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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDKJÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
9_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
... dissipem e a vivencia católica se fortalega
"" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
21
SETEMBRO

1959

ERGUNTE
e

Responderemos

ANO II
ÍNDICE

pág.

I. FILOSOFÍA E RELIGIAO

1) "Quisera saber algo sobre a origem e a doutrina do


Positivismo" S55

2) "Quain as idéiax filosóficas de Pietro Ubaldi ?


Que posigáo toma a Igreja diante dessa ideología ?" 362

II. DOGMÁTICA

3) "Que fundamento tém as predigSes de catástrofe e reno-


vagáo do mundo nos imediagóes do próximo ano 2000 ?
Estarao baseadas na S. Escritura ou em alguma documenta-
gao fidedigna ?" S71

i) "Como pode Jesús declarar que ignorava a data do juíso


final (cf. Me 13,32)? Nao possuia Ble a oniciéncia divirta?" ... 371

ni. SAGRADA ESCRITURA

5) "Como crer que o 2' livro dos Macabeus faga parte das
Escrituras inspiradas, como afirmam os católicos, se o respec
tivo autor admite possa haver imperfeigóes nesse escrito (cf. 2
Mac 15,39) ?" sn

IV. MORAL

6) "Qual o valor científico da Quiromancia ?


Será lícito, a luz da consciéncia crüstá, consultar quiromantes?" 382

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

7) "Quinera informagóes sobre o Presbiterianismo" 392

CORRESPONDENCIA MIÚDA 398

•COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano II — N? 21 — Setembro.

I. FILOSOFÍA E RELIGIACr _
BIBLIOTECA COTÍ
C. A. R. F. (Rio de Janeiro) : % \

1) «Quisera saber algo sobre a origem e a


Positivismo».

O Positivismo representa urna atitude íilosófica que teve sua


fase áurea no século passado («Positivismo clássico»), impregnando
notoriamente a mentalidade contemporánea. Ainda hoje, através de
novos surtos ou «reprises», influencia o pensamento de nao poucos
intelectuais.
Em nossa resposta, consideraremos brevemente a personalidade
do fundador do sistema — Augusto Comte — e suas principáis
doutrinas, a fim de podermos proferir um juízo ponderado sobre o
assunto. -:.'

1. Esbógo biográfico e personalidade de Comte

O pai e fundador do Positivismo, sob qualquer de suas modali


dades, é Augusto Comte.
Nasceu em Montpellier (Franca) aos 19 de Janeiro de 1798, de
familia católica e monarquista. Aos 14 anos perdeu a fé e tornou-se
republicano (liberal) convicto. Dotado de inteligencia precoce, entrou
em 1814 para a Escola Politécnica; no segundo ano de estudos,
porém, foi demitido por motivo de insubordinacáo. Sem recursos
íinanceiros, conheceu o reformador socialista Saint-Simón, de quem
se tornou secretario e entusiasta colaborador durante sete anos, ao
cabo dos quais rompeu clamorosamente com o mestre (cf. «P. R.»
15/1959, qu. 3).
Em 1825 esposou civilmente Carolina Massin, pcssoa de costumes
pouco regrados. Aos 2 de abril de 1826 abriu no seu próprio aparta
mento um curso de Filosofía, que, após a quarta aula, Comte teve
de interromper, pois preocupacóes domésticas e extraordinaria tensáo
de espirito lhe acarretaram crise de ñervos. Após oito meses em
casa de saúde, Comte ainda tentou suicidar-se no rio Sena, mas aos
poucos foi melhorando, a ponto de poder recomecar seu curso em
Janeiro de 1829. No ano seguinte, fundón com alguns amigos a
«Association Polytechnique», que visava ministrar instrucáo gratuita
ao povo. A sua principal ocupagáo ficou sendo a de professor, adido
a Escola Politécnica, que em suas horas livres ia redigindo grossos
volumes de Filosofía: o «Curso de Filosofía Positiva», por exemplo,
apareceu em seis tomos, de 1830 a 1842.
Contudo dificuldades de temperamento o levaram a deixar suas
íuncoes; viu-se entáo obrigado a vivar de auxilios financeiros, que
lhe forneciam admiradores ingleses e &migos da Franca.

— 355 —
Tendo-se separado da esposa era 1842, veio a conhecer em outubro
de 1844 Clotilde de Vaux, dama que vivía separada do marido, pela
qual Comte se apaixonou, considerando a notável inteligencia; assim
como o animo delicado, sofredor e romántico dessa criatura; todavía
dois anos mais tarde, em abril de 1846, Clotilde falecia, nao sem ter
profundamente marcado a vida de Augusto Comte.
Com efeito, éste pñde falar do «angélico impulso» que lhe dera
Clotilde, acrescentando a seguinte observacáo:
«Desdé 1845 tinha eu plenamente apreciado, sob a sua influencia,
o conjunto de minhá carreira, cuja segunda parte devia transformar
a filosofía em religláo, como havia a primeira transformado a ciencia
em filosofía» (Systéme de philosophie positive IV 1854, 529s).
Comte, que até conhecer Clotilde, fóra um intelectual estritamente
orientado pelas normas do que ele julgava ser ciencia, após o
encontró com essa dama, manifestou urna personalidade muito sensivel
aos afetos humanos, dada mesmo a certa mística (embora se diga
que Clotilde nao correspondeu, no mesmo grau, ao amor de Comte,
nem compartilhou integralmente as idéias do filósofo).
Comte prestou á figura de Clotilde falecida honras quase divinas
e pós-se a conceber aos poucos nova forma de afetividade, ou seja,
a religiáo do Grande Ser ou da Humanidade, cujo Sumo Sacerdote
seria o próprio Comte!
Em 1848 fundou a sua especie de «Igreja», e em 1852 publicou a
obra intitulada «Catéchisme positiviste ou Sommaire Exposition de
la Religión universelle en onze entretiens systématiques entre une
femme et un prétre de l'humanité».
Nem todos os discípulos e amigos de Comte quiseram seguir
o pensador nesta segunda fase — afetiva e religiosa — de sua vida;
abandonado até mesmo pelo principal discípulo (Littré), Comte
observava:
«Muitas personalidades se sentiram chocadas com o advento
direto do sacerdocio positivo, que deve fazer umversalmente preva
lecer na conduta pública, e mesmo particular, regras tanto mais
inflexiveis quanto seráo sempre demonstráveis» (Systéme IV, Appen-
dice general Is).
Na base de sua nova orientagáo, Comte distinguía entre positi
vistas intelectuals e positivistas completos, isto é, religiosos. Viveu
os últimos anos de sua vida mais ou menos isolado, entregue á missáo
de pensador e arauto de nova filosofía religiosa. Consciente de ser
Sumo Sacerdote, proibia discussio e críticas em torno de si; mostra-
va-se inflexivel em seus postulados, afastando quem quisesse deseo-
nhecer o caráter sagrado de que se investirá. Lera bastante em sua
juventude e gozava de estupenda memoria, de modo que quase nao
lia, nem mesmo jomáis, nos anos de sua maturidade e velhice;^
proclamava nao conhecer senáo indiretamente os escritos de Kant,
Hegel, Vico e Herder; embora percebesse inconvenientes nesse método,
justificava-o dizendo que «a leitura prejudica muito a meditacáo, pois
altera a originalidade e homogeneidade» (Cours V, pref. pág. XXXVII).
Utilizava as noticias guardadas na memoria, elaborando mental
mente os seus llvros, com suas divisOes, subdivis3es e pormenores;
depois de haver completado a redacáo mental de alguma obra, Comte
a consignava por escrito, sem, porém, reler o texto; é o que explica
a prolixidade de seu estilo, que emprega frases sobrecarregadas de
repetic6es. O esfdroo de memoria despendido por Comte terá ocasio
nado os íreqüentes esgotamentos intelectuais a que nosso filósofo
estava sujeito.

— 356 —
No testamento dispós que seu apartamento (Rué Monsieur-Le-
-Prince) se tornaría sede da nova religiáo. Finalmente faleceu aos 5
de setembro de 1857. junto á poltrona de Clotilde. A antiga residencia
transformou-se de fato no primeiro templo da Humanidade, em que
passaram a se reunir os ¡mediatos discípulos do filósofo.
A personalidade de Comte é caracterizada por natáveis dotes
de inteligencia, assim como por acentuada tendencia mística, á qual
se associam os traeos de um temperamento nervoso ou, como dizem
os biógrafos do filósofo em geral, psicopático. Alguns historiadores,
inspirando-se em dizeres de Littré, explicam a evolugáo do pensamento
de Comte em fungáo do seu estado neurótico: o mestre terá sofrido
as conseqüéncias do excesso de trabalho intelectual e da sua afetividade
muito sensível para com Clotilde.
«Nos últimos anos de sua vida, Comte tornou-se presa de urna
especie de manía produzida nao só pelo trabalho intelectual, mas
também pelas dolorosas vicissitudes da vida; e em sua mente contur
bada o sistema do positivismo se transformou numa relígiáo, com
seus mártires, seus santos, seu calendario» <G. del Vecchio, Lezioni
di Filosofía del Diritto. 1932, 133).
Os fiéis discípulos de Comte julgam que a tendencia neurótica
do mestre nao era empecilho para que se tornasse porta-voz da
verdade: todo genio, dizem, é anormal. Reconhecem em Comte ■ a
consciéncia de u'a missáo a cumprir, assim como extraordinaria
confianca em si mesmo, confianga que caracteriza e anima todos os
reformadores. — Interpretagáo demasiado benigna, á qual deveráo
abaixo ser íeitas algumas observagSes.
Para se poder avaliar mais exatamente a figura do filósofo,
torna-se mister esbogar as linhas-mestras de seu pensamento.

2. As principáis teses do Positivismo

Augusto Comte é o iniciador de urna atitude de espirito aínda


hoje assaz difundida (o espirito positivo ou positivista) mais do
que o chefe de urna escola de Filosofía sistemática. No fim do sáculo
passado, Lévy-Bruhl podia dizer que «o espirito positivo estava táo
Intimamente mesclado ao pensamento da época que ninguém o notava
mais, como ninguém nota o ar que respira» (Le centenaire d'Auguste
Comte, em «Revue des Deux-Mondes», 15 janv. 1898, 398).
Quais seriam, pois, as grandes características da mentalidade
positivista ?

, 1. O principio básico do pensamento de Comte é a re


nuncia a toda Metafísica, ou seja, a todo conhedmento que
nao possa ser ¡mediatamente controlado pelos sentidos.

«A filosofía positiva se distingue principalmente da antiga filo


sofía teológica ou metafísica por sua constante tendencia a remover
como necessáriamente vá toda procura de causas própriamente ditas,
sejam prlmeiras, sejam fináis; ela se limita a estudar as relacóes
imutáveis que constituem as leis... Na verdade, nao somos capazes
de conhecer senáo os fatos perceptiveis pelos nossos sentidos; jamáis
podemos obter alguma nogáo sobre a natureza intima de um ser
qualquer nem sdbre o modo essencial como se produza algum fenó
meno» (Cours de philosophie positive VI 701).

— 357 —
Por conseguinte, o positivismo só admite como objeto de
ciencia os fenómenos e suas leis. As causas e as substancias
(ou entidades) situadas por detrás dos fenómenos parecem-lhe
pertencer a regiáo inacessivel ao conhecimento. Existem cau
sas que motivem determinado fenómeno ? O positivista nao
se ocupa com isto ; nao afirma nem nega coisa alguma a
respeito.
Neste quadro de idéias, portante, positivo vem a ser sinó
nimo de real e útil, certo e preciso, em oposicáo as especula-
Cóes da filosofía anterior, que admitía a existencia do trans
cendente ou de urna realidade invisivel.
Tal atitude de espirito é, segundo Comte, o produto de
lenta evolugáo por que passou o género humano, lenta evolu-
cáo expressa pela «lei dos tres estados». Com efeito, ensinava
o filósofo, a humanidade atravessou primeiramente o estado
teológico ou ficticio, em que o homem tendia a explicar o
mundo pelo recurso a seres sobrenaturais, principalmente a
Deus, negligenciando a invariabilidade das leis naturais. Suce-
deu-se nos séculos XVII/XVTII d. C. o estado metafísico ou
abstrato, em que nao tanto Deus, mas alguns termos abstra-
tos, como principio vital, alma, éter, entravam na especulacáo
filosófica. Emancipando-se déstes produtos da imaginagáo, a
humanidade teria iniciado em 1842 o estado positivo ou cien
tífico, sob a hégide de Augusto Comte, que só levava em conta
a observagáo empírica.

Na base déstes principios, o pensador Irancés estabelecia a


hierarquia das ciencias, dispostas a partir das mais simples e gerais
até as mais complexas e precisas; 1) Matemática, 2) Astronomía,
3) Física, 4) Química, 5) Biología, 6) Sociología ou Física social.
A Moral seria ou um ramo da Sociología ou talvez a sétima ciencia.
O método a ser aplicado a todas as pesquisas científicas seria o da
Matemática, que mede ou determina grandezas desconhecidas por
meio de grandezas conhecidas; o que quer dizer que a verdade no
positivismo é sempre considerada como algo que pertence ao plano
da quantidade e do número, da figura e do movimento. — A ciencia
para a qual tendem todas as demaís é a Sociología, pois o Ser Supremo
para Comte é a coletivídade humana ou a Grande Humanidade:
«Tanto do ponto de vista estático, como do ponto de vista dinámico,
o homem própriamente dito (isto é, o individuo humano) nao é, em
última análise, senáo pura abstracáo: só existe, como entidade real,
a Humanidade, principalmente no plano intelectual e moral» (Cours
VI 692).

Tal é a estrutura geral do pensamento positivista. Importa


considerar de mais perto como repercute no setor da Religiáo.
2. Interessando-se apenas pelas leis que regem os fenó
menos, sem se preocupar com causas invisíveis, Comte pre-
tendia ignorar o problema de Deus ; nao negava a existencia

— 358 —
do Criador, como o ateu, mas também estava longe de a
afirmar ; professava simplesmente o agnosticismo a respeito.
Para a ciencia positivista, seria táo absurdo querer provar
a náo-existéncia de Deus quanto absurdo seria procurar pro
var a sua existencia, pois em ambos os casos o pensador
estaría cedendo á tendencia metafísica, ou seja, de certo modo
dando atengáo ao que transcende a observagáo dos sentidos.
No positivismo, portante, a questáo da existencia de Deus
carece de sentido ; assemelha-se a urna pergunta que os velhos
budistas tinham clássicamente na canta de vá, a saber: será
possível definir se o pelo da tartaruga é longo ou curto? (per
gunta vá, porque erradamente supóe que a tartaruga tenha
pelo). Em conseqüéncia, escrevia Comte :

«Ninguém jamáis demonstrou pela lógica a náo-existéncia de


Apolo, de Minerva, etc., nem a das fadas orientáis, nem a das diversas
criacóes dos poetas. Isto, porém, nao impediu o espirito humano de
abandonar inevitávelmente os dogmas antigos, quando éles deixaram
de convir as circunstancias da vida humana» (Discours sur l'esprit
positif 52).
«A medida que nossa atividade mental encontra melhor alimento,
essas questóes inacessiveis sao gradualmente abandonadas e final
mente consideradas vazias de sentido para nos» (Cours VI 701s).

Assim Comte, sem negar a existencia de Deus, pretendeu


ir mais longe que o ateísmo ; julgando que éste aínda nao está
garantido contra futuros assaltos da crenga em Deus, Comte
urna vez por todas encastelou-se no agnosticismo, recusando
qualquer argumentacáo a respeito de Deus. Eis um dos textos
mais significativos do filósofo :

«Mesmo do ponto de vista intelectual, o ateísmo nao constituí


senáo urna emanclpacáo insuficiente, pois tende a prolongar indefi
nidamente o estado metafisico; procura, sim, incessantemente novas
solucdes para problemas teóricos em vez de afastar, como sendo
radicalmente vas, todas as pesquisas em torno dos mesmos. O verda-
deiro espirito positivo consiste principalmente em substituir sempre
o estudo das leis invariáveis dos fenómenos as leis das causas própria-
mente ditas, sejam causas primeiras, sejam causas fináis; em urna
palavra, consiste em substituir a determinacáo do como á determina-
gao do porque. O espirito positivo, por conseguinte, é incompativel
com os sonhos soberbos de um ateísmo tenebroso referentes á
formacáo do universo, á origem dos animáis, etc. Enquanto os homens
insistirem em resolver as questóes que concernem os nossos primor
dios, nao teráo justificativa para rejeitar as categorias simplórias da
imaginacao, únicas categorias, alias, que se podem aplicar a tais
questóes... Os ateus renitentes, por conseguinte, podem ser consi
derados como os mais incoerentes dos teólogos, pois se aplicam as
mesmas questóes que os teólogos, apenas rejeitando o único método
adequado a tais questñes» (Systéme de politique positive I 66).
Nesta passagem, Comte entende por «imaginacáo» a Metafísica
e a Teología. Nao querendo reconhecer a legitimidade destas disci-

— 359 —
plinas, o filósofo se vé obrlgado a renunciar ao estudo das origens
do mundo e do homem, pois tem consciéncia de que, se quisesse
entrar em tais assuntos, haveria que recorrer a Deus. Justamente
a fim de nao apelar para Éste, ele tem que fechar os olhos ás
questSes básicas de toda a íilosofia: donde vimos? E para onde
vamos? — Destarte Comte com razSo julga ser mais lógico do
que o ateu, pois éste, embora negué a Deus, insiste em explicar
a origem e o sentido do homem apelando únicamente para os predi
cados da materia.

3. Embora tenha sido mais coerente com seus principios


do que os ateus, Comte nao evitou toda incoeréncia... Movido
pela inelutável consciéncia do misterioso e do transcendente,
nao se pode furtar a fundar urna religiáo — religiáo, porém,
sem Deus. Pretendía cultuar a Humanidade ou o Grande Ser,
que se compóe nao sómente das geracóes presentes, mas tam-
bém das passadas e futuras, pois «os mortos governam os
vivos», conforme o positivismo. A doutrina moral dessa ideo-
logia se resume na fórmula : «O amor como principio. A
ordem como base. O progresso como finalidade» ; ou, mais
brevemente : «Viver para outrem».
O culto prestado á Humanidade nao tem que ver com
adoracáo religiosa : o positivista serve ao Grande Ser e o
aperfeigoa na medida em que aperfeigoa seus próprios afetos.
Comte nao negligenciou o ritual da nova religiáo : des-
creveu os futuros templos positivistas, construidos nos bos
ques e cercados de túmulos de mortos eminentes; estipulou
o respectivo calendario, com seus treze meses, cada qual dedi
cado a um vulto eminente da historia: Hornero, Aristóteles,
Arquimedes, César, Moisés, Sao Paulo... ; cada mes com-
preenderia 28 dias, dos quais cada um teria seu padroeiro.
Clotilde de Vaux seria «a sacerdotiza da Humanidade» ou
«a Medianeira entre o Grande Ser e seu Sumo Sacerdote
(Comte)».

O filósofo previa que o mundo inteiro se passaria á nova religiáo


antes do fim do sáculo XIX: sete anos bastariam para a conversáo
dos monoteístas, treze para a dos politeístas e treze para a dos
fetichistas. As tres racas, branca, amarela e negra, representando
respectivamente a inteligencia, a agáo e o sentimento, e contribuindo
para integrar o Grande Ser, colocar-se-iam assim sob o estandarte
positivista!
Após a revolugáo francesa de 1848, o fundador do positivismo
julgou chegada a hora de realizar seu programa de regeneracáo:
para isto pretendía aproveitar-se de elementos do Cristianismo, entre
os quais os jesuítas, que Comte chamava «inacianos», para evitar
qualquer reminiscencia ambigua. Chegou a enviar u'a mensagem ao
Pe. Becks, Geral da Companhia de Jesús...

— 360 —
3. Apreciagao final

1. O Positivismo, recusando o estudo das causas, implica


em atrofia da Filosofía e da cultura humana em geral. Gra
tuitamente nega a razáo a capacidade de apreender causas
invisíveis : a Lógica espontáneamente ensina que todo efeito
tem urna causa real, causa que a inteligencia tende por si a
sondar. Ora julgar que esta tendencia é vá ou frustrada equi
vale a asseverar que o homem é vítima das contradigóes da
própria natureza;... equivale a crer que a origem do mundo
se deve a um misterio absurdo e cruel. Admitir isto, porém,
é mais difícil á inteligencia do que afirmar a existencia de
causas invisíveis, principalmente da Suprema Causa, que com
especial evidencia se impóe á razáo humana (cf. «P.R.»
6/1957, qu. 1).
Fechando-se em sua posigáo, o positivista é obrigado,
como observávamos atrás, a recalcar as questóes mais es
pontáneas da filosofía, isto é, as que dizem respeito as origens
e aos fins do universo e do homem, questóes imprescindíveis
para se definir o comportamento do individuo nesta vida.
Note-se, porém, que,/cometendo tal erro, ■ o positivismo
é coerente com seus principios. «A grande revolugáo ocidental»
de que Comte foi o arauto, nao caiu na armadilha do ateísmo.
Ultrapassou-a, afirmando um único principio absoluto : «Tudo
é relativo». Éste principio remove todos os problemas e explica
como é que éles outrora puderam surgir (os homens pro-
curavam entáo um Absoluto...). A consciéncia do ateu que
ainda considera as questóes das origens e dos fins, vive, se
gundo Comte, sobressaltada por nao ter trancado todas as
portas para a volta de Deus. Na escola positivista, porém,
(acrescentaria o filósofo francés) o género humano atinge a
idáde adulta, desvencilhando-se de qualquer crenga no Invi-
sivel e no Absoluto. Destarte fica definitivamente eliminada
a Teología ; a idéia de Deus é removida sem que lhe reste
margem para voltar. Comte se comprazia em repetir a ex-
pressáo : «o irrevogável desmoronamento do reino de Deus»
(Systéme de politique positiviste IV 531).

Lévy-Bruhl parafraseava o pensamento positivista nos seguintes


termos :
«Sar ateu ainda é urna modalidade de ser teólogo. É, portanto,
pouco exato dizer que Comte nao quis deixar questóes abertas. Ao
contrario, todas as questSes teológicas e metafísicas, conforme ele,
ficaráo eternamente abertas. Sómente acontecerá que ninguém mais
as abordará» (Le centenaire d'Auguste Comte, em «Revue des Deux-
-Mondes» 15 janv. 1898, 404).

— 361 —
O caráter artificial e insustentável da posigáo de Comte
se manifesta bem na restauragáo da Religiáo, que éste pen
sador promoveu, depois de haver rejeitado o culto de Deus;
consolava-se ilusoriamente, julgando ter conseguido urna reli
giáo sem Deus. Cf. «P. R.» 15/1959, qu. 3.
2. A Moral positivista pode-se fazer a seguinte observa-
gáo, a qual, de resto, se aplica a todo tipo de Ética mera
mente leiga.
O Positivismo apregoa deveres e direitos, renuncia ao
egoísmo, vida altruista... O sentido, porém, destas pala-
vras, dentro da ideología positivista, torna-se forgosahiente
mais ou menos vazio. Com efeito, sem Deus, sem um Ser Pes-
soal regulador da conduta humana, poderá haver, sim, neces-
sidades para o individuo: a necessidade biológica de regrar
os instintos, a necessidade social de viver para outrem, a de
coibir os interésses pessoais em vista dos interésses comuns, etc.
Seráo, porém, necessidades físicas, nao obrigac.6es moráis; se
nao existe Deus, Ser Pessoal, Alfa e Omega das criaturas,
quem poderá eficazmente mover o homem a fazer violencia
á natureza e a sacrificar-se em favor do próximo ? Outro
homem terá autoridade para tanto ? A obrigagáo de coibir
os próprios apetites torna-se vá.

Toda Moral sem Deus vem a ser utópica, pois carece de funda
mento estável; as suas pretensas leis ficaráo sempre sujeitas ao
capricho do individuo, que tenderá a aprová-las ou condená-las de
acordó com as conveniencias do momento. Só observa a Moral sem
Deus o cldadáo que inconscientemente conserva reminiscencias de
tradicSes cristas. Por isto J. - P. Sartre, o principe do existencialismo
francés, podía dizer que deduzia as últimas conseqüéncias do agnos
ticismo religioso, quando na sua pega «Le Diable et le Bon Dieu»
apresentava Goetz a agregar-se a um bando de assassinos, com a
seguinte exclamado nos labios:
«Voilá le régne de l'homme qui commence. Beau debut! Allons,
Nasty, je serai bourreau et boucher. — Eis que comeca o reinado
do homem. Belo inicio! Vamos, Nasty; serei carrasco e acougueiro!».
A posicáo de Sartre é mais lógica do que a dos filósofos que
proíessam ignorar a Deus, mas ainda querem impor aos seus ouvintes
um código de Moral. As expressóes fortes do existencialista tém ao
menos a vantagem de chamar a atencao do observador moderno para'
as-conseqüéncias da mentalidade leiga ou positivista que, independen-
temente dos templos e do culto da Humanidade, se implantou em
nosso mundo contemporáneo.

CASTOR (Sao Paulo) :

2) «Quais as idéias filosóficas de Pietro Ubaldi ?


Que posigáo toma a Igreja diante dessa ideología?» -

Para conhecermos devidamente as idéias, impóe-se, antes


do mais, urna noticia a respeito da personalidade de Pietro

— 362 —
Ubaldi. Pelo que, em nossa resposta distinguiremos duas etapas,
as quais se seguirá uma reflexáo sobre os assuntos abordados.

1. A personalidade de Pietro Ubaldi

Pietro Ubaldi apresenta-se ao mundo cómo a reencarnagáo de


Sao Pedro Apostólo. A historia do seu atual currículo na térra
é a seguinte:

Pietro nasceu em Foligno (Italia) no ano de 1886. Estudou


Direito em Roma, formando-se aos 24 anos de idade; após o que,
dedicou-se ao magisterio, regendo a cátedra de' inglés no Liceu de
Módica (provincia de Ragusa, Sicilia). Costumava retirar-se para
uma colina rochosa nos arredores da cidade, a iim de orar; na
solidáo, comecou um dia a ouvir a sua 4.Voz», isto é, um guia
espiritual que desde entáo, por via de mediunidade, «ultrafania»,
Ihe vem revelando verdades sublimes e desconhecidas ao comum
dos homens...

Em 1931 fez voto de pobreza, a Iim de imitar Sao Francisco de


Assis; na manhá seguinte a éste ato, ao abandonar a sua fazenda
acompanhado de seu cao predileto, na estrada deserta teve a visáo
de Cristo e de S. Francisco, que o estimulavam em sua vida nova.
Nesse mesmtf ano de 1931 Ubaldi enviou u'a mensagem a Mussolini,
predizendo-lhe a próxima guerra mundial e admoestando-o a que
déla nao participasse; infelizmente, porém, nao íoi atendido.
Em julho de 1951 transíeriu-se para o Brasil, nacáo pela qual
sempre nutriu grande simpatía, julgando-a destinada a futuro muito
próspero. Fixou residencia em Sao Vicente (Est. de S&o Paulo),
onde procura a solidáo necessária as suas reflexoes filosófico-religio-
sas; nao faz conferencias para as massas, mas dedica-se á formacáo
das élites e dos dirigentes.
Ubaldi é autor de doze livros, dos quais o principal se intitula «A
Grande Sintese> (1935). Tem procurado comunicar ao mundo novas
comcepcSes sobre o homem e a historia, utilizando nocSes de física,
química, matemática, filosofía e religiáo. Dada a amplidáo e o
aparato científico de suas afirmacfies, Ubaldi tem chamado a atencáo
dos nossos contemporáneos, impressionados nSo sómente pelas visOes
do Além (Ubaldi assevera já ter visto quatro vézes Nosso Senhor
Jesús Cristo nesta encarnacáo), mas também pelo porte magro,
tranquilo e serio (em suma, aparentemente profético) do pensador
italiano.

Em agosto de 1951 Ubaldi foi recebido pelo Legislativo Estadual


de Sao Paulo, cujo Presidente o apresentou como «um dos maiores
pensadores contemporáneos». O deputado Cid Franco saudou-o com
as seguintes expressóes:

«...Esta própria Assembléia me parece pequeña demais para


a grandeza de Pietro Ubaldi... Pietro Ubaldi constituí a visáo da
humanidáde futura... Qualquer Assembléia Legislativa, déste ou de
outros países, é pequeña demais para a grandeza déste homem...
Ubaldi é grande demais, para que eu o saúde, e grande demais para
que esta Assembléia o homenageie» (Diario Oficial do Estado, 2
de agosto de 1951).
Pergunta-se agora: como se delineia o pensamento de táo
apregoado autor?

— 363 —
2. A úntese doutrinária de Ubaldi

Quem quisesse caracterizar em poucas palavras o pensamento


de Ubaldi, classificá-lo-ia como sendo u'a modalidade de panteísmo
ou monismo fecundada por «mensagem do Além». Na realidade, «Sao
Pedro reencarnado» colhe de varias correntes filosóficas e religiosas os
íios condutores de sua doutrina. Analisemo-los sucessivamente :

1) O primeiro trago da mensagem ubaldista é a afir-


magáo de que veio acender urna luz nova no mundo ou veio
trazer a revelacáo de verdades até agora desconhecidas, ver
dades correspondentes á idade adulta ou madura do género
humano. Promete resolver problemas milenares e explicar
racionalmente todos os misterios que até hoje ocuparam os
homens no campo da Filosofía e da Religiáo («A Grande
Síntese» 27.34).

«Encontrei a chave de todos os problemas do Universo», assevera


o filósofo (Gr. Sínt. 15).

Dentro desta perspectiva, está claro que o Cristianismo


toma valor meramente relativo ; é apenas a mais completa
das revelagóes e religióes até hoje professadas ; destina-se
contudo a ceder á sabedoria de cúpola, que é a de Ubaldi ins
pirado por seu «espirito guia» (Sao Pedro?).

«Revelo-vos os liames que unem os fenómenos aparentemente


mais disparatados. Meu sistema... toma a ciencia como base,
completa-a... e lhe dá dignidade de filosofía e de religiáo» (Gr.
Sínt. 73).

O filósofo admite que nem todos os homens aceitem seus


ensinamentos, pois nem todos estáo suficientemente maduros
para tanto. Nao obstante, conserva a eonsciéncia de estar
prestando grande servigo á humanidade :

«Minha obra está terminada. Se daqui a anos e anos urna


humanidade diversa, muito maior e melhor, volvendo o olhar para,
o passado, procurar esta sementé, Janeada com demasiada antecipacao
para que possa ser de pronto fecundada e compreendida, se se admirar
de como tenha sido possivel que ela se antecipasse assim aos tempos,
tenha um pensamento de gratidáo para com o ser humano que,
sózinho, levou a termo éste trabalho, através do seu amor e do seu
martirio» (conclusáo de «A Grande Síntese», pág. 420).

Assim misteriosamente inspirado, como é que Ubaldi con


cebe o mundo e os homens ?
2) A tese básica do seu sistema professa que o universo
inteiro constituí urna única substancia, substancia divina (!),

— 364 —
posta em evolugáo e tendente a atingir a plena consciéncia de
si ou a perfeigáo em cada um dos seres parciais que a cons-
tituem: assim como existe urna consciéncia individual em
expansáo, diz Ubaldi, assim também existe urna consciéncia
universa], que o filósofo identifica com Deus.

Mais particularmente a respeito de Deus, escreve ele:


«Deus é a grande alma que está no centro do Universo; nao
cen*xo espacial, mas centro de irradiagáo e de atracáo. Désse centro
• ele irradia e atrai, sendo tudo: o principio e suas manifestagSes. Eis
como Ele pode ser, embora inconcebível para vos, realmente omnipre
sente» (Gr. Sint. 42). «Eis o novo monismo, que sucede ao politeísmo
e ao monoteísmo das épocas passadas» (Gr. Sint. 45).
Destas confusas aíirmacóes, depreende-se ao menos que Deus
é tudo. Eis a íormulagao típica do panteísmo, que Ubaldi professa,
reconhecendo conseqüentemente que tudo é Deus ou centelha divina.
Posto tal principio, o filósofo descreve a evolucao da única
substancia, isto é, propóe a maneira como esta passa de u'a modali-
dade para outra, desde o estado mais sutil ao mais denso. Em síntese,
é esta a sua concepgáo: tres sao os estados da substancia cósmica
— o do espirito, o da energía e o da materia. Ora o espirito ou
pensamento (também chamado «Lei» e «Deus») condensa-se, mate-
rializa-se, dando o que se denomina «energia» (= movimento). Esta,
por sua vez, condensa-se ou materializa-se, produzindo a materia
própriamente dita ou o mundo sensível. Éste movimento «descéntrico»
ou de expansáo é seguido do inverso ou de um processo «concéntrico»,
que fecha o ciclo. A primelra onda deu origen! ao mundo atual, com
seus sistemas planetarios e tudo que vemos sobre a térra (tal seria
a «criagaos. do mundo); a segunda onda, a de retorno, é aquela em
que vivemos atualmente; «diz respeito... á conquista de urna cons
ciéncia sempre mais ampia até a visáo do Absoluto, É a lase do
retorno da materia, que, através da agáo, da luta, da dor, reencontra
o espirito e volta para a idéia pura» (Gr. Sint. 44).
Detendo sua atengáo sobre a materia. Ubaldi tenta descrever a
transigió de um elemento para outro dentro da tabela de Bohr
(hidrogénio, helio, litio, berilio, etc.), baseando-se, para isto, em
conceitos filosóficos e em fórmulas matemáticas, que dáo aspecto
pomposo á sua explanagáo; esta, alias, se ergue sobre o pressuposto
de que «toda a materia, ainda a que é denominada bruta e inerte, é
viva e senté... obedece, se atingida por um comando profundo»
(Gr. Sínt. 60).
As especulagóes que Ubaldi desenvolve neste terreno, como o
seu pensamento em geral, nao primam pela clareza; conceitos impre
cisos e proposigoes confusas tecem a exposigao. Como quer que
seja, Pietro se ufana de haver previsto em 1932 a' libertagáo do átomo
e de ter formulado, dezoito anos antes de Einstein, a «teoria genera
lizada da gravitagáo e a teoria do campo unificado»; só tem tido
contato com dentistas como Einstein, Bozzano, Fermi, e com as
matares autoridades internacionais (economistas, estadistas, biólogos,
filósofos, etc.).

3) No cenário do universo descrito, o homem aparece


como um ser que se encarna e desencarna sucessivamente até
atingir a sua perfeicáo ; o processo faz-se lentamente e passa

— 365 —
por varios planetas (pois há, sim, muitos mundos habitados,
conforme Ubaldi!). Distinguem-se, por conseguinte, individuos
involuídos e outros evoluídos; uns mais, outros menos evoluí
dos ... Ora o estado dos menos evoluídos constituí o que se
chama «inferno», estado marcado pela dor, isto é, pelas con-
seqüéncias dos erros e da bestialidade de tais homens ; do
seu lado, os mais evoluídos dáo origem ao «paraíso», situagáo
feliz por causa da virtude que nela impera. «Céu» e «inferno»
seriam,- por conseguinte, meros estados dos homens existentes
nesta térra ou nos outros planetas, em demanda de sua plena
purificagáo.
4) A evolucáo do mundo atingirá um de seus grandes
marcos no ano 2000 : os próximos decenios seráo caracteri
zados por lutas apocalípticas, que poráo fim á civilizacáo atual,
tida como materialista, e ocasionaráo o surto de nova ordem
de coisas, de caráter «espiritualista» ; os povos se destruiráo
uns aos outros por meio de guerras ; enquanto o hemisferio
norte fór sendo mais e mais devastado, o Brasil conservar-se-á
em paz, destinado a ser o coragáo do novo mundo no sé-
culo XXI, mundo de paz e felicidade arquitetado sobre o amor
que se irradia do Evangelho ; o terceiro milenio corresponderá,
sim, ao terceiro día após a morte do Senhor, ou seja, ao día
da ressurreicáo e da renovacáo.
Os quatro tópicos ácima referidos condensam o pensa-
mento de Ubaldi de maneira a possibilitar urna apreciacáo
do mesmo.

3. Unía reflexáo

A exposicáo objetiva das teses de Ubaldi é talvez a mais eíicaz


refutacáo das mesmas; mostra a inconsistencia de afirmac.5es ñas
quais a fantasia teve partes muito mais ampias do que o raciocinio.
Formulemos, porém. algumas consideracñes particulares a res-
peito do quadro de idéias proposto.

1) A doutrina de Ubaldi pode atrair alguns de seus


observadores, dado o aparato com que se apresenta. É apre-
goada, sim, como a síntese mais moderna dos conhecimentos
que o homem possa adquirir; o pensador italiano coordena
em seus livros meditacóes filosóficas, cálculos matemáticos,
gráficos, etc., de sorte que o leitor tem a impressáo de estar
diante de urna fortaleza de pensamento táo alicergado que
parece inexpugnável. Para corroborar esta impressáo, Ubaldi
pretende dar as suas proposicóes autoridade transcendente,'
asseverando té-las recebido de urna «Voz» genial do Além.
Sabe também bajular a vaidade inata em todo homem, afir-

— 366 —
mando que ele possui a sabedoria absoluta, da qual cada urna
das escolas até hoje existentes só hauriu urna parcela peque-
nina. Ubaldi proclama a libertagáo frente a todos os dogmas
religiosos; e isto, nao em nome da impiedade, mas em nome
de urna adesáo mais íntima a Deus e ao Evangelho.
Tal posigáo _é extremamente sedutora para a vaidade
humana r quem adere a Ubaldi nao estará dando provas de
ser um individuo maduro ? E quem rejeita Ubaldi nao mos
trará ser urna crianga grande ? — Além disto, é posigáo muito
cómoda: remove qualquer autoridade religiosa objetiva para
fazer de Deus urna entidade ou urna fórmula que o homem
concebe como lhe apraz, adaptando-a consciente ou inconscien
temente ás suas conveniencias pessoais ; um tal Deus nao
molesta nem coibe o homem.
Na verdade, porém, quem submete a sereno exame da
razáo as teses que Ubaldi propóe em nome de sua sabedoria
superior, verifica que estáo longe de corresponder á filosofía
mais rudimentar ; envolvem contradigóes, como se verá abaixo.
Em particular a respeito da posigáo de Ubaldi frente á
Religiáo, notar-se-á : é a spberba que leva o homem moderno
a crer que ele é a sua própria autoridade religiosa e que ele,
seguindo o seu bom senso subjetivo, pode ditar a si as normas
que o encaminhem para Deus. O homem do séc. XX nao é
menos criatura, menos finito do que o homem do séc. I da
era crista. Mesmo manejando a bomba atómica e penetrando
os espagos cósmicos, a inteligencia humana se vé levada a
afirmar que a única atitude inteligente é a do homem de fé,
pois tudo que é material, é finito e limitado, ao passo que o
homem tem a sede inata do Infinito, daquele Infinito que só
a fé atinge. A grandeza do homem está em servir a Deus,
ao único Deus, que é pessoal e distinto do mundo.

A respeito dos dogmas religiosos e de suas relacSes com a razáo,


cf. «P. R.» 8/1958, qu. 2.

Quanto ás credenciais de Ubaldi para falar em nome de


urna sabedoria superior — a sua «Voz» e as suas revelagóes —,
sao algo de táo mal fundado que nao merecem deter a aten-
gáo do estudioso; o profeta teria primeiramente que provar
possuir relagóes misteriosas com o Além ; ora eis que ele
afirma explícitamente á respeito de sua identidade com o
Apostólo Sao Pedro :

«Quando nao se pode provar, nao se deve afirmar. Por isso nao
afirmo categóricamente. É questáo de íóro íntimo, pessoal. E é um
problema vasto que nao pode ser resumido numa frase. Mas com

— 367 —
o tempo vou esclarecer éste assunto, e em condigóes de prová-lo»
(declaracao publicada pela revista «A Noite Ilustrada» de 29/9/1953,
pág. 30).
Estas palavras de Ubaldi dispensam de qualquer ulterior demora
sobre a questáo; colocam-nos íora dos setores da filosofía e da ciencia.

2) O panteísmo ou monismo, tese central de Ubaldi, já


foi refutado em «P.R.» 7/1957, qu. 1. Resumindo o que ai
foi dito, lembraremos que o panteísmo admite um Absoluto
ou Eterno ou Infinito posto em evolucáo ou em «devenir»
(= tornar-se) continuo. Ora um «devenir» ou tornar-se abso
luto implica contradicáo; com efeito, «tornar-se» significa
lacuna em demanda de plenitude, ao passo que o Absoluto diz
plenitude de perfeicáo ; em última análise, a noeáo de um
«tornar-se absoluto» identifica ser e náo-ser, burlando o prin
cipio mais obvio da razáo humana! Daí o repudio da sá filo
sofía frente ao monismo e ao panteísmo.

Merece atencáo a maneira como um autor moderno, H. de Lubac,


caracteriza a psicología do homem panteísta ou monista :
«Alguma coisa em nos se recusa a adorar. Alguma coisa em
nos procura de todos os modos remover o único verdadeiro Dsus...
Nao queremos ser chamados, chamados par nosso nome pessoal. Nao
queremos ser anticipados (nSo queremos que outro tome alguma
iniciativa antes de nos), nao queremos ser amados. Nao queremos
arriscar-nos a ser levados para onde nao sabemos e para onde náó
desejamos» (La rencontre du bouddhisme et de l'Occident. París
1952, 281s).
Estas linhas sao de grande iinura psicológica. Em última análise,
parece ser o fato de nao querermos ser amados antes de amarmos
que leva nao poucos a evitar o concertó de um Deus pessoal, Criador
e Redentor dos homens,... de um Deus que é Amor e que primeiro
nos amou e ao qual temos que responder com nosso amor. O panteís
mo, identificando Deus com o homem e com o universo, permite ao
homem distribuir livremente o seu amor, sem ter que reconhecer
que o individuo, ao amar, apenas responde a um Amor maior e anterior.
A soberba do homem moderno encontra no panteísmo aexpansáo
que ela nao encontra no monoteísmo cristáo; dai a tentacáo e sedugáo
do panteísmo.

O monismo de Ubaldi implica outrossim identificaeáo de


espirito e materia, admitindo que aquéle se transforme nesta
e vice-versa. Ora a necessária distingáo entre um e outro dés-
tes termos já foi demonstrada em «P.R.» 5/1958, qu. 1 e 2
(energía e pensamento) ; 15/1959, qu. 1 (os cerebros arti
ficiáis).

Sumariamente, a distincao se baseia no principio de que o modo


de agir ou a atividade de um ente decorre do modo de ser ou da :
riatureza do mesmo e lhe é proporcionado; principio claro, pois
que a atividade nao é senáo o efeito e a expressáo da natureza intima
do respectivo sujeito. Donde se segué que pela índole das atividades

— 368 —
de um sujeito se pode reconhecer a esséncia ou a natureza do mesmo.
— Pois bem; a alma humana, mediante sua inteligencia, produz ativi-
dade que transcende a materia; ela é, sim, capaz de conceber objetos
emancipados de notas concretas, materiais (tais como a idéia do
Dever, da Justiga, da Igualdade, da Divergencia, etc.); sem dúvida,
tais concepgóes supoem urna atividade que nao seja material, mas
transcenda a materia. Esta atividade, por sua vez, supóe um principio
de agáo que seja independente da materia no seu modo de existir,
isto é, supSe que'a inteligencia e, por conseguinte, a alma humana
sejam realidades nao materiais, ou realidades espirituais. — Donde
se vé que é válida e necessária a distincáo entre materia e espirito.

3) A reencarnagáo, professada pelo novo «Sao Pedro»,


também foi estudada e recusada como crenga errónea em
«P.R.» 3/1957, qu. 8. — Para nao repetir o que já dissemos
sobre o assunto, limitamo-nos a citar aqui urna reflexáo de
bom senso ou de sabedoria popular, formulada pelo repórter
de «A Noite Ilustrada» (1. cit.), ao consignar as declaragóes
de Ubaldi:

«Ubaldi promete provar posteriormente que Pietro é Pedro.


Resta-nos esperar. Talvez, quando se conseguir provar que Pietro
Ubaldi é Simáo Pedro (Sao Pedro), também se prove aquilo que
afirmam alguns espiritas, isto é, que o presidente Vargas é D. Joao VI,
Adhemar de Barros é Pedro- I, Jánio Quadros é Lincoln, Aldeonoíf
Póvoas é Herodes, Jeová é'Joáo Batista, Fulano é Sicrano e Sicrano
é Beltrano.
A julgar pela historia de Jeová, que já foi Elias, David, Sócrates,
Joáo Batista e nao sei mais o que, nos todos nao passamos de espiritos
já vividos, e hoje em dia nao se fabrica mais espirito novo.
É ou nao é falta de espirito?»

Quanto ao inferno, está claro^gue um reencarnacionista


o nega, para garantir de todo modo a salvagáo do homem.
Acontece, porém, que, mesmo sem aderir ao reencarnacio-
nismo, muitos recusam crer no inferno ; contudo recusam
únicamente porque nunca tiveram conhecimento exato do que
ele é ; ao contrario, só concebem o inferno através de des-
crigóes fantasistas ou infantis.

A nocáo adequada de inferno já foi proposta em «P. R.» 3/1957,


qu. 5. Resumindo, lembraremos o seguinte: o inferno nao há de
ser entendido como castigo que um Deus cruel tenha concebido mais
ou menos arbitrariamente para atormentar o homem; o inferno é,
antes do mais, um estado no qual a criatura mesma se coloca. Sim;
o pecador que presta adesáo a um bem criado, rejeitando consciente
e voluntariamente o Criador, comete um ato de violencia nao só
contra Deus, mas contra a sua própria natureza. Esta foi feita para
o Bem infinito, Deus, e sómente n'Éste se repousa ou sacia; é, por
conseguinte, em demanda do Bem Infinito que a natureza h mana
brada desde que comeca a existir. Caso o homem, por sua atividade
livre, se oponha a éste brado, entregando-se totalmente ao que é finito,
ele nao pode deixar de sentir a dilaceracao ou a retorsáo interna

— 369 —
dai decorrentes. Enquanto, porém, vive nesta térra, o pecador pode
suavizar o seu tormento interior, usuíruindo de paliativos, que sao
os prazeres transitorios. Todavía, após esta vida já nSo há paliativo
nem ilusáo possível, de modo que o pecador passa a experimentar
na Integra a dor mais intima possivel: de um lado, a sua alma continua
e continuará sem fim a bradar por Deus (... sem fim, porque o
espirito é imortal, já que nao se comp8e de partes quantitativas);
do outro lado, a sua vontade continuará a aderir livre e consciente
mente á criatura, repudiando a Deus de acordó com a última disposi-
cáo que tinha aqui na térra. Esta disposigáo nao se poderá mudar,
porque a alma humana por sua natureza mesma nao pode adquirir
novas nog8es nem conceber novos afetos senáo enquanto unida ao
corpo (todo raciocinio tem origem no conhecimento sensitivo). —
Donde se vé que nao é necessário, pronuncie o Senhor alguma senten-
ga para infligir o inferno a urna criatura; o Senhorapenas reconhece
e respeita a livre opcáo do homem que se lhe apresenta logo após
a morte; nao retoca nem mutila essa livre opcao, porque isto equiva-
leria a derrogar á liberdade do homem, liberdade que o Criador quis
benignamente outorgar á criatura racional. Esta, por tanto, se verá
para todo o sempre alheia a Deus.
Tal é a pena que primariamente constitui o inferno. A isso
sobrevém o que se chama «o fogo do inferno», isto é, a agao de
um elemento fisico, corpóreo, capaz de agir sobre a alma humana.
Éste agente fisico (que nao pode ser identificado com o fogo déste
mundo) representa o universo corpóreo voltado contra o pecador,
porque éste, rebelando-se contra Deus, violentou direta ou indireta-
mente também a natureza corpórea.
Note-se ainda um tópico importante: os reprobos no inferno
sofrem precisamente por reconhecerem, de um lado, que Deus é bom
e santo e, de outro lado, que éles se incompatibilizaram com tal Bem;
o seu estado de alma, por muito penoso que seja para os respectivos
individuos, tem conseqüentemente um signifcado positivo no conjunto
das criaturas; sim, vem a ser um modo de proclamar a gloria de
Deus, fazendo eco ao coro dos justos, que proclamam essa mesma
gloria, familiarizados com ela. Assim o Criador, sem retocar a liberdade
das criaturas no currfculo desta vida, faz que cada qual em seu
estado final concorra, na base mesma da sua livre opcao, para o
Fim único de toda a criagáo, que é louvar e exaltar o Pai do céu.
Eis em que consiste própriamente o inferno. Tal nogao, por trágica
que seja, se apresenta cheia de grandiosidade... Nao fagamos do
homem, más 'de Deus, o centro do universo, e conseqüentemente
saberemos ver, expressa no inferno mesmo, a sabedoria e a santidade
do Criador.
4) As previsOes de Ubaldi referentes ao íim déste século e ao
terceiro milenio deveráo ser julgadas a luz do que se lé na resposta
n« 3 déste fascículo.
5) Ainda urna palavra sobre a atitude da Igreja frente & ideología
de Ubaldi: os varios erros filosófico-religiosos que éste pensador
recolhe em sua mensagem, justificam a condenagáo proferida pela
Santa Sé aos 8 de novembro de 1939 sóhre duas obras do filósofo:
«L'Ascesi mística» e «La Grande Síntesis. O que motivou a intervengáo
do S. Oficio no caso nao foram sámente as doutrinas erróneas como
tais, professadas por Ubaldi, mas também o fato ponderável de que éste
autor em suas teorías envolve valores fundamentalmente cristaos: a
pessoa de Cristo, a autoridade do Evangelho, do Apocalipse, os
conceitos de paraíso, inferno, etc.

— 370 —
Rematando quanto até aqui propusemos, concluiremos que
Pietro Ubaldi é mais urna das figuras profundamente religiosas
ou místicas de nossos tempos ; toda a sua tempera ardente,
porém, é dirigida segundo falsos rumos, falsos rumos inspi
rados pela fantasía e talvez pelo espirito de auto-suficiéncia
que tanto contamina o homem moderno. A docilidade e a
humildade sao iñégáveis garantías de éxito na procura da
Verdade.

II. DOGMÁTICA

AMIGO DAS PROFECÍAS (Rio de Janeiro) :

3) «Que fundamento tém as predigoes de catástrofe e


renovacao do mundo ñas imediacoes do próximo ano 2000 ?
Estarao baseadas na S. Escritura ou em alguma do-
cumentacáo fidedigna ?»

I. B. H. (Belo Horizonte) :

4) «Como pode Jesús declarar que ignorava a data do


juízo final (cf. Me 13,32) ? Nao possuia Ele a oniciéncia
divina ?» •

As duas questóes consideram aspectos do mesmo tema:


estará o cristáo habilitado a prever a época em que se dará o
fim do mundo atual ? Vamos, pois, responder-lhes conjunta
mente, analisando em primeiro lugar os dizeres da S. Escri
tura sobre o assunto ; depois do que, procuraremos explicar
o férvido pulular de profecías modernas concernentes ao
ano 2000.

1. Os textos bíblicos

1. Quem compulsa o Novo Testamento verifica que o


Senhor Jesús, longe de intencionar deixar aos seus discípulos
sinais que permitissem calcular com precisáo a data do ¡juízo
final, quis explícitamente velar-lhes o conhecimento da mesma.
Interrogado sobre o assunto aínda pouco antes de subir defi
nitivamente aos céus, respondeu claramente aos Apostólos:

«Nao toca a vos ter conhecimento dos tempos e momentos que


o Pai fixou por sua própria autoridades (At 1,7).

Jesús afirmou mesmo nao pertencer á sua tarefa de


Mestre e Redentor dos homens revelar a famosa data; é o
que se lé em Me 13,32 :

— 371 —
«Quanto áquele día e áquela hora, ninguém os conhece: nem
os anjos do céu, nem o Filho, mas apenas o Pai».
O texto ácima suscitou arduas controversias entre os exegetas,
principalmente na antigüidade, pois parece equiparar o Filho de
Deus aos anjos, distanciando-0 de Deus Pai. Passados, porém, as
controversias cristológicas que agitaram os primeiros sáculos, nao
resta dúvida de que as palavras do Salvador háo de ser entendidas
á luz de afirmagoes análogas, em que Jesús afirma dependencia
em relacáo ao Pai (cf. p. ex. Mt 20,22); é como homem que o Senhor
entáo fala, e como homem que executa u'a missáo a Ele confiada
pelo Pai. Com efeito, Jesús, como verdadeiro Deus, sabia perfeita-
mente qual a data da sua segunda vinda; sabia-a também enquanto
homem perfeito, que já aqui na térra gozava da visáo beatífica
(contemplando o Pai face a face, a santíssima humanidade de Cristo
n*Éle via seus designios a respeito do mundo). Nao estava, porém,
no programa da vida terrestre de Cristo revelar aos homens o
grande dia; em conseqüéncia Jesús pode dizer simplesmente que
o ignorava. É o que o Pe. Lagrange explica nos seguintes termos:
«O Filho sabe, mas (como homem e Mestre dos homens) nao
recebeu a incumbencia de manifestar; neste sentido Ele ignora»
(St. Marc 350). Tal é a interpretacáo que desde os tempos de
S. Agostinho (t430) prevaleceu na tradigáo crista (cf. S. Agostinhov
In ps 36 ed. Migne lat. 36.355) — Observe-se aínda que o texto
paralelo do Evangelho de Sao Mateus, evitando todo possivel mal-
-entendido, omite simplesmente a mengao do Filho: «Quanto aquele
dia e áquela hora, ninguém os conhece, nem os anjos do céu, mas
apenas o Pai» (24,36).

Jesús acentuou mesmo que a sua volta gloriosa ao mundo


(que implicará a consumaeáo da historia) terá o caráter de
acontecimento imprevisto : /

«Verificar-se-á por ocasiáo da volta do Filho do homem o que se


deu nos dias de Noé. Pois, assim como no tempo que precedeu o
diluvio, os homens comiam, bebiam, tomavam e davam em matri
monio, até o dia em que Noé entrou na arca, e de nada suspeitaram
até que veio o diluvio que levou a todos, assim se dará quando o
Filho do homem voltar. Entáo de dois homens que estivérem no
campo, um será tomado, o outro deixado; de duas mulheres que
estivérem junto á mó, urna será tomada, a outra abandonada» (Mt
24,37-41).
As últimas palavras ácima insinuam que Cristo surpreenderá
homens e mulheres em suas ocupagóes ordinarias, nos campos ou
em casa. Nao seráo as circunstancias externas, mas as disposigóes
internas da alma, que decidiráo da sorte de cada qual: de duas
pessoas, urna será tomada, isto é, incorporada ao cortejo dos que se
uniráo a Cristo para sempre; a outra será abandonada ou excluida
do mesmo (cf. a parábola de Mt 25,1-13: cinco virgens entram no
cortejo do esposo; cinco nao). Nestas passagens o cortejo tem
sentida evidentemente metafórico, pois o estilo é apocalíptico, ou
seja, intencionalmente obscuro e velado.

Cristo inculca ainda o caráter imprevisto da consumagáo


dos tempos por meio de duas outras comparacóes: assim
como o raio se desencadeia repentinamente, recobrindo. logo

— 372 — *
toda a extensáo do horizonte (Mt 24,27), e assim como o
salteador surpreende o pai de familia em casa durante a noite
(Mt 24,43s), assim também o Filho do homem inesperada
mente descera dos céus em sua majestade. A estas imagens
acrescenta o Senhor uma exortacáo a que os homens vivam
sempre conscientes do significado e do valor de cada um de
seus instantes (cada qual déstes pode ser o derradeiro).
Sao Paulo desenvolve em colorido muito vivo a imagem
do ladráo :

«Sabéis muito bem que o dia do Senhor vira como um ladráo


durante a noite. Quando os homens disserem: 'Paz e seguranca!',
justamente entáo uma ruina repentina os acometerá como a dor
sobrevém á mulher que está para dar á luz, e nao escaparáo. Vos,
porém, irmáos, nao viváis ñas trevas de modo que aquéle dia vos
surpreenda como um ladráo» (1 Tes 5,2-4).

Dos textos citados se depreende que o Senhor quis deixar


seus fiéis na incerteza do dia final justamente a fim de entre-
ter neles uma atitude de vigilancia constante: todo e qualquer
momento pode ser o «grande momento» ; sabedor disto, o
cristáo procurará evitar toda rotina de conduta para viver á
luz da eternidade ou dos, valores definitivos, sem se deixar
prender pelos bens ilusorios déste mundo ; cf. Mt 24,45-25,13-
Le 12,35-40 ; 1 Tes 5,5-10.

Consciente desta intencáo do Divino Mestre, a Igreja sempre


rejeitou as tentativas de «profetas» e «videntes» desejosos de burlar
a reserva do Senhor e indicar o dia preciso da consumacáo dos
séculos. Sucessivamente no decorrer da historia as autoridades ecle
siásticas tém admoestado os fiéis a se absterem de conjeturas
fantasistas s&bre o assunto. Em meio a tudo que se tem propalado
de sensacional sobre o fim dos tempos, a Igreja se apresenta conse-
qüentemente como baluarte de paz, exortando os homens a nao dar
ouvidos a vaos rumores e navidades e a nao se deixar empolgar
pelo que é incerto; cumpram, antes, com zélo aquilo que certamente
é da vontade de Deus; fazendo isto, estaráo, sem dúvida, preparando
seu ingresso no reino glorioso de Cristo.
Eis aqui duas admoestaeñes do magisterio da Sta. Igreja aos
pregadores da Palavra de Deus :
Um concilio regional de Miláo em 1365 baixou a seguinte
exortacáo:
«Nao apregoem como coisas certas a época da vinda do Anti
cristo e a data do julzo final, já que pelos labios do Senhor foi dito:
'Nao toca a vos ter conhecimento dos tempos e momentos'. Nem
ousem, a partir das Escrituras Sagradas, procurar adivinhar o futuro
e indicar determinado dia para determinado acontecimento. Também
nao afirmem temerariamente ter-lhes sido isso revelado por Deus».
O quinto concilio ecuménico do Latráo em 1516 declarou por
sua vez : - -
«Mandamos a todos os que estáo, ou futuramente estaráo, incum
bidos da pregacáo, que de modo nenhum presumam afirmar ou
apregoar determinada época para os males vindouros, para a vinda

— 373 —
do Anticristo ou para o dia do julzo. Com eíeito, a Verdade diz:
'Nao toca a vos ter conheclmento dos tempos e momentos que o
Pai íixou por sua própria autoridade'. Consta que os que até hoje
ousaram afirmar tais coisas, mentiram e, por causa déles, nao
pouco sofreu a autoridade daqueles que pregam com retidáo. Ninguém
ouse predizer o futuro apelando para a Sagrada Escritura, nem
afirmar o que quer que seja, como se o tivesse recebido do Espirito
Santo ou de revelagáo particular, nem ouse apoiar-se sobre conje
turas vas ou despropositadas. Cada qual deve, segundo o preceito
divino, pregar o Evangelho a toda criatura, aprender a detestar
o vicio, recomendar e ensinar a prática das virtudes, a paz e a
caridade mutua, táo recomendadas par nosso Redentor».

2. Se os escritos do Novo Testamento velam táo explí


citamente aos homens a época do fim déste mundo, com-
preende-se que seria váo recorrer aos livros do Antigo Tes
tamento para daí deduzir alguma noticia sobre o assunto.
Alias, todas as tentativas de predizer a consumagáo da his
toria a partir de textos do Antigo Testamento tém sido frus
tradas ; os profetas neste setor nao foram felizes até hoje.
A guisa de exemplos, poderáo ser recordados os seguintes casos
da historia moderna :
Joáo Bengel (t 1752), exegeta luterano de grande piedade, predisse
a segunda vinda de Cristo para 1837. \
Guilherme Miller (t 1849), fundador da seita dos Adventistas,
combinando os dizeres de Dan 8,14 com os de Apc 20, anunciou o
fim do mundo atual para o intervalo de marco de 1843 a marco de
1844; vendo frustrados os cálculos do mestre, seu discípulo S. Snow
os1 refez, profetizando a data de 22 de outubro de 1844 para a vinda
do Senhor. Urna vez dissipada esta nova esperanca, J. Cumming,.
baseando-se em. nova computacao, pós-se a apregoar o ano de 1854...
— Os Adventistas até hoje asseveram que o prazo previsto por
Daniel terminou de fato em 1844, mas que Cristo ainda está a
purificar o santuario; aparecerá glorioso logo depois de completar
esta obra!
Apesar das decepcóes sofridas, a expectativa adventista nao
arrefeceu... Comparando e interpretando textos da S. Escritura,
Charles Russel (tl916> resolveu, por sua vez, predizer a inauguracáo
do reino visfvel de Deus para 1914, dando assim inicio a seita dos
Testemunhas de Jeová. — Em 1917, já, que esta profecía nao se cum-
prira, Alexandre Freytag (tl947) separou-se da seita e fundou novo
ramo dissidente dito «dos Amigos do Homenw; esta escola anuncia a
vinda próxima do reino de Deus (desta vez, porém, renunciando a
indicar data precisa), no qual todos os homens habitarlo em vilas
confortáveis e higiénicas, gozando de temperatura amena e uniforme,
vegetacáo abundante, etc.
A respeito dos Testemunhas de Jeová e do texto de Apc 20
(fundamento do chamado milenarismo adventista), cf. «P. R.>
14/1959, qu. 10.

Após verificar a frustracáo de tantas tentativas de pro


fetizar, o cristáo volta ainda mais certeiramente a sua atengáo
para o genuino pensamento do Senhor: o discípulo de Cristo
rtáo tem .interésse em se deter em conjeturas sobre o dia e a

— 374 —
hora da manifestacáo do Divino Mestre ao mundo, porque ele
possui consciéncia viva de uma verdade muito mais importante.
Ele sabe, sim, que o reino de Deus está primariamente no
íntimo das almas; nao é algo de meramente futuro, mas já
se acha presente, sob forma (poder-se-ia dizer) de embriáo,
em cada cristáo que possua a graca santificante ; esta comu
nica de maneira inicial e ainda velada a vida eterna, aquela
mesma vida que, plenamente desabrochada, faz a felicidade
dos justos nos céus. Quem tem consciéncia disto, nao dá
grande importancia a «navidades» ou a profecias e rumores
sensacionais, sobre o fim do mundo. Venha o que vier, o
cristáo sabe que a fonte primacial de sua uniáo com Deus e
de sua bem-aventuranga nao está fora déle, mas já se encontra
no íntimo de sua alma; caso seja fiel á graga interior, ele vai
mais e mais gozando aqui na térra daquilo que «ólho jamáis
viu, ouvido jamáis ouviu, coragáo jamáis percebeu» (1 Cor 2,9).

2. Gomo explicar o atual fenómeno de expectativa ?

O interésse que nossos contemporáneos demonstram pelos


acontecimentos vizinhos ao ano 2000, corresponde a uma ati-
tude de alma que se tem reproduzido ininterruptamente no
decurso da historia do género humano.
É usual, sim, entre os historiadores falar-se do «mito do
eterno retorno» (cf. o estudo de Mircea Eliade, Le mythe de
l'Éternel Retour. París 1949). Esta expressáo quer dizer que
o género humano, representado sucessivamente por um ou
outro grupo étnico, sempre professou a expectativa de uma
próxima catástrofe, a que se seguiría novo inicio da historia.
Asseveram mesmo alguns autores que quase cada geragáo
humana se julgou habilitada a interpretar os flagelos seus
contemporáneos como sinais precursores de iminente fim da
historia em curso.

De passagem pode-se notar que o género humano parece nunca


ter acreditado próprlamente no total desaparecimento do universo;
proíessou antes a ruina e a regeneracao periódicas dos elementos
e da humanidade ou a volta de todos e de tudo ao respectivo estado
inicial, estado paradisiaco, em que o pecado nao contaminava os
homens, era que, por conseguinte, nem as doengas, o sofrimento
e a velhice os afetavam... (o que bem condiz com a expectativa
crista de «céus novos e térra nova»; cf. 2Pdr 3,13; Apc21,l; 20,11;
Is 65,17; 66,22).

Ora é justamente essa aspiragáo tradicional que mais


uma vez se faz ouvir, e de maneira exuberante, em nossp
mundo contemporáneo. Vaticinios oriundos d^ú

— 375 —
sas fontes anunciam para os próximos decenios catástrofe e
restauragáo sobre bases mais puras.
Pergunta-se agora: seria possível de algum modo son
dar as causas de tal anelo ?
Analisando as narrativas folclóricas dos antigos concer-
nentes á ruina e á restauragáo do universo, julgam os histo
riadores que nelas há freqüentes alusóes á Lúa. Donde con-
cluem que provávelmente a observagáo das fases da Lúa
tenha concorrido para se formar o conceito do «eterno re
torno» na mente dos povos primitivos : de fato, a Lúa em
suas quatro fases (nova, crescente, cheia e minguante) apa
rece e desaparece sem jamáis se aniquilar; o fenómeno lunar
teria sido tomado como padráo ou tipo do que se dá com o
universo e com o género humano...
Em nossos dias, dois fatores parecem contribuir para
excitar com particular intensidade a fantasía e as expecta
tivas do público:
a) as calamidades por que tem passado o género humano
em conseqüéncia de duas guerras mundiais sucessivas ; dir-
-se-ia que os homens se acham cansados do estado atual de
coisas e ardentemente esperam renovagáo, renovagáo da ordem
social, económica, política, etc., coisa que só lhes parece pos
sível mediante previa destruigáo de tudo que hoje existe;
b) a proximidade do ano 2000, que representa um pe
ríodo arredondado ou «perfeito», sugere fácilmente as idéias
de encerramento e novo inicio.

Os historiadores averiguaran* que as expectativas dos povos refe


rentes á historia universal sao freqüentemente inspiradas pela obser
vancia de números rítmicos, isto é, de cifras que presumidamente
regem a periodicidade dos ciclos da historia ou do «eterno retorno»;
assim como a visáo de linhas e a audigáo de sons estáo sujeitas
ás leis dos números, assim também os acontecimentos da historia
estariam sob a dependencia das leis dos números. Ainda no sécula
XDC o estudioso protestante F. de Rougemont asseverava que os
números rítmicos da historia sao: 7, 1000, 360 e 666 (a conclusao'
é inspirada por elucubrares bíblicas). — Sendo assim, entende-se
que a proximidade do ano 2000 lembre o compasso ou a cadencia
da historia e inspire de modo especial os «profetas» contemporáneos.
Já a aproximacSo do ano 1000 sugeriu aos homens do Ocidente
apreensoes e vaticinios (embora nao ñas ampias proporgSes que foram
apregoadas por historiadores como W. Robertson no séc. XVIEI,
Michelet, Sismondi, Flammarion, Martín, Duruy, Michaud, Cinguené,
Gregorovius, Carducci, Dándolo, C. Cantu, os quais concorreram para,
que se criasse a famosa «lenda do ano 1000»).
Eis urna ou outra das expressoes de tais receios :
Conforme os rumores populares na segunda metade do séc. X,
julgava-se que, quando a sexta-feira santa coincidisse com a festa
da Anunciacáo do Anjo a María (25 de marco), o fim do mundo.

— 376 —
se verificaría, póis entáo inicio e íim da vida terrestre do Senhor
Jesús se sobreporiam. Ora tal coincidencia se deu no ano de 992
(Páscoa caiu entáo no dia 27 de marco); por essa ocasiao os cálculos
dos «videntes» predisseram o fim do mundo para os tres anos sub-
seqüentes... Aconteceu, porém, que o monge Abon de Fleury (Gália)
se encarregou de dissipar os temores, lembrando aos fiéis que a táo
famigerada coincidencia ocorre forgosamente duas ou tres vézes
em cada século- (Apologeticum, ed. Migne lat. 139, 472).
O mesmo Abon narra ter ouvido pregar em uma igreja de Paris
sobre o fim do mundo: o orador previa que, tao logo se tivesse
completado o ano 1000, o Anticristo aparecería e, pouco depois, se
daria o juizo final; a essa opinláo opós-se Abon, como ele mesmo
relata, argumentando em nome dos SS. Evangelhos, do Apocalipse
e do livro de Daniel (ibd. 471). As inundacoes, a fome e outros
flagelos públicos do séc. X concorriam para excitar ñas populagSes
a expectativa de iminente ruina total do mundo.
Após verificar estes fatos, o observador contemporáneo nao se
admirará de que nosso século, calamitoso como é, se tenha tornado
ambiente fecundo para profecías concernentes ao ano 2000. Tais
vaticinios nao merecem mais crédito do que os que, em circunstancias
análogas, foram propalados no séc. X.

3. Conclusáo

A guisa de reflexáo final, convém aqui lembrar que, ao lado de


previsfies sinistras para os próximos decenios, a literatura contem
poránea apresenta outrossim presagios grandiosos, que descrevem a
vida sobre a Térra no ano 2000 em termos francamente otimistas.
Nao nos referimos aos chamados «romances de ficgáo», mas a
estudos científicos que dáo a ver como os rápidos progressos da
ciencia poderSo em breve proporcionar estupendo conforto ao género
humano; esperam os autores désses escritos que as descobertas
atómicas venham a ser exploradas, assim como os espagos até hoje
mais ou menos inóspitos aos homens (os ares, os desertos, os
océanos, o subsolo terráqueo, etc.), a fim de facilitar a vida e a
prosperidade dos povos. Tais escritos, embora possam ser conside
rados utópicos, tém ao menos o valor de mostrar que o ano 2000
nao é necessáriamente espantalho; há os que o contemplam prazen-
teiramente, em nome mesmo da ciencia e da razáo humana, desem-
baracadas das teses de falsa mística. Na verdade, nem a Religiáo
nem a filosofía nem a ciencia obrigam a crer que o terceiro milenio
acarretará ruptura da historia, constituindo algo de totalmente novo
sobre o nosso planeta; permitem-nos, ao contrario, julgar que nos
próximos decenios o género humano colherá normalmente o fruto
feliz dos esforcos que atualmente vem realizando para dominar a
materia e o cosmos.
De passagem seja aqui realgado um tópico muito significativo
da mencionada literatura otimista: entre os valores humanos tradi-
cionáis que, conforme os prognósticos de feliz agouro, nao sómente
nao seráo abolidos, mas, ao contrario, gozaráo de novo vigor pelo
progresso da civilizacáo, está o valor «ReligiSo»; e — note-se bem —
Religiáo nao no sentido de endeusamento do homem, mas no sentido
de adesao ao Misterio, ao Invisivel Real que cerca o homem.
Vao aqui transcritos dois notáveis testemunhos sobre o assunto.
O primeiro se deve a Walter Greiling, industrial alemáo que,
sem pretens5es religiosas, escreveu a obra «Wie werden wir leben?>

— 377 —
(Como havemos de viver?). Dusseldorf 1954. Nesse trabalho o
autor se propde dissipar a «Angst vor der Zukunít», isto é, as
apreensoes e angustias do homem moderno que volta sua atencáo para
os lempos vindouros: recorrendo a cifras e .dados concretos, o autor
mostra, entre outras coisas, como a Térra poderia períeitamente
alimentar urna populacáo de 4.947.000.000 de habitantes prevista
para o ano 2000 ou de 11 bilhSes prevista para o ano de 2500. Entre
as últimas frases désse impressionante estudo, lé-se o seguinte:
«As ciencias naturais devem sua origem á Religiao, em parte
mesmo ao que há de mais profundo na Religiao, isto é, á Mística.
Os homens foram estimulados a pesquisar o mundo criado, a fim
de poder formular urna prova da presenca viva do Criador.
.. .Na época -do Huminismo (séc. XVIII) deu-se a ruptura entre
as concepgóes dos cientistas a respeito do mundo e as proposicóes
da fé... Dizia-se que o pesquisador da natureza devia tentar trabalhar
abstraindo da hipótese de um Criador .. .Em cérea de 1900 os principáis
cientistas fundaram o «Monistenbund» (Alianga dos Monistas ou
Ateus), que negava a distincáo entre corpo e alma e na natureza
nao via senáo mecanismos. Alguns decenios mais tarde, serios estu
diosos professam de novo fé e reverencia, ao mesmo tempo que
se entregam as suas pesquisas. Ainda mais recentemente, os grandes
físicos e biólogos dáo um passo adiante, declarando que os resultados
das ciencias naturais se conciliam com as concepgóes da fé...
As novas perspectivas sóhre o setor da vida e a entrada do
homem nos espacos intersiderais só íizeram corroborar a reverencia
dos auténticos cientistas perante a vida e a criacáo» (pág. 316s).
Mais explícito ainda é o depoimento de Paul-Jacques Quermont,
autor do artigo «L'An 2000» na revista (que é reconhecidamente
sólida e seria) «Science et Vie» (t. XCV n» 500, mal 1959), onde o
autor prevé, na base de dados científicos criteriosamente utilizados,
o horario de um homem de trabalho e de sua familia em París
do ano 2000; depois de falar das maravilhosas invencOes e realiza-
cées da técnica da época, observa que as conquistas da ciencia humana
acarretaráo entre as suas conseqüéncias «um notável renascimento
do senso religioso (ninguém, por exemplo, estranha no ano 2000
que os dois satélites artificiáis Alfa e Beta tenham cápela e, entre
os membros da sua tripulagao, capelües do espaoo). — .. .d'abord une
considerable renaissance du sentimen t religieux (personne, par
exemple, ne s'est étonné de ce que les deux, satellites Alpha et Beta
comprennent des chapelles et, parmi leurs équipages, des 'aumóniers
de l'espace')» (pág. 45).

Em conclusáo de quanto acaba de ser proposto, faz-se


mister dizer que nao há fundamento racional nem religioso
para as predigóes de iminente ruptura da historia («fim do
mundo» seguido de novo inicio) táo propalada em nossos días.
As catástrofes poderáo vir,' sem dúvida ; nao se creia, porém,
que viráo porque leis dos números ou fórgas cósmicas miste-,
riosas ou o mito do eterno retorno as desencadearáo; nao. Elas
viráo se os homens, cedendo á paixáo e ao odio, aplicarem as
estupendas conquistas da ciencia á obra da destruigáo e da
morte; se, ao contrario, utilizarem tais resultados para vive-
rem mais e melhor na qualidade de homens, cultivando os
valores típicamente humanos que sao os valores moráis, os

— 378 —
próximos decenios e o ano 2000 seráo tempos de notável bem-
-estar. Na'verdade, Deus (que nao se identifica com as fórcas
da natureza, mas é o Criador providente das mesmas) permite
que o homem, optando livremente pelo bem o\i pelo mal, se
torne o autor de sua própria felicidade ou infelicidade. Donde
se vé que as preocupagóes de nossos contemporáneos se devem
dirigir nao para as múltiplas e vas «profecías» que estáo nos
ares, mas para a grande tarefa de morigerar a sociedade mo
derna e restaurar o aprego dos valores moráis, a fim de que
o homem possa dominar a técnica, e nao ser dominado ou
esmagado por esta.

III. SAGRADA ESCRITURA

P. J. (Sao José do Rio Préto) :

5) «Como crer que o 2* livro dos Macabeus faca parte


das Escrituras inspiradas, como afirmam os católicos, se o
respectivo autor admite possa haver imperfeicoes nesse escrito
(cf. 2 Mac 15,39s)?»

O texto de que trata/o enunciado da questáo, se encontra no


fecho do 2' livro dos Macabeus. Eis o seu teor verbal:
«Se a disposicao dos acontecimentos narrados (neste livro) é
feliz e bem concebida, (saiba o leitor que) foi isto o que desejei. Se,
porém, é imperfeita e mediocre, (saiba que) foi tudo o que pude
íazer. Assim como é nocivo beber sómente vinho ou sómente agua, ao
passo que vinho misturado com agua proporciona suave e agradáyel
deleite, assim também a arte de dispor harmoniosamente a narrativa
encanta os ouvidos do leitor. É, pois, aqui que termino» (2 Mac 15,39s).
Como se vé, o autor nao se refere a possiveis erros doutrinários
do seu livro, mas, sim, a eventuais imperfeic6es de redacáo ou estilo.
Nao obstante esta observacáo, ainda resta a dúvida: como se poderia
conciliar tal declaragSo do segundo livro dos Macabeus?
Em resposta, proporemos, antes do mais, o que se entende por
inspiracáo bíblica; a seguir, faremos ao caso de 2 Mac 15,39s a
aplicagáo das nocdes explanadas.

1. Em que consiste a inspiracao bíblica ?

O conceito de inspiracao bíblica causa dificuldades aos leitores


da Sagrada Escritura, porque é fácilmente identificado com a nocáo
de inspiracáo no sentido profano: na vida cotidiana, diz-se que um
mostré inspira seus discípulos quando lhes comunica idéias ou intui-
c8es hauridas no rico cabedal de cultura do mestre; o discípulo
inspirado escreve entáo coisas que ultrapassam o seu grau de
adiantamento pessoal. Nao é isto, porém, o que se dá no caso da
inspiracao bíblica. Sendo assim, distingamo-la exatamente eje duas
nogSes afins.
1) Inspiracao bíblica nao significa revelac&o nem profana nem
religiosa.

— 379 —
Revel&gáo, no sentido religioso, importa que Deus, por via sobre
natural, manifesté verdades desconhecidas ao homem. É o dom de
que gozavam, por exemplo, os profetas do Antigo Testamento, quando,
em nome do Senhor. prediziam aos seus contemporáneos os aconteci-
mentos futuros.
Quando, porém, Deus inspirava um autor sagrado (Moisés, Davi,
S. Paulo ou S. Lucas...), nao lhe comunicava necessáriamente novas
nogoes de ciencia, de historia ou de teología; nao retocava em absoluto
o grau de cultura em que se encontrava ésse escritor. Em outros
termos: nao aprimorava necessáriamente os conhecimentos adquiridos
por tal autor na escola de seu povo e de sua época. Nao raro os
escritores bíblicos afirmam ter examinado documentos e ouvido
testemunhos, dos quais receberam as concepc.6es que éles nos trans-
mitiram (cf. Le 1, 1-4; 2 Mac 2,24-32).
2) De outro lado, inspiracáo bíblica nao é mera assisféncia
extrínseca, mediante a qual o Senhor Deus preservaría de erro o
autor sagrado. Esta simples assisténcia extrínseca é privilegio reser
vado ao Sumo Pontífice ou a um concilio universal, quando definem
proposites de fé ou de costumes para a Igreja inteira.
Passando agora a termos positivos, diremos que, no caso da
inspLracao bíblica, Deus supóe o cabedal de nogóes religiosas e
profanas que tal individuo (seja um oriental, seja um grego, seja
do séc. XIII a. C, seja do séc. I d. C.) tenha adquirido por seus
estudos ou sua educagáo. Ilumina, porém, a mente désse homem
para que veja com a clareza e a certeza do próprio Deus que tais
e tais nogoes (já existentes em sua mente) sao aptas a exprimir
determinada mensagem religiosa que no momento o Senhor quer
comunicar aos homens, ao passo que tais outras nogoes e expressdes
(também existentes em sua mente) seriam infiéis ao pensamento
de Deus ou á doutrina sagrada.
Posto entáo sob a acáo dessa luz divina, o autor distingue com
todo o acertó e a lucidez de Deus mesmo o que deve e o que nao
deve escrever. A seguir, ainda sob a influencia do Senhor (influencia
que nao extingue a liberdade de arbitrio), escreve com toda a fide-
Iidade aquilo que em sua mente viu ser a expressao auténtica da
doutrina religiosa que Deus quer transmitir aos homens.
Dentro do que acaba de ser exposto, é importante frisar os
dois seguintes pontos:
1) A agáo de Deus descrita ácima de modo nenhum modifica
as concepcoes, o expressionismo e o estilo que o autor antigo possa
ter; ela apenas garante que tal aparato de cultura oriental, devida-
mente selecionado á luz de Deus, é genuino veiculo de um ensinamento
nao científico nem profano, mas estritamente religioso e, como tal,
válido para todos os tempos. — Os autores bíblicos aludiam, sim,
ás noc5es de ciencias naturais segundo o modo de falar popular
da sua época, sem pretender definir nem sugerir alguma sentenca
de astronomía, geología ou biología;, ésse modo de falar popular era
suficiente para comunicar verdades de índole nao profana, mas reli
giosa; por isto é que o^Espírito Santo nao retocava tal expressionismo.
— Donde se vé que, para entender a mensagem bíblica, é absoluta
mente necessário considerar o aspecto humano do livro sagrado e
reconstituir a mentalidade do respectivo escritor, pois sómente através
desta e dentro da roupagem que esta oferece é que se vai encontrar
o ensinamento válido e perene da Escritura Sagrada.
2) A mencionada agao de Deus nao dispensa a agáo do homem,
ou seja, o trabalho que um escritor humano costuma prestar para
redigir um livro, desde a concepeáo e concatenagáo das idéias até

— 380 — .
a confeccáo da última linha escrita. Antes, a acáo de Deus, na inspiragáo
bíblica, suscita e acompanha o labor do redator humano, para que
éste seja fiel a verdade religiosa intencionada pelo Espirito Santo.
Assim se explica que os escritores bíblicos mencionem nao sómente
as fontes de que se serviram, mas também a fadiga, as dificuldades
que a elaboragáo de determinada obra lhes possa ter causado (cf.
Le 1,1-4; 2 Mac 2,24-32; 11, 16-38). Nem é necessário admitir tenham
tido sempre consciéncia de que o Espirito Santo garantía, por um
dom próprio. o bom éxito ou a veracidade de seu trabalho; éste lhes
parecia em tudo semelhante ao trabalho de qualquer outro escritor
humano.
Apliquemos agora o que acaba de ser dito ao texto de 2 Mac.

2. O caso de 2 Mac 15,39s

Á luz das nogóes propostas, verifica-se que a passagem


de 2 Mac 15,39s em absoluto nao é incompatível com a inspi<-
ragáo bíblica.
Vejamo-lo de perto.
Ao encerrar o livro, o autor em 15,39s faz ligeira obser
vacáo sobre o respectivo estilo, como no inicio da obra fizera
algumas advertencias sobre o método que havia de seguir:
com efeito, em 2 Mac.2,20-33 (prólogo do livro), o escritor
sagrado anunciava qué' estava para resumir cinco tomos de
um certo Jasáo de Cirene concernentes á historia de Judas
Macabeu e de seus irmáos ; observava, porém, que esta tarefa
nao lhe seria coisa fácil; antes exigiría muitos esforgos e
vigilias noturnas.
Urna vez terminada a obra, o autor em 15,39s langa um
olhar retrospectivo sobre a mesma, e admite possa ter come
tido falhas ; note-se, porém :... falnas nao contra a veraci
dade das narrativas, mas contra as regras de composigáo lite
raria e de estilo. Esta advertencia é bem compreensível: o
autor humildemente reconheceu a limitagáo de seu cabedal
de escritor ; o Espirito Santo nao julgou oportuno dar-lhe
intuigóes de estilo e de literatura, modificando os habituáis
processos de redagáo de tal escritor ; nem quis conceder a tal
autor consciéncia de que estava sendo particularmente agra
ciado para redigir o seu livro; o Espirito de Deus apenas fez
que a obra, penosamente elaborada, ficasse imune de qualquer
erro doutrinário. i
Se, advertidos pela observagáo de 2 Mac 15,39s, nos damos
ao trabalho de examinar o estilo do livro, verificamos, com
os melhores comentadores modernos, que o autor sagrado
nao sómente foi fiel á historia real dos acontecimentos, mas
também preencheu com arte a difícil tarefa de resumir em
quirize capítulos urna colegáo de cinco volumes. Os escrúpulos

— 381 —
do escritor quanto ao estilo e as regras de composicáo do livro,
mostram-se infundados : o hagiógrafo fez obra digna de en
comio, até mesmo do ponto de vista literario.

Eis o depoimento de um dos mais modernos comentadores de


2 Mac:
«O autor fazia questáo de que seu estilo e sua arte de composi
cáo literaria merecessem o apreco dos leitores. Na verdade ele
escreveu obra bem composta e de leitura fácil, obra que expde com
piedade acontecimentos muitas vézes assaz dramáticos e que, apesar
de sua concisáo, fornece numerosos pormenores complementares da
historia do primeiro livro. Atribuamos, pois, a JasSo a trama das
narrativas e reconhecamos ao abreviador inspirado a íidelidade á
sua íonte assim como a arte da apresentacáo» (M. Grandclaudon,
Les livres des Macchabées, em «La Sainte Bible» de Pirot-Clamer
VIII 2. París 1951, 232).
Quanto ás imperfeic5es de estilo, se tivessem de fato ocorrido na
redacáo de 2 Mac (como em verdade elas ocorrem, por exemplo, no
Apocalipse de S. Joáo, em que há construcSes de sintaxe grega um
tanto diliceis), elas de modo nenhum seriam incondliáveis com a
inspiragáo bíblica. Efetivamente, Deus na Biblia nao recusou fazer
passar sua verdade pura e santa através das categorías imperfeitas
da linguagem de homens rudes, contanto que estas imperféic5es
lingüisticas nao deturpassem o pensamento do Senhor nem atraigoas-
sem o sentido da mensagem religiosa. Deus sempre se quis comunicar
aos homens utilizando tudo que há de humano; por isto serviu-se
da carne mortal na Encarnacao, serviu-se da linguagem humana rude
na inspiracáo bíblica, serve-se dos elementos materiais (agua, óleo,
pao, vinho...) nos sacramentos cristáos. Éste vestiario material ou
humano, por mais desprezível que seja aos olhos da carne, torna-se
sob a acao de Deus velculo perfeito de dons celestes.

ó admirável condescendencia divina, que, sem realizar


milagres a esmo, vai utilizando certeiramente as criaturas
oscilantes para executar um plano de estupenda sabedoria !

IV. MORAL,

PERSCRUTADOR (Sao Paulo) :

6) «Qual o valor científico da Quiromancia ?


Será lícito, á luz da consciencia crista, consultar quiro-
mantes ?»

A palavra «quiromancia» (do grego cheir, máo, e mantéia,


adivinhacáo) significa a arte de descobrir, mediante o exame
das características da máo (forma geral, linhas, protuberan
cias, cavidades, etc.), o que diz respeito a determinado indi
viduo no pretérito, no presente ou no futuro. Em sentido es-
tritamente etimológico, o vocábulo designa apenas a predigáo

— 382 —
do futuro; é, alias, isto o que geralmente se procura ñas con
sultas a quiromanías.
Distingue-se da quiromancia a «quirología» ou «quirog-
nomia», estudo da máo que tem a finalidade de descrever nao
própriamente o currículo de vida da pessoa, mas o seu tem
peramento ou caráter, seus tragos psicológicos e até fisiológi
cos, excluida toda especie de adivinhaqáo, oráculos do alto, etc.
A quirología formula seus diagnósticos interpretando cada
urna das características da máo como sinal de determinado
traco da personalidade do sujeito. — A quirología pode ser
classificada como ciencia, predicado éste que nao convém á
quiromancia (ao menos no sentido antigo e clássico), pois
esta entra muito nos setores da arte e da Religiáo.
Na antigüidade já o sabio grego Aristóteles (t 322 a. C.)
correlacionava as linhas da máo com a duragáo da vida do
individuo. Contudo o grande mentor da quirología foi, no
século passado, o capitáo D'Arpentigny mediante suas obras
«Chirognomie». París 1856, e «La science de la main» 1855.
Para apreciar devidamente o estudo das máos, conside
raremos abaixo o seu histórico e os seus principios doutri-
nários. •■•■/

1. O histórico do estudo das máos

As linhas da máo, desde remota antigüidade, tém. interessado os


povos; quiromancia e quirología costumavam outrora ser cultivadas
simultáneamente. Refere-se, porém, que o filósofo Anaxágoras (t 428
a.O, o qual estudou as maos de Péricles, Sócrates e Eurípides,
distinguía urna da outra.
Em particular, os orientáis estimavam a leitura das maos como
urna das íontes principáis de conhecimento, e de conhecimento
íreqüentemente tido como superior ou esotérico (reservado a iniciados).
Na China a quiromancia parece ter sido praticada já por volta do
ano 3000 a.C; lá foram redigidos os primeiros documentos sobre o
assunto, documentos que os médicos do pais utilizavam para confir
mar seus diagnósticos. Até nossos dias a quiromancia está em grande
voga no próximo Oriente e no Egito, sendo praticada principalmente
nos cafés, mercados e lugares públicos; os árabes a consideram como
a técnica mais fácil para se prever* o resultado de alguma iniciativa.
Da India a quiromancia, por meio dos «dukkerippen» ou adivinhos
profissionais hindus, espalhou-se por todo o Ocidente, cultivada geral
mente pelos boémios e «gipsies» ou ciganos. que fazem dessa profis-
sáo o seu ganha-páo.
No Ocidente cristáo a quiromancia até a Alta Idade Media era
tida como ciencia esotérica, reservada a iniciados. No fim do periodo
medieval caiu na conta de supersticao, magia, turnarla e charlata
nismo. No século XVI, porém, os humanistas deram de novo grande
prestigio ao estudo das maos, destacando-se nesse setor os nomes
de Paracelso, Cardano, Coclés, Achillini, Giovanni della Porta; na
Franca dos séc. XVI e XVII quase nao havia personagem importante

— 383 —
na corte regia ou ñas cidades que nao consultasse, ou mesmo prote-
gesse contra adversarios, o seu respectivo «adivinho da máo». Os
escritores da época esforgavam-se por provar que o destino de cada
individuo está determinado desde o seu nascimento...; nao concorda-
vam entre si. porém, na maneira de interpretar as linhas e notas
características da máo, o que redundava em desabono de sua tese.
• No séc. XIX é-que tiveram inicio na Europa os estudos realmente
sistemáticos de quiromancia, estudos encabecados por D'Arpentigny
e Desbarolles, e conduzidos pela razáo mais do que pela mística. Até
o inicio do séc. XX, porém, nao gozavam de grande prestigio, pois
os eruditos, assaz imbuidos de «cientificismo» e positivismo, tendiam
a desprezar a quiromancia como se íósse mera funcáo de estados
neuróticos, histéricos ou de artificios fraudulentos.
A titulo de ilustracáo, vai aqui citada a conclusáo do artigo
«Chiromancie» do «Grand Dictionnaire universel du XIX siécle» de
Pierre Larousse (t. IV, pág. 146) :
«Gracas a ésses dois reveladores (D'Arpentigny e Desbarolles), a
quiromancia adquiriu nova voga. Dois homens que nao eram desti
tuidos de espirito, podem pois gabar-se de ter de novo lancado grande
parte de seus contemporáneos ñas práticas dos sáculos da barbarie.
Seja transitoria a sua gloria! Quanto a nos, nao quiséramos ter a
minima parte nessa regressao táo deplorável quanto imprevista, e
declaramos que só demos desenvolvimento á pretensa ciencia dos
quiromantes para mostrar aos nossos leitores tudo que ela tem
de ridiculo, e afastá-los, tanto quanto possivel, dessa ciencia estúpida
professada por homens que chamaríamos charlatáes se nao estivés-
semos persuadidos de que quiseram fazer urna brincadeira de mau
gósto antes que vergonhosa exploracáo».
Nos últimos anos as opinioes tém mudado: há autores que, consi
derando nogSes recém-adquiridas no setor da parapsicologia, da
telepatía e da percepgáo extra-sensorial, julgam que os fenómenos
de quiromancia tém fundamento objetivo, podendo, ao menos em
parte, ser considerados como maniíestacóes do conhecimento para-
normal (isto é, conhecimento ao lado do normal, nao, porém, contrario
a éste ou anormal).
Após considerar as grandes idéias que nortearam e norteiam o
estudo das máos, procuraremos tomar posicáo diante da antiga e
da nova formulacáo do problema.

2. As principáis linhas doutrinárias da quiromancia

A quiromancia, na sua origem, supóe de certo modo as


concepcóes que os antígos orientáis nutriam a respeito do
homem e do mundo, concepcóes que se poderiam assim re
constituir :
A térra ocupa o centro do universo. Na térra o centro de
convergencia de todos os elementos é o homem. Éste cons
tituí urna pequeña síntese do mundo (microcosmos dentro
do macrocosmos), de sorte que as peripecias por que passa o
género humano.podem ter repercussáo na ordem ou na de-
sordem do universo e vice-versa. Foram estes principios que
inspiraram a astrologia, arte conforme a qual a natureza
irracional e, em particular, os astros influencian! a vida do

— 384 —
individuo e da sociedade humana ; baseando-se nisto, o as
trólogo deduz as vicissitudes da existencia de uma pessoa,
observando os movimentos e as posigóes dos astros relacio
nados com tal pessoa (cf. «P. R.» 16/1959, qu. 2).
No homem, considerado como centro do universo, as
máos toca importancia especial, pois sao o instrumento admi-
rável da atívidade humana. Elas constituem como que a sín-
tese de toda a operosidade e, por conseguinte, de toda a vida
do homem, já que yiver é agir cu desempenhar urna atívidade.
Em conseqüéncia, julga-se que na máo de cada individuo, por
tadora como é de suas linhas, saliéncias e cavidades caracte
rísticas, deve estar desenhado um compendio de toda a vida
dessa pessoa. É éste pressuposto de que a máo está correla
cionada com a vida do homem e, ulteriormente, com os astros,
que explica tenham sido dados aos sinais mais notorios das
máos (principalmente ás suas protuberancias) nomes deri
vados da Astrologia: fala-se, com efeito, de «monte de
Júpiter, monte de Saturno, monte de Apolo, monte de Mer
curio», etc. ; conseqüentemente, a predigáo do futuro pelas
linhas da máo toma por vézes o nome de «quiromancia as
trológica».
Partindo destas premissas, os antigos, desejosos de sondar
o currículo da vida de um individuo, estabeleceram como que
um código (o qual se tornou clássico e até hoje vigente) do
simbolismo dos diversos sinais ocorrentes ñas máos. Distin-
guiram, portante,

a planicie de Marte, que é a palma ou a parte central cóncava


da máo, assim chamada por significar a luta do homem nesta vida
(Marte era o deus da guerra, em Mitología). Essa planicie está cercada
de sete saliéncias chamadas «montes»; assim
o monte de Venus, sob o polegar; simboliza o amor, permitindo
avaiiar-se o grau de -sensualidade da pessoa;
o monte de Júpiter, na base do dedo indicador; representa a
ambicáo e o espirito autoritativo do sujeito;
o monte de Saturno, debaixo do dedo medio; indica determinado
tipo de temperamento: quando saliente, denota, sim, Índole pensativa,
de aspecto grave; e, quando ausente, caráter leviano, pueril, colérico,
com o qual nao se pode contar;
o monte de Apolo ou do Sol, debaixo do anelar; assinala, como
seu nome indica, o fulgor da inteligencia ou do genio;
o monte de Mercurio, ao pé do dedo mindinho; significa astucia
e perfidia inveterada, quando muito próximo do monte do Sol, ou
cinismo e fraudulencia, quando mais chegado ao monte de Marte;
o monte de Marte, na parte da palma da máo inferior ao monte
de Mercurio; representa a coragem, o heroísmo;
o monte da Lúa, na zona compreendida entre o monte de Marte
e o pulso; reflete a imaglnagáo, os sentimentos poéticos e a sensi-
bilidade artística (é multo saliente nos sonhadores).

-385-
Além disso, observam-se e classif icam-se grandes linhas na palma
da mao, a saber,
a linha da vida, que contorna a base do polegar, designando a
vitalidade da pessoa;
a linha da sorte ou da fortuna, que une o punho com o dedo
indicador, podendo faltar em algumas pessoas;
a linha do coracao, que percorre a base dos quatro dedos supe
riores; reflete a afetividade;
a linha da cabeca, que corre abaixo da linha do coracao; denuncia
a maior ou menor capacidade de raciocinar e refletir.
Os autores costumam enunciar ainda outras linhas da pahua,
dotadas de importancia secundaria, como a da intuicáo ou de Mercurio,
a da notoriedade ou do Sol, o anel de Venus, etc. Os quiromantes
levam em conta outrossim sinais acidentais que por vézes aparecem
sobre as linhas e as protuberancias, classificados como «ranhuras,
grades, ilhas, cadeias, ramos, forquilhas, tacas, cordas, sois...».
Interessam-se também pela forma dos dedos, admitindo, por exemplo,
que polegar rígido denote pessoa teimosa, obstinada; polegar encurva-
do para dentro, espirito covarde, excesso de precaucao, reserva
pessoal; encurvado para fora, caráter débil, renuncia á personalidade;
polegar forte e largo, teimosia, tendencia a crueldade; curto e prosso,
irritabilidade, egoísmo; polegar multo pequeño, caráter incerto e
tímido; polegar estreito, firme e reto, autodominio e vontade forte
(tal tabela interessa muito também a quirología).

Estas e outras modalidades de interpretacáo dos sinais


da máo, dizem-nos os mestres, estáo baseadas na experiencia
atestada por estadísticas. Visto, porém, que estas constituem
criterio por vézes incerto, compreende-se que os mesmos sinais
sejam diversamente interpretados por quiromantes diversos;
a filosofía e a mística do observador sao muitas vézes cha
madas a suprir as lacunas que a experiencia deixa abertas.
Ademáis, para se averiguar a instabilidade do terreno que
se pisa, note-se o seguinte: os observadores afirmam que
cada nacionalidade apresenta seus tragos de máo característi
cos, e que os orientáis nao possuem as mesmas linhas que os
ocidentais, nem os homens rudes as dos intelectuais; verifi-
cam que até no mesmo individuo as linhas se alteram, ora
reforgando-se, ora debilitando-se, em fungáo do estado de
saúde, próspero ou precario, da pessoa. Parece certo que os
tragos da máo em geral exprimem, antes do mais, a vitalidade,
de modo a só se apagar varias horas após a morte real do
respectivo sujeito. — Alguns estudiosos atribuem especial im
portancia a atividade cerebral na configuragáo dos tragos da
máo : asseveram que nos intelectuais os tragos da palma sao
mais acentuados, ao passo que tendem a desaparecer ñas pes
soas cuja intelectualidade é atenuada pela doenga ou pela
preguiga mental, chegando mesmo a se extinguir nos indivi
duos que, totalmente paralíticos, tenham perdido qualquer
contato vital com as suas máos. Em vista déstes fenómenos,

— 386 —
os observadores em geral costumam dizer que nao basta urna
só inspegáo de máos para se diagnosticar o caráter ou o cur-
rículo de vida de urna pessoa, mas requerem-se exames suces-
sivos e sistemáticos, documentados por chapas fotográficas,
a acompanhar o consulente ñas diversas fases de sua existencia.

Acontece que a palma da máo mude notávelmente a sua coníi-


guracáo de um ano para outro; nao há dúvida, os traeos fundamentáis
permanecen! entao, mas linhas e sinais menores podem surgir ou
extinguir-se imprevisivelmente. O observador tem de notar tais
variagSes para averiguar se os acontecimentos que parecem anunciados
por tais mudangas de íato se veriíicarao; por conseguinte, é sámente
aos poucos que o perito quiromante pode ousar formular um
diagnóstico.
Suposto determinado código de interpretagáo, a aplicagáo
do mesmo nao se apresenta de todo fácil. Verdade é que em
geral linhas mais acentuadas indicam proporgáo notoria do
predicado por elas simbolizado (assim, ensinam os quiroman-
tes, linha de vida longa e nao interrompida caracteriza longe-
vidade; breve linha da cabega denota pobreza intelectual, etc.).
Os autores, porém, ineuleam que nao basta considerar cada
trago da máo isoladamente ou de per si, mas que se faz mister
interpretá-lo em fungáo/das demais linhas, levando-se em
conta as proporgóes existentes entre as diversas linhas da
mesma máo. Ora na maneira de avaliar essas correlagóes
pode haver divergencias. — Em geral, após a consideragáo do
conjunto das duas máos, os peritos concentram sua atengáo
na máo esquerda, pois esta se apresenta geralmente menos
deteriorada pelo uso do que a direita.

3. Urna tentativa de avaliacao

Na apreciagáo do estudo das máos, é nüster ter-se ante


os olhos a distingáo entre quiromancia, (arte de sondar o
currículo de vida, principalmente o futuro) e quirología (aná-
lise do caráter ou do tipo psicológico, tal como ele se pode
espelhar ñas linhas da máo). Feita esta distingáo, dir-se-á :
1. No setor da quiromancia mesma, é preciso distinguir
ulteriormente entre a técnica como era cultivada outrora e a
técnica como é hoje abordada.
a) A quiromancia foi até o século passado geralmente
associada a crencas filosóficas monistas, fatalistas e a con-
cepgóes supersticiosas ; julgava-se que fórgas misteriosas, ope
rantes de maneira imperiosa e inelutável na vida da pessoa,
se manifestavam pelas linhas da máo ; atribuiam-se a causas,
por sua natureza mesma insignificantes, efeitos maravilhosos.
Valores religiosos, até idéias místicas, serviam para justificar

- 387 —
as predicóes dos quiromantes, reivindicando para elas autori-
dade indiscutida.
Ora, na medida em que envolvía o conceito monista ou
panteísta de Deus (Deus identificado com o universo) ou
crenca num pretenso poder sobrenatural dos astros ou dos
elementos cósmicos sobre a vida humana, induzindo fatalismo,
a quiromancia era contraria nao só á fé crista, mas tambéni
á sá filosofía. Com efeito, é inconsistente a tese de que os as
tros determinam a vida humana, deixando o vestigio de sua
agáo sobre as palmas das máos ; concede-se sem dificuldade
certa influencia dos corpos celestes e dos elementos da atmos
fera sobre a historia do género humano e seus grandes acon-
tecimentos; pode-se também admitir que um ou outro indi
viduo seja especialmente sensível as fases da lúa ou as con-
dicóes atmosféricas ; nao há, porém, provas de que tais ele
mentos irracionais caracterizem a personalidade e as ativi-
dades de determinada pessoa, marcando o seu currículo de
vida, a ponto de lhe tirar a liberdade de arbitrio (veja-se o
que está dito sobre a Astrologia em «P. R.» 16/1959, qu. 2).

É éste conjunto de latores que explica tenha o Papa Sixto V,


na bula «Caeli et térra» de 5 de Janeiro de 1585 («contra exercentes
artem astrologiae iudicariae et alia quaecumque divinationum genera,
librosque legentes vel tenentes»), incluido a quiromancia supersti
ciosa de sua época entre as artes divinatórias contrarias á fó crista;
o Pontífice lembrava que o Senhor explícitamente advertiu os Apos
tólos de que nao está em poder dos homens perscrutar os tempos
e momentos dispostos pela Providencia Divina (cf. At 1, 7).
Há, porém. quem insista nos documentos da Revelacáo crista,
desejando justiíicar a quiromancia pela recurso ao livro de Jó,
onde se lé (traducáo latina da Vulgata):
«In manu omnium Deus signa posuit, ut nayerint singuli opera
sua. — Na máo de cada homem Deus colocou sinais, a fim de que
reconheca cada um as suas obras» (37,7).
Eis, porém, que a traducáo latina citada nao corresponde ao
teor do original hebraico. Éste, relerindo-se as tempestades, diz que
Deus, ao permlti-las, «suspende a atividade dos homens, a fim de
que cada um reconheca por elas a acáo de Deus». — Como se vé,
o texto bíblico como tal está longe de mencionar nesta passagem
sinais na máo... Váo, portanto, seria estabelecer recurso & Revela-
gao Divina em favor da quiromancia tal como era praticada pelos
povos pagaos.

b) Acontece, porém, que nos últimos tempos a arte qui-


romántica tem sido, em circuios de dentistas, emancipada de
seu aparato supersticioso, falsamente religioso, para ser cul
tivada á luz de dados da ciencia. Principalmente as energías
latentes da alma humana tém sido estudadas nos Institutos
de Parapsicología ; tem-se averiguado que muitas manifesta-
Cóes do psiquismo, até época recente tidas como expressóes

— 388 —
do sobrenatural ou da intervengáo de um espirito superior,
sao fenómenos meramente naturais, isto é, contidos dentro do
potencia] da alma humana : tais seriam os fenómenos de tele
patía, clarividencia e de percepcáo dita «extra-sensorial», fe
nómenos ou casos em que a pessoa conhece objetos ausentes,
isto é, separados do sujeito por urna distancia mais ou menos
considerável deespaco e de tempo.
Na base das experiencias parapsicológicas até hoje feitas,
bons autores (1) julgam possivel que um acontecimento futuro
(efeito de certas causas já agora existentes) concernente a
urna pessoa seja por esta pessoa inconscientemente percebido
á distancia ; isto faria que a constituigáo física désse mesmo
individuo (em particular, as máos, órgáo táo expressivo do
homem) ficasse marcada por tal percepgáo. Um observador
entáo (no caso, o quiromante) estaría habilitado a apreender
essa marca de máos e conseqüentemente a predizer o futuro,
atribuindo determinada interpretagáo aos sinais averiguados.

Os fundamentos desta hipótese seriam os dois seguintes:


Todo efeito futuro já está, no momento presente, realmente
coñudo em suas causas. Dado, pois, que alguém tenha urna sensibi-
lidade muito apurada, poderá perceber (aínda que no subconsciente
apenas) ésse acontecimenfo futuro, percebendo as respectivas causas
presentes.
O psíquico influí no físico do sujeito. Por conseguinte, o ato
psíquico de perceber ácima mencionado poderá deixar vestigios de
si no físico (em particular, na palma da máo) do individuo percipiente.
Um quiromante terá assim fundamento real para predizer o futuro
da pessoa assinalada por tal conhecimento dito «extra-sensorial».
Um dos autores modernos — Francois de la Noé" — que propSem
tal explicacáo, narra o seguinte exemplo de sua experiencia própria:
Após haver observado, durante muito tempo e sistemáticamente,
a máo de urna pessoa, De la Noé verificou que repentinamente
apareceram u'a mancha negra no monte de Venus e um ponto préto
na linha da vida dessa pessoa. Dai o observador, aplicando as normas
de seu código de interpretacao, previu que um perigo de morte
ameacava de perto a pessoa assinalada; nao seria fatal, porém, porque
outros sinais da máo indicavam a persistencia da vida. Ora, de
fato, dez dias após a verificagao dos sinais recém-oriundos, a men
cionada pessoa foi vítima de um desastre, escapando da morte por
.um triz. Horas depois désse acídente, os dois pontos negros da máo
desapareceram...!
Francois de la Noe assegura que, em sua carreira de estudioso,
já se deírontou com numerosos fenómenos análogos, na base dos

(1) Em particular destaca-se Francois de la Noe, «Le langage


de la main. Chirologie et chiromancie», na colecáo «Bilan du mystére»,
n* 7. Paris 1958. O autor diz ter mais de trinta anos de experiencias
e estudos quirománticos e parapsicológicos. Citamos aquí principal
mente as suas opinióes, sem a intencáo de as recomendar, mas
apenas visando ilustrar a posicáo do problema em nossos dias.

— 389 — . .
quais ele propSe a hipótese que atrás referimos (cf. Le langage de
la main 85s).

Pois bem. Nessa hipótese nao entra elemento religioso ar


bitrariamente estipulado, isto é, nao se apela para urna causa
sobrenatural indefinida nem para um poder divino misterioso;
também nao se pressupóe nem fatalismo nem monismo, ficando
a explicagáo estritamente confinada ao setor da natureza. Por
isto a sá filosofía e a fé crista, a rigor, nao se opóem a tal
teoría. Esta deverá ser julgada á luz das experiencias e das
normas científicas sobre as quais se baseia. No estado atual
da ciencia, a teoría proposta só poderá merecer a classificagáo
de hipótese sujeita a ser confirmada ou talvez reformada a
medida que fórem progredindo os conhecimentos da Psicologia
e da Parapsicología.
A citada bula de Sixto V isenta explícitamente de condenacáo
a arte que tenta desvendar eíeitos futuros nao a partir de causas
imaginarias {apresentadas por pretensas concepgóes místicas), mas
a partir das causas naturais estudadas pela ciencia: «...futuris
eventibus ex naturalibus causis necessario vel frequenter provenien-"
tibus, quae ad divinationem non pértinent, dumtaxat exceptis. —
Ficam excetuados (da proibicao) os acontecimentos futuros que
sempre ou ao menos freqüentemente dimanam de suas causas
naturais, setor éste de coisas que nao tem que ver com adivinhacao».

O que nos interessa na teoría ácima exposta, é o se-


guinte : hoje em dia percebe-se muito bem que alguns fenó
menos maravilhosos realmente ocorrem relacionados com a
leitura da máo; tais fenómenos, porém, nada tém de comum
com a intervengáo de misteriosas fórgas cósmicas; podem, ao
contrario, ser devidamente explicados pela acáo de faculdades
humanas naturais, cujas manifestagóes váo sendo mais e mais
explanadas pelos estudiosos. Destarte a quiromancia perde seu
caráter supersticioso ou falsamente místico, para se tornar
ciencia objetiva, sujeita ao controle da razáo. Contudo por
enquanto, dada a escassez de dados empíricos seguros, ela
versa mais no terreno das conjeturas do que no da certeza.
— Nao é ilícito cultivá-la, desde que no seu estudo se remova
toda especie de falsa crenga religiosa e de superstigáo.

Infelizmente, • porém, a arte quiromántica, tal como é praticada


no Brasil, envolve geralmente pressupostos de astrologia e fatalismo,
que se op6em á doutrina crista. Está claro que a um católico fica
vedado o recurso a urna técnica assim concebida. É o que explica que
a consciéncia dos fiéis católicos se deva mostrar extremamente
reservada, mesmo reíratária, diante dos anuncios de jornal e dos
cartazes que, comumente espalhados, costumam apresentar quiro-
mantes ao público.
A esta altura, urna questáo de curiosidade poderia ser abordada
com próveito. Tem-se perguntado porque muito maior é o número

— 390 —
de mulheres dadas á quiromancia do que o de varSes. — Francois
de la Noé explica isto, lembrando que o varáo é mais dado ao
raciocinio discursivo e sistemático, ao passo que a mulher é mais
intuitiva e dotada de sensibilidade mais vibrátil. Ora o conhecimento
quiromántico depende muito mais de intuicáo do que de raciocinio
dialético; ele se prende muito mais ao setor do conhecimento sub
consciente e extra-sensorial, para o qual as mulheres tém especial
propensáo, do que ao da argumentagáo racional (ob. cit. 117-120).

2. Quanto á quirología, ela merece, como dizíamos, apre-


ciagáo independiente da quiromancia. Baseia-se no principio
de que notas de temperamento e afetos de alma se podem
espelhar no corpo ou na fisiología do respectivo sujeito; admite
que certas características psíquicas estejam relacionadas com
tragos das máos.

«Em todos os tempos e paises, a medicina averigüou o fenómeno


de que em todo individuo existe correspondencia entre a fisionomia
de sua máo e seu estado fisiológico. Os principáis dados que podem
servir para se formular um diagnóstico de conjunto, sao a forma,
a coloracáo e a consistencia da máo.
Máo de proporc5es harmoniosas, cujo dorso é levemente colorido
e cuja palma é firme sem ser dura, denota bom estado fisiológico.
Máo que apresenta excesso ou deficiencia de coloracáo, indica pertur-
bacSes de nutricáo ou de íuncionamento dos órgáos. Ossatura forte-
mente marcada é sinal de artritismo, ao passo que o linfatismo se
reconhece pela alvura da pele e a ílacidez dos músculos.
O simples aspecto da máo acusa as grandes linhas do tempera
mento ...
Eis alguns tipos característicos de máos, aos quais correspondem
tendencias diversas. Máo estreita e muito longa significa egoísmo,
inveja, pusilanimidade. Grande, mas bem modelada: ponderacáo e
confianca em si. Fina e multo curta: suscetibilidade, temperamento
difícil. Pequeña, mas bem configurada: sensibilidade, intuicáo, reserva
natural. Pesada e de forma irregular: sujeigáo. aos instintos. Grossa,
mas ágil: habilidade, tino prático. Carnuda e rechonchuda; espirito
agudo e capacidade de adaptagáo (!). Magra e nervosa: aptidóes
intelectuais, propensáo ao exagero. Larga e dura: grande atividade e
tino organizador» (ob. cit. 41-43).

As afirmagóes ácima, aínda que possam ser discutidas do


ponto de vista científico, nao ferem proposigóes da fé crista;
esta aceita sem dificuldade a tese de que a alma se espelha no
corpo. Conscientes disto, os moralistas nao véem mal no es-
tudo da configuragáo somática, em particular das caracterís
ticas da máo, que possam estar relacionadas com a configu
ragáo psíquica da respectiva pessoa, contanto que ésse estudo
nao pretenda ultrapassar as fronteiras da ciencia e apelar
para principios de falsa filosofía ou para teorías de mística
fantasista.
Dentro da mesma cláusula também é lícita a grafologia
ou o estudo de tal manifestagáo das máos humanas que é a

— 391 —
escrita ou a caligrafía : da configuragáo que alguém dá ao
tragado de suas letras, nao parece haver dúvida de que se
podem deduzir notas típicas do temperamento dessa pessoa.

A .respeito de quanto acaba de ser dito, ainda se pode citar o


juizo do abalizado moralista católico, Pe. Vermeersch: «Per se patet
nullam illicitam exerceri divinationem ab iis qui ex vultu, membro-
rum dispositione, lineis et partibus manus, scripturae notis, temperiem
corporis, immo etiam animi propensiones et affectus probabiliter
coniciunt. — Evidentemente nao praticam adivinhacáo ilícita aqueles
que, baseando-se nos traeos do rosto, na disposigao dos membros,
ñas linhas e na estrutura das müos ou ñas características da escrita
de urna pessoa, deduzem conjeturas prováveis a respeito das condi-
coes somáticas, e até mesmo a respeito das tendencias e dos afetos
de ánimo dessa pessoa» (Theologia Moralis II. Roma 1928, n. 244).

Por fim, ainda urna observagáo. A máo compreende duas


partes : a palma e os dedos. Ora verifica-se que o estudo da
palma da máo e de seus sinais característicos, embora possa
ser executado no plano da quirología (ciencia racional), tende
insensivelmente a se tornar quiromancia (intuigáo, adivinha-
gáo, arte). O mesmo nao se dá com o estudo dos dedos, que
se processa geralmente dentro das normas da estrita quirología.

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

CRISTÁO (Sao Paulo) :

7) «Quisera informa§oes sobre o Presbiterianismo».

Os Presbiterianos constituem urna denominagáo evangé


lica ou protestante que se organizou em tomo do regime dos
«presbíteros».
Percorreremos abaixo as origens e as principáis doutrinas
do Presbiterianismo.

1. Surto e desenvolvimiento

O Presbiterianismo deve sua origem remota a Joáo Cal-


vino (í 1564), o «Reformador» cristáo que fez de Genebra
(Suíga) a sua sede principal.

Embora Lutero na Alemanha, Zwingli em Zürich (Suica) e


Calvino em Genebra tenham procurado simultáneamente remodelar
o Cristianismo, partindo de principios comuns. cada um désses Refor
madores deu modalidades proprias ao movimento que encabecou.
Lutero representa, antes do mais, urna alma profundamente religiosa,
mas orientada pelo sentimento e a paixáo mais do que pelo raciocinio;
estava, portante, assaz sujeito as incoeréncias e aos desatinos. Calvino,
ao contrario, deixou que sua ardente religiosidade fósse guiada

— 392 —
fríamente pela razáo e a lógica; criou, por conseguinte, um tipo
de religiSo rígida, em que os sentimentos da alma sao inteiramente
subordinados á exaltará o da gloría e da onipoténcia de Deus; com
seriedade trágica, Calvino, desejoso de salvar as almas, considerava
sempre as exigencias ímpreteríveis de sua vocacáo e a imperiosidade
do dever. Com estes predicados exerceu extraordinario poder de
atracSo sobre os homens seus contemporáneos, os quais de longe
acorriam a Genebra para ver e ouvlr o «Reformador».
Trago muito característico da figura severa de Calvino e da
mentalidade que ela até hoje exala, é o seguinte: conforme disposicáo
testamentarla do Reformador, seu cadáver envolvido em paño grosso
foi por notável multidáo de crentes levado ao csmitério de Plainpalais,
sem discursos nem cantos; sobre o seu túmulo nao se ergueu nem
urna cruz nem urna pedra sequer, de tal sorte que hoje nao se pode
indicar com seguranca onde jazem os despojos moríais de Calvino;
em 1830 um calvinista holandés colocou no mencionado cemitério
urna lapide, até hoje existente, com as iniciáis J. C. (Jo&o Calvino);
o lugar conjeturado, porém, está sujeito a dúvidas.
A austera atitude religiosa que Calvino inaugurou, é hoje a
heranca de cérea de 60 milhoes de cristáos, dos quais 40 milhSes tém
o titulo de Reformados (seriam os imediatos discípulos de Calvino
na Suiga e na Franca; nao há quem se denomine simplesmente
calvinista); 15 milhSes sao chamados Presbiterianos (calvinistas
doutrinados por John Knox, na Escocia); os restantes 5/6 milhoes
tém o nome de Congreg&cionalistas (oriundos na Inglaterra por obra
de Robert Browne, 11624, contra certo desvirtuamento do Fresbi-
terianismo).
Voltemo-nos agora diretamente para o tema da nossa questáo.

Ao organizarem as suas respectivas Igrejas, nem Lutero


na Alemanha nem Zwingli em Zürich atribuiram papel rele
vante aos simples fiéis no govérno das comunidades luteranas
e zwinglianas ; ambos criaram Igrejas de Estado, adminis
tradas pelo poder civil; dada a impetuosidade de seu tempe
ramento apaixonado, Lutero teria mesmo levado seus discí
pulos a situacóes anárquicas ou a subordinagáo aos príncipes
alemáes. Calvino evitou éste escolho; rígido e metódico como
era, deu á sua Igreja a organizagáo mais compacta possível,
removendo a ingerencia do poder civil, ao qual o Legislador
de Genebra devotava muito pouca confianca. Asseverava que
sómente Jesús Cristo possui soberanía na Igreja, entendendo
por soberanía o poder legislativo ; quanto ao poder coercitivo,
Calvino o entregou a um conselho, dito «a Boa Companhia»
ou «o Consistorio» ou «o Conselho Presbiteriano». Éste devia
constar de pastores (isto é, ministros que dirigem urna comu-
nidade de fiéis), doutores (ministros que ensinam em altas
escolas) e presbíteros ou anciáos (meros administradores, e
nao ministros do culto ou da palavra). Os presbíteros deviam
exercer influencia preponderante nesse conselho, a ponto de
dar-lhe o nome característico de «presbiterio» ; Calvino jul-
gava que a funcáo dos mesmos correspondía a dos «anciáos»

— 393 —
ou «presbíteros» de que fala a S. Escritura (cf. At 20,17).
Note-se, por conseguinte, que a palavra «Presbiterianismo»
significa nao o regime em que o sacerdote (presbítero, no sen
tido católico) ou pastor (ministro da palavra e do culto, no
sentido luterano) é chefe, com exclusáo de bispos, mas designa
o sistema em que cada comunidade de fiéis é goyernada por
urna comissáo de anciáos eleitos pelos mesmos fiéis (na orga-
nizagáo hodierna, os presbiterios calvinistas estáo, por sua
vez, subordinados a sínodos e a concilios).
A denominagáo «Presbiterianismo» assim entendida, em-
bora se possa aplicar a qualquer fundagáo calvinista, é reser
vada para designar as igrejas calvinistas de lingua inglesa (na
Escocia, na Inglaterra, na Irlanda, nos EE.UU. da América,
ñas colonias inglesas e ñas demais nacóes para onde núcleos
de lingua inglesa emigraram). O Presbiterianismo nesses mes
mos países opóe-se ao Episcopalismo (sistema que, embora
seja protestante quanto a doutrina, conserva a hierarquia dos
bispos) e ao Congregacionalismo ou Independentismo (sistema
que atribuí a cada comunidade ou congregagáo de «santos»
absoluta autonomía em relagáo as demais e ao Estado, fi-
cando supressa toda hierarquia de poderes).

Importa agora considerar como o Presbiterianismo se diíundiu.


Faz-se mister, nos transportemos para a Escocia. Lá a Reforma
protestante comecou a penetrar em meados do séc. XVI sob a moda-
lidade luterana. John Knox (1505-1572) era um sacerdote escocés
que, tres anos depois de ordenado, aderia as novas idéias; por influen
cia das obras de Lutero e principalmente pela leitura, mal interpre
tada, dos escritos de S. Agostinho, abandonara a fé católica; o
luterano1 Wishart, que entáo pregava na Escocia, acabou de conquis-
tá-lo para a heresia. Tendo-se envolvido no morticinio do Cardeal
Beatón, passou 19 anos cumprindo penas numa galera francesa. Após
algumas peripecias devidas ao seu caráter turbulento, Knox foi ter
a Genebra onde sorveu os principios doutrinários e as normas da
organizacáo eclesiástica de Calvino; de Genebra escrevia numerosas
cartas aos nobres da Escocia, propondo-lhes as vantagens que lhes
adviriam se se apoderassem dos bens do clero; os «Lords» protestantes
escoceses constituiram entáo a «Congregacáo de Crista*, a fim de
abater a «Congregacáo de Satanaz e da idolatría»... A nova
sociedade mandou um emissário a Genebra, que persuadiu Knox de
assumir a sua diregáo — coisa que o doutrinador aceitou, desem
barcando na Escocia aos 2 de maio de 1559. De regresso á patria,
Knox sem demora pos seu temperamento inflexivel a servico da
causa calvinista; demagogo decidido, ele aparecía em público quat
profeta, com sua barba, suas magas de rosto salientes, seu olhar duro
e frió (tem sido comparado ao famoso Moisés de Miguelangelo). A
sua pregacáo violenta encontrou repercussáo: conventos foram
saqueados, estatuas quebradas, alfaias do altar profanadas. Em julho
de 1560, por efeito de guerras civis, o govérno da Escocia caiu em
máos dos protestantes escoceses. Em conseqüéncia, o Parlamento
de Edimburgo neste mesmo ano aboliu o culto católico e introduziu
o Calvinismo como religiáo do Estado: esta seria norteada pela

— 394 —
«Scotica Confessio» ou proíissáo de fé devida a Knox e pelo «First
Book oí Discipline», no qual o mesmo autor dava organizacáo calvinista
ou presbiteriana a Cristandade de sua nagáo. Os católicos, tidos por
Knox como «adoradores de Moloque ou idólatras», sofreram entáo
violenta perseguicáo; o «Reformador» reivindica va para os pregadores
do seu credo calvinista os privilegios dos Apostólos, isto é, autoridade
incontestada; tais homens utilizaram o método dos «filhos do trováo»,
pois Knox julgava encontrar na Escritura o preceito de exterminar os
católicos, que ele equiparava aos pagaos; reconhecia á comunidade
dos erentes e, erri nome desta, até aos individuos particulares o direito
de recorrer ao punhal contra a legítima autoridade civil.
O Presbiterianismo teve que lutar contra as tentativas dos reis
da Inglaterra Jaime I (1603-25), Carlos I (1625-49), Carlos II (1660-85)
e Jaime II (1685-88), os quais procuravam introduzir na Escocia o
Episcopalismo inglés. Os presbiterianos, porém, conseguiram nao
sómente resistir aos episcopais, mas até mesmo implantar as suas
idéias na Inglaterra; com eíeito, a famosa assembléia do Parlamento
inglés em Westminster, no ano de 1643, instituiu, ao menos proviso
riamente, o regime presbiteriano na Inglaterra; éste contudo nao
conseguiu prevalecer sobre o Episcopalismo, que em breve foi oficial
mente restaurado no reino inglés.
Na Escocia o Presbiterianismo triunfou definitivamente sob o
reinado de Guilherme III de Orange (1689-1702). Aconteceu, porém,
que a uniao da Escocia com a Inglaterra (vigente desde 1707) atenuou
o sistema presbiteriano, pois o govérno foi mais e mais arrogando a
si o direito de nomear os ministros do culto. Isto provocou a formacáo
de comunidades dissidentes, que em 1847 se uniram sob o nome de
«United Presbyterian Church». Pouco antes, em 1833, o Parlamento
recusara ás familias presbiterianas o direito de anular a nomeagáo
de um ministro do culto feita pelo «patrono» ou senhor tutelar de
determinada igreja; esta medida provocou em 1843 novo cisma, dando
origem á «Free Church» ou «Igreja Livre». Finalmente em 1874 o
Parlamento concedeu a cada paróquia o direito de nomear o seu
pastor, conforme a constituicáo presbiteriana. Os dissidentes da
«United Presbyterian Church» e da «Free Church» resolveram em 1900
fundir-se em um só bloco designado como «United Free Church», ao
lado do qual subsiste hoje em dia a Igreja do Estado («Established
Church of Scotland»); existem outrossim os dais pequeños grupos
independentes, ditos «Reformed Presbyterian Church» e «United
Original Seceders».
Nos EE. UU. da América, o Presbiterianismo foi introduzido
desde o séc. XVI por ¡migrantes ingleses, franceses, holandeses e
alemáes, o que provocou agrupamentos divergentes entre si no
tocante a certos pontos de doutrina ou de disciplina (relacoes da
Igreja com o Estado, permissao de órgáo e cantos populares no culto,
etc.); o bloco mais numeroso é a «Presbyterian Church in the United
States of América»; contam-se outrossim a «United Presbyterian
Church in the United States», a «Reformed Presbyterian Church of
América», a «Associate Reformed Church of (he South», a «Reformed
Presbyterian Church of Pittsburg and Ontario» e a «Colowred Church
oí the United States and Canadá» (destinada aos fiéis de raca negra).

Em 1877 por iniciativa do Professor James Me Cosh, foi


fundada em Edimburgo a «Alianga Pan-presbiteriana», a qual,
sem acarretar superioridade de um agrupamento sobre os
demais, coordena entre si os presbiterianos da Escocia, da
Inglaterra, da Irlanda, da Espanha, da Franca, da Holanda,
da Bélgica, da Suíca, da Boémia, da Morávia, da Hungría, da
África, da India, da Australia, da Nova Zelandia e de For-
mosa. A base da uniáo nao é a igualdade de doutrinas (as
divergencias teológicas subsistem entre as diversas denomi-
nagóes agrupadas), mas apenas a constituicáo presbiteriana dos
variados grupos (constituicáo segundo a qual os leigos sao
eleitos para governar as igrejas).
Analisemos agora sumariamente.

2. Os principáis traeos da mentalidade presbiteriana


Knox tinha temperamento assaz aíim ao de Calvino: ambos
tendiam á severidade extrema em vista da causa do reino de Deus
por éles idealizado. Essa Índole ardente era particularmente excitada
em Knox pela consciéncia que éste Reformador dizia possuir, de ser
profeta chamado por Deus, ou de ser um novo Elias, destinado a
lutar contra nova Jesabel (a rainha María Stuart, 1542-1568). Alera
disto, julga-se que Knox tinha o genio de legislador e organizador
ainda mais apurado que o de Calvino.

A ideología de Knox, por conseguinte, reitera as teses tra-


dicionais do Calvinismo, levando-as, porém, até as últimas con-
seqüéncias, a ponto de já se ter dito que ela associa a rudez
natural da Escocia com o rigor do Calvinismo. — O trago
dominante dessa teologia é a idéia da grandeza ou da honra
de Deus. A fim de sublinhar ao extremo a soberanía divina,
Knox, com Calvino, admitía que Deus, por um ato positivo,
predestina todos os homens, uns para a gloria celeste, outros
para a condenacáo eterna. A natureza humana nada em abso
luto pode fazer para se salvar, já que foi totalmente corrom
pida pelo pecado original.

É o que Calvino ensinava nestes termos:


«Somos produtos de sementé imunda, nascemos contaminados pela
infeceáo do pecado». «O homem é um macaco, urna bésta indómita e
feroz, um lixo»; tende «necessariamente ao mal» e «o que há de
mais nobre e aproveitável em nossas almas... está totalmente
corrompido, por muito digno que parega».

Knox portante, seguindo Calvino, negava que o livre arbi


trio seja a causa das boas obras, afirmando, ao contrario, «ser
o espirito do Senhor Jesús, o qual permanece em nossos cora-
góes pela verdadeira fé, que as produz» (Knox). Doutro lado,
é Deus mesmo quem «constrange os reprobos a fazer o mal
que Ele quer» (Calvino). Caso alguém replicasse ao Refor
mador de Genebra : «Nao compreendo isso», o mestre res
pondería : «ó bésta, quem és tu ? Ainda que todos os maiores
doutores do mundo o quisessem entender, nao o alcangariam».
Em última análise, para o Calvinismo, atribuir ao homem

— 396 —
alguma capacidade de colaborar na sua salvagáo ou reconhecer
ao cristáo algum mérito (ainda que subordinado ao Reden
tor) seria «obscurecer a gloria de Deus e erguer-se contra
Ele» (Calvino). Insistindo em exaltar o poder do Altíssimo, o
Reformador quase se comprazia em espezinhar a natureza
humana; Deus é tudo, o homem nada é; éste principio no
Calvinismo e, por conseguinte, no Presbiterianismo, devia ser
professado até as últimas conseqüéncias...
A Igreja, neste contexto, é considerada como sociedade
invisível, conhecida por Deus só e constituida apenas pelos
predestinados. A única regra de fé vem a ser a Sagrada Es
critura, cuja autoridade é tida como superior á da Igreja. Só
se reconhecem dois sacramentos: o batismo e a santa ceia;
esta nao confere o corpo e o sangue do Senhor presentes
como tais sob os sinais sacramentáis, mas apenas urna par
ticipado espiritual no corpo e no sangue de Cristo.

As proposicdes teológicas do Presbiterianismo foram recolhidas


na Confissao de Westminster (1645-1646). Hoje em dia, porém, pode-se
dizer que há tres tipos de credo presbiteriano: 1) o das Igrejas que
professam a fórmula de Westminster, admitindo, porém, certa elasti-
cidaáe principalmente no tocante á do%trina da predestinado; 2) o
das Igrejas que se recusanfá subscrever a Confissáo de Westminster;
sao os «non subscribing Presbyterians» da Inglaterra e da Irlanda;
3) o dos que se mostram ainda mais largos, muito imbuidos de
racionalismo, mormente nos conceitos da SSma. Trindade e da Encar-
nacáo.

Embora se diferencien! na fé, as Igrejas dependentes de


Calvino se revelam aparentadas entre si na Moral e na cele-
bracáo do culto.
A mentalidade puritana rigorista marca a conduta do
Presbiteriano, incutindo um zélo religioso as suas atividades,
até mesmo no setor da economia e da política. O Presbite
rianismo nascente na Escocia tendía a aproximar as classes
sociais entre si, ameagando com «os tremendos e pesados juí-
zos de Deus» os ricos, os satisfeitos, os que acaparrayam os
bens eclesiásticos, e recomendando «grande deferencia para
com os pobres irmáos que lavram e fertilizam a térra»; assim
se criou o ideal de urna teocracia igualitaria, que influenciou
profundamente o povo escocés. É Daniel-Rops quem comenta:
«O Calvinismo mais constrangedor e austero revelou a ele
mesmo- ésse povo duro, laborioso e destituido de humoor»
(L'Église' de la Renaissance et de la Reforme n. París
1955, 260).

Severos em seus costumes, assíduos leitores da Biblia, os presbi


terianos convictos zelam por guardar em tudo urna atitude honrada

— 397 —
e impecável, independencia de caráter e tenacidade inílexivel ñas
discussóes teológicas. A vista disso, o historiador protestante A. de
Mestral observava que os presbiterianos amam a sua Igreja, nao
como se ama u'a máe, mas como se ama urna íilha, isto é, nao
por causa do que recebem da Igreja, mas por causa daquilo que
lhe dáo.
O culto presbiteriano, ao menos durante os seus primeiros sáculos,
reíletia tonalidades sombrías: indiferente as expressóes da arte e da
mística, era todo dominado pela pregacao (militas vézes um sermáo
lido por um pastor), sendo a ceia raramente celebrada. Nao há
forma obrigatória para as oraches em comum; em geral é o pastor,
revestido de traje préto, quem as profere segundo seu criterio
pessoal, enquanto os fiéis escutam, uns em pé, outros sentados, outros
ajoelhados. Rigorosa é a observancia do domingo, também chamado
«sábado do Senhor», a ponto de se ter dito exageradamente que o
único pecado, para os presbiterianos, é a violacáo do sábado.
No Brasil a denominacáo presbiteriana comemora em 1959 o 1*
centenario de sua entrada em nossa térra. Constituí, após o Lutera-
nismo, o bloco mais importante pelo número de membros entre nos
(cérea de 200.000). Conta hoje em día tres subdivis8es jurídicamente
independentes urna da outra: a Igreja Presbiteriana do Brasil, a
Igreja Presbiteriana Conservadora, a Igreja Presbiteriana Indepen-
dente. Esta última se deve ao famoso gramático Eduardo Carlos
Pereira, o qual em 1903 resolveu reagir contra urna corrente de seus
correligionarios, que julgavam ser a Maconaria compatível com o
Evangelho; criou entao a Igreja Presbiteriana Independente.

O panorama atual do Presbiterianismo dividido no mundo


inteiro em grupos autónomos constituí auténtico depoimento
do que esta denominacáo significa : grande fervor religioso,
sim,... desviado, porém, pelo subjetivismo e o individualismo
para fora da estrada.

CORRESPONDENCIA MIÜDA
A. LEME (S. Paulo), L. F1LIPPE (Campiñas), M. FEIJÓ (S.
André) : Os amigos perguntam porque a Sta. Igreja nao distribuí aos
fiéis a Comunháo sob as duas especies.
A esta questáo já respondemos em "P.R." 9/1958 qu. 6; oxalá pos-
sam verificar ésse fascículo ! — Trata-se de razáo meramente histórica:
a fim de evitar o derramamento do preciosíssimo sangue do Senhor, que
parece ter ocorrido freqüentemente na Idade Media, as autoridades da
Igreja, a partir do séc. XII, foram deixando de distribuir o cálice aos
fiéis. Fazendo isto, usavam simplesmente do poder que Cristo lhes con-
fiou, de prover á disciplina no povo de Deus (cf. Mt 16,19 ; 18,18) ;
nao derrogaram em absoluto a algum mandamento do Senhor, pois
1) o cálice continua a ser consagrado, assim como o pao, em toda
celebragáo eucarística ; nao há Missa sem pao e vinho ;
2) nao apenas o corpo de Jesús está presente sob as aparéncias do
pao, nem apenas o sangue sob as aparéncias do vinho consagrado, mas
Corpo, Sangue, Alma e Divindade estáo inseparávelmente presentes tanto
na hostia como no vinho consagrados. Jesús se encontra na Eucaristía
como Ele se encontra no céu atualmente ; se o seu corpo na Eucaristía

— 398 —
estivesse realmente separado do sangue, Cristo estaría de novo a padecer
e agonizar — o que é impossível, conforme Rom G,9s. Por conseguinte
quem apenas ingere a hostia consagrada, recebe verdaderamente o corpo
e o sangue do Senhor, como ordena Cristo em Jo 6,54. — Note-se, alias,
que nesta táo citada passagem Jesús nao manda "distribuir o cálice",
mas manda "tomar o seu sangue" — coisa esta que se pode realizar sem
aquela, segundo acabamos de expor.
3) Na S. Missa celebrada em rito maronita, bizantino, armenio, etc.
em populacóes orientáis unidas á Sta. Igreja, distribui-se a comunháo
sob as duas especies (no Oriente os motivos de disciplina nunca provo-
caram a supressáo do cálice). Aos fiéis latinos é perfeitamente lícito
comungar nesses ritos orientáis celebrados por comunidades filiadas ao
Vigário de Cristo ; a S. Missa e a S. Comunháo sao a mesma realidade,
independentemente do idioma e do quadro de cerimónias em que sejam
oficiadas.
D. ALEIXO (Rio de Janeiro): Sim ; o movimento seria lícito. A
Sta. Igreja é Máe ; somos seus filhos ; ora é lícito aos filhos apresentar
á sua Máe as suas aspiragóes ; fagam-no, porém, com espirito verdadei
ramente filial, isto é, submisso. — O trámite normal seria dirigir-se ao
Exmo. Sr. Bispo diocesano, a quem compete encaminhar as sugestóes
dos fiéis á J^anta Sé.
M. F. (Campiñas): Pelágia, jovem de 15 anos, foi surpreendida em
casa por soldados, que a queriam prender, durante a perseguigáo de
Diocleciano aos cristáos no inicio do séc. IV. Receando entáo ser violada
em sra virgindade, atirou-se pela janela e pereceu ¡mediatamente. Nao
obstante, é tida como santa e mártir. — Como se explica que urna sui
cida (a quanto parece) possa ser honrada com tais títulos ?
— A ninguém é lícito cometer um ato que por si e diretamente
ponha termo á sua própria vida, pois Deus é o único Senhor da vida
humana ; esta nos foi confiada como depósito, que devemos conservar
zelosamente, mesmo que tal encargo seja penoso. Nem a título de pre
servar a virtude ou a castidade é permitido a urna jovem recorrer ao
suicidio, pois, de um lado, a integridade do corpo é um bem inferior á
própria vida do corpo ; de outro lado, no tocante á "integridade da
alma", a virgem deve contar com a graga de Deus necessária para supe
rar o perigo de consentir no pecado contra a castidade ; em vez de se
suicidar a fim de nao pecar, confie no auxilio do Senhor, que nunca
póe seus fiéis em inevitável obrigagáo de cometer o mal. A virgem que
resista á violagáo, nao traz a culpa do pecado que contra ela seja
cometido.
Só seria lícito a alguém, ñas circunstancias indicadas, atirar-se pela
janela, caso houvesse esperanga de nao morrer em conseqüéncia de tal
gesto. É o que se deve ter dado na historia de Sta. Pelágia : morreu,
embora nao tenha tido a intengáo de por termo á vida; visava únicamente
evitar um grande mal, numa situagáo precipitada, em que nao lhe res-
tava muito tempo para deliberar sobre o recurso mais adequado. Cf. S.
Tomaz, Suma Teológica II/II qu. 64, a. 5, ad 3.
LEAL, MAS ALERTA (Rio de Janeiro) :
1) Que pensar de urna instituigáo ou de um individuo que se diga
"cristáo espiritualista" ?
— Em resposta, observe-se o seguinte :
a) O predicado "espiritualista" em si pode designar a pessoa ou
a entidade que professe a existencia de um ser real nao material ou nao
dimensional, chamado "espirito". "Espiritualista" opor-se-ia a "materia
lista"; neste caso todo cristáo é realmente espiritualista; dir-se-á mesmo

— 399 —
que a nogáo de "espiritualista" já está incluida na de "cristáo", de sorte
que a expressáo "cristáo espiritualista", entendida no sentido ácima, é
pleonástica e redundante.
b) Na verdade, hoje em dia os que se dizem "cristáos espiritualis
tas" nao professam mero pleonasmo, mas professam .(talvez sem o saber
ou de boa fé) algo que nao é cristáo. A expressáo "espiritualista", na li
teratura religiosa de nossos tempos, tem geralmente sabor teosófico,
rosa^cruciano, kardecista ou ocultista, envolvendo doutrinas frontal-
mente alheias ao Evangelho, como sejam a da reencarnacáo (cf. "P.R."
3/1957, qu. 8,), a do panteísmo ou monismo (cf. "P.R." 7/1957, qu. 1).

plesmente nao é cristáo, porque a profissáo de cristáo ele acrescenta


algo que destral totalmente a ideología crista.
O prezado amigo apresenta varias outras dúvidas, ás quais com pra-
zer responderíamos por carta, caso soubéssemos a que enderezo nos diri
gir. Na falta disto, devemo-nos contentar com o exiguo espago da "Cor
respondencia Miúda".
2) O limbo (cuja existencia nao constituí dogma de fé, mas sen-
tenga comum entre os teólogos) nao é condenagáo ; as criancas que lt^
se achem, nao sofrem ; ao contrario, gozam da bem-aventuranga que
está ao alcance da natureza humana como tal ; cf. "P.R." 10/1958, qu. 5.
O que o batismo confere, é algo de totalmente gratuito, ou seja, a filia-
gáo divina sobrenatural, com a possibilidade de se ver a Deus face a face.
3) Em Cristo nao há transígáo do finito (humano) para o Infi
nito (Divino), mas a natureza divina e a humana, sem confusáo, subsis-
tem como tais sob um só EU ou urna só personalidade (a Divina).
4) As razóes por que as mulheres nao tém acesso ao sacramento
da Ordem, estáo expostas em "P.R." 1/1957, qu. 4. Esperamos tratar
em breve do chamado "sacerdocio dos leigos".

UM CURIOSO (Aracaju) : Recebemos as cinco perguntas de V.S.


Procuraremos responder-lhes aos poucos através destas páginas. Tería-
mos prazer em fazé-lo sem demora por carta, caso tivéssemos o neces-
sário enderego.
Na verdade, o texto de Ecl 3,19-21 nao nega a imortalidade da alma.
Veja a propósito : E. Bettoncourt, Para entender o Antigo Testamento

^^.',lV-í-«".¿/Vf'-V. D. EST6VA0 BETTENCOUBT^O. S. B.


.:"'■' .
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.......
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•-, ,
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..^P* E RESPONDEREMOS»
REDACAO ADMINISTEACAO
Cabía Postal 2666 B. Real Grandeza, 108 — Botafogo
Bio de Janeiro Tel. 26-1828— Rio de Janeiro

Assinatura anual: Cr$ 150,00


Número avulso de 1959: Cr$ 15,00 1
Número atrasado de 1957 ou 1958 : Ct% 20,00

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