
Qualquer revogação tem de ser manifestação unilateral de vontade a causa de morte e com as formalidades
testamentárias. A cláusula de revogação posta em codicilo não pode revogar testamento: pode revogar codicilo ou
alguma disposição ou cláusula de codicilo.
O ato que impede revogação pode apenas ser ato ilícito, que dê ensejo a indenização de perdas e danos. O que
poderia ter sido revogado, e não no foi, persiste. Se a violência ou o dolo ou o êrro atinge ato revogatório, que se
perfizera, há invalidade dêsse. O texto revogatório há de ser negócio jurídico perfeito.
1. TExTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.746: “O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma
por que pode ser feito”.
A fórmula do Código Civil, bem moderna, procede da Comissão da Câmara, em 1902 (Trabalhos, VI, 515), com a
emenda de ANDRADE FIGUEIRA. O Projeto primitivo, art. 1.907, reconhecia a revogação por escritura pública.
O Projeto revisto, art. 2.111, exigia a tal escritura as formalidades do testamento público.
2.FONTE. Inspirou o Código Civil, art. 1.746, o direito contemporâneo, limpo da exceção, adiante estudada, em
favor da escritura pública, com as formalidades gerais dos atos por instrumento público, e da revogação codicilar,
que estavam no Projeto revisto, art. 2.111, inciso 2, constituiria a transição que tentara pôr nos devidos têrmos o
caso da revogação por escritura pública: “por declaração feita pelo testador, pessoalmente, perante qualquer oficial
público, que exerça as funções de tabelião ou de notário, com as formalidades do testamento público”. O Código
Civil, art. 1.746, abstrai de tudo isso.
3.APLICAÇÃO MODERNA DO PRINCÍPIO. O art. 1.746 do Código Civil consagra aplicação especial da L. 85,
D., de diversis regulis inris antigni, 50, 17: “Nihil tam naturale est quam eo genere quidque dissolvere, quo
colligatum est”. A êsse dizer de ULPIANO precedera o de GAIO, na L. 100: “Omnia, quae iure contrabuntur,
contrario iure pereunt”. Mas tal princípio, aplicado aos testamentos, antes e, agora, no Código Civil alemão, no
suíço e no brasileiro, ganha explicitude, que lhe dá valor próprio e implica afastamento de revogações por outros
meios que não sejam formas testamentárias. Alude-se, implicitamente, àqueles meios, e tira-se-lhes a possibilidade
jurídica de se admitirem outros.
4. ATO JURÍDICO DO TESTAMENTO. Como ato jurídico, simétrico ao testamento, a revogação e a infirmação
supõem agente capaz, vontade livre, sem vícios, e os mais requisitos intrínsecos do ato testamentário. Trata-se de
declaração uni-. lateral de vontade, de vontade última, como o testamento. No direito brasileiro, não se tem a
exceção do § 2.253, alínea 2•a, do Código Civil alemão. Tudo que se disse sôbre a faculdade de testar, sôbre a
capacidade testam entária ativa, sôbre êrro, dolo e outros defeitos da vontade, sôbre a capacidade para ser
testemunha, sôbre interpretação, aplica-se à revoga ção e àinfirmação. Seria escusado repetir tudo que se disse nos
Tomos LVI-LVIU (capacidade e forma), por isso mesmo que tudo concerne ao ato intrínseco e formal do
testamento, e os dois elementos invalidantes são, necessàriamente, ainda que negativos ou nus, testamentos: vale
dizer formas testamentárias.
Não só. Aplica-se à revogação tudo que foi dito sôbre interpretação.
5.PERDA DE EFICÁCIA DO TESTAMENTO. O Código Civil cogita da revogação do testamento (arts. 1.746-
1.749), da ruptura, ruptio, do testamento (arts. 1.750-1.752), e da caducidade dos legados (arts. 1.708 e 1.709). Não
dedicou regra jurídica especial à perda de eficácia das disposições testamentárias, por ter mediado negócio jurídico
entre vivos, de eficácia anterior ao comêço da eficácia do testamento, que é no momento que se segue à morte do
testador. Tal assunto pertence, por sua generalidade, à Parte Geral do Direito Civil. Se, ao tempo de se iniciar a
eficácia do testamento, que é negócio jurídico perfeito em vida do testador, mas de efeitos só após a sua morte, o
testador concluiu negócio jurídico com cuja eficácia seria incompatível a eficácia do testamento, deixa êsse de a
ter, enquanto aquela eficácia não cessa, ou deixa êsse de a ter para sempre, se aquela eficácia não cessa nunca. Se o
testador pôs na quota do herdeiro o direito de habitação (Código Civil, arts. 746-748) da casa h e, em vida, deu em
usufruto a casa h a outrem, ou lhe doou a propriedade a outrem, a disposição testamentária é ineficaz, porque não
se pode habitar, por direito, o que, por direito, outrem usufrui, ou não pertence ao testador. Para se resolverem os
problemas relativos a isso, ou se teria de lançar mão de analogia com as espécies do art. 1.708, 1-Til, do Código
Civil, ou do princípio geral de direito, segundo o qual a eficácia do fato jurídico só se produz, se não há, no mundo
jurídico, eficácia que a pré-elimine.
Se a deixa é legado, o art. 1.708, I-V, incide. O testador quis legar biblioteca para ser aberta ao público,
constituindo-se fundação, e vende, antes de morrer, o prédio, ou quase todos os livros, mudou de vontade, sem
haver revogação que éretirada da voz (revocatio) e a disposição testamentária caduca. Outrossim, se o testador diz
legar fazenda, para posto de ensino agrícola, e a loteia, antes de morrer, não deixando o que se preste ao
cumprimento da sua vontade. Ambas as espécies cabem no art. 1.708, 1. Porque, aí, a alienação não operou como
diminutiva do valor, mas sim como modificativa da coisa, tornando-a inadequada à deixa testamentária, em sua
forma, ou em sua destinação. ~ a adenção, espécie de caducidade.
1. FORMA DE REVOGAÇÀO DOs TESTAMENTOS. Já se tratou da revogabilidade dos testamentos. O que ora
nos interessa é vermos os modos, pelos quais, no todo, ou em parte, êles se revogam.
Ato unilateral, declaração de última vontade, restaurador da sucessão legítima, ou de outro testamento, ou outro
testamento, de data diferente do que se revoga (data ou hora, nada importa), constitui ato testatório, portanto
personalissimo, como o testamento (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Ruirgerlichen Rechts, Jfl, 8A-9.~ ed., 544).
Exige a capacidade de testar, exige as mesmas formalidades, a mesma disponibilidade de espírito, sem a qual não
haveria ânimo livre de revogar. Nulo e anulável, nos mesmos casos que o são os testamentos. Em verdade, é outro
testamento, talvez só negativo, ou, o que lhe dá certa autonomia, consistente, tratando-se de testamento cerrado ou
particular, em atos de inutilização material.
Há duas espécies de revogação: a expressa em palavras e a tácita. Alguns autores falam de revogação presumida,
que é a que consiste na superveniência de descendente sucessível, ou na ignorância de quaisquer herdeiros
necessários (artigos 1.750 e 1.751). Quanto ao fundamento, é bem de ver que se trata de presunção de vontade, pois
variaram ou se revelaram de outro modo as circunstâncias em que o testador testou. Mas a velha expressão ruptum
dá a noção de regra jurídica objetiva, de efeito da aplicação legal: rompe-se. Tanto isso é certo que só as
circunstâncias dos arts. 1.750 e 1.751 podem ter aquelas conseqúências revogatórias. Nem é da essência do
testamento, nem as leis contemporâneas o estabelecem. Tudo mostra tratar-se de ruptura ditada por lei, O art. 1.751
éparticularidade do Código Civil brasileiro e do Código Civil argentino, art. 8.715. Se percorremos o revogado
Código Civil italiano, arts. 888 e 889, o Código Civil venezuelano, art. 942, o revogado Código Civil português,
art. 1.760, e o Código Civil peruano, art. 846, só lhes encontramos, com diferenças, regras jurídicas que
correspondem ao art. 1.750. Só o Código Civil brasileiro e o argentino estatuem que se rompa, se houver
ignorância de outros herdeiros necessários. Chamemos, pois. testamento róto: ganharemos em precisão e
atenderemos ao fato, bem considerável, de provir da lei, mais do que das garantias do livre querer testamentário, o
efeito invalidante. Do Código Civil alemão, § 2.079, falaremos a respeito do artigo 1.750, ali há, evidentemente,
cláusula rebus sie stantibus.
2. REVOGAÇÀo NOS CónIcos CIvIs DE HOJE. No direito alemão, a lei é concisa: “A revogação faz-se por
testamento” (§ 2.254: “Der Widerruf erfolgt durch Testament”).
No Código Civil suíço, art. 509, declara-se que o disponente pode revogar seu testamento em qualquer tempo,
observando uma das formas estabelecidas para testar. Entendem os comentadores: testamento público, hológrafo, e
dadas as circunstâncias oral. Porque admite o contrato de herança, também êsse (P. Troa, Das Erbrecht,
Kommentar vim Sckweizerischen Zivilgesetzbuck, 111, 841; A. ESCRER, Das Erbrecht, Kommentar zuhi
schweizerischen Zivilgesetzbuch. III, 95). Formas testamentárias, e não, estritamente, testamento.
No direito francês, o Código Civil conhece dois meios (artigo 1.085) : “Les testaments ne pourront être révoqués,
en tout ou en partie, que par un testament postérieur, ou par un acte devant notaire, portant déclaration du
changement de volonté”. No entanto, e apesar de se falar em “testament postérieur”, foi reconhecido que o ato
revocatório não precisava ser testamento: bastaria a forma testamentarta.
Também o direito inglês exige às revogações as mesmas formalidades dos testamentos. São aplicáveis as mesmas
nulidades, as mesmas regras jurídicas (Wills Act de 1887, sect. XX). É preciso o animus revocandi, quando tiver
havido rompimento, ou dilaceração.
8. FORMA DO TESTAMENTO ANTERIOR E FORMA DA REVOGAÇÃO. Não é preciso usar-se a mesma
forma que se usou no testamento revogado. Testamento público pode ser desfeito por outro, público, cerrado, ou
particular, bem como, sendo o caso, pelos especiais, O testamento particular, por qualquer dos outros, bem como os
demais. Em se tratando de militar, eu de gente do mar, a revogação também pode fazer-se, nas circunstâncias
especiais, que as formas privilegiadas requerem, pelo modo por que se fazem os testamentos dos artigos 1.656-
1.668 (F. RITGEN, em O. PLANCE, Búrgerliches Gesetzbuch, V, 476; Motive, 296).
4.ORIGEM DAS REVOGAÇõES POR ESCRITURA EM NOTAS. ~De onde vem a revogação por ato notarial,
com as formalidades gerais dos atos jurídicos, porém sem as especiais dos testamentos? Os Códigos Civis que
ainda a admitem creram seguir a lição romana da L. 27, C., de testamentis: quemadmodum testamenta ordinantur,
6, 28 (Justiniano, 580), mas por leitura superficial: o que o Imperador pretendeu foi permitir a simples revogação,
ou revogação nua, sem instituição de herdeiro, e por isso lhe exigiu três testemunhas, e não outra forma. O art.
1.085 do Código Civil francês procede de comentários e glosas ao Codez e às Institutas. No direito português, de
GROENEWEG e J. BRUNNMANN. de J. DOMAT e do Código Civil francês. Cf. Código Civil português (1966),
artigo 2.812.
Têm-na o Código Civil francês, art. 1.035, tinham-na o Código Civil italiano revogado, art. 817, e o Código Civil
português revogado, art. 1.755. Constitui motivo de delicada questão de direito internacional privado.
A revogação do testamento não pode ser feita sem ser em testamento e as espécies de revogação previstas em lei só
existem se a lei é clara. Não basta, sequer, declaração do testador feita em juízo ou em tabelião, sem a forma
testamentária. No próprio Código Civil russo, art. 426, que admite a declaração em ato notarial ou judicial, exige o
registo.
5. REVOGAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA, SE É POSSÍVEL. Por escritura pública, que não seja testamento,
ou por escritura particular, que tenha os requisitos do testamento particular, ~ podem revogar-se os testamentos?
A negativa, adotaram-na, no Brasil, CLóvIs BEVILÁQUA <Código Civil comentado, VI, 210) e ITABAIANA DE
OLIvEIRA
(Elementos de Direito das Sucessões, 2~a ed., 898). Para o primeiro, a intenção do Código Civil foi abolir essa
forma revogatória, o que resulta da supressão das palavras dos Projetos, que a consignavam. Também o codicilo,
acrescentou, não é meio adequado de revogar testamento. Quanto a êsse último ponto, estudaremos a questão. Para
o segundo, a revogação somente pode ser feita por meio de testamento, mas o de uma forma pode revogar o de
outra.
A tradição do direito é contra a exclusão da escritura (JosÉ HOMEM CORREIA TELES, Digesto português, III,
1883, § 8; M. A. COELHO DA ROCHA, Instituções de Direito Civil português, 8.~ ed., § 724; Código Civil
francês, art. 1.035). Mas só em relação à escritura pública.
Temos, pois, de dividir a questão: escritura pública, escrito particular, com as formalidades dos testamentos
particulares.
6.EScRITuRA PÚBLICA. O direito brasileiro anterior permitia a revogação do testamento por meio de
escritura pública, isto é, por ato revestido das sós formalidades que o direito notarial exige aos instrumentos
públicos. De modo que havia a revogação por outro testamento e a revogação por escritura pública. Constituía,
pois, permissão excepcional. A regra é só se revogarem testamentos por testamentos. Vemos acolherem a revogação
notarial sem requisitos de testamento o Código Civil francês, art. 1.035 (par un acte devant notaires, portant
déclaration du changement de volonté), e o Código Civil português revogado, art. 1.755. No Código Civil italiano
revogado, art. 917, havia a exigência especial de quatro testemunhas: “1 testamenti possono essere rivocati in tutto
o in parte con un testamento posteriore, o con un atto ricevuto da un notaio in presenza di quattro testimoni che lo
sottoscrivano, in cui il testatore personalmente dichiari di rivocare o in tutto o in parte la disposizione anteriore”.
Porém a corrente contemporânea, mais prática e mais lógica, é no sentido de equiparar o ato de revogação e o ato
de testar. Em verdade, quem revoga testa. ~ Por que se havia de admitir que uma forma, insuficiente para a feitura
do testamento, fôsse bastante para o destruir? ~‘,Como explicar-se que se facilite a revogação de cédula a cuja
escrita válida tantas formalidades foram tidas por indispensáveis?
A excepcional permissão produz grave questão: se a escritura pública basta para revogar, porém não para
disposições positivas de última vontade, ~ como resolver-se em face de testamento público, revogatório, nulo como
testamento (por faltar o número legal de testemunhas) e válido como escritura de revogação? Na França, decide-se
que, chamando-se testamento, ou contendo disposição positiva, uma vez nulo nesta disposição ou em virtude da
escolha da forma, nula é a revogação. Mas estamos, evidentemente, a ampanar as realidades da vida: ou a escritura
basta, ou não basta, para revogar. De si só, o argumento condena o regime excepcional do Código Civil francês,
que o direito brasileiro, antes do Código Civil, e o direito português tiveram.
Artificial, inspirado em confusão entre a fé pública da escritura e o formalismo testamentário (lei especial, de outra
procedência), a permissão da forma geral para revogar ato sujeito a forma especial, traz inconvenientes, dúvidas,
controvérsias, repugnantes à mentalidade dos nossos dias.
No sentido da simetria entre ato testamentário criador e ato testamentário destruidor vêm os Códigos Civis
espanhol, art. 788; argentino, art. 8.827; uruguaio, art. 999; boliviano, art. 532, peruano, art. 859; e japonês, art.
1.124. Finalmente, no século XX, o brasileiro, art. 1.746, após o suíço, e o alemão, e o italiano de hoje.
Diz o Código Civil suíço, art. 509, alínea 1.a: “Der Erblasser kann eine letzwillige Verfiigung jederzeit in einer der
Formen widerrufen, die Rir die Errichtung vorgeschrieben sind”. Na edição francesa, “Le disposant peut révoquer
son testament en tout temps à la condition d’observer 1’une des formes prescriptes pour tester”.
Lá se interpreta que a forma da revogação não é espeeia], basta que se exprima, claramente, a vontade do testador
de revogar, no todo, ou em parte, as disposições precedentes (EUGÊNE CURTI-FORRER, Commentaire du Code
Civil suzsse, 408), com observância de forma testamentária
O Código Civil alemão, § 2.254, é expresso: “Der Widerruf erfolgt durch Testament”. A forma que se escolhe,
dentre as formas de testamento, não precisa ser a mesma do testamento que se revoga (Protokolle, V, 851 s.). Dadas
as especiais circunstâncias, até o testamento marítimo e o militar revogam os ordinários; por isso mesmo, em
situações que os justifiquem, os testamentos tem pore pestis condito, o extraordinário do Código Civil alemão, do
Código Civil suíço e de outros.
No Código Civil italiano (1942), art. 682, diz-se apenas:
“II testamento posteriore, che non revoca in modo espresso precedenti, annulla in questi soltanto le disposizioni che
sono con esso incompatibili”.
No Código Civil português (1966), art. 2.812, persiste a extensão. “A revogação expressa do testamento só pode
fazer-se declarando o testador, noutro testamento ou em escritura pública, que revoga no todo ou em parte o
testamento anterior”. No art. 2.813: “1. O testamento posterior que não revogue expressamente o anterior revogá-
lo-á apenas na parte em que fôr com êle incompatível. 2. Se aparecerem dois testamentos da mesma data, sem que
seja possível determinar qual foi o posterior, e implicarem contradição, haver-se-ão por não escritas em ambos as
disposições contraditórias”.
No art. 680 do Código Civil italiano (1942) está escrito:
“La revocazione espressa puô farsi soltanto con un nuovo testamento, o con un atto Picevuto da notalo in presenza
di due testimoni, in cui il testatore personalmente dichiara di revocare, in tutto o in parte, la disposizione anteriore”.
Resta o direito testamentário do Código Civil soviético. Quando se lê a segunda parte do art. 426 do Código Civil
russo, pode ser que a primeira impressão leve a incluí-lo na ordem do Código Civil francês e do Códig5 Civil
português. Diz ela:
“Ainda sem fazer testamento nôvo, pode o testador anular o anterior por declaração notarial ou judicial neste
sentido, que se inscreve no registo de atos ou no protocolo judiciário”. Se lermos o art. 425, no qual se cogita da
forma do testamento, veremos que a aparente exceção da alínea 2.~ do art. 426 só tem o efeito de permitir
revogação nua: o legislador deixou claro que outro testamento revoga (alínea 1.~) e, ainda sem disposição positiva
(quer dizer: sem fazer nôvo testamento), pode haver revogação. No fundo, o mesmo que o Código Civil brasileiro,
o suíço, o alemão e o italiano de hoje, porque a exigência formal para a simples revogação é a mesma exigida ao
testamento. Com uma particularidade: poder fazer-se judiciàriamente e inscrever-se no protocolo judiciário. Donde
se conclui haver critério oposto ao do legislador francês e do portugues: a revogação tem, lá, importância maior.
8.ESCRITURA PARTICULAR. O testamento pode ser revogado por escrito particular, que o próprio testador faça
e assine, intervindo cinco testemunhas a que leia, e por elas assinado. Pode não conter qualquer disposição positiva
e apenas dizer “fica revogado o testamento do dia tal”. Vale a revogação, como valeria se, além disso, dispussesse
“lego cem apólices a E”: não teria nome, mas seria um testamento, em parte positivo e, em parte, revogação.
Portanto, em carta, ou em outro escrito, sem o nome de testamento, a revogação do testamento vale, se, ao redigi-
la, seguir o disponente as formalidades da lez boi para os testamentos particulares, uma vez que o seu estatuto o
permita. Assim, respeitou-se a forma testamentúria.
9. REvOGAÇÀO NUA. Não é preciso que o ato revogatório contenha disposições positivas. Pode dizer tão-
sómente: fica revogado o testamento do dia tal; ou, tratando-se de revogação da revogação: fica revogada, sem
efeito, a revogação do dia tal.
Porém nem sempre foi assim. O testamento romano tinha um fito: a instituição do herdeiro. Escolhido êsse, feito o
testamento, só outro testamento, jure civili, em forma regular, poderia desfazer o testamento anterior. Era menos a
voluntas testantium que o favor testamenti o critério clássico. O que tinha importância era a designação do heres.
Nomeado, não se justificava que se abrissem as porta~, depois, à sucessão legitima. Seria contrário à estrutura
social e jurídica do povo romano. Foi o Pretor, a vida, que veio, a principiar pelas considerações de integridade
física das tabulae e das suas partes essenciais, atenuar-lhe o excessivo rigor. Foi curioso espetáculo o contraste, que
durante longo tempo se travou, entre o direito civil e o pretoriano. Só em 580 Justiniano (L. 27, C., de testamenti:
quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 28) admitiu a revogação simples, desacompanhada de nova instituição. Se
bem meditarmos na importância de tal ato legislativo, notar-lhe-emos a gravidade, a verdadeira revolução que
constituiu tão assinalada vitória da voluntas testantium contra o favor testamenti. Não é mais ao herdeiro que se
visa, ao qual a organização social de Roma favorece, mas êsse elemento humano, transeunte, que é a vontade de
um homem que vai morrer. O Eretor ainda mirava a vida: via essas particularidades quotidianas das rasuras, do
corte das linhas, da destruição das ta.bulae. Justiniano já pertenceu a outra mentalidade, que se afastou da ânsia
antiga de construir, que era a de Roma: volia-se para a morte. Roma trocou de deuses.
As alterações nas verbas testamentárias podem ser apenas condicionais, ou no tocante a pormenores, mas de
qualquer modo se retirou parte da voz. Se alguma das frases ou alguns dos trechos que a revogação atingiu era com
eiva de nulidade ou de anulabilidade, nem por isso se há de dizer que se não deu revogação. A voz, a despeito da
invalidade, lá estava, e retirada foi. Se havia condição fisicamente impossível, uma vez que há, no sistema jurídico
brasileiro, a regra jurídica do Código Civil, art. 116, 13, não houve voz que entrasse no mundo jurídico, de modo
que a retirada da voz aí se passa em plano fáctico (cf. Tomo III, § 258, 5). De passagem, observemos que, a respeito
das condições impossíveis, grave êrro cometeu CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões, II, 53 ed., 196;
III, 165), que não distinguiu do tratamento da condição fisicamente impossível o testamento da condição
juridicamente impossível, a despeito da explicitude do art. 116, 13 e 2•a partes.
10. REVOGAÇÀO CONDICIONADA. A revogação pode ser sujeita à condição, desde que a condição seja das
que se admitem nas últimas vontades, ainda que possa realizar-se depois da morte (CARL CROME, System des
deutschen búrgerlichen Reokts, V, 114). Em geral, valem as cláusulas privatórias que por outro motivo não violem
as leis (F. RITGEN, em G. PLANCK, J3iirgerliches Gesetzbueh, V, 239 e 475). Cumpre que não se confunda a
cláusula aposta ao ato com a que se apõe à nomeasão do herdeiro ou legatário (Código Civil, art. 1.664).
Alguns testadores, prevendo que os herdeiros ou legatários promovam a decretação de nulidade das suas
disposições de última vontade, declaram que, se isso acontecer, ficarão revogadas as liberalidades concedidas a
êles. Trata-se de revogação condicional. Em regra, válida. Só será ineficaz se atingir direitos que não podiam ser
feridos pela autonomia de vontade do testador. Exemplo: as quotas indispensáveis.
11. CODICILOS E REvOGAçÕES DOS TESTAMENTOS. A lei cogita da revogação total ou parcial, per
posterius testamentum; porém nada diz sôbre os efeitos derrogatórios dos codicilos. Fixa-lhes o teor, escrito e
assinado. Circunscreve-lhes o objeto, entêrro, esmolas de pouca monta, legados de móveis, roupas, jóias, não mui
valiosas, de uso pessoal, sufrágios por alma do finado (Código Civil, arts. 1.651-1.797), nomeação de
testamenteiros (art. 1.658). Dá-lhes validade, exista, ou não, testamento anterior (art. 1.652). O testamento posterior
sempre os revoga, se os não confirmou, ou, o que seria conf irma-los em parte, se os não modificou (art. 1.654).
~ O codicilo pode revogar, parcialmente, o testamento anterior? Logo nos vem a resposta afirmativa, porque, nas
coisas sôbre as quais a lei lhe permite recair, não seria admissível duas validades, a do codicilo posterior, que é por
lei válido, e a do testamento revogável pelo mesmo modo e forma, por que pode ser feito. Mas o codicilo é menos
de um testamento! Menos na forma, menos na possibilidade de abrangência ou objeto, menos nas seguranças, que a
solenidade confere aos testamentos. Mas a lei dá-lhe vida autônoma.
O codicibo só pode tirar o que êle pode dar. Mas o que êle pode dar, claro que o pode tirar. Não se pode apagar,
com o codicilo, a herança que se deixou em testamento. Nem deserdar. Mas duas validades, sôbre o mesmo objeto,
seriam absurdas: em tudo que podia consistir a disposição codicilar revoga-se o testamento, antes feito. Ném será
preciso dizer que tudo mais subsiste: tudo mais não foi atingido. Só a declaraç~o válida, em codicilo, risca a outra,
sôbre o mesmo assunto, que se fêz no testamento.
12.REvOGABILIDADE DA REVOGAÇÃO. A própria revo~• gação é revogável. Basta nova cédula que revigore
o testamento por ela revogado. Se não alude ao anterior, mas revoga, expressamente, a revogação, válido é o
testamento que antes valia, como se não houvesse sido revogado (F. RITGEN, em O.PLANCK, Ritrgerliches
Gesetzbuch, V, 476). No Código Civil alemão, § 2.258, alínea 23, diz-se: “Se um posterior testamento fôr
revogado, o anterior terá os mesmos efeitos que teria se não tivesse sido revogado”. Será eficaz, como se não se
houvera feito a revogação ora revogada.
Diz o Código Civil italiano (1942). art. 681: “La revocazione totale o parziale di un testamento puô essere a sua
volta revocata sempre con le forme stabilite dall’articolo precedente. In tal caso rivivono le disposizioni revocate”.
E o Código Civil português (1966), art. 2.314: “1. A revogação expressa ou tácita produz o seu efeito, ainda que o
testamento revogatório seja por sua vez revogado. 2. O testamento anterior recobra, todavia, a sua fôrça, se o
testador, revogando o posterior, declarar ser sua vontade que revivam as disposições do primeiro”.
A lei brasileira não inseriu isso. ~Vale, no direito do Brasil, a regra jurídica? Cumpre distinguir:
a) Pelo fato de a consignar o Código Civil alemão, trata-se de regra jurídica imperativa, de iw~ cogens,
“zwingendes Recht”, que resiste a tôda interpretação (E. ITEEZFELDER, Erbrecht, .1. von Stuudingers
Kommentar, VI, 794), como a que aparece no § 2.289, alínea 13, parte 13, sôbre o contrato de herança.
b) Pelo fato de não na consignar o Código Civil brasileiro, não se conclui que ela não existe no direito: não está na
lei; mas isso é outra coisa.
Ela existe; constitui princípio geral de direito, está implícita no sistema do Código Civil. O de que não se trata é de
ins cogens, regra jurídica imperativa. Constitui regra jurídica de interpretação. No tocante ao direito internacional
privado, estudaremos os sistemas sôbre a matéria.
Se a revogação foi pelo processo destrutivo (art. 1.749), não se confere à revogação da revogação o efeito de trazer
à. vida o testamento que materialmente não subsiste. O que foi queimado ou dilacerado não volta a valer.
Os princípios que regem a revogação da revogação são os mesmos que regem essa. Nada obsta a que as revogações
parciais deixem incólumes disposições de dois ou mais testamentos anteriores, ou que a nova revogação atinja o
anterior mais distante no tempo e não o anterior mais próximo, ou alguns anteriores mais distantes no tempo ou
alguns anteriores mais distantes, ou aos mais próximos e não aos mais longínquos, ou alguns, ou algum dêles. O
testador pode dizer: “o testamento de 1967, que revogou o de 1966, fica revogado”; “quero que volte a ter eficácia
o testamento de 1964, e não mais o de 1965, que o revogara”. Tem de haver referência ã revogação da revogação,
porque, se o testador apenas disse “fica revogado o testamento de 1967”, não retirou a revogação que dêle resultou
o testamento revogado de 1966 não passa a ter eficácia).
Se o testamento, revogatório foi testamento cerrado, os atos de ruptura bastam para que não se pense em
revogação, mesmo se a intenção do testador fôra apenas a de revogar. Idem, se destruído ou dilacerado o
testamento particular, que revogaria.
13. DIFICULDADE. O testador, no testamento revogatório, dispunha positivamente e no terceiro, que o revoga,
SO se referiu à revogação. ~Mantém os dois, ou só o revogado? É questão de interpretação: referia-se ao
testamento, ou só a disposição revogatória do primeiro.
Falamos de revogação da revogação. É possível suceder terceira, quarta, ou quinta revogação, e assim por diante.
Cada nova revogação põe em vigor a penúltima que se fêz (F. HERzFELDER, Erbrecht, J. von Staudingers
Kommentar, V, 93 ed., 798).
1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.747: “A revogação do testamento pode ser total ou parcial”. Cf.
Projete primitivo, art. 1.908: “A revogação feita por testamento pode ser total ou parcial. Se a revogação fôr parcial
ou se o testamento posterior não contiver uma cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que fôr
contrário ao posterior”. Cf. Projeto revisto, art. 2.118. O Projeto de COELHO RODRIGUES dizia (art. 2.486): “A
revogação do testamento pode ser total ou parcial, e neste caso o anterior subsiste em tudo que não fôr contrário ao
posterior”.
2.CRITÉRIO METODOLÓGICO. Temos de separar as duas questões, que se não regem pelos mesmos princípios:
a)Revogação total e parcial.
§ 5.940. REVOGAÇÃO TOTAL E PARCIAL
8. REVOGAÇÃO PARCIAL. Se, no direito romano, de uma revocatio não se tratava, menos ainda de um efeito
revogatório parcial, que sómente matasse parte do testamento.
Ninguém, no direito romano, podia morrer com dois testamentos, salvo o privilégio do militar: militi licet plura
testamenta facere nec superins per inferius rumpitur. O que interessava à mente romana era a designação do
sucessor, a transmissão sacro-política. A votuntas testatoris não aparecia em primeiro plano: o grupo, sim. Donde a
verdade verdadeira:
o testamento romano era irrevogável; outro, posterior, o rompia. Assim achamos caminho que nos faça entender os
textos romanos; pode parecer sofisma (ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e “voluntas testamentium”, 138),
paradoxo, mas é a verdade. O favor testamenti, pela designação do heres, levava a tais conseqUências. A voluntas
testantium insinuava-Se depois: chegou, nos nossos dias, ao art. 1.747 e parágrafo único do Código Civil,
principalmente a êsse parágrafo único, que éconsagração definitiva, porém a mais alta do seu tempo.
4.REVOGAÇÃO PARCIAL NOS CÓDIGOS CIVIS DE HOJE. O Código Civil alemão não fala em revogação
parcial. Mas a doutrina não deixa dúvidas (contr24 só se nos deparou WIiLHELM MANTEY, Zur Anwendung des
§ 2.085 und des § 2.255 BGH., Das Recht, 10, 555). O segundo testamento pode só ser parcialmente revogatório,
conter, além da revogação, disposições positivas.
OCódigo Civil francês, art. daí. Assim, o revogado Código outros do mesmo tipo. “No todo, Teu, diz o suíço, art.
509.
1.035, alude à revogação par-Civil italiano, art. 917, e os ou em parte”, ganz oder zum
5. REVOGAÇÃO PODE SÓ SE REFERIR A PORMENORES. No -ato revogatório, o testador pode ter em vista
herança, legado, ou encargo, que entenda revogar: é-lhe livre fazê-lo. Mais: a revogação pode ter por objeto riscar
condição (E’. TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch. III, 342), cláusulas de
inalienabilidade, incomunicabilidade, ou livre administração. Mais: só consistir em apagamento de uma
substituyção, como, por exemplo, se a verba diz “deixo três casas a A, B e C, passando, por morte dêle, a D”, e na
revogação se dispõe: “revogado o que deixei, no testamento, a D”. A revogação terá o efeito de dar a A, E e C a
plena e livre propriedade.
São vulgares os testamentos revogatórios que só desfazem as anteriores nomeações de testamenteiros, deixando-as
aos juizes, dentre os herdeiros instituidos.
6.VELHAS QUESTÕES DE INTUITO REVOGATÓRIO. Pode ocorrer e é de extrema delicadeza que o
testamento tenha a intenção de revogar o testamento em todas as suas partes, mas seja impedido, por dolo ou
violência, de o revogar totalmente.
zA apreciação do vício de vontade surte o efeito de se considerar total a revogação? ~A prova do dolo ou da
violência basta para se considerar revogado o testamento?
Na inicial jurisprudência francesa, houve confusão entre a possibilidade da prova disso por testemunhas e a dos
resultados revogatórios da prova feita (Limoges, 6 de fevereiro de 1889). Não é aquela, mas esta, que está em
causa.
Na doutrina, F. LAIJRENT (Principes de Droit Civil français, 14, n. 177) propunha: a revogação, como o
testamento, é ato solene; só existe, se foi feita com as formas da lei; a forma é necessária à existência do ato. Se não
se fêz, não há revogação. A Côrte de Cassação, a 15 de maio de 1860, excluia a prova testemunhal e as presunções,
exceto no caso de fraude quando o testador queria revogar e o impediram de fazer: “la fraude fait exception à cette
régle, comme en toute autre matiêre”. Mas a fraude, redargilia o jurista, só introduz a exceção no sentido de
permitir que ela se prove por testemunhas ou presunções; porém, na espécie, não se trata de testar, a ação é a de
perdas e danos contra os autores do dolo ou da violência (13, ns. 122 e 128). No caso de se lhe impedir a
revogação, não houve revogação, mesmo que não se prove o dolo ou a violência: o testamento produzirá os seus
efeitos, cumprir--se-a; os interessados na revogação, que não se fêz, terão a ação de indenização.
Mas TH~OPRILE HUC (Commentaire théorique et pratique du Code Civil, VI, n. 868) distinguia: a) Se o autor
das manobras dolosas não está no número dos beneficiados pelo testamento, os herdeiros legítimos só terão contra
êle ação de perdas e danos; o testamento será executado. b) Mas, se o autor do dolo (ou violência) é um
beneficiado, será privado do legado a titulo de dano, o que equivale a revogação parcial. Se há outros danos, e uma
vez que se executa o testamento, pagá-los-ápela ação de indenização.
A questão está malposta.
Passamos ao caso da revogação. Uma coisa é existência da revogação e outra a composição por prova testemunhal
ou por presunções. Exemplos: a) A fêz a revogação por testamento particular e alguém a rompeu sem que êle
consentisse (existiu materialmente, existe de direito, porque, na espécie, o ato de outrem não teve o valor dos atos
de que cogita o artigo 1.749, tal revogação pode reconstituir-se, segundo os princípios de que falamos no Tomo
LVIII, § 5.854, e cumprir-se)
b) E quis revogar o testamento, levar consigo as disposições, redigidas, ou não, tolhem-lhe o caminho para o
tabelião, pois o testamento era público, e não lhe permitem redigir o particular, morre sem testar negativamente
(não existiu, nem existe revogação. Há crimes e danos, e serão punidos aqueles e ressarcidos êstes: não se
reconstitui o que nunca se constituiu).
Outras situações: a) Existem testamento e revogação e os autores da ação de nulidade querem provar que os têrmos
011 al7uns da revogação foram conseguidos por ameaças. O juiz pode anular tOda a revogação, ou a parte em que
interveio a violência ou dolo. Ficará em vigor o que está no testamento.
b)Se o autor prova que a cláusula testamentária ia ser mais extensa e, nesse ponto, foi que se fêz sentir a
fraudulência, cláusula existe, e na sentença de anulação o juiz pode dar-lhe a interpretação consentânea com a
vontade do testador, o) Se o autor reconhece que uma cláusula revogatória, que devia achar-se no testamento, não
está (portanto não é, não existe lá), porque e faz a prova forçaram o testador a omiti-la, o juiz não deve introduzir
a verba inexistente, a verba que nunca existiu, mas a sentença julgará provado isso e o autor, se beneficiado pelo
testamento, não pode receber o beneficio, porque seria reconhecer-lhe direito aos produtos do crime. Se, com a
sentença e êste efeito, ficar satisfeito o autor, toilitur quaestio. Mas, se ocorrer que o legado vai a outro legatário ou
aos herdeiros, testamentários ou legítimos, dar-se-á enriquecimento injustificado e cabe a ação.
10.CAsos DE DESTRUIÇÃO PARCIAL DO ATO REvOGATóRIO. Pode suceder que o testamento valha quanto à
forma, mas seja imperfeita, incompleta, deficiente, a vontade que se nele contém, salvo no que diz revogar, ou não
diz, mas resulta de cláusula expressa que se interpreta. Aqui, non vitiatur utile per mutile (KARL E. HOFACKER,
Principia iuris civilis Romano-Germanici, II, § 1.842).
~ Se tudo mais falta, por acidente (algum animal roeu as cláusulas, ou se apagaram as verbas das nomeações), ou
por fato de algum crime? Há e vale a revogação. Quanto ao que foi instituído ou disposto, se puder recompor-se,
recompõe-se.
~ Quid juris, quando se não puder recompor? ~ Devolvem-se os bens aos herdeiros legítimos? Não o quis o
testador, dir-se-á Qquem no sabe?). ~A pessoas do anterior testamento? Está revogado (cumpri-lo fôra excluir o
certo e útil: a vis rumpeti do testamento). A primeira é a justa. Mas, ~se o crnr.e provém do herdeiro legítimo?
Aqui, só o exame das circunstâncias pode levar a justa solução: o culpado não pode aproveitar-se da torpeza.
~ Quid iuris, se o testador só disse: “revogo na parte...e o que falta é isso? Cumpre-se o salvo, e entre deixar de
cumprir todo o anterior, porque falta a parte que se revogou,e cumprir o todo cumprível, ou o que fôr compatível
com o restante do posterior, ainda que cumpra a parte revogada (que não se sabe qual seja), o melhor alvitre é êste.
1. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.747, parágrafo único: “Se a revogação fôr parcial ou se o
testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que não fôr contrário
ao posterior”.
O que se há de tirar do art. 1.747, parágrafo único, é que há três revogações distintas: a) a que resulta de cláusula
revogatória que se refere a todo testamento (“revogado fica o testamento anterior”, “revogado fica o testamento da
data tal”), ou a todos os testamentos (pode haver dois ou mais, sem colisões, ou de colisões parciais) ; b) a resulta
de cláusula revogatória parcial (“fica revogada a deixa a B”, ou “ficam revogadas as deixas a B e C”) ; o) a
revogação sem cláusula revogatória expressa (no testamento anterior, deixara-se a E o prédio da rua IR, e no
posterior deixa-se a C o mesmo prédio da rua IR).
2.INFIRMAÇÃO DOS TESTAMENTOS. O Código Civil, artigo 1.747, parágrafo único, constitui um dos
sistemas histàricamente revelados de se tratar a situação materuti e tntencional, de contradição entre o testamento
posterior e o testamento anterior. Mais largamente: de se tratar o caso de multipucidade de testamentos com datas
diferentes.
Outros sistemas houve, e há. O nemo pro parte testatu2 pro parte intestatus decedere potest não tinha a
conseqUência de tornar incompatíveis dois ou mais testamentos, mas a coliseqUência era a do princípio da ruptio.
a.TRÊS SISTEMAS. Poderemos mencionar três soluções técnicas, que, em todo o caso, não são puras, e mostram
evolver para o maior beneficio da voluntas testatoris, sem perda de segurança extrínseca.
a)No direito romano, a regra era romper-se o testamento anterior: dois testamentos não se concebiam, e só o militar
veio a ter tal privilégio. Prius testamentum ruptum est.
b)No Código Civil austríaco, § 718, o direito romano relativo ao soldado tornou-se regra (C. NEUNER, Die
heredis institutio ex re certa, 487 ~.; JOSEPI! UNGER, S?Istem, VI, 4Y’ ed., 109). Tôda a questão é de
interpretação da vontade do testador. No Código Civil espanhol, art. 789, o legislador conservou-se estranho à
solução hodierna: “El testamento anterior queda revocado de derecho por ei posterior perfecto, si ei testador no
expresa en éste su voluntad de que aquél subsista en todo 6 en parte. Sin embargo, ei testamento recobra 511 fuerza
si eI testador revoca después ei posterior, y declara expressamente ser su voluntad que valga ei primero”.
c)No Westgal. Gesetzbuch, II, § 500, a solução foi diferente. Bem assim, no Código Civil francês, no Projeto da
Réssia, art. 181, e no Código Civil saxônico, § 2.216. Com êste sistema, o Código Civil italiano revogado, art. 920;
o Código Civil~ português revogado, art. 1.756; o chileno, art. 1.215; o venezuelano, art. 984; o peruano, art. 848;
o boliviano, arts. 588 e 584 (fala em caducar) ; e o japonês, art. 1.125. Depois, o Código Civil alemão, § 2.258; o
suíço, arts. 509-511; e o Código Civil brasileiro, art. 1.747, parágrafo único. Aqui, havendo a incompatibilidade
entre as duas cláusulas do prius e do posterius, não se vai indagar da vontade do testador: o que decide é o simples
fato de existir a contradição, sem se cogitar da consciência do testador em contradizer-se (II. DERNB1JRG, Das
flúrgerliche Rechi, V, 111). Aliás, o Tribunal alemão (R.J.A., IX, 85) já procurara atenuar isso. Trata-se de
invalidação, operada por disposição de lei, que criou presunção absoluta.
Ainda assim, não ponhamos de lado a pesquisa da vontade do testador, porque é com a interpretação das duas (ou
mais)
• disposições ou cláusulas que se pode chegar à afirmativa da contrariedade. A contradição há de ser entre
expressões de vontade do testador, que constam dos dois (ou mais) testamentos, cujas datas mostram o posterius e
o prius.
Aliás, o Código Civil francês, art. 1.086, recorre à noção de anulação :“Les testaments postérieurs qui ne
revoqueront pas d’une maniêre expresse les précédents, n’annuleront, dans ceux-ci, que celles des dispositions y
contenues qui se trouveront incompatibles avec les nouveiles, ou qul seront contraires”.
Ora, o êrro de terminologia é evidente. Não se trata de Invalidade, que consista em anulabilidade, ou em nulidade.
Quando alguém contradiz, ou se contradiz, de modo nenhum anula.
O Código Civil italiano revogado seguiu-lhe o exemplo (art. 920). O Código Civil português revogado não teve tais
escrúpulos (art. 1.756) : falou em revogação. Outros, como o brasileiro e o chileno, art. 1.215, jogam,
desprevinidamente. com os têrmos revogar, subsistir etc.
O Código Civil argentino, art. 8.828, parece acolher o sistema da ruptura: “El testamento posterior anula cl anterior
en todas sus partes, si no contiene confirmación deI primero”. Foi consciente tal acolhimento.: o legislador
conhecia, de um lado, o direito austríaco e o do Cantão de Vaud, art. 668, e do outro, o francês, o da Luísiana, art.
1.686, e o de Nápoles, artigo 991. Mas ,~devemos interpretá-lo como mais próximo do Código Civil austríaco e da
doutrina austríaca ou espanhola? Pela letra da lei, não; mas sim pelo que nos recomendaria a própria evolução
histórica (cp. Código Civil mexicano, artigo 8.476). Porém a disposição do art. 8.829 é demasiado prêsa ao
romanismo da ruptura: “EI testador no puede confirmar sin reproducir las disposiciones contenidas en un
testamento nulo por sus formas, aunque el acto esté revestido de todas las formalidades requeridas para la validez
de los testamentos”.
Se o testamento marítimo ou militar ou qualquer outro, especial, que noutro país se fêz, não puder executar-se por
ter atingido o prazo, nenhum efeito terá de infirmação (artigo. 1.747, parágrafo único), nem de revogação (art.
1.747).
§ 5.941. INFIRMAÇÃO E SUBSISTÊNCIA 2.000 a C, 1.000 a D, sem que se mencione B. A questão será:
~o testamento 2 substitui o 1 ou acrescenta-se a êle? Tudo isso é singularmente importante, porque ou desloca, de
todo, o valor dos legados, ou os soma. Tanto mais quanto há pessoas que fazem muitos testamentos (e já víramos
dez codicilos, ao tempo em que escrevemos o Tratado dos Testamentos, Tomo V, 44 s.). KARL HEINSHEIMER
citou uma senhora que deixou seis. A jurisprudência francesa, desde 1851, admite a incompatibilité matérielle e
intentionnelle. A tendência alemã é para insinuar nos textos de decisões, além da sachliche Unvereinbarkeit, a
intencional. Se diz: “E deve ser meu herdeiro e pagar os seguintes legados: a A, 800, a C, 2.000, e a D, 1.000”, a
contradição com o testamento 1 é material e intencional. Se diz no testamento 1: A será legatário de 10.000, e no 2,
“meu filho dará a A uma pensão de 400”, não há contradição material.
Não há presunção de continuar em vigor a disposição do primeiro testamento, mas, para afastar o que foi disposto,
éde mister outra disposição que a revogue (art. 1.747) ou (artigo 1.747, parágrafo único) que a contradiga (E.
HERZFELDER, Erbrecht, 3’. vou Staudingers Kommentar, v, 9A ed., 795, que citou a jurisprudência). Aliás, a
contradição logo se estabelece se o objeto é o mesmo, ou se a herança consiste, tôda, no mesmo legado do
testamento a, ou há legados no testamento a) e no b) (com a mudança dos legatários).
O Tribunal Territorial de Dresda (T. G. 1., III, 161) decidiu que a contradição pode ser dos têrmos literais e pode
ser exsurgida da interpretação da vontade do testador nos dois ou mais testamentos. Interpretados, se há
contradição, dá-se o pressuposto do art. 1.747, parágrafo único, e prevalecerá a do último testamento. É resultante
da natureza do próprio testamento: disposição de última vontade.
A verdade jurídica está no seguinte: a incompatibilidade de que se cogita é a material, mas a incompatibilidade
intencional ou moral basta. Portanto: a incompatibilidade material não é necessária, porque a moral, a intencional,
é suficiente; a intencional pode ser suficiente, mas, em virtude do artigo 1.747, parágrafo único, não é necessária.
6. ALCANCE DA REGRA JURÍDICA. O testador legou uma casa a Antônio e, mais tarde, noutro testamento, em
que não há cláusula revogatória, total ou parcial, do primeiro testamento, legou todos os seus bens a José. Infirmou
o legado? Subsiste êle? Qualquer solução a priori seria má; porque, se aqui acertasse, ali poderia falhar. Trata-se de
interpretação de vontade e os juizes têm de apreciar soberanamente (Cassação da França, 8 de abril de 1889).
Em todo o caso, três exemplos poderão clarear o assunto:
a)A verba do primeiro testamento dizia: “Lego a casa da rua A ao meu sobrinho Antônio, os demais bens pertencem
aos meus herdeiros legítimos”. A do segundo testamento: “Eni vez dos meus herdeiros legítimos, que não são
necessários,
‘quero que herde a minha fortuna meu sobrinho José”. Houve mudança de vontade, alguma coisa se infirmou, uma
disposiçáo do primeiro testamento não subsiste, mas essa disposição não é a relativa ao legado, e sim a referente à
herança. O legado subsiste. b) A verba do testamento dizia: “Deixo as apólices que tenho a meu sobrinho Antônio”.
A do segundo: “Das apó[ices que tenho dez serão do Hospital de Crianças, dez do meu testamenteiro, que não terá
vintena; instituo herdeiro dos meus bens a José, meu sobrinho”. As circunstâncias é que vão explicar as verbas: se o
testador tinha, por exemplo, cem apólices, e muitos bens, ou, em geral, outros bens, cumprem-se, com as apólices,
os legados de dez apólices ao Hospital, e de dez apólices ao testamenteiro (segundo testamento), o legado das
restantes apólices a Antônio, legatário do primeiro, e a herança (os outros bens) ao herdeiro José, instituído no
segundo. Mas, se a herança do testador só consistia nas apólices, cumpridos os dois legados de dez apólices, só
apólices ficam: dá-se a incompatibilidade material entre a verba do primeiro testamento e a verba do segundo.
Intervém a regra jurídica do art. 1.747, parágrafo único, que manda prevalecer a última, e) Verba do primeiro
testamento: “É meu único herdeiro Antônio”. Segundo testamento: “Deixo os meus bens a José”. Terceiro
testamento: “Faço o presente testamento para nomear a Manuel herdeiro dos meus bens, e meus testamenteiros êle
e José, com um legado de cem mil cruzeiros novos a Antônio”. Quarto testamento: “Revogo o meu testamento de
1957 (terceiro testamento) na parte que incluia Manuel e nomeio herdeiro a Antônio”. Se o testador morre depois
do segundo testamento, salvo outros elementos de interpretação, dois são os herdeiros, Antônio e José, porque
Antônio era o único no primeiro e no segundo José não é: se incompatibilidade houvesse seria quanto à unicidade
de José e esta não se pode presumir, ex hipothesi. Se o testador morre depois do terceiro testamento, a situação é
mais difícil: não se revogou o primeiro testamento, nem o segundo, não se empregou, a respeito de Manuel, o
adjetivo único, e no terceiro testamento dá-se o cargo de testamenteiro a Manuel e José, mais um legado de cem
mil cruzeiros novos a Antônio. Ora, no sistema acolhido pelo Código ‘Civil, não havendo revogação expressa, só
incompatibilidade tornaria insubsistentes as anteriores instituIções. De regra, a’ nomeação, que fizer, de nôvo
herdeiro (ou legatário úniversal) não destrói necessáriamente a vocação do primeiro, e só estabelece concurso entre
êles (Cassação da França, 7 de julho de 1S86), salvo outros elementos interpretativos que, pondo a nu a intenção do
testador, persuadam o juiz da contrariedade das cláusulas dos múltiplos testamentos. Se o testador morre depois do
quarto testamento, exclui-se, por fôrça do art. 1.747, a Manuel. que, no entanto, salvo outros elementos, continuará
testamenteiro, mas continuam herdeiros José e Antônio, cabendo a questão: ~José é herdeiro de um têrço ou da
metade? Se outras circunstâncias não intervêm, José recebe o que lhe caberia se fôsse cumprido o terceiro
testamento e Antônicv por si e por Manuel.
Se o nôvo testamento não contradiz o anterior, persiste Osse: ao juiz ajustá-los, compô-los como se fôssem um so.
Sôbre as cláusulas privatórias, já falamos (Tomo LVI, § 5.728, 3-7).
Pode ocorrer que se haja por ineficaz uma das muitas disposições dos testamentos que se tenham de cumprir como
um só, ou por ter havido revogação parcial, ou por ter havido infirmação, e vir à balha a questão do contágio
excepcional às outras disposições. Já tratamos dêsse assunto e de regra jurí4 dica induzida pela ciência a respeito
das disposições testa mentárias. A regra jurídica, a que naqueles lugares nos referimos e a do art. 1.747, parágrafo
único, são entre si independentes, porém podem incidir nos mesmos testamentos.
Alguns casos de choque entYe o testamento posterior ou a sua cláusula revogatória e os testamentos anteriores ou o
testamento anterior, consistem, por exemplo, a) em ter a disposição posterior extensão objetiva ou subjetiva (“deixo
a e C”) maior do que a anterior, b) serem diferentes as disposições a favor da mesma pessoa, no testamento anterior
e no posterior, sem qualquer ressalva, c) a disposição ser concernente ao mesmo objeto, mas diferentes os
beneficiados, d) falar-se em quotas, e depois em objetos, ou vice-versa, e) ser a primeira sem condição, e a outra,
condicional, ou vice-versa, 1) haver, no primeiro testamento, legado de liberação do devedor, e, no posterior, de
crédito contra o devedor, ou vice--versa, g) o primeiro testamento conter legado de usufruto, ou de uso ou de
habitação, e, no posterior, de propriedade, ou vice-versa, h) o primeiro só cogitou de herança, ou mais de heranças,
e o posterior, de legados, ou mais de legados.
A incompatibilidade é que afasta o que no testamento ou nos testamentos anteriores se estabelecia. De regra, se a
disposição posterior é mais larga, há aumento confirmativo.
7. TESTAMENTO POSTERIOR SEM OBJETO. Pressupõe-se, está visto, que o posterior testamento valha.
Porém, se a disposição do nôvo testamento fica sem objeto (PAUL MEYER, Das Erbrecht des SUB., 305), como
pela renúncia, implemento de condição, ou advento de têrmo, premorte do herdeiro ou do legatário (Orro
WARNEYER, Komment ar, II, 1238), persiste a fôrça infirmante, o efeito de tornar insubsistente (au fliebende
Wirkung), que tem o testamento posterior.
A vontade do testador que se colhesse com elementos exteriores, merecedores de fé na interpretação do segundo
testamento, se fôsse o único, e não está nos têrmos dêle, não deve bastar para o efeito da insubsistência do
primeiro, se a vontade do anterior contradiz êsses elementos circunstanciais.
Também assim é que devemos formular a lição de um julgado do Tribunal de Dresda (Sãch. Archiv, 1909, 528),
porém não como leitura desatenta o colheria. Tanto mais quanto (acrescentamos) o primeiro testamento pode ser
elemento para a interpretação do segundo.
8.TESTAMENTOS DA MESMA DATA. ~ Se muitos são os testamentos e do mesmo dia? Seria contradição
recíproca, sem a possibilidade da preferência pelo mais nôvo, que é o critério do Código Civil, art. 1.747, parágrafo
único.
Os comentadores do § 2.258, no livro de G. PLANCK (RUrgerliches Gesetzbuch, V, 482; V, g•a ed., 676, 4),
consideram--nos invalidantes uns aos outros. Assim, também, OTTO WARNEYER (Kommentar, II. 1238).
Que o art. 1.747, parágrafo único, ou o § 2.258 do Código Civil alemão, não se aplica, é evidente: tratam-se as
contradições como se fôssem da mesma hora, do mesmo instante (E.IIERZFELDER, Erbrecht, J. vou Staudingers
Kommentar, V. 93 ed., 795) ; mas, para decidir, são aceitáveis as circunstâncias.
O problema da revogação dos testamentos (se houve, ou se não houve, até que ponto vai, o que se ressalva e o que
não se ressalva) há de ser resolvido pelo juiz, servindo-se dos textos dos testamentos em causa, sendo quase sem
relevância provas estranhas ao contexto.
Se dois ou mais testamentos têm a mesma data, sem referência ao momento, somente se nâo há de atender ao que
neles se dispôs se qualquer das disposições é incompatível com a do outro ou dos outros, ou disposições do outro
ou dos outros; porque, então, não se pode saber o que foi que quis o testador. Se o testador dispôs da metade
disponível a favor de E e no outro testamento, a favor de C, sem se saber qual o texto posterior ao outro, ou sem se
poder averiguar com dados convincentes, a nenhum dos testamentos se há de atender. Se deixou dois terços da
metade disponível a B e, noutro testamento, a metade da metade a C, o que se há de entender é que deixou .a C, um
têrço. se nâo foi afastada, pelas circunstâncias, a hipótese de êrro. Advirta-se que, em se tratando de testamento
cerrado, a data é a do auto de aprovação, e nâo a da cédula. A respeito de dois testamentos públicos do mesmo dia,
em diferentes tabelffies, ou de dois testamentos cerrados, do mesmo dia, publicados em diferentes tabelíâes, pode
ser feita a prova de que o testador estêve num dos cartórios e só mais tarde noutro. Se o testador, que desceu de
Petrópolis, havia escrito um testamento particular, e, no Rio de Janeiro, escreveu outros, com a mesma data, pode
ser feita a prova da posterioridade.
Para que se possa negar eficácia às disposições testamentárias de dois ou mais testamentos, é preciso que haja
impossibilidade de se saber qual foi a última vontade do testador. Portanto, se existe algum dado ou se existem
alguns dados para se saber qual foi o testamento feito por último, a prova leva ao exame dos testamentos, para se
apurarem as contradições e, pois, as revogações. Se as disposições de dois ou mais testamentos, de cuja
posterioridade nada se sabe, não são inconciliáveis, cumprem tais disposições dos dois ou mais testamentos. Daí a
relevância do princípio da prova do tempo, independente e a despeito da omissão dos textos testamentários.
No que os dois ou mais testamentos, cujas datas se ignoram, não se chocam, a prova é supérflua.
Pôsto que se trate de prova difícil, não se afaste a possibilidade de alegar-se e provar-se que o testador pós-datou ou
antedatou para que os dois testamentos aparecessem com a mesma data, ou que houve êrro, ou pós-datação, ou
antedatação, para evitar conseqúências de violência, ou de ameaças.
9. ATos “INTER VIVOS” E TESTAMENTOS ANTERIORES. Um ato inter vivos, posterior ao testamento, pode
torná-lo sem objeto. Inclusive partilha feita em vida, ou adiantamento de legítima. Cumpre, porém, notar-se que a
condiç5o do ato entre vivos deve ter sido satisfeita antes do traspasse do testador
(E.HERZFELDER, Erbrecht, 3’. von Staudingers Kommentar. V, g•a ed.. 795). porque, então, o testamento pode
retomar o objeto que, durante algum tempo, lhe faltara.
Se o ato jurídico entre vivos tinha prazo ou condicionalidade que poderia irnplir-se depois da morte do testador
(e.g., atribuiu direito de opção até 30 de dezembro de 1969 e o testador faleceu antes; havia a condição de ter
terminado obra, no prazo tal, e o testador faleceu antes), não há atingimento.
Ç preciso advertir que se esvazia de conteúdo, de objeto, a disposição mortis cau.sa: nào se trata de revogação, ou
de invalidação, pelo ato entre vivos, porquanto éste não tem efeitos sucessórios, isto é, efeitos do “direito das
sucessões”, salvo em se tratando de partilhas prévias e de adiantamente de legítima, que a lei regula.
Se A deixa cem mil cruzeiros novos a E, como legado, ou metade do que possui, como herança, não pode, sem
outro testamento, ou sem outra forma testamentária, tirar isso, quer dizer, nem pode revogar, nem infirmar. Se
houve contrato em que B renuncie, foi contrato de herança, proYbido por lei.
1.DoIs CONCEITOS. Testamento nulo, ou que foi anulado, não é testamento. Feria-o algum elemento, que, levado
consideração por sentença, o tornou nenhum. Bem diferente é a situação jurídica do testamento destitutum,
desertum, a que o Código Civil chama caduco: é testamento; apenas se lhe apagou o objeto, ou pela perda dêste, ou
pela falta dos sujeitos instituidos.
2. TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.748: “A revogação produzirá seus efeitos, ainda quando o
testamento, que a encerra, caduque por exclusão, incapacidade, ou renúneia do herdeiro nele nomeado; mas não
valerá, se o testamento revogatório fôr anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais, ou por vícios
intrínsecos”.
Quanto à lª parte, cf. Projeto primitivo, art. 1.909; Projeto revisto, art. 2.114. Quanto ã 2A parte, Projeto revisto,
-art. 2.114: “A revogação terá efeito ainda que o testamento vosterior caduque por indignidade, incapacidade ou
renúncia do herdeiro nele nomeado; mas não assim se fôr declarado nulo”. A Câmara dos Deputados (Trabalhos,
III, 515) acres-tentou, in fino: “por deficiência de solenidades”. A emenda n. 1.689 do Senado Federal trocou-o
pelo seguinte: “mas não valerá, se o testamento revogatório fôr anulado por omissão ou infração de solenidades
essenciais”.
3. FONTE. No Código Civil francês, art. 1.037, cogitu-se da incapacidade do herdeiro instituido e da recusa
(renúncia). O Código Civil italiano revogado, art. 1.921, acres sentou a premorte do herdeiro ou legatário. O
Código Civil brasileiro esclareceu: exclusão e incapacidade.
4.CAMPO DE APLICAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. Com o Código Civil, art. 1.748. como com o Código Civil
francês, artigo 1.037, o legislador invadiu matéria de autonomia do testador e formulou regra jurídica, que útil, na
maioria dos casos em alguns pode ser danosa. Não é bem regra de direito. Regra de direito é o final do art. 1.748
do Código Civil: “não valerá, se o testamento revogatório fôr anulado por omissao ou infração de solenidades
essenciais, ou por vícios intrínsecos”; mas seria dizer o que resulta, imediatamente, dos princípios fundamentais. ~
Quem poderia pensar valessem o testamento do louco, o testamento sem testemunhas, ou com número incompleto,
e o testamento do coacto, que se anulou?
Em todo o caso, êste final, redundante podia estar em lei, por abundante cautela do legislador Não assim a primeira
parte:
é matéria de interpretação por um lado; por outro, de ensino, de desenvolvimento didático.
Fôra melhor ter-se deixado aos juizes a apreciação das circunstãncias Os franceses fazem igual censura ao art.
1.037 do Código Civil (MARCEL PLANIOL, Traité élémentaire de Droit civil, 111, 6.~ ed., 713), considerando
grave a intromissão legislativa, por ser “presunção absoluta”. Mas, aqui, discordamos dos mestres da França.
Cumpre ver as realidades os casos concretos, e distinguir as espécies a que o art. 1.037 do Código Civil francês
(art. 1.748 do Código Civil brasileiro) não se aplica.
Tôda a matéria das revogações é matéria de vontade e da efeitos, matéria de autonomia dos testadores, matéria que,
por isso mesmo, só se compadece com regras jurídicas dispositivaQ. O art. 1.748, 1~a parte, é dispositivo; o final,
imperativo. Pela mesma razão, caberá recorrer ao direito do tempo da feitura,. para se verificar o que quis o
testador, aliás o que, a respeito, na dúvida, dispôs a lei, e não o direito nôvo. No direito inter. nacional privado, a
1.a parte do art. 1.748 toca ao direito local. em primeira plana, pela presunção de que por êle se guiou & testador
Ora, no que concerne ao comêço do art. 1.748, se outra Coisa resulta do testamento, outra coisa se há de observar.
Exemplos: o testador revogou o testamento a e dispôs no tes-. tamento b, revogatório, que os bens, de que seriam
herdeiros no testamento revogado os seus sobrinhos, e não os seus irmãos, irão em fideicomisso a X, substituido
por Y, de cinco em cinco anos, e em segundo grau aos sobrinhos; mas X e Y são grêmios sem personalidade
jurídica e a lei do Brasil (art. 1.739) proiba a substituição fideicomissária a que chama do segundo grau. Todo êste
testamento b foi inútil, não por incapacidade do testador, vícios, omissão ou infração das formalidades, e sim por
lhe faltar aplicação, em parte por incapacidade dos herdeiros e em parte pela proibição do art. 1.739. ~ Está
revogado o testamento a, que instituiu 05 sobrinhos?
Bem delicada situação, que põe à prova a pertinência do art. 1.748, e vai evidenciar o perigo de tais incursões
legais no domínio da autonomia da vontade. Pela redação do testamento
•b vê-se que o testador instituiu, em verdade, os mesmos sobrinhos, e naquelas fidúcias necessárias de cinco anos
cada uma tinha por fito a administração e guarda dos bens até mais de~ anos após a morte do testador. Proceder-se-
á acertadamente julgando-se não revogado o testamento a, porque a cláusula que, talvez, expressamente o
revogasse estava subordinada a implícita condição de valer a nova figura que o testador quisera. O favor voluntatis
intervém, para que se associem os elementos dos dois testamentos como dados de interpretação e se dê ao querer
do testador a forma válida.
Para essa conclusão, invocamos o julgado da própria Cassação da França (18 de dezembro de 1894), que recusou
aplicar o art. 1.037 do Código Civil francês ao caso de testamento sem objeto por ter instituição proibida por lei.
5.REVOGAÇÃO E INFIRMAÇÃO. No Código Civil alemão, nada se disse sôbre os efeitos de que cogita o
Código Civil brasileiro, art. 1.748. No Código Civil francês, e nos que, como o Código Civil brasileiro, o seguem,
sotopôs-se o que se diz no Código Civil brasileiro, art. 1.748, aos arts. 1.746, 1.747 e 1.747, parágrafo único
(infirmação), de modo que ainda menos do que na França se justificaria reputar o art. 1.748 só referente à
revogação. A razão de decidir é a mesma. Assim E.LAURENT (Principes de Droit Civil français, 14, ns. 218 e
242), A. DURANTON (Cours de Droit français, IX, n. 436), O.DEMOLOMBE (Cours de Code Napoiéon, 22, ns.
204 e 205) e os outros.
6.SE A NULIDADE É FORMAL, NÃO SE PODE COGITAR DE CONVERSXO. Para a vis revocandi, se o
testamento posterior énulo, não se pode cogitar de conversão, para o efeito de valer como escritura pública
revogatória, segundo a legislação de alguns Estados que a admitem. No Brasil, como na Alemanha. tal questão é
sem objeto: há simetria de forma entre testamento positivo e testamento negativo. Na Itália, é pacífica a 5olução
que exclui a conversão em revogação (VITTORIO POLACCO, Deite Successioni, II, 50), se bem que G. SATTA
(La Converzione dei negozi giuridici, 140-144) criticaram o direito italiano. Na França, a doutrina não correu com
a mesma tranquilidade: o testador fêz testamento autêntico, declarou que revogava o anterior; mas êste testamento
é nulo, se bem que pudesse satisfazer as exigências da escritura pública (Código ‘Civil francês, art. 1.085: “Par un
acte devant notaire, portant déclaration de changement de volonté”). ,~Observa-se a revogação contida nesse
testamento? Para usarmos de têrmos técnicos de ciência jurídica: ~dá-se a conversão? ~Considera-se subsistente a
vis revocandi, porque satisfez outra forma possivel? A Côrte de Cassação respondeu negativamente, a 10 de abril
de 1855. Quando o testador escolheu a forma, subordinou-se aos requisitos dela. (Em vários lugares desta obra,
profligamos tais revogações por escrituras públicas não simétricas às formalidaes testamentárias. mas, juiz da lei
francesa, absolutamente não julgaríamos assim: pelo só fato de se chamar testamento a escritura de revogação. ~
pode ser desprezada a forma útil reconhecida pelo legislador francês? Talvez nem se tratasse de questão de
conversão. Êrro de nome, e o nome, no direito moderno, não tem nenhuma importância capital para os atos
jurídicos.)
A nulidade a que se refere b Código Civil, art. 1.748, 2~ parte, é a do testamento, e não a das disposições. Sempre
que ‘o testamento vale, subsiste a revogação, salvo o de que antes tratamos. Pode acontecer que uma lei pessoal
vede a testa‘dores, como regra jurídica de capacidade relativa, determina-‘das disposições, neste caso, a nulidade é
Qa disposiçao, e não do testamento.
2.TExTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.749: “O testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou fôr
‘aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado”.
Cf. Projeto revisto, art. 2.115: “O testamento cerrado que o testador abrir, ou dilacerar, ou fôr aberto ou dilacerado
com ‘seu consentimento, haver-se-á como revogado”. O Projeto primitivo, art. 1110, dizia: “Considera-se também
revogado o testamento que foi pelo testador, intencionalmente, riscado, cancelado ou rasgado”.
Note-se, antes de tudo, que o art. 1.749 só se refere ao testamento cerrado. Quanto aos atos que o atingem
materialmente, supõe, sempre, que houve consentimento do testador. Não importa quem tenha aberto o testamento
cerrado, ou quem o haja dilacerado. A ocorrência pode ter resultado de caso fortuito como se fti alguém que deixou
o fósforo na mesa, em vez de O Pôr no cinzero, e o testamento cerrado foi queimado, no todo, ou em paíte. Mais:
se houve faísca, vinda de outro prédio, ou se o fogo veio da vela que estava na mesa e com o vento caiu.
Só o consentimento do testador é que implica revogação.
3.FONTE, Em verdade, a fonte está na elaboração do Projeto primitivo, art. 1.910, e no Projeto revisto, art. 2.115,,
após apressadas leituras do Projeto alemão, § 1.934. (Dizia êsse, na 2•a alínea: “Presume-se que o testador, que
destruiu o ato testamentário ou que o modificou desta maneira, o fêz intencionalmente e com vontade de revogar”.)
Nenhuma aplicação têm para nós o subsídio português e o espanhol, Códigos Civis que seguiram caminhos
diferentes do Código Civil brasileiro.
4.CODIGO ROMANO: CIVIL . Ao rigorismo estabilizado do drieito civil romano opôs-se o direito pretório,
simplificador das solenidades testamentárias e sensível às realidades da vida, Daí haver tempo em que um
testamento valia ure dviii, mas não era eficaz para a concessão pretoriana da. bonorum possessio. Ou vice-versa.
Emergism alguns casos, que cori7espondem, precisamente, aos de que agora nos cabe cogitar. Se apareciam
desligadas as’ tábuas testamentárias, cortado o fio, linum, que as unia, e rotos os selos, nem por isso deixava de ser
válido inre civil’ o testaniento. Houvesse, ou não houvesse vontade do testador.
Distinguia-se, ao contrário, inre pretorio: a) se a incisão não era devida ao testador, mas a terceiro, ou
fortuitamente advinda, cabia a bonorum possessio secundum tabulas, porque se haviam de reputar signatae (L. 1,
§§ 9 e 10, D., de bonoruni POssessione .secvndum tabulas, 37, 11) ; b) se feita pelo pró-’prio testador, negava-se a
bonorum possessio (L. 1, § 10 “quod si ipse testator id fecerit, non videntur signatae et ideo bonorum possessio peti
non potest”).
Sucedia outra subdistinção: a) podia ser em favor da sucessão intestada a intenção com que rompeu os selos o
testador; b) a incisão tinha por fito reviver testamento anterior; o) o testador abriu as tábuas sem determinado
querer revogatório: para as reler, modificar uma ou algumas disposições, acrescentar palavras ou frases. No
primeiro caso, cabia o que se diz em GAIO (Inst., II, 151), infelizmente incompleto. Em tôrno dessa passagem,
travou-se a polêmica entre PAUL KRÚCER e Til. ScHIRMER, que distinguia destruição das tábuas e incisão dos
selos. Há, além da reconstrução de PAUL KRÚCER (KriLis cite Versuche des rõmischen Rechts, 12 s.), a de Pnx E.
ITUSCHKE, que D. BURKARD WILHELM LnST aprovou (em Cita. FR. VON GLÍICK, Ausfiihrliche
Erlduterung der Pandecten, 37-~ 2? parte, 184 s.). Nesta, atende-se à exceção de dolo. Mas o assunto escapa ao
nosso plano.
No caso da espécie b), por direito civil decidia-se: se o testamento posterior, válido, revogava o anterior, que, ipso
vire, deixou de existir, não se podia admitir que simples romper do nôvo fizesse reviver o primeiro. Interveio o
Pretor: concedeu a bonorum possessio cum re ao herdeiro escrito no primeiro, eliminável por exceções (L. 11, § 2,
D., de bonorum possessione secundum tabuias, 37, 11).
No caso da espécie o), surge questão que ainda hoje nos interessa: a incisão em momento de loucura. Há um texto
(L. 20, D., de injusto rupto irrito facto testamento, 28, 3):
fêz Lúcio Tício, em juízo perfeito e saúde, como havia de ser, o seu testamento; depois, adoecendo, mentecapto, o
rompeu; pergunto: ~,podem os herdeiros instituidos neste testamento adir a herança?
A resposta de CÉvOLA é a seguinte: “secundum ea quae proponerentur non ideo minus adire posse”. Assaz
enigmática:
pode significar “por efeito da demência, não obstante a incisão, os herdeiros podem adir”, como também “podem
adir os herdeiros, porque, se a incisão não tolhe o direito civil da herança, menos ainda neste caso”. ~ interessante
seguir, a respeito, a polêmica de PAUL RRtiGER e de Tu. SCEIRMER (Zeitsckrift der Savigny-Stiftung flir Rechts-
Geschichte, VII, 1 a., primitivo, art. 1.910, dizia: “Considera-se também revogado & testamento que foi pelo
testador, intencionalmente, riscado, cancelado ou rasgado”.
Note-se, antes de tudo, que o art. 1.749 só se refere ao testamento cerrado. Quanto aos atos que o atingem
materialmente, supõe, sempre, que houve consentimento do testador. Não importa quem tenha aberto o testamento
cerrado, ou quem o haja dilacerado. A ocorrência pode ter resultado de caso fortuito como se foi alguém que deixou
o fósforo na~ mesa, em vez de o pôr no cinzero, e o testamento cerrado foi queimado, no todo, ou em parte. Mais:
se houve faisca, vinda de outro prédio, ou se o fogo veio da vela que estava na mesa e com o vento caiu.
Só o consentimento do testador é que implica revogação.
8.FONTE. Em verdade, a fonte está na elaboração do Projeto primitivo, art. 1.910, e no Projeto revisto, art. 2.115,,
apos apressadas leituras do Projeto alemão, § 1.934. (Dizia êsse, na 2~a alínea: “Presume-se que o testador, que
destruiu o ato testamentário ou que o modificou desta maneira, o fêz intencionalmente e com vontade de revogar”.)
Nenhuma aplicação têm para nós o subsídio português e o espanhol, Códigos Civis que seguiram caminhos
diferentes do Código Civil brasileiro.
4. DIREITO ROMANU: CIVIL E PRETÓRIO. Ao rigorismo estabilizado do drieito civil romano opôs-se o direito
pretório,. simplificador das solenidades testamentárias e sensível às realidades da vida. Dai haver tempo em que um
testamento valia. iure dviii, mas não era eficaz para a concessão pretoriana da. bonorum possessio. Ou vice-versa.
Emergiam alguns casos, que correspondem, precisamente, aos de que agora nos cabe cogitar. Se apareciam
desligadas as’ tábuas testamentárias, cortado o fio, linum, que as unia, e’ rotos os selos, nem por isso deixava de ser
válido iure civili’ o testamento. Houvesse, ou não houvesse vontade do testador.
Distinguia-se, ao contrário, vire pretorio: a) se a incisão não era devida ao testador, mas a terceiro, ou fortuitamente
advinda, cabia a bonorum possessio secundum tabulas, porque se haviam de reputar signatae (L. 1, §§ 9 e 10, D.,
de bonorum’ possessione seevudum tabulas, 37, 11) ; lfl se feita pelo próprio testador, negava-se a bonorum
possessio “quod si ipse testator id fecerit, non videntur signatae et ideo bonorum possessio peti non potest”).
Sucedia outra subdistinção: a) podia ser em favor da sucessão intestada a intenção com que rompeu os selos o
testador; b) a incisão tinha por fito reviver testamento anterior; e) o testador abriu as tábuas sem determinado
querer revogatório: para as reler, modificar uma ou algumas disposições, acrescentar palavras ou frases. No
primeiro caso, cabia o que se diz em GAIO (Inst., II, 151), infelizmente incompleto. Em tôrno dessa passagem,
travou-se a polémica entre PAUL RRtYGER e Tu. SCHIRMER, que distinguia destruTção das tábuas e incisão dos
selos. Há, além da reconstrução de PAUL KRtYGER (Kritisch,e I/ersuche des rdmischen Rechis, 12 s.), a de Pn. E.
HUSCHKE, que D. BURRARD WILHELM LEIST aprovou (em CuR. ER. X’ON GLÚCE, Ausfiihrliche
Erlãuterung der Pandecten, 37--88,2ª parte, 184 s.). Nesta, atende-se à exceção de dolo. Mas o assunto escapa ao
nosso plano.
No caso da espécie b), por direito civil decidia-se: se o testamento posterior, válido, revogava o anterior, que, ipso
inre, deixou de existir, não se podia admitir que simples romper do nôvo fizesse reviver o primeiro. Interveio o
Pretor: concedeu a bonorum possessio cum re ao herdeiro escrito no primeiro, eliminável por exceções (L. 11, § 2,
D., de bonorum possessione :ecundum tabulas, 37, 11) -
No caso da espécie c), surge questão que ainda hoje nos interessa: a incisão em momento de loucura. Há um texto
(L. 20, D., de injusto rapto irrito facto testamento, 28, 3):
fêz Lúcio Ticio, em juízo perfeito e saúde, como havia de ser, o seu testamento; depois, adoecendo, mentecapto, o
rompeu; pergunto: &podem os herdeiros instituidos neste testamento adir a herança?
A resposta de CÉXTOLA é a seguinte: “secundum ea quae proponerentur non ideo minus adire posse”. Assaz
enigmática:
pode significar “por efeito da demência, não obstante a incisão, os herdeiros podem adir”, como também “podem
adir os herdeiros, porque, se a incisão não tolhe o direito civil da herança, menos ainda neste caso”. É interessante
seguir, a respeito, a III, 60 5., artigos de PAUL KRÚGER; artigos de Til. SCHIRMER, VII, 91 s., e VIII, 109 s.
A solução que temos de acolher não pode ser indiferente às realidades. Se não vale o testamento feito pelo louco ou
pelos que se não acham em perfeito juízo, como os ébrios e os irados (Código Civil, art. 1.627, II e III), também
não há de valer a revogação, quer por outro instrumento, quer pela abertura ou dilaceração do existente.
6.CÓDIGOS CIVIS DO SÉCULO XIX. No Código Civil espanhol, art. 742, dispôs-se: “Será ineficaz y quedará
siu efecto el testamento cerrado, sempre que se hajan quebrantado’ los sellos y abierto la cubierta, ó estén borradas,
rasgadas óemendadas las firmas que lo autoricen, excepto cuando se pruebe que esto sucedió después de la muerte
del testador, ó que éste lo verificó en estado de demencia. Se entenderá que eI vicio. procede de la persona
encargada de guardar el testamento.~ inientras no se pruebe lo contrario”.
No Código Civil português revogado, havia vários artigos: Se o testamento (lia-se) se achar aberto, quer seja no
espólio do testador, quer seja em poder de terceiro, mas sem nenhum outro viciamento, não será anulado por isso.
Nesse caso será apresentado, como estiver, na administração do respectivo concelho, onde se lavrará auto disso
mesmo, e se observará o mais que fica disposto nos arts. 1.933, 1.934 e 1.935 (art. 1.939). Se o testamento aparecer
aberto e viciado, ou dilacerado, far-se-ão as seguintes distinções: se o testamento se achar cancelado e obliterado,
ou dilacerado, quer seja no espólio do testador, quer seja em poder de outrem, de modo que se não possa ler a
primitiva disposição. haver-se-á por não escrito; mas, provando-se que o viciamento fôra operado por qualquer
pessoa, que não fôsse o testador, será aplicado a tal pessoa o que fica disposto no art. 1.937, para os que
dolosamente ocultam ou subtraem o testamento (art. 1.940). O viciamento presumir-se-á feito pela pessoa, a cuja
guarda o testamento estiver confiado, enquanto o contrário se não provar (art. 1.941). Se o testamento se achar só
alterado ou emendado em parte por letra do testador, com ressalva e assinatura, não será anulado por isso, e valerão
as ditas emendas como se fôssem parte dêle (art. 1.942). Se o testamento sa achar dilacerado, ou feito em pedaços,
no espólio do testador, haver-se-á por não escrito, ainda que possam reunir-se os fragmentos e ler-se a disposição,
exceto provando-se, plenamente,. que o fato acontecera depois da morte do testador, ou por êle fôra praticado em
estado de demência (art. 1.943). Cumpre notar que o art. 1.942 fôra revogado pelo Decreto n. 4.170, de 26 de abril
de 1918, art. 19, reproduzido no Decreto n. 5.625, de 10 de maio de 1919 e, finalmente, no Decreto n. 8.373, de 18
de setembro de 1922, art. 69, que disse o seguinte: “A alteração ou emenda parcial de testamento cerrado só poderá
ser feita em outro testamento, com as formalidades legais”. Não tinha o direito português o testamento particular;
portanto, não se justificava o art. 1.942.
No nôvo Código Civil português (1966), estatui o artigo ‘2.315: “1. Se o testamento cerrado aparecer dilacerado ou
feito em pedaços, considerar-se-á revogado, exceto quando se prove que o fato foi praticado por pessoa diversa do
testador, ou que êste não teve intenção de o revogar ou se encontrava privado do uso da razão. 2. Presume-se que o
fato foi praticado por pessoa diversa do testador, se o testamento não se encontrava no espólio dêste à data da sua
morte. 3. A simples obliteração ou cancelamento do testamento, no todo ou em parte, ainda que com ressalva e
assinatura, não é havida como revogação, desde que possa ler-se a primitiva disposição”.
Como informação histórica, que de certo modo explica a doutilna peninsular (cf. Código Civil mexicano, art.
3.802, e Código Civil guatemalteco, art. 938), vale lembrar a L. 24, no Título 1 da Partida 63, que presumia a
revogação, salvo caso fortuito, isto é, “si aquelías cosas sobredichas” (ruptura de selos, rapaduras de firmas, etc.)
“aviniesen en la carta dei testamento por ocasión, é que non fuesen fechas a sabiendas”.
O Código Civil brasileiro, art. 1.749, nada tem com o direito peninsular. As parecenças cóm o Código Civil alemão,
menos com o suíço, mostram que os elementos interpretativos e doutrinários de que podemos lançar mão
pertencem ao nosso tempo, àqueles dois Códigos Civis que o precederam, porém, quanto ao propósito infirmativo e
não presunção, o Código Civil suíço não ao sistema jurídico brasileiro (só se refere àdestruição completa).
As diferenças em relação a outros obrigam a edificarmos a doutrina brasileira no assunto, com o art. 1.749, que é
iráciativa do legislador.
8.ATOS QuE SÃO DISPOSIÇõES DE ÚLTIMA VONTADE. As lacerações, raspagens e combustões não têm a
forma exterior de disposições de última vontade. Porém ~ disposições de última vontade. Como tais, devem exigir
as circunstâncias subjetivas que se exigiriam aos testamentos e XI revogações escritas. Supõem: a) Capacidade
testamentária. ~ inoperante a dilaceraçáo ou combustão pelo louco. Igualmente, pelo surdo-mudo sem braços, se
não pode manifestar a sua vontade. Aliás, aqui, a questão facti se torna de extrema delicadeza, O interdito por
surdo-mudez não pode, de forma nenhuma, revogar o testamento feito em tempo de capacidade: é conseqúência
necessária da sentença que declarou a incapacidade e, por isso mesmo, firmou tratar-se de pessoa que não pode
exprimir a sua vontade. É a priori que se verifica a incapacidade. Porém, na sentença, pode o juiz ressalvar a
possibilidade de atos manuais, ou de parte do corpo. Se o ressalvou, isto é, se permitiu, fundado no art. 451, que o
interdito vendesse bilhetes, continuasse como caixeiro, vendedor ambulante, claro que o ato’ revogatório por meio
de gestos deve valer; pertence à série permitida. Mas, se, na sentença, nenhum limite se deu à cura-tela, o surdo-
mudo é absolutamente incapaz e para todos os atos. O art. 451 contém disposição de invalidade absoluta, mas,
quanto à extensão, fixável pelo juiz, de modo a deixar campo de validade para certos atos do interdito. Êstes, que se
ressalvaram, são atos válidos. A sentença, que ressalva os atos manuais ou gesticulares em geral (bôca, pés, côto),
ressalva o ato do art. 1.749, que é meramente material. Há possibilidade restrita, é certo de exprimir-se.
b) O cego escreveu o testamento quando bom, ou, já cego, perfeitamente escreveu o particular (caso do habilidade,
que não é impossível). ~Pode revogá-lo pelo modo do art. 1.749? A questão é de fato: se foi, de modo certo, êle
mesmo quem o rasgou, sabendo o que rasgava, a presunção legal opera, como em todos os demais casos
ordinários; bem assim se disse a outrem que o rasgasse. Na última espécie não há nenhunia diferença entre o ato do
cego e o do não-cego: ambos quis eram. que se rompesse, abrisse, ou dilacerasse. Na primeira, é justo notar que o
cego está mais exposto a romper, em vez de papéis inúteis, a própria cédula testamentária, a dilacerar, ou a abrir o
que não queria. A presunção do art. 1.749 é fraca: supoa vontade; faz presumir que a dilacera çdo ou a abertura
valha revogação, mas cessa se fatos contrários a ela forem provados. No caso do cego, os fatos ganham em
probabilidade: é assar provável tal êrro por parte do cego.
§ 5.944. ATAGABILIDADE MATERIAL
c) Os defeitos dos atos jurídicos viciam, por igual, os atos do art. 1.749: são disposições de última vontade;
portanto, atos jurídicos, como os outros. Podem ser argUidos o dolo, a coação, as ameaças, o êrro. Tudo que se
aplicou aos testamentos também se aplica à revogação, quer seja a dos arts. 1.746 e 1.747, quer a do art. 1.749.
9.ATACABILIDADE MATERIAL DO ATO TESTAMENTÁRIO. O ato material do testamento pode ser atacado,
materialmente, em vida, ou depois da morte do testador. Depois da morte do testador, não poderia ter efeito
invalidante. Antes, ou foi pelo testador, ou por acaso, ou por outrem.
Se pelo testador, trata-se de negócio jurídico unilateral, como o testamento mesmo. Requere as mesmas
circunstâncias subjetivas: irrepresentabilidade (em todo o caso, há o exempIo do aconselhador, que rasga, à vista do
testador, e êste se conforma), capacidade testamentária, vontade isenta de vícios. Por isso, dilacerado pelo louco,
vale o testamento. Vale, tanibém, se foi destruido por mandato sem as circunstâncias especiais que acima se
apontaram. Será anulável a revogação, e vale o testamento, se houve dolo, coação, ameaças, êrro.
A representabilidade, em regra, é proibida, porque a revogação, como o testamento, é ato personalíssimO,
indelegável. Somente no caso do art. 1.749, pelo fato de se tratar de ato material, a que se atribuem, por lei,
conseqUências juridicas, a natureza das coisas força exceções aparentes. Aparentes, note-se bem. Porque são
exceções que, enunciadas, confirmam o principio da irrepresentabilidade nos atos de última vontade. A destruição,
a ditaceração, a riscadura, somente pode ser por mão de outrem, se passa a ser mero instrumento. Outrem, pelo
testador, ou com o consentimento dêle, sem imposição coativa. Ou aqui o limite entre o outrem-instrumento e o
outrem’ -agente ato de outrem, com a aquiescência do testador aconselhado. Os exemplos giram em tôrno disto.
O consentimento do art. 1.749 não é representação, nem mrzdato; alguém, que pratica os atos consentidos, é mero
instrumento, deve ser mero instrumento.
Por isso mesmo, é sem conseqUências jurídicas o mandato do testador para a destruição do testamento, se o
encarregado não no cumpre (E. HERZFELDER, Erbrecht, J. vou S’taudingers Kornmentar, v, 9A ed., 791) :
porque, se cumpriu, se fêz instrumento. Se não cumpriu, não se pode ligar à ordem, ainda escrita, o efeito
revogatório: assim, o Tribunal de Karlsruhe (FUCHS, Widerruf eines Testaments, Deutsche Juristen-Zeitung, 20,
1041).
Também não basta para os efeitos do art. 1.749 que, tendo alguém, contra a vontade do testador, rôto, ou
cancelado o testamento, aquele tardiamente venha a sabê-lo < jurisprudência alemã do Supremo Tribunal, cf. F.
LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Erbrecht, Kommentar um ~ 2.~ ed., nota III ao § 2.255, e E.
KRETZSCHMAR, Das Krbrecht des deutsefleu SUB., 2? ed., § 21, nota 12; cp. H. DERNBURG, D’as
BiirgerUche Recht, V, § 40, n. 12; contra: RONRAD COSACK, Lehrbuch des Deutschen B’iirgerlichen Reckts, ~
6? ed., § 358, n. 7, b, nas edições anteriores a 1924, e F. ENDEMANN, Lehrbuch des Biir.qerlichen R’echts, III,
SY-9.~ cd., § 68, n. 38).
Mas fujamos ao absolutismo de tal regra jurídica, em que incidiu E. ICIERzFELDER <Erbrecht, J. vou
Staudingers Kommentar, V, 9? ed., 791). O testador mandou meter no fogo o testamento, o encarregado atirou-o, de
modo que ficasse por trás das labaredas, talvez o testador tenha visto arder algum papel, o ato foi praticado e, como
se disse antes, os atos do art. 1.749 são declarações de vontade. Houve o ato, a falta de conseqUências materiais
corre por conta do dolo do instrumento. O’ testador cria morrer intestado, ou, talvez, com outro testamento. Seria
injusto não atender às considerações de PETER KLEIN (Zu BGB., § 2.255, Archiv fui’ Buirgerliches Recht, 40,
196 s.) e de TREODOR KIPp (Das Erbrecht, Lehrbuck des Buirgerlichen Rechts, II, 14.~-16Y~ ed., § 21. nota 8).
19.Avo DESTRUTIVO QUE NÃO VALE REVOGAÇÀO. Se não foi o testador que dilacerou, raspou ou rompeu
o testamento, ou se o terceiro não estava autorizado, ou, ainda, se foi o testador ou o terceiro, por engano, a
dilaceração, a raspagem ou a rotura das páginas ou cordões não atinge a validade do testamento. Pode ser
reconstituido e reproduzido por todos os meios de prova. Assim, também, o direito alemão (Motive, v, aos).
O simples jogar na cesta, ou no lixo, o testamento não basta à incidência do art. 1.749. Porque, aí, não houve
nenhuiria destruição, ou rotura (II. DERNBURG, Das Biirgerlich,e Recht, V, 112; A. ESCRER, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweízerischen Zivilgesetzbuch, 111, 96). Melhor: aí, o ato não fere a cédula, não pode entrar no
domínio da regra jurídica do art. 1.749, que é a,tribuição de efeitos jurídicos a atos materiais desfazedores do
testamento.
Nos Projetos suíços, acrescentava-se: “por qualquer modo faça sem efeito”; mas a lei riscou. No caso de jogar no
lixo, ou na cesta, se reaparecido, cumpre-se: não seria de admitir que a vontade de revogar ato tão solene se
satisfizesse com isso.
A perda, roedura por animais ou deterioração de ordem química, o estado em que ficou o testamento depositado em
gavetas, cofres, buracos de parede, assoalho, tecto, ou livros não podem, de nenhum modo, ser tidos como ato do
testador: não houve declara «lo de vontade, e os atos do art. 1.749 são declarações de vontade. Se houver dúvida,
apreciará o juiz as circunstâncias, mas o ônus da prova cabe àquele que afirma a aplicabilidade do art. 1.749 (J. A.
SEUFFERT, Archiv, 78, 15 s.;
F.RERZFELDER, Erbrecht, 3. von Staudingers Kommentar, V, 9Y ed., 791), quer dizer o propósito infirmativo, de
que surgiria, por fôrça da lei, o efeito revogatório. O que está em A’ questão é o propósito; e o art. 1.749 não pode
considerar suficientes aquelas circunstâncias.
Aliás, podemos formular a regra jurídica: Sempre que o fato não serve, de si só, para estabelecer a causação por
ato do testador <ou consentimento) da destruição ou da dilaceração, não se pode invocar a presunção da lei, que
supõe tal nexo causal. Mas, em tais casos, não se exclui a prova da intenção “infirmativa” do testador e, provada,
há o efeito revogatório. Ao juiz apreciar as circunstâncias.
21. ÔNUS DA PROVA. Rigorosamente, o art. 1.749 éregra jurídica, ou ônus da prova:
a) O cancelamento e a destruição não-completa, não se presumem feitos pelo testador: só se as circunstâncias o
estabelecem, ou se se faz a prova de que foi êle, ou outrem por de, é que se aplica o art. 1.749. Para se provar o
contrário, ‘ter-se-ia de desfazer a prova feita, ou aquelas circunstâncias.
b)Mas, se as circunstâncias não fazem certa a causação pelo “ato do testador (ou de outrem por êle) “, ato
dilacerante ou destrutivo, o ônus da prova do animus revocandi cabe aos que alegam a revogação.
Se (no caso a) as circunstâncias mostram que o testador ou outrem por êle foi o autor da dilaceração, ou do
cancelamento, ou da destruição, podem os interessados fazer a prova, por quaisquer meios, inclusive presunções de
fato, não apreciadas ou mais fortes: a) que o ato do testador não constituiu declaração de vontade; exemplo: jogou
na cesta o testamento.
quando pensava ter jogado a cópia ou a minuta; b) que houva erro, dolo ou outro vício de vontade; e) que foi ato de
outrem, sem o seu consentimento (consentimento é que faria a decla ração de vontade).
Tratando-se, como se trata, de assunto de prova, se uma. das partes torna impossível a prova, a que a outra estava
obrigada, a jurisprudência e a doutrina invertem o ánus (Supremo Tribunal alemão, 3 de janeiro de 1921; STEIN-
JONAS-POHLE, Kommentar zur Zivilprozessordnung. 12•a~1g•a ed., nota IV, 7,. ao § 282; F. HERZFELDER,
Erbrecht, 3. von Staudingers Kom mentar, v, 9a ed., 792). Evidentemente, exsurgem circunstâncias que produzem
presunção contrária à que justificava a antenor oneração de prova.
A situação muda, inteiramente, se a destruição fôr completa, se os riscos forem acompanhados de cancelacões
escritas pela mão do testador, de modo a não se ver, sequer, qualquer palavra, porque então o ônus da prova cabe
aos que pedirem a recomposição e alegarem o acaso ou o ato de outrem não consentido. A questão fica deslocada:
não está em causa o artigo 1.749, e sim a destruição ou extravio de um testamento, o qua levará, pelos princípios
gerais de direito, à reconstituicão e indenizacão, ou, se impdssível aquela, à ação de indenizaçáo~ contra o culpado,
ex delicto. Foi assunto de que já se tratou.
22.As ALTERAÇÕES E As DESTRUIÇÕES PARCIAIS. A destruíção parcial opera, porque, se completa, não
poderia deixar de alterar: não se lhe sabe o conteúdo. Mas, se fôr sabido a puder recompor-se, recompõe-se o
pedaço destruído.
Mais: a alteração, em si, depende de outros princípios. Não se trata de saber se houve, ou não, cancelamento: em
principio, o testador não pode alterar. A forma é íntegra para todo o ato: a intromissão de vontades não
formalmente inser tas teria de ferir o princípio.
O testador legou duzentos e sessenta e sete mil cruzeiros novos (267.000) a E, mas, depois, riscou de todo os
algarismos 2 e 6, ou somente 2. Cumpre-se o legado, se há meio de ler-se ou de formar-se o quanto, porque a lei só
reconhece a destruição total, ou a dilaceração, revogatória do ato, e não a’. revogabilidade parcial pela riscadura,
pelo borrão ou pelo cancelamento intencional, mas limitado a uma parte. Não pode haver duas opiniões no direito
brasileiro.
Passemos aos povos que têm o testamento hológrafo sem testemunhas. A situação é diferente: a letra, a
dermografia,. basta. Se a cancelatura foi por meio de riscos, ou de declaração expressa, acrescentada ao texto
primitivo, com data e assinatura, não se trata de revogação no sentido do art. 1.749 (Código Civil alemão § 2.255),
mas de parte componente do mesmo testamento (F. IIERZFELDER, Erbrecht, 3. von S<taudingers Kommentar, ~,
9a ed., 790).
Na jurisprudência e na doutrina alemã (R. O., 71, 298; OTTO WARNEYER, Kommentar, II, 1236), há casos de
aceitação de destruições e modificações parciais, e o julgado do Reichsgericht foi censurado por F.
HERZFELDER, em nota da Jv.’ristische Wochenschrift (1916, 165 s.). Mas a verdade jurídica está no que antes
dissemos, distinção de capital importância.
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ressalvadas, ou pelo próprio testador na cédula, ou no auto de aprovação, que lavra o oficial público, e todos
assinam. Efeitos de deleção, de obliterações e de consertos só se admitem quando não envolvam dúvidas quanto a
disposições essenciais, ou possam ser verificados no próprio contexto do testamento. Por isso mesmo, se legível o
que antes estava e mal se rasurou, sem se superpor outra disposição positiva, cumpre-se. Se a dúvida é invencível,
por subsistirem o que estava e o que está, a única solução é não se cumprirem ambas. Mas, se a rasura ou emenda
foi feita antes da aprovação e nenhum indício encontra o juiz de ter sido aberto o testamento, forçoso é que se
presuma valer a entrelinha, a marginália, a frase sobreposta. Salvo se o oficial público que percorreu a cédula,
ressalvou emendas, e esta não está incluída, e não consiste em escrito autógrafo do testador ou de quem lhe
escreveu o testamento.
Para vermos até que ponto tem isto de ficar à apreciação do juiz, basta que se lembre o seguinte caso: a cédula
testamentária foi escrita por outrem, que morreu dias depois, e, desde a aprovação, o testamento ficou em cofre do
testador, sem qualquer probabilidade de ter sido aberto pelo escritor, se a entrelinha é da mesma letra, tôda a
presunção é de que já existisse quando aprovado foi o testamento.
1.CAPACIDADE, VONTADE LIVRE E SEM DEFEITOS. Declarações de vontade, os atos do Código Civil, art.
1.749, e outros similares requerem agente capaz e vontade livre e sem defeitos. São, pois, nulos ou anuláveis, nos
mesmos casos em que são nulos e anuláveis os próprios testamentos. Nem a possibilidade de ser por mão de
outrem a destruição lhes cria situação especial: o encarregado de romper, ou de queimar, ou de outro modo destruir,
é mero instrumento, como ocorre a quem escreve, por outrem, a cédula do testamento cerrado.
2.ANULABILmADE rOR DEFEITO DE VONTADE. Ainda depois de todas as discussões, ou da decisão do juiz
sôbre o efeito revogatório do ato destrutivo ou dilacerante, podem os interessados promover as ações de invalidade
por defeitos da vontade (dolo, êrro, etc.), porque as regras jurídicas se aplicam assim às revoga cães como às
infirmações (F. HERZFELDER, Erbrecht, J. von Staudingers Kommentar, v, 9Y ed., 793, cp. AHAMMER, Der
Widerruf tetztwilliger Ver fiigungen nach § 2.255 u. § 2.256 13GB., 29 s.).
Os atos dos arts. 1.746-1.748 são declarações de vontade e’ como tais se regem, inclusive quanto aos vícios e
defeitos das outras disposições de última vontade (R.G.Z., 102, 69 s.), ista é, também pelo que é do direito
testamentário, sem ser o que toca à Parte Geral. Exemplo: na Alemanha, o § 2.078 admite, nos testamentos, a
anulabilidade, diferente do que se passa nos atos jurídicos em geral. Aplica-se o § 2.078 à infirmação do § 2.255,
alínea 2, declaração de última vontade. Contra, KARL MAENNER (Leinziger Zeitschrift fiir Deutsche Recht, 18,
col. 509 s.).
Se o juiz julga existente e válida a frase ou a palavra entrelinhada ou superposta, ou a rasura feita, ou, ainda, a
cancelação, resta aos interessados a ação de anulação, com fundamento nos arts. 86-101 do Código Civil,
provando, por exempio, que o ato foi praticado por êrro, violência, ou dolo, ou coação: o testador foi obrigado a
rasurar, a emendar, a riscar; o testador apagou o nome, porque lhe deram a notícia da morte do herdeiro, e êle não
queria que se interpretasse o testamento como se interpretaria se ficasse o nome; o testador, sabendo que perdera
um bem, riscou o nome do legatário, pôsto que falsa a notícia.
1.“RUPTIO”. Já foram tratados os casos de revogação p de infirmação, restam os de ruptio, fato pelo qual a lei
afasta o testamento, em que a lei estabelece regra jurídica de não-existência (ou “presunção” que não admite prova
em contrário, de modo que seria errôneo falar de revogação presumida) : presumiu-se o animus revocandi, mas a
regra da lei, que disso partiu, não criou “presunção”, e sim imperativamente foi concebida, como regra jurídica
cogente. A ruptura, o rompimento, a rompedura, o rumpção, é obra da lei.
O Código Civil conhece dois casos: a) superveniência de descendentes sucessível ao testador que o não tinha, ou
não no conhecia, quando testou, se êste sobreviver; b) se, ao tempo da feitura, existiam outros herdeiros
necessários.
Preliminarmente, note-se a difdrença mais sensível: descendência sucessivel, herdeiros necessários (ascendentes,
descendentes).
2.TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.750: benvindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha,
ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se êsse descendente
sobreviver ao testador”. Cf. Projeto primitivo, art. 1.912: “A superveniência de descendente sucessível ao testador,
que não tinha ou ignorava tê-lo, quando fêz o testamento, invalida-o em todas as suas disposições, se o descendente
superveniente sobrevive ao testador”. O Projeto revisto, art. 2.119, 23 alínea, acrescentava:
“A mesma disposição prevalece em relação ao cônjuge, se o testador, depois de feito o testamento, casar sob
regime exclusivo da comunhão”.
Preliminarmente, é de advertir-se que a regra jurídica supôe que haja descendente que possa suceder. Não há
ruptura se o descendente de modo nenhum herdaria, como é o caso de ter sido inserta cláusula de deserdação, ou se
indigno o descendente.
8.DIREITO ROMANO. No direito romano, rompia-se o testamento pela superveniência do herdeiro seu, qualquer
que fôsse o sexo ou o grau (ULPIANO, Liber singularis regularum, 22, 18). Absoluta, como a nulidade do
testamento iniusturn, pela omissão de filho já nascido. Invocável a todo o tempo, e irratificável. Se o póstumo
morria antes do testador, dava o Pretor ao herdeiro instituído no testamento a bonorum possessio secundum
tabulas, que era cum re, em virtude de decisão de Adriano, e protegida por ezceptio doli contra a petição de herança
dos herdeiros ab intestato, salvo em se tratando de liberi deserdados no testamento.
,Podia o testador, por previsão, evitar a ruptura do testamento? Não, respondia-se; porque seria instituir como
pessoas incertas filhos ainda não nascidos, ou pessoas já nascidas mas ainda sem ter a qualidade de mii.
Particularmente rigoroso tal sistema, se descendente nascido após a morte do decujo
Longo movimento contrário operou-se e veio permitir instituir-se ou deserdar-se quem viesse depois da feitura do
testamento. Após a doutrina, o texto legal, a lei Junia Velleia, talvez do ano 26 da era cristã (postumi Veliejani,
quasi Velleiani). Sob a influência de Juliano (postumi Juliani), prosseguiu a doutrina.
Quanto aos adotados, aos ad-rogados, às mulheres caídas in manum, aos legitimados, e às demais pessoas ligadas,
de causa que não fôsse a descendência, a lei não os apanhava e a doutrina acabou por permitir a não-ruptura do
testamento, pela prévia instituição, se bem que não permitisse a deser dação.
Diferente do direito civil, o direito pretoriano. Concedia-se a bonorum possessio contra tabulas se o testamento não
continha instituição ou deserdação de certos descendentes. Não só a heredes sui, como também a ascendentes de
sangue, caídos cm capitis deminutio mininta e não pertencentes a outra família. Tal bonorum possessio cabia, no
caso de permissão, àqueles a que, na falta de testamento, tocava a unde liberi. A sanção não era a nulidade, mas
êste mesmo direito da posse contra tabulas. ~ Seria rescisão? Assim, PAUL FRÉDÊIiIC GIRARD (Manuel
élémentaire de Droit romain, 4•a ed., 855). Mas D. BURKARD WILHELM LEIST (em CHR. FR. vON GLtYcK,
II, 21 s.) e também II. A. A. DANz (Lehrbuch des (r’eschichte des rõmischen Rechts, II, 2.~ ed., 156) entenderam
que não caducava o testamento: o herdeiro podia aceitar; o que ocorria era que a bonorum possessio o punha em
situação semelhante à do herdeiro gravado, a herança vai-se, mas êle é e continua heres. (A explicação científica
do fenômeno tem importância, ainda hoje, e pôr-se-á ao vivo na questão da convalescença ou do momento da
ruptura, o da superveniência ou o da morte.)
O testamento não cessa de existir: também o fideicomissário universal é herdeiro sem ter de imediato a herança,
assim o herdeiro do testamento de que cogitamos, heres, porém não bonorum possessor.
(Cumpre notar a diferença entre a ruptio do direito civil e a situação de esvaziamento da herança, em que importa a
noção do Pretor. Nenhuma das duas é a do direito moderno, mas o exame de ambas serve como experimentação da
verdade, só parcial, das explicações de instituto, que cada uma implica. Alguma coisa guardar-se-á da ruptio do
direito civil: a queda do testamento; e alguma coisa do direito pretório: o auxílio, que se lhe deve, para a fixação do
momento em que o efeito rompente se opera, que é o da morte, e não o da superveniência do herdeiro.)
As páginas do ementário de D. BURKARD WILHEIM LEIST (em CHR. FR. GLVJCK, Ausfiihrliche Erlãuterung
des Pandecten, 37-38, 2•a parte, 21-23), a êste respeito, são dêstes textos, que valem como aberturas definitivas
para a verdade histórica, pôsto que, antes, E. VON LoRR (Magazin fúr Rechtswissenschaft und Gesetzgebung, 111,
221), já houvesse ousado concepção de todo o bonorum possessor non heres como
assaz parecido com o fideicomissário universal. Porém não é nessa figura, e sim no conjunto do que escreveu, que
está o valor das páginas de D. BURKARD WILIIELM LEIST.
Uma vez que não deixava de existir o testamento, não se podia cogitar de efeitos se o liber premorreu. Se êle vivia,
dava-se a bonorum possessio, e note-se bem a expressão contra tabulas, contra lignum testamenti, porque, em
verdade, há testamento formalmente válido. Subsistiam todas as disposições que não prejudicassem o liber
omitido, inclusive as deserdações. O prazo para a bonorum possessio contra tabulas era curto: o da bonorum
possessio em geral, cem dias; por exceçao um ano para os sucessíveis em linha reta.
Na velha coleção de GERARD MEERMANN (Novus Thesanrus inris civilis et canon., VII. 212), FRANCISOO
DE MANZANO escreveu célebre dissertação sôbre a L. 29, D., de liberis et postumis heredibws in.stituendis veZ
ezheredandis, 28, 2, e, em Portugal, contam-se as notas de MANUEL RIBEIRO NETO (Commentaria in lus Civile
in quibus universa ultimarum voluntatum materiam tam speculative quam practice explicatur, Livro IV, Título 13).
4.DIREITO DAS ORDENAÇÕES. Nas Ordenações Afousinas, Livro IV, Titulo 97, §§ 5 e 6, são nenhuns o
testamento e os legados nele estabelecidos se o pai ou a mãe dispõe de seus bens na errada persuasão de ter
falecido o filho legítimo, ou se êste nasceu depois do testamento: “5. E se o Padre, ou Madre ao tempo de seu
testamento tevessem alguum filho li-demo, e pensando que era morto, desposessem e hordenassem todos seus
beens, e fazendo alguum outro herdeiro; em tal caso o testamento será nenhum, e bem assy os legados em elIe
contheudos. 6. E bem assy dizemos no caso, honde o Padre ao tempo do testamento feito nom tinha alguum filho
lidemo, e depois lhe sobreveeo. ou o tinha, e nom era delie sabedor, e he vivo ao tempo da morte do Padre, ou
Madre: em tal caso assy o testamento, como os legados em elIe contheudos, som nenhuuns e de nenhuma força e
vigor”
Nas Ordenações Manuelinas, Livro 1V, Título 70, § 3, estatuía-se: “Emperó se o padre ou madre ao tempo que fez
seu testamento tevesse alguú filho lídimo, e tendo e crendo que era morto nom fez delle mençam no dito
testamento, mas despôs e ordenou de todos seus bens e fazenda, fazendo alguú outro herdeiro, em tal caso o
testamento será ninhuú nom soomente quanto aa instituiçam, mas tambem quanto aos leguados em elie
contheudos”. No § 4: “E todo esto que acima dito he, quando se o pay fina leixando filhos, averá luguar, quando
faz o dito testamento, e se fina sem filhos, e lhe ficam netos ou outros descendentes; e isso mesmo averá luguar.
quando o filho, ou neto, ou outro descendente se finar, e fezer testamento em cada húa das maneiras sobreditas sem
leixar descendentes, e tever pay, ou mãy, ou outros ascendentes”. No § 5: “E bem assi Dizemos no caso onde o
padre ou madre ao tempo do testamento nom tinha filho algun lidimo, e despois lhe sobrevelo, ou o tinha e nom era
deilo sabedor, e he vivo ao tempo da morte do padre ou madre, porque eu tal caso, assi o testamento como os
legados em elIe contheudos sam ninhufis, e de ninhufia forca e vigor
Dizia-se nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 82, § 3: “Porém, se o pai, ou mãe, ao tempo que fêz o
testamento, tinha algum filho legítimo, e crendo que era morto, não fez dêle menção no testamento, mas dispôs e
ordenou de todos seus bens e fazenda, instituindo outro herdeiro, em tal caso o testamento será nenhum, não
sómente quanto à instituição, mas também quanto aos legados nele conteúdos”. E adiante:
“4. E tudo o que acima dito é, quando o pai morre deixando filhos, haverá lugar, quando faz testamento, e morre
sem filhos, e lhe ficam netos, ou outros descendentes. E isso mesmo haverá lugar, quando o filho, ou neto, ou outro
descendente falecer, e fizer testamento em cada uma das maneiras sobre-ditas, sem deixar descendentes, e tiver pai,
mãe, ou outros ascendentes. 5. Outrossim, se o pai, ou mãe ao tempo do testamento não tinha filho legítimo, e
depois lhe sobrevei o, ou o tinha, e não era disso sabedor, e é vivo ao tempo da morte do pai, ou mãe, assim o
testamento, como os legados nele cmiteúdos são nenhuns e de nenhum vigor”.
1
.5.CÓDIGOS Civis PRÓXIMOS. O Código Civil italiano revogado, o Código Civil português revogado, o Código
Civil peruano (art. 846), o Código Civil argentino e o Código Civil venezuelano pertencem à mesma estirpe, mas as
disposições não são idênticas.
r
§ 5.946. RUPTURA DOS TESTAMENTOS
Dizia Código Civil italiano revogado, art. 888: “Le disposizioni a titolo universale o particolare fatte da chi aí
tempo deI testamento non aveva o ignorava di avere figli o discendenti, sono rivocate di diritto per l’esistenza o la
sopravvegnenza di un figlio o discendente legittimo dei testatore, benchê postumo o legittimato o adottivo. Lo
stesso ha luogo ancorchê ii figlio fosse concepito aí tempo deI testamento, e trattandosi di figlio naturale
legittimato, ancorchê fosse già stato riconosciuto daí testatore prima dei testamento e soltando legittimato dopo. La
rivocazione non ha luogo qualora ii testatore abbia proveduto ai caso che esistessero o sopravvenissero figli o
discendenti da essi (art. 1.084)”. No art. 889: “Se i figli o discendenti sopravvenuti premuoiano aí testatore, la
disposizione ha ii suo effetto”.
Assim, o Código Civil parmense, art. 759, o Código Civil albertino, art. 882, e o Código Civil estense, art. 810.
Diz, hoje, o Código Civil italiano, art. 687: “Le disposizioni a titolo universale o particolare, fatte da chi ai tempo
dei testamento non aveva o ignorava di aver figli o discendenti, sono revocate di diritto per l’esistenza o la
sopravvenienza di un figlio o discendente legittimo deI testatore, benchê portumo o legittimato o adottivo, ovvero
per ii riconoscimento di un figlio naturale. La revocazione ha luogo anche se ii figlio éstato concepito aí tempo dei
testamento, e. trattandosi di figlio naturale legittimato. anche se é già stato riconosciuto daí testatore prima dei
testamento e soltanto in seguito legittimato. La revocazione non ha invece luogo qualora ii testatore abbia
provveduto aí caso che esistessero o sopravvenissero figli o discendenti da essi. Se i figli o discendenti non
vengono alia successione e non si fa luogo a rappresentazione, la disposizione ha ii suo effetto”.
Rigorosamente, o art. 1.750 prende-se ao dispositivo italiano, em que TIIÉOPHILE fluo reconhecia “un hommage
aux sentiments les plus vrais et les plus respectabies du coeur humain”, e não ao caso simular de ruptio romana,
ligado a priucgpio formalístico.
Lê-se no Código Civil argentino, art. 3.715: “La preterición de alguno ó de todos los herederos forzosos en la linca
recta, sea que vivan aí otorgarse ei testamento. ójãie nazcali.
muerto ei testador, anula la institución de] heredero; perú valdrán las mandas y mejoras en cuanto no sean
inoficiosas”.
O Código Civil português revogado, art. 1.760, estabelecia: “Existindo filhos ou outros descendentes do testador,
que êste nâo conhecesse ou julgasse mortos, ou tendo o testador filhos, que nascessem depois da morte dêle, ou,
ainda antes desta, mas depois de feito o testamento, êste só valerá quanto à têrça”.
Lê-se no Código Civil português (1966), art. 2.318: “1. A instituição de herdeiro ou a nomeaçào de legatário, feita
por pessoa que ao tempo do testamento não tinha ou ignorava ter descendentes legítimos ou legitimados, nascidos
ou concebidos, caduca de direito, se ao testador sobrevier algum ou alguns dêsses descendentes e a herança fôr por
êstes aceita.
2. Tratando-se de descendentes ilegítimos, havidos antes ou depois do testamento, a sua perfilhaçâo em caso algum
faz caducar a instituição de herdeiro ou a nomeaçào de legatário, sem prejuízo dos direitos dêles à legitima. 3. Se
concorrerem descendentes legítimos ou legitimados, nas condições do n.0 1, tom descendentes ilegítimos, a
caducidade aproveita exclusivamente aos primeiros
Em doutrina e técnica, ganhava a palma o Código Civil venezuelano, art. 942: “Las disposiciones a titulo universal
o particular hechas por quteil ai tiempo de su testamento no tenia o ignoraba tener hijos o descendientes legítimos,
aun solamente concebidos. son revocables por Ia existencia o superveniencia de un hijo, descubierta aquelia o
verificada ésta después de la muerte dei testador, salvo que ei testador haya previsto en ei mismo testamento o CII
otro posterior o anterior, no revocado ni siquiera tácitamente, ei caso de existencia o superveniencia de hijos o
descendientes de éstos. Lo dispuesto en este artículo es aplicable a la madre natural respecto de los hijos cuya
filiación esté legalmente probada”.
6.CÓDIGOS Civis DE OUTROS POVOS (CÓDIGO CIVIL AUSTRÍACO, CÓDIGO CIVIL ALEMÃO, CÓDIGO
CIVIL SUÍÇO). Comeo Westgal. Gesetzbuch, II, § 511, o Código Civil austríaco, § ‘778, entende que, em certas
circunstâncias, por lei se rompe, com o advento de herdeiro necessário, o testamento de quem, no testar, não tinha
descendentes.
Em tal sistema, o fundamento é o érro. Nenhuma distinção quanto ao herdeiro já existir, ou não, ao tempo da
feitura. A supervefliêflcia atinge não só a instituição como todas as disposições de conteúdo patrimonial, salvo
aquelas que foram feitas no intuito de bem geral, ou de fim remuneratório uiva vez que se restrinjam à quarta parte
do importe (§ 778). A nulidade é relativa e a aç~o prescreve em três anos (§ 1.487). Se premorre o herdeiro, ou
prescreve a ação, convalida-se o testamento. Algumas questões: a) ~ Os legados de alimentos (§~ 672 e 691)
entravam na classe dos que se forravam a invalidação? Sim, queria FEZ. X. J. E. VON NiPPEL (Krlduterung des
Állgemeinen Biirgerliohen Gesetzbuch, V, 108) ; não, respondiam quase todos os outros tratadistas (J. VON
WtNIWARTER, Das tsterreichische bflrgerliche Reeht system. dargestelU ind erUtutert, III, 357; M. VON
STUBENRAUCE, Das Allgemeine Riirgerliche Gesetzbuch vom 1. Juni 1811, II, 697; JOSEPH UNGER, System,
VI, 376, nota 16). 14 ~O § 1.487 é aplicável no caso do § 778? Contra: F. PACHMANN (0k Verjdhrung nach d.
allgemeinen biirgerlichen Rechte in Oestreich., 46 e 54), J. VON WINIWARTER, Das õsterreichlsche búrgerliche
Reoht system. dargestellt und erWutert, V, 232 e 235).
Frisou JOSEPE UNGER o êrro daqueles que filiavam (exempio, JOSEPTI ELLINGER, Handbuch des
õsterreichLschen aUgemeinen Civilrechts, 53 ed., ao § 778) a disposiçao austriaca ao testamentum ruptum
agrtatione (vel quasi) postumi (vel quasi), por se tratar, no direito romano, de simples regra jurídica de forma.
.~,Na conva1idaç~o, há a figura de convalescença, ou, conforme a concepção pretoriana da bonorum possessio
contra tabulas, se há de ver verificaçâo da preterição ao tempo da morte do testador? Isto mudaria assaz a face do
problema.
A.SCHMIDT e JOSEPE UNGELI (System, VI, 877, nota 18) simpatizavam com tal solução: a premorte do
póstumo não rompe desde logo, apenas estabelece a possibilidade jurídica de se romper, ao tempo da morte, o
testamento.
Também, e expressamente com fundamento no êrro, o Código Civil alemgo, §§ 2.079 e 2.080.
Na Suíça, as liberalidades por testamento ou outro ato sucessório não são infirmadas (aufgehoben) quando, poste-
riormente, diminui a facilidade de dispor do testador, apenas são redutíveis (art. 516). Não importa que o testador
se case, legitime, ou reconheça filho natural, ou adote. Se testamento, pode revogá-lo quando quiser (arts. 509-
511). Portanto, apara que romper, por disposição legal, o testamento? Assim raciocinavam os suíços, como pólo
oposto ao Código Civil italiano, ao Código Civil brasileiro e a outros.
Cumpre notar o seguinte, assaz importante, porque a. Suíça tem o contrato de herança: para a ação de redução
(Herabsetzungsklage) só são legitimados os herdeiros necessários, não o testador (A. ESCRER, Das Erbrecht,
Kommentar zum schweizerischen Zivilgesetzbuch,, 1H, 105). Não se distinguem herdeiros de origem matrimonial,
ou não.
(Como se vê, prevaleceu a solução zuriquense, do § 1.049, contra a do direito de outros cantos, que rompia o
testamento, cf. EUGEN HUBER, Sijstem und Gesckichte des Sckweizerischen Privatrechtes, II, 227; II. F. HITZIG,
Zitriefler Reitrãge zur Rechtswissen.sckaft, 11, 65.)
7.PosiçXo SISTEMÁTICA DOS TEXTOS LEGAIS. O prin cípio é que, feito, vâlidamente, o testamento,
prevalece no mesmo estado. Só o testamento posterior rite factum, ou a destruição (art. 1.749), o revoga, ou exerce
sôbre êle efeito. de revogação.
Mas rompe-se:
a)Se o testador se cria sem descendentes sucessíveis e testou, e havia-os, sem êle saber, ou, gerados em vida dêle,
nasceram após a feitura. Éste testamento prevalece, se o testador morrer depois do herdeiro superveniente ou
aparecido.
b) Se o testador não sabia ser vivo algum ascendente, e apareceu: aqui, a lei diz algo deselegante, porque o caso dos
descendentes sucessíveis já foi tratado; aqui e ali, é de prete rição ignoranter que se trata. Resta o que concerne aos
ascendentes, que são os outros herdeiros necessários.
De qualquer modo, a redação dos arts. 1.750 e 1.751 é má. Ao testador que não tinha descendente sucessível, êste
pode sobrevir, mas ao que tinha, e não conhece, o herdeiro aparece, prova a existência, apresenta-se, revela-se, e
não sobrevém, como encambulhou o art. 1.750. O caso de aparição que estive no art. 1.750, relativo a descendente,
devia vir no ad. 1.751, concernente ao mesmo assunto em relação a ascendentes.
A aparição de herdeiro necessário, que o testador ignorava existisse (cp. 2•a Turma do Supremo Tribunal Federal, 9
de novembro de 1948. R. dos T., 189, 562) tem a eficácia de ruptura.
Quanto ao reconhecimento posterior quer voluntário, quer judicial tem-se de atender a que o que importa é saber-
se se o testador ignorava a existência, ou se o nascimento do descendente reconhecido foi posterior ao testamento.
Se o testador já tinha descendentes herdeiros necessários (“descendentes sucessíveis), e algum ou alguns mais
sobre-vieram, não há ruptura.
Para a incidência do ad. 1.750 do Código Civil, o que importa é que a) o descendente sucessível não existisse, ou
que b) o testador ignorasse a sua existência como descendente sucessível. Na espécie b), há quaes tio facti: o
testador sabia, ou não sabia, que o descendente era sucessível. Daí o reconhecimento voluntário, como o judicial,
terem de ser tratados como iguais se o testador conhecia a descendência: a eficácia do reconhecimento voluntário é,
então, comprovação da ciência; o reconhecimento judicial, se o testador sabia da descendéncia, também comprova
a sua ciência.
A adoção posterior ao testamento é rompente do testamento, porque o testador não podia conhecer o que ainda não
ocorreu, pois não havia qualquer laço anterior de descendência. A ruptura do testamento pode mesmo não ser
benéfica para o adotado, se, após a adoção, algum herdeiro sucessível vem a existir, e ela fôra herdeira
testamentária do total; ou benéfica se ela só receberia legado ou herança testamentária de valor inferior à sua quota.
A adoção pode mesmo ser para que a beneficiada pague impôsto menor, como herdeiro necessário (cf. 83 Câmara
Cível do Tribuna] de Justiça do Distrito Federal, 18 de agôsto de 1947, O D., 50, 383).
A adoção estabelece vínculo jurídico, uma das conseq6ências é a sucessibilidade, O adotado não descende do
adotante, mas o ato jurídico da adoção tem, precisamente, a finalidade de o pôr em lugar que seria o de
descendente. Ésse efeito supletivo depende de pressupostos do adotante que estão nos arts. 868 e parágrafo único
do Código Civil (ser maior de trinta anos, e, se casado, ter decorrido, pelo menos, cinco anos após o casamento),
869 (ser dezesseis anos mais velho que o adotante), 870 (não estar a pessoa já adotada, salvo se pelo cônjuge do
nôvo adotante). Se o testador, quando adotou, tinha filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a adoção não
tem a aficácia de fazer “descendente sucessível” o adotado (art. 877, redação dava pela Lei n. 3.183, de 8 de maio
de 1957). Aí, a adoção de modo nenhum rompe o testamento que o adotante havia feito.
Se não ocorre o que se prevê no art. 377 do Código Civil, há a sucessibilidade do adotado (cf. art. 1.605 e § 2.0,
com a alteração que lhe resulta da Lei n. 4.655, de 2 de junho de 1965, art. 9.0)• Cf. 1.a Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, 22 de novembro de 1949 (J., 81, 546 s.) g•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça
de São Paulo, 19 de maio de 1953 (E. dos 2’., 212, 277).
Para que se dê a ruptura por superveniência de descendente, é preciso que tal descendente já tenha nascido quando
faleceu o testador, ou já esteja concebido
Quanto à ignorância da existência (Código Civil, artigo 1.750) de descendente sucessível, ou ela consiste em
ignorância de ter nascido e ter vivido não só até a feitura do testamento, mas após a morte do testador, ou em
acreditar o testador que houvesse morrido.
§ 5.946. RUPTURA DOS TESTAMENTOS mas os casos de aplicação são em menor número do que se pensa.
A preterição ignoranter dos netos no caso do art. 1.750 não era pacifico rompesse o testamento. Além de SAMUEL
STIIYK, PAUL BARRY e outros eram contra. Mas, hoje, o Código Civil é claro: descendente sucessível. Netos,
bisnetos, e assim por diante. Mais explícitas as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 82, § 4: “e lhe ficam netos,
ou outros descendentes”, porém não quanto ao póstumo (cp. § 5).
13. PRESSUPOSTOS DA REGRA JURÍDICA. De duas espécies sao as questões relativas à aplicação dos arts.
1.750 e 1.751: pressupostos objetivos e pressupostos subjetivos.
São pressupostos objetivos do art. 1.750:
a) Existência de testamento.
b) Suposição de não haver nenhum descendente sucessível. Por isso, se o testamento fala de um descendente, e
nasce outro, decidiu a Côrte de Apelação de Palermo, a 23 de novembro de 1894, que o testador não precisava
fazer outro testamento: o aparecido ou póstumo concorre à legitima. É doutrina pacifica (VITTORIO POLACCO,
Deile Successioni, II, 57) Tício tem dois filhos e crê ter um só, supondo que o outro morreu na guerra; se êste em
verdade lhe sobrevive, o testamento persiste, e o filho preterido só recebe a legítima. Diferente, por disposição
expressa, o Código Civil austríaco, § 777. À doutrina italiana apenas acrescentamos: a) se o testador deserda os
outros filhos, únicos existentes, e dispôs de tudo, persiste a deserdação, salvando-se, com a redução ou
incompatibilidade (infirmação), a legitima do aparecido ou póstumo.
~ Quid inris, se morreram, no mesmo momento, o testador e o filho superveniente? Nos sistemas que consideram
premorto o mais velho, nenhuma questão exsurge. No sistema dos comorientes, divide-se a opinião: a) uns querem
que o testamento persista; b) outros, que se rompa. Com a primeira, a Côrte de Apelação de Messina, a 15 de abril
de 1921; contra, com a segunda, CARADONNA, em nota à sentença (Fóro italiano, 1922, 1, c. 548 s.).
VI’ITORIO POLACCO (Delie Successioni, II,
59)evitou pronunciar-se.
Se raciocinássemos com a ruptura ao tempo da superveniência ou da aparição, claro que rôto estaria o testamento,
porque faltava a razão de convalescer, premorte do herdeiro superveniente ou aparecido. Mas já vimos que tal
doutrina não se deve seguir. Com a explicação que demos, possibilidade de vir a romper-se o testamento: não
ocorreu um dos elementos causais da ruptura, que é, com a ignorância ao tempo da feitura, a existência, ao tempo
da morte, do herdeiro necessário.
& Se o herdeiro comoriente deixou filhos? Não víamos. até 1935, em livro nenhum, levantada a hipótese. Mas
cumpre distinguir:
a)O herdeiro aparecido ou superveniente tem descendentes sucessíveis do testador, portanto aparecido e
superveniente, como o seu ascendente. Está rôto, com a morte do testador, o testamento, porquanto, ex kypothesi,
sobrevivem.
b)O herdeiro superveniente ou aparecido tem herdeiros que não são herdeiros do testador: não há ruptura do
testamento; tais herdeiros do herdeiro não herdam.
c) O testador sabia da existência de filhos do herdeiro necessário, a) Se seus herdeiros ao tempo da feitura, preteriu-
os: salva-se-lhes a porção legítima, se herdeiros necessários do testador. ti) Ao tempo em que se fêz o testamento,
tais filhos do herdeiro não eram reconhecidos, e deixamos tal questão para ensejo especial, e) O testador, no
testamento, deserdara os netos: não se rompe o testamento.
tanto melhor: coincidem-se ato-causa e ato que podia ser atacado por aquele.
A adoção rompe o testamento se o testador, pai, premorrer ao adotado. Mas a aparição do adotante só tem o efeito
do art. 1.751 se o adotado não tiver pais, porque só êstes serão. em tal caso, herdeiros necessários.
Quanto aos legítimos, atende-se ao art. 1.610.
1.TEXTO LEGAL. Diz o Código Civil, art. 1.751: “Rompe-se também o testamento feito na ignorância de
existirem outros herdeiros necessários
Cf. Projeto primitivo, art. 1.913: “Rompe-se também o testamento que foi feito na ignorância de existirem outros
herdeiros reservatórios do testador”; Projeto revisto, artigo 2.120.
2.FONTE. Cp. Código Civil argentino, art. 8.715: “La preterición de alguno ó de todos los herederos forzosos en
la linea recta, sea que vivan aí otorgarse el testamento, ó que nazean, muerto el testador, anula la institución del
heredero; pero valdrán las mandas y mejoras en cuanto no sean inoficiosas”. Bem diferente, como se vê. Trata-se
de preterição de alguns, o que, no Brasil, não causa a ruptura. O art. 1.751 fui uma extensão brasileira do Código
Civil italiano revogado, só referente a filhos.
3.AMBIGÚIiDADE PERIGOSA. No art. 1.751, lê-se: “na ignorância de existirem outros herdeiros necessários”.
O que logo se entende é que a lei figura o caso de saber o testador quais são os herdeiros e ignorar outro ou outros.
Imediata, diretamente, foi isso o que se disse, tanto mais quanto não se trata de parágrafo do art. 1.750. Mas o
verdadeiro sentido, a regra legal, é bem diferente: o art. 1.751 contém referência implícita ao art. 1.750; os outros
herdeiros, de que fala, são os outros herdeiros necessários, além dos descendentes sucessiveis, a que se refere o art.
1.750, portanto os ascendentes. Assim, se o testador sabe que tem um avô e testa, e depois surge outro avô, não se
rompe o testamento. Dá-se a aplicação da porção legítima aos dois, em vez de a um só. Só se rompe se o testador
ignorava a existência de qualquer ascendente e testou.
No caso do art. 1.751, há preterição ignoranter do herdeiro necessário, quer dizer ascendente: se o testador
ignorava, rompe-se; se não ignorava e preteriu (preterição scienter), não se rompe, reduz-se e salva-se a quota
necessária.
1.HERDEIROS NECESSÁRIOS. Já vimos que os arts. 1.750 e 1.751 não incidem sempre, isto é, em qualquer
caso em que sobrevém descendente, ou aparece descendente, ou ascendente. Ambos concernem aos testamentos em
que não houve qualquer consideração da existência de herdeiros necessários. ~ pressuposto necessário. Mais um
filho, que nasce, ou avô, que aparece, não se rompe o testamento. Para que se dê a ruptura, é preciso que o testador
cresse, ao testar, que morreria sem herdeiros necessários.
Sempre que o testamento prevalece, ou se dá a redução, para ressalva da porção necessária, ou tem de ser paga a
porção legítima, mais o que cabe ao superveniente ou aparecido ex testamento.
O art. 1.752 vai cogitar da redução, remetendo aos artigos 1.741 e 1.742, e a outra parte cabe à interpretação do
texto testamentário.
5.ELABORAÇÃO. Procede de emenda da Câmara dos Deputados (Trabalhos, VI, 516), que dizia (ANDRADE
FI.GUElRA) : “Cessam as disposições dos artigos antecedentes sempre que o testador dispuser de sua têrça,
sabendo da existência de herdeiros necessários, ou deserdando-os sem declaração de causa legítima” Cf. Projeto de
FELÍCIO DOs SANTOS, art. 1.688. Diferentes, o Projeto primitivo, art. 1.914, e o Projeto revisto, art. 2.121. Dizia
o primeiro: “Cessam, porém, as dísposíçoes dos artigos antecedentes, quando o testador prevê precisamente o caso
e salva a legítima do herdeiro necessário. Vejamos qual a fonte do art. 1.752 do Código Civil.
Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 82, pr., dizia-se: “Se o pai, ou mãe fizerem (sh~) testamento, e sabendo
que tem filhos, tomarem a têrça de seus bens, e a deixarem a quem lhes aprouver, ou a mandarem distribuir depois
de suas mortes, como fôr sua vontade, pôsto que no testamento não sejam os filhos expressamente instituidos, ou
deserdados, mandamos que tal testamento valha, e tenha efeito. Por quanto, pois tomou a têrça de seus bens no
testamento, e sabia que tinha filhos, parece que as duas partes quis deixar aos filhos, e os instituiu nelas, pOsto que
delas não faça expressa menção, e assim devem ser havidos por instituidos herdeiros, como se expressamente o
fôssem, em favor do testamento”. No § 1: “E dispondo o pai em seu testamento de todos seus béns e fazenda, não
fazendo menção de seu filho legítimo, sabendo que o tinha, ou deserdando-o, não declarando a causa legítima, por
que o deserda, tal testamento é por Direito nenhum e de nenhum vigor quanto à instituição, ou deserdação nele
feita~ mas os legados conteúdos no dito testamento serão em todo caso firmes e valiosos, enquanto abranger a
têrça. do testador, assi e tão cumpridamente, como se o testamento fOsse bom e valioso por Direito”.
Vê-se bem que o art. 1.752 se desviou do direito luso--brasileiro.
6. SIGNIFICAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. Na edição alemã do Código Civil, apenas apusemos a seguinte nota
(Die Zivilgesetze der Gegenwart, III, 863) : ‘tRem tormeltes Noterbenrecht. Einfache Prãterition gibt nur
Pflíchtteilsrecht nach Art. 1.727”. Não se têm, ai, herdeiros forma/mente necessários; têm--se herdeiros necessários
Os arts. 1.750 e 1.751 são benefícios ex tege. Veja arts. 1.741 e 1.742.
Se o testador dispôs da metade, como podia, sem contemplar os herdeiros necessários de cuja existência sabia, isto
é, sem disposição a favor dêles, ou sem referência a êles, apesar de saber que existiam, não se rompe o testamento.
Idem, se a referência foi para os deserdar, sem dizer qual a causa legal.
tQuid juris, se os deserdou com menção da causa legal? Também não se rompe, Vai ser julgada a deserdação.
1. DIREITO INGLÊS. Todo testamento é revogável. Ninguém se pode privar do direito de revogá-lo. Mas, inserta
a cláusula de não ficarem revogadas determinadas disposiçóes, pode o testador revogá-las, ocorrer serem atacadas
pelos lesados pela revogação, com fundamento na violação do contrato.
Nenhum testamento ou codicilo se rompe pela pressuposição, rebus sie stantibus, salvo o casamento subseqUente.
Ainda assim, quando o testamento é feito em execução de poiver of appointment, segundo o qual o bem de que, em
conseqUência, se dispôs, se faltasse a disposição, não passaria às pessoas que têm direito aos bens do testador que
morresse ab intestato (Wills Act, 1887, 5. 18).
Se o testador ou qualquer outra pessoa, na presença dêle e sob suas ordens, queima, rasga ou destrói, de qualquer
maneira, o ato testamentário, com intenção de o revogar, revoga-se o testamento (Wills Aet, 1887, s. 20). Mas a
destruição por outrem, sem autorização do testador, não pode ser ulteriormente ratificada por é/e (Milís versus
Milward, 1890).
Nem a destruição sem intenção (Gill versus GilI, 1909), nem a intenção sem destruição, pode bastar (Cheese
versus Lovejay, 1877) e a destruição deve ser assaz inteira para tornar, na forma, incompleto o ato, to vender the
documevt either incomplete in form (Goods of Morton, 1887) ou ininteligível, como testamento, em substância
(Leonard versus Leonard, 1902).
O direito inglês admite a revogação parcial pelo ato destrutivo: quando há destruição de parte e esta foi a vontade
do testador (Goods of Woodward, 1871).
No caso de rasuras, intercalações ou outras mudanças, após a feitura, se houve intenção de revogar, revoga-se o
testamento ou o codicilo; mas, se ficarem em estado de, sem in tervenção especial, não se poder ver o que havia
(Wills Ad, 1887, s. 21), as intercalações e mudanças devem ter satisfeito as formalidades do testamento (s. 21).
A assistência de perito (~ sem intervenção física!) pode dar-se para decifrar as palavras originais (Einch versus
Combe, 1894) e quando a rasura havia de produzir efeitos de maneira contingente, no caso de aparecer nova
disposição superposta será de permitir-se a interferência física para decifrar o que estava escrito (Goods of
Horsford, 1874).
Oprincipio inglês é o de que prevalece, se possível, o que estava.
No caso de rasuras, raspagens, ou alterações, o direito inglês quer que persista o texto primitivo, se ainda legível,
quando se prove que não as féz o testador (TRISTRAM and COO’rE, Probate Praxis, 37).
Um testamento ou um codicilo pode ser revogado por escrito regular para o testamento que contenha a intenção
explicita de revogar (Wills Ad, 1887, s. 20), ou quando dos testamentos ou codicilos posteiiores resulte a intenção,
expressa ou implícita, de revogar ou modificar os anteriores (s. 20), cf. Lemage versus Goodban, 1865, GodelI
versus Wilcocks, 1898,. Estate of Bryan, 1907.
No caso de modificações, anteriores e posteriores, serão admitidas ao probate como sendo, em conjunto, o
testamento do defunto (Goods of De la Sanssaye, 1873).
O testamento que revoga o anterior revoga as disposições feitas em virtude do anterior (Sotheran versus Dening,
1881, In re Rington, 1886). A questão de saber se o testamento, que não revoga expressamente os anteriores,
revoga aquelas disposições, depende dos têrmos empregados pelo testador no último testamento (Kent versus Kent,
1902). Mas o legado, concebido em têrmos gerais em testamento posterior, não basta para revogar outra disposição
feita em testamento anterior, em execução de power of appointment especial (CadelI versus Wilcocks, 1898). Não
assim se geral (Sotheran versus Dening,. 1881).
Testamento formalmente válido, mas sujeito a eventualidade que não se realizou, não tem o efeito de revogar (e
nifirmar, diríamos melhor, cf. Código Civil brasileiro, art. 1.747, parágrafo único) testamento anterior (Goods of
Hugo, 1877).
Se dois testamentos incompatíveis têm a mesma data, e não se prova a anterioridade de um, serão nulos comc
incertos, na medida em que forem incompatíveis (Phipps versus An glesey, 1751).
Odireito inglês acolhe (já vimos) caso de ruptura do testamento, se a pessoa solteira, ou viúva, se casa
(‘WILLIAMS, Personal Property, 16.~ ed., 489; Wills Ad, 1837, seat. XVIII). Mas o Law of Property Act, de 1925,
s. 177, trouxe importantíssima exceção: se o testamento foi feito depois de l.~ de janeiro de 1926 e em
consideração de casamento, a solenização dêste não no rompe (E. A. PHILIIPS, Probate and R7state duty practice,
5).
Segundo o “principle of dependent relative revocation”, não vale a revogação quando a intenção de revogar, ou de
modificar, depende da existência, ou de não-existência de fatos que o testador errôneamente supôs existirem ou não
existirem (Campbell versus French, 1797), ou da falsa apreciação da validade da disposição, que êle quis substituir
(Onlions versus Tyren, 1716; Stanford versus White, 1901). Isto é, são sem efeito a revogação e a modificação.
No caso de se produzir testamento com modificações, o beneficiado deve provar que foram efetuadas antes da
assinatura (Williams versus Ashton, 1860).
2.DIREITO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Na legislação do Estado de Nova lorque, que constitui
‘um tipo na multiplicidade legislativa dos Estados Unidos da América, o testador pode, livremente, modificar ou
revogar o testamento. Mas cumpre advertir no seguinte:
a)O testador não pode fazer acrescentos, nem apagar determinadas partes. Em codicilo indicará as alterações que
deseja, observadas, quanto ao codicilo, as mesimas regras jurídicas que se aplicam aos testamentos. Se o testador
risca parte das disposições testamentárias, não se atende à modifição: não é possível provar, aos olhos da lei nova-
iorquina, que foi o testador, e não outrem, que o suprimiu; se o testamento é regular, persiste em tôda a sua
inteireza.
b) A revogação pode ser voluntária ou legal: a) voliintária, por segundo testamento, ou por codicilo, desde que
nitidamente expressa a sua vontade, ou por destruição material, completa, do testamento (não tem êsse efeito a
destruição parcial) ; b) por efeito da lei, cai o testamento redigido após a celebração do casamento, se nasce algum
filho (Dcc. estate law, § 26), mas só na parte ofensiva aos direitos dêste; se o testador celibatário não previu a
eventualidade de casamento e a superveniência de filhos, revoga-se o testamento a que se seguiu matrimônio ou
nascimento de filhos legítimos.
No Estado de Connecticut, rompe-se o testamento pelo casamento subseqúente ou superveniência de filhos.
Nos Estados Unidos da América, a revogação por outro testamento, ou pela destruição do antigo, rege-se pela lei
do domicílio neste momento. Se ruptura por subseqúente casamento ou superveniência de filho, a lei do domicílio
no momento da morte. Ainda, no caso de superveniência de filho que, ipso facto, rompa, R. C. MINOR introduziu
outra solução:
a lei do domicílio do testador no momento em que surgiram as circunstâncias que provocaram a ruptura (Confliet
of Law or Private International Law, sec. 150). Seria certo, se tal lei não tivesse qualquer possibilidade de
convalescença (aqui, ex hypotkesi, a espécie é de convalescença, porque se rompeu naquele momento) : rôto foi,
rôto fica. Mas, se a tem, não: o efeito validante subordina o ato, náp de todo morto, à lei do momento da morte do
testador, inclusive no domínio do direito internacional privado. (Compare-se a opinião de R. C. MINOR com a de
F. KRETZSCHMAR, no domínio do direito inter-temporal, porém admita-se que êste autor se referia ao testamento
conjuntivo.)
3.REVOGAÇÃO TEM DE SER POR TESTAMENTO. No direito anterior ao Código Civil, podia haver
revogação por escritura pública, sem as formalidades especiais dos testamentos. Isso não foi mais possível desde o
dia 1.0 de janeiro de 1917, quando entrou em vigor o Código Civil (art. 1.806), nem o é mais, e isso por fôrça do
art. 1.746.
5.REVOGAÇÃO PARCIAL E TOTAL. Pode ocorrer que a lei A só permita a revogação total e a lei E uma e outra.
Nesse caso, a revogação parcial feita sob a lei E, revoga parcialmente o testamento que se fêz sob a lei A. Se
permissiva a lei A e não permissiva a lei B, a revogação feita ao tempo desta lei, e só parcial, só terá os efeitos que
a lei B lhe reconhecer, ex hypothesi nenhuns. Tal o direito intertemporal que pode suscitar o art. 1.747.
7.DIREITO INTERTEMPORAL SÔBRE EFICÁCIA DA REVOGAçÃo. Temos de separar em duas partes a regra
jurídica~ a) vale a revogação, ainda que seja excluído, incapaz ou renunciante o herdeiro nomeado; b) se o
testamento fôr anulado (por vício de forma ou por vício intrínseco), não vale a revogação que nele se fêz.
No direito intertemporal temos de considerar o art. 1.748 do Código Civil como dispositivo, na primeira parte, e,
pois, regido pela lei de que depende a interpretação da vontade: a lez tempzw; e imperativo na segunda parte,
portanto regido pela lei da validade intrínseca do ato, que não é a mesma para todos os casos: forma e capacidade
seguem a tez tem pus. A questão fica deslocada. A lei competente dirá da nulidade: se fôr nulo o testamento, então
se aplicará o art. 1.748, 2•a parte.
8.QUAL A LEI QUE DEVE REGER AS RASURAS, EMENDAS E ENTRELINHAS DOS TESTAMENTOS
Trata-se de pequenas alterações e não de destruição ou de laceração completa, assunto que foi versado.
Se as emendas ou rasuras não são, por si sós, testamentàriamente válidas (exemplo acréscimo autógrafo e
assinador sob a lei E, que não exija outras formalidades ao testamento particular), claro que se tem de reger pela lez
tem pus, isto é,. pela lei da forma testamentária ao tempo em que se fêz o testamento. Aliás, se ocorrer que a lei E
não nas permita, ter--se-á de verificar o tempo em que foram apostos tais dizeres extratestamentários, a fim de se
verific~r se o testador podia juntá-los. Matéria que se não encontra satisfatôriamente tratada, e II. HABICHT nem
sequer, no índice de seu livro, inclui o § 2.255 do Código Civil alemão.
9.PRESUNÇÃO DE HAVER REVOGADO. As regras jurídidas da natureza do art. 1.749 do Código Civil, sôbre
abertura de testamentos cerrados e cancelação do particular, impõem--se aos atos sob a sua vigência praticados. Se
a abertura ou. a cancelação tinha determinado efeito revogatório sob a lei A e ainda sob tal lei foi feita, não poderá
a lei nova apagar o. que vâlidamente se operou.
Se a lei A não tinha para tais atos sanções revogatórias, a lei E somente pode atingir os atos que sob o seu domínio
temporal se pratiquem. Ainda assim, quando a lei nova nada dispuser sôbre os testamentos anteriores, cumpre ao
juiz verificar qual a verdadeira vontade do testador. Evite-se, quanto possível, aplicar a lei contra a intenção do
disponente.