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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMCS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razio da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO I

J U L H

1 9 6
ÍNDICE

. P&g.

I. CIENCIA E RELIGIAO

1) "Hoje em dia multo se fala da fñrga da sugestáo...

Haverá base real para atribuir táo ampios poderes á su-


gestdo ?" 275

II. DOGMÁTICA

2) "Poder-se-ia fazer um bataneo de quanto até agora se


disse e fez em vista do próximo Concilio Ecuménico ?" 281

3) "Qnal tem sido a atitude dos cristdos ■ndo-católicos frente


aos preparativos do próximo Concilio Ecuménico ?" 293

III. SAGRADA ESCRITURA

i) "Que pensar do texto do Evangelho de Sao Joáo 5,3b-4,


que refere a descula de um anjo na piscina de Bezata, cuja agua
entáo se movía para curar um doente ?

Tratase de passagem auténtica, a referir genuino milagre,


ou, antes, de texto espurio t" 299

TV. LITURGIA

5) "Que significa a genuflexao ?

Nao exprime um ato de adoragáo, que os católicos prestam,


aos anjos e santos, contrariamente as indicagóes da Sagrada Es
critura? Nesta se lé que os anjos e Sao Pedro recusaram a ge-
nuflexdo que outras criaturas Ihes quiseram. prestar (cf. At 10,25s;
Apc 19,10; 22,8s)" 301

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

a) "Tem chamado a atengdo um livro do escritor francés Ro-


ger Peyrefitte intitulado 'As chaves de Sao Pedro'. Sob forma de
romance, parece apresentar aspectos íntimos e desconhecidos do
Vaticano. Que crédito se Ihe pode dar ?" 307

7) "Que há de positivo sobre a reliquia- dita 'do Santo Pre


juicio' ?" ■ ■ 307

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano IV — N' 43 — Julho de 1961

I. CIENCIA E RELIGIÁO •

LEITOR AMIGO (Volta Redonda):

1) «Hoje cm dia multo se fala da forea da sngestáo...


Haverá base real para atribuir táo ampios poderes a sugestáo?»

A fim de avaliar devidamente o significado das sugestóes


na vida cotidiana, desenvolveremos primeiraménte o conceito
de sugestáo; a seguir, examinaremos as influencias precisas
que esta pode ter no comportamento de urna pessoa; formu
laremos, por fim, algumas conclusóes práticas da exposicáo.

1. O conceito de sugestáo

1. Partamos de um fato obvio: há certos agentes que,


ao se exercerem sobre o nosso organismo, provocam da parte
déste urna reagáo espontánea, totalmente independente da nos-
sa consciéncia e da nossa vontade : assim o aumento de tem
peratura do ambiente provoca a secregáo de suor; o frío sus
cita arrepios; a consideragáo de alimento excita a prodügáo
de saliva, etc. Tais reagóes sao chamadas «movimentos refle-
xos» (desencadeados pelo sistema nervoso), e «.. .reflexos in-
condicionados», porque nao dependentes de intervengáo da
vontade do paciente; sao instintivos, imediatos, naturais.

2. Admita-se agora que, juntamente com um excitante


natural ou náo-condicionado, exerga sua agáo sobre o orga
nismo de determinado individuo um excitante indiferente e
arbitrario.

Exempllíicando: digamos que, ao mesmo lempo que se apresenta


um pedaco de carne a um cao, se faca soar o toque de urna campaínha;
o cao reage naturalmente ensalivando a boca, sob a a cao tanto do
excitante absoluto e natural (a, apresentaejio da carne) como do ex
citante indiferente (o toque de campainha, o qual par sua natureza
mesma nao tem relaca o com a saliva na bSca).

Ora por repetigáo da experiencia verifica-se que aos pou-


cos o organismo estabelece urna relagáo entre o estímulo indi
ferente (toque de campaínha) e a reagáo natural (ensalivagáo

— 275 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 1

da boca), de modo que, mesmo sem apresentagáo de carne, o


som da campainha passa a provocar a secregáo de saliva no
animal (como se o som da campainha tivesse o odor e o sa
bor de carne). Tal reacáo é chamada «movimento reflexo con
dicionado», porque é algo de convencional, dependente de
aprendizagem. •

O estímulo indiferente que, por efeito de treinamento. se torna


capaz de desencadear determinada reacáo biológica, é chamado «es-
timulo-sinab ou simplesmente «sinab; tais sao certos sons, toques,
efeitos luminosos..., que provocam reflexos condicionados tanto no
homem como nos animáis irracionais.

3. Note-se agora que no homem, ser inteligente, o sinal


pode ser substituido por um som de voz articulado, isto é, por
urna palavra. Esta tem entáo a fungáo de despertar na mente
do ouvinte a idéia do sinal convencional, o qual, por sua vez,
provoca o reflexo condicionado; a palavra, em conseqüéncia,
é tida como «sinal de sinal» ou como «signo-sinal».

Desenvolvendo o exemplo citado, digamos o seguinte: em vez de


fazer soar a campainha provocadora de saliva, pronuncie-se aos ouvi-
dos de um homem a simples palavra «campainha», sem o acompanha-
mento de toque metálico algum... Estas poucas sílabas «cam-pa-í-
nha» váo entáo suscitar na imaginagáo do ouvinte o som mesmo da
campainha; e éste som imaginario, a seu turno, val produzir a en-
salivagao da bdca.

Pois bem; a palavra destinada a produzir tais efeitos é a


que se chama «palavra de sugestáo» ou «a sugestáo». — A
esta altura é preciso frisar bem que a agáo da sugestáo fica
de todo inconsciente e independente da vontade do sujeito que
reage.

4. Demos mais um passo na explanagáo do assunto : para


obter tal reflexo, nao é necessário nem mesmo que se pronun
cie o vocábulo «campainha»; pode, ser suficiente que o opera
dor, em silencio, mostré urna campainha ou (o que é menos
ainda) urna imagem de campainha ao paciente; entáo a ensa-
livacáo se seguirá automáticamente...

5. E, por fim, note-se ainda: pode bastar que o próprio


individuo sózinho, por sua iniciativa, pense na campainha, no
som desta ou na palavra «cam-pa-i-nha». Sofrerá igualmente o
efeito do reflexo condicionado. Tem-se, em tais casos, o que se
chama a «auto-sugestáo», a qual depende de mera imagem
mental, dispensando a acáo de qualquer estímulo do exterior.

— 276 —
A SUGESTAO E SUAS INFLUENCIAS

Ora o setor da auto-sugestáo é vastíssimo; a ocorréncia


déste fenómeno é muito mais freqüente do que comumente
se julga.

Verifica-se, com efeito, em muitos casos de doenca ou de com-


portamento patológico: a pessoa reage como doente porque, por con-
vengao meramente arbitraria e subjetiva, imagina coisas que provo-
eam no seu organismo reagóes biológicas anormais ou doentias; para
curar-se, é entáo necessário e suficiente que nao queira comportar-se
como doente e reaja enérgicamente contra a auto-sugestáo.
A auto-sugestáo tem lugar outrossim em muitos casos de cura
obtidos por meios irracionais náo-científicos (como no curandeiris-
mo, em sess6es espiritas, em sessdes pentecostais, etc.); cf. «P.R.»
32/1960, qu. 2. Também muitos e muitos dos fenómenos surpreen-
dentes do espiritismo provém do fato de que a assembléia na sessáo
está inconscientemente sugestionada: varias das pessoas participan-
res estáo, como se diz, «sinalizadas» mesmo sem o saber, ou seja,
estao em condigSes psicológicas de expectativa tais que reagirao de
determinado modo (entrando em transe, em contors3es automáticas,
bebendo ou fumando além de qualquer medida razoável, etc.), por
efeito de cenário solene, diálogos, ritos, música, batuque, cantos e
dangas prolongadas durante horas a fio (é em geral á alta noite,
já estando bem adiantada a sessáo, que «os espiritos baixam» e se
verificam as convulsóes e outros fenómenos portentosos).

É precisamente ao alcance ou aos efeitos da sugestáo que


vamos agora de maneira explícita voltar nossa atencáo.

2. Efeitos da sugestáo

A escola do dentista russo I. Pavlov dedicou-se, de modo parti


cular, ao estudo dos reflexos condicionados, possibilitando importan
tes conclusóes no setor da sugestáo.
Eis tres das principáis:

1) Por via de sugestáo podem-se provocar efeitos que


nao se obteriam pelo esfñrco da vontade. *•

Na verdade, certas fungóes do organismo humano, ainda


que escapem ao controle da vontade, sao influenciadas por
sinais ou palavras de sugestáo : disturbios gástricos, úlceras,
reumatismo, artrites, asma, enxaquecas, hemorragias espon
táneas, urticarias, verrugas e outros males funcionáis podem
ser submetidos a tratamento de sugestáo com notáveis resul
tados positivos.

Pode acontecer mesmo que a sugestáo neutralize por completo


os efeitos de um estímulo natural assaz intenso. É o caso, por exem-
plo, do paciente ao qual, em estado de sonó, o experimentador dé
a beber urna solucáo concentrada de acucar, sugerindo-lhe : «É agua
destilada»; já aconteceu que, em conseqüéncia da pocao, o conteudo
de acucar no sangue nao sómente nSo se tenha aumentado, mas no

— 277 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»» 43/1961, qu. 1

inicio da experiencia tenha chegado a diminuir. Vice-versa, verifi-


cou-se que agua pura apresentada como bebida acucarada provocou
excesso de acucar n.> organismo.
Algo de análogo se registra no uso de bebidas alcoólicas. FortG
dose de álcool, oíerccida explícitamente como se íósse agua destüa-
da, nao produziu, em muitos casos, afeito algum da embriaguez; ao
contrario, agua pura, apresentada como bebida alcoólica, produziu
estado de embriaguez, chegando o eletrocardiograma do paciente
a acusar modificacfies correspondentes á acáo do álcool no organis
mo. Também os eíeitos da morfina puderam ser neutralizados pela
sugestao da palavra (dados publicados por K. Platonov, na obra «A
Palavra como Fator Fisiológico e Terapéutico». Moscou 1958).

2) As sugestoes tém influencia mesmo em estado de


vigilia do paciente e em pessoas aparentemente indiferentes a
sugestao.

O efeito da sugestao, portante, nao depende de hipnose


ou de estado de transe provocado; a sugestionabilidade também
nao é necessário indicio de estado patológico nem de exigua
capacidade intelectual (debilidade mental); pode registrar-se
em toda e qualquer pessoa normal, sendo que individuos apa
rentemente refratários á sugestao vieram a mostrar, no decor-
rer das experiencias, notável receptividade.

3) A sugestao feita por meio de sinais convencionais (ou


indireta) pode ser aínda mais eficaz do que a sugestao expres-
sa pela palavra (ou direta).

Os estudiosos estabeleceram mesmo o seguinte principio:


«A sugestao é tanto mais penetrante quanto mais dissimulada
ou indireta». É nessa dissimulagáo que, em parte, reside o es-
tranho poder dos mistificadores.

Compreende-se bem tal conclusáo : a palavra direta, transmitindo


do seu modo urna ordem ou um imperativo, pode instintivamsnte
provocar no ouvinte urna atitude de reserva ou de defesa. Ao con
trario, os sinais aparentemente neutros ou nao inspirados por urna
atitude de eheíe (como passes, «aguas fluídicas», rituais de benze-
deiros...)1 deixam o paciente muito mais propenso a crer na inter-
vengao da Divindade ou muito mais aberto á acáo dos estímulos e
da sugestao. Consta por experiencia que muitas pessoas ñas quais
a sugestao direta (a palavra de conselho ou de comando) nenhum
efeito teve se deixaram levar pela sugestao indireta (isto é, pela
apresentacáa de um objeto simbólico ou a aplicacáo de um ritual).
Quanto aos milagres que os fiéis católicos dizem obter por sua
fé e suas preces, sabemos que a Igreja faz questáo de averiguarse
nao sao meros efeitos de sugestao. Daí o rigoroso exame psicológi
co e médico a que Ela os submete antes de se pronunciar sobre o
valor religioso de tais portentos. Cf. «P. R.» 11/1958, qu. 1.
Múltiplas e importantes sao as conseqüéncias práticas do que
acaba de ser dito. Interessa-nos aqui focalizar de modo especial tres
dentre elas.

— 278 —
A SUGESTAO E SUAS INFLUENCIAS

3. Aplicacóes concretas

Consideremos abaixo algo referente a médicos, a pais e


educadores, concitando com urna aplicagáo de interésse geral.

a) Médicos. Diz-se, com razáo, que todo médico, no con


tato com os seus doentes, vem a fazer, direta ou indiretamen-
te, o papel de psicoterapeuta. Sim; ao conversar com o pacien
te (as vézes pela simples entonagáo de voz, outras vézes por
seus gestos apenas), o médico se torna, quicé, sem o perceber,
um sugestionados muito apto a animar ou desanimar o enfer
mo. Destarte se entende que os médicos observem reserva e
prudencia ao comentarem com os doentes as respectivas mo
lestias; evitem toda a erudigáo desnecessária, que só contri
buiría para mergulhar o enfermo ñas preocupagóes decorren-
tes do seu caso, «impressionando-o» nocivamente.

É também fato comprovado que a leitura de dicionários e ma-


nuais de medicina, em vez de beneficiar, pode prejudicar gravemen
te bom número de pessoas, principalmente se já estáo doentes; des-
perta nelas, muitas vézes sem fundamento, a impressáo de estarem
afetadas de tal ou tal enfermidade, o que equivale a torná-las real
mente enfermas ou ainda mais enfermas.

b) Pais e educadores. Ocupam lugar de grande relevo


no setor da sugestáo, pois lidam com seres humanos que, por
estarem ainda em formagáo, se acham numa fase de recepti-
vidade e sugestionabilidade naturais. A experiencia ensina que
pais e pedagogos, mediante o uso inconsiderado da palavra,
podem desajustar psíquicamente os seus filhos ou pupilos.

Predizendo aos jovens, por exemplo, mau éxito nos exames ou


incapacidade. para obtar tal diploma e seguir a respectiva carreira,
arriscam-se a' inibi-los de maneira definitiva. A máe que intenciona
combater as atitudes vaidosas de sua íilha, afirmando-lhe que ela
é feia, corre o perigo de lhe causar grave daño por todo o resto da
vida.

c) Enfim a todos os membros da sociedade convém to


mar consciéncia do vasto alcance de tal tipo de sugestao que
é chamado «o exemplo». Éste influí as vézes muito mais do
que a palavra explícita, porque cria diretamente urna vivencia
ou urna corrente de vida, que interpela tácitamente as pessoas
próximas.

Nao é raro falar-se hoje em dis» do poder sugestionador de jor-


nais, romances, filmes e teatros; com certa graca, em; >tom atraente
e, á primeira vista, despretencioso, vao narrando episodios que, de
artificiáis, tendem a se tornar reais. isto é, tendem a se converter

— 279 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 1

em historias vividas e imitadas na realidade cotidiana dos leitores e


espectadores.
A fórca do exemplo, porém, nao íica reservada apenas aos ór-
gaos de publicidade; pode ser utilizada par todo e qualquer cidadáo.
Assim urna pessoa que em silencio e modestia cumpra fielmente o
seu dever, representa um valor para a coletividade, mais aínda por
aquilo que ela é do que por aquilo que ela diga. Análogamente,quem
é infiel & sua tarefa constituí grave detrimento para todos; causa
urna nódoa no seu ambiente, a qual de longe ou de perto afeta a
todos os que entram em contato com ésse ambiente.

Sao palavras do Pe. Charles de Foucauld:

«O homem pratica o bem nao na medida daquilo que ele diz,


mas, sim, na medida daquilo que ele é».

Por sua vez, o Imperador Napoleáo assim aludía ao poder do


exemplo singelo de sua genitora:

«É á minha máe e aos seus bons principios que devo o éxito


de minha carreira e todo o bem que eu tenha praticado».

Além de valorizar o exemplo ou o comportamento tácito


(sustentado com simplicidade e perseveranca dia por dia), os
estudiosos lembram que o estado de ánimo do individuo tam-
bém é poderoso veículo de sugestáo. Nao há dúvida, tanto o
entusiasmo, o otimismo e a convicgáo pessoal, como o desáni
mo, o pessimismo e o ceticismo de um membro da comunidade
afetam os demais membros: o bom éxito de um empreendi-
mento pode depender, de maneira decisiva, do otimismo de
urna pessoa que se irradie contaminando os companheiros; pa
ralelamente, o malogro pode ser acarretado pelo derrotismo
de algum dos colaboradores.
Tais afirmaeóes se tornam ainda mais significativas desde
que se passe do plano natural para o plano sobrenatural ou cris-
táo. O discípulo de Cristo é chamado pelo Senhor para ser sal da
térra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-15) ou para ser o bom odor
de Cristo na sociedade (cf. 2 Cor 2,15s); o qud quer dizer: o
cristáo é, por dom de Deus, dotado de um poder de influencia
particularmente forte: já pela sua presenga fiel e modesta no
seu ambiente familiar ou profissional ele há de ser um sinal
vivo de Deus e da Redengáo no mundo.

Estas consideracdes devem estimular profundamente o homem


que em pleno séc. XX aspire a um nivel de vida social menos disso
luta. Por vézeá ouve-se apergunta desanimada: como remar contra
a corrente impetuosa dos males moráis contemporáneos? A resposta
é mais fácil do que talvez se pense; trate cada homem de bem (prin
cipalmente cada cristáo) de nortear mais e mais a sua vida segundo
a lei de Deus e do Evangelho, e verá que o seu ambiente se trans
formará . Creta assim na fórca da sugestáo,... e dessa sugestáo que
está ao alcance de todos e que é chamada «o exemplo».

— 280 —
CONCILIO ECUMÉNICO: PREPARATIVOS

É S. Agostínho quem diz :

«Considerai os bons, que haveis de imitar. Sede bons, e encon


trareis homens bons. Se, porém. vos entregardes á prática do mal,
crereis que todos sao maus; ora isto é falso, enganar-vos-eis. Sede
bons, e nao vos íicará oculto o bem; o semelhante vai ao encontró...
do semelhante.
Videte bonos, quos imitemini; estote, et invenietis. Si autem mali
esse coeperitis, omnes malos esse credetis, et mendacium est, falli-
mini. Estote, el non vos latebit. Simile ad simile occurrit» (serm.
ed. Morin 501).

H. DOGMÁTICA

ENGENHEIRO (Sao Paulo):

2.) «Poder-se-ia fazer um balando de quanto até agora


se disse e fez em vista do próximo Concilio Ecuménico?»

Em nossa resposta, supondo o que já foi dito em «P. R.»


18/1959, qu. 2 e 3 sobre a natureza, as funcóes e o histórico
dos concilios ecuménicos, deter-nos-emos primeiramente sobre
os passos principáis já dados, e ainda por ser dados, para a
realizacáo do próximo Concilio Ecuménico (desde já, designa
do como «II Concilio do Vaticano»); a seguir, examinaremos
o que se refere ao temario ou aos assuntos a ser provávelmen-
te abordados pelo mesmo.

. 1. As etapas do percurso

1. O Concilio do Vaticano (20' ecuménico) em 1870 foi


prematuramente suspenso por irrupcáo da guerra franco-ale
ma, deixando inacabado o seu programa de estudos (que ver-
savam, em grande parte, sobre a natureza da Igreja).
A necessidade de se prosseguir o grande certame lazia-se sentir
na Igreja quando o Santo Padre o Papa Pío XI em sua primeira en
cíclica («Ubi arcano Dei») no ano de 1922 houve por1 bem observar:

«Nao ousamos decidir-Nos a proceder, sem mais, á reabertura do


concilio ecuménico iniciado pelo Santo Pontífice Pío IX..., concilio
que só levou a termo urna parte (muito importante, alias) do seu
programa. O motivo da nossa hesitacáo é que desejamos, como o
célebre guia dos israelitas (Moisés), esperar, na atitude suplicante
da oracjío, que Deus, bom e misericordioso, nos manifesté mais cla
ramente ~a sua vontade».

Aguardando essa manifestacáo, Pió XI, pouco depois, mandava


a urna comissáo tíe teólogos que tomasse em máos as Atas do Con
cilio I do Vaticano e se encarregasse de preparar o eventual reata-
memo dos trabalhos do mesmo concilio.

— 281 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 2

Terminado sem novidade, nesse setor, o govérno de Pie XI, o


Sto. Padre Pió XII também se mostrou solicito pelo assunto: sob as
suas ordens. durante varios anos um grupo seleto de eclesiásticos
trabalhou no planejamento de novo Concilio (conforme declaracSo
feita pelo Cardeal Tardini após a marte de Pió XII, isto é, aos 20 de
outubra de 1959); o mesmo Pontífice levou o Cardeal Constantini a
redigir uní esquema de estudos de 200 páginas, tendo ern vista um
concilio sdbre a unidade dos cristáos no mundo.

2. Ora logo nos primordios do seu Pontificado o Santo


Padre Joáo XXIII, aos 25 de Janeiro de) 1959, anunciou final
mente a convocagáo de um Concilio Ecuménico, obedecendo
(como S. Santidade mais tarde explicou) a urna inspiragáo
sobrenatural:

«Consideramos como inspiracáo de Deus o fato de que, pouco


após a nossa elevacáq á Sé Apostólica, nos veio, qual flor espontánea
de inesperada primavera, a idéia de celebrar um concilio ecuméni
co» («Motu proprio» de 5 de junho de 1960).

Sem delongas, ou seja, aos 18 de maio de 1959 (festa de


Pentecostés), foi instituida oficialmente urna Comissáo Ante-
-preparatória do Concilio, presidida pelo Cardeal Domingos
Tardini, a qual entrou em contato com os bispos do mundo
inteiro, os nuncios, os Superiores Maiores das Ordens e Con-
gregacóes Religiosas, as Universidades e Facilidades Católicas,
pedindo as sugestóes de cada qual para a elaboragáo do pro
grama de estudos do magno certame. As respostas foram
chegando a Roma, as mais variadas possíveis, num conjunto
de cérea de 3.000 (aproximadamente 80 % de corresponden
cia ás solicitacóes feitas), todas muito francas, algumas equi
valentes a verdadeiras brochuras. A Comissáo as classificou
ordenadamente, fichou-as conforme a importancia dos assun-
tos abordados e os países de sua origem; finalmente mandou-as
para o prelo, donde saíram quinze volumes impressos.
Esta primeira etapa preparatoria encerrou-se por volta
de Páscoa de 1960. O seu significado merece ser realcado : ela
manifesta a tendencia do Santo Padre Joáo XXIII a valorizar
de modo especial a voz comum do episcopado, assim como dos
fiéis do mundo inteiro; nao há dúvida, o Papa conserva sua
suprema autoridade, que ele pode exercer, em assuntos de fé
e costumes, sem recorrer a contribuigáo doutrinária e visível
dos bispos; a convocagáo, porém, e os preparativos imediatos
do Concilio visam realgar que o ensinamento do Sumo Pon
tífice nao é algo de heterogéneo na Igreja; nada tem de dita-
torial ou arbitrario, mas em última análise nao constituí se-
náo a cristalizagáo do senso comum de toda a Santa Igreja,

— 282 —
CONCILIO ECUMÉNICO: PREPARATIVOS

a partir do mais humilde dos fiéis. Num concilio ecuménico o


Santo Padre se pronuncia de comum acordó com os bispos do
mundo inteiro, depois que cada um déstes forneceu suas expe
riencias e seu parecer (positivo ou negativo); assim se mani-
festa que aos bispos postos em comunháo com o Papa toca
individualmente urna parcela do poder doutrinário e legisla
tivo da Santa Igreja.

3. Na segunda etapa preparatoria, que está atualmente


em curso, foram instituidas, de acordó com os temas aponta-
dos nos depoimentos colhidos, dez Comissóes e dois Secreta
riados, além de urna Comissáo de cúpula ou central e dois
Comités laterais (um, encarregado do Cerimonial do Concilio,
e o outro, do financiamento respectivo). Aos 14 de novembro
de 1960, o Santo Padre, em solene sessáo, inaugurou oficial
mente os trabalhos dessas equipes, de sorte que atualmente
cerca de 730 pessoas (teólogos e juristas) se acham, em Roma
e fora de Roma, entregues a intensa atividade de estudos, re-
dacáo de pareceres, reünióes deliberativas, etc.; já que varios
désses estudiosos nao residem na Cidade Eterna, é por corres
pondencia postal que éles entram em contato com os colegas
de trabalho.

A lista completa dos membros das Comissoes e Secretariados


abrange aproximadamente 50 Cardeais, 215 Patriarcas, arcebispos e
bispos, 218 prelados e sacerdotes seculares, 239 Religiosos e 8 leigos,
escolhidos através dos cinco continentes do mundo, entre as figuras
de maior competencia na Santa Igieja. O Santo Padre, após ouvir
bispos, nuncios, Superiores Gerais de Ordens Religiosas e especialis
tas, os designou oficialmente, podendo ampliar o quadro respectivo,
conforme as exigencias das futuras tareías. Também os países da
Cortina de Ferro estáo representados nesse conjunto: a Polonia, com
11 nomes; a lugoslávia, com 10; a Uteránia. com 5; a Ruménia, com
3; a Hungría, com 3; a China, com 3; a Lituania. com 1; a Rússia,
com 1 (emigrado, como bem se entende).

Das doze equipes mencionadas, tres constituem órgáos de


trabalho que até agora nao tiveram similar na historia da
Igreja. Sao a Comissáo do Apostolado dos Leigos, o Secreta
riados dos Meios modernos de Difusáo (imprensa, radio, tele-
vlsáo, cinema) e o Secretariado em prol da Uniáo dos Cristáos;
constituem indicio de: quanto a Santa Igreja vai acompanhan-
do a vida moderna e as novas questóes que esta suscita hoje
em dia.

4. Eis o catálogo completo das Comissóes de Estudos do


Concilio:

— 283 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 2

1) Comissáo de Teología

Presidente: S. Em. o Cardeal Alfredo Ottaviani.


Secretario : Pe. Sebastiáo Tromp S. J.

A Comissáo é de importancia particular. Déla se espera o es-


tudo de certas doutrinas que requerem íormulacao mais precisa pe-
rante as necessidades e dúvidas do mundo atual: tais seriam prin
cipalmente as questdes concernentes á S. Escritura e á sua interpre-
tacáo, á estrutura da Igreja e ás funcSes dos bispos, ao papel dos
leigos no Corpo Místico. É de notar que nesta Comissáo foram in
cluidos, como consultores, dois sacerdotes que nos últimos anos mui-
to se salientaram por dar especial atencáo á mentalidad© moderna:
o Pe. Yves Congar O.P e o Pe. Henri de Lubac S.J.

2) Comissáo dos Bispos e do Govérno das Dioceses

Presidente: S. Em. o Cardeal Paulo Marella.


Secretario : Mons. José Gawlina.

A Comissáo deve provávelmente estudar a concessáo de mais


ampios poderes aos bispos no regime de suas dioceses, assim como
as relacóes entre o Prelado Diocesano e os Religiosos no exercicio
da cura de almas. Merecer-lhe-á também especial atencáo o proble
ma do fluxo e refluxo de populacoes em nossos dias, ás quais a Sta.
Igreja tem procurado dar assisténcia religiosa. A América Latina,
com seus problemas, parece estar no centro dos horizontes desta Co
missáo.

3) Comissáo da disciplina do clero e do povo cristáo

Presidente: S. Em. o Gardeal P. Ciriaci.


Secretario : Pe. Cristóváo Berutti O.P.

No setor de atribuigoes desta Comissáo, o termo «disciplina» tem


sentido muito largo: abrange as necessidades de nova reparticao
do clero e de organizacáo de paróquias, a fim de se assegurar a cura
de almas em regiSes desprovidas e melhorá-la onde ela já existe. A
Comissáo posslvelmente interessar-se-á pela assisténcia aos sacerdo
tes idosos, pelo clero domiciliado dentro da Cortina de Ferro e pelos
padres vitimas de grave queda moral; poderá considerar outrossim
o uso do hábito talar hoje adotado. Nao deixará de atender, por
outro lado, ao que diz respeito á atualizagáo da catequese e do ensi-
no religioso do povo cristáo,... ao desenvolvimento das associacoes e
confrarias religiosas.

4) Comissáo dos Religiosos

Presidente: S. Em. o Cardeal Valerio Valen.


Secretario: Pe. José Rousseau O.M.I.

Esta Comissáo deve localizar problemas de recrutamento das


Ordens e CongregacSes Religiosas, multiplicacáo de instltuicoes simi-

— 284 —
CONCILIO ECUMÉNICO: PREPARATIVOS

lares (que dispersam as fArcas, em vez de as concentrar), adaptado


ás circunstancias da época atual (principalmente certas lamillas re
ligiosas femininas se ressentem de um género de vida pouco condi-
zente com a realidade do séc. XX), trabalho e clausura das monjas;
também merecerá especial carinho o agrupamento dos Religiosos em
Conferencias que possibilitem a melhor realizacáo de tarefas comuns.

5) Comissáo dos Sacramentos

Presidente: S. Em. o Cardeal Aloísio Masella.


Secretario : Pe. Raimundo Bidagor S.J.

Entre os temas a ser examinados por esta Comissáo, assina-


lam-se varios de grande importancia prática: assim, no tocante ao
sacramento do matrimonio, urna nova formulacáo de certos impedi
mentos, entre os quais o de «honestidade pública» (impedimento exis
tente entre um varáo e as consanguíneas de sua <»ncubina, e vice
versa); a ulterior determinacáo de outros impedimentos á luz dos
progressos atuais da Medicina (tenha-se em vista principalmente a
impotencia; cf. «P. R.» 11/1958, qu. 6). — A propósito do sacramen
to da Ordem, presume-se venha a ser considerada a restauracáo das
funcoes do diaconato e das ordens menores (ostiario, leitor, exorcis-
ta e acólito). No setor da Eucaristía, há quem multo deseje a res-
tauragáo da S. ComunhSo sob as duas especies para todos os liéis,
assim como certas remodelacoes dos livros da S. Liturgia que tor-
nem o culto católico mais claro e significativo. Também se julga
possam ser estudadas novas concessaes de jurisdicáo aos sacerdotes
para administrarem mais fácilmente os sacramentos da penitencia
e da crisma.

6) Comissáo dos Estados e Seminarios

Presidente: S. Em. o Cardeal Giuseppe Pizzardo.


Secretario : Pe. Agostinho Mayer O.S.B.

O objetivo principal déste setor será a atualizacáo da iormacáo


dos seminaristas; a S. Igreja tende cada vez mais a fazer de seus
ministros os arautos de valores eternos na linguagem de um mundo
paganizado ou convulsionado pelas ameacas de energías atómicas;
em vista disto, dever-se-á dar especial atencáo á atualizacáo dos pro
gramas de estudos em Seminarios, ás questñes de sociología moder
na, medicina pastoral, psicología, técnica de apostolado, etc. Também
nos curriculos de Universidades e Faculdades Católicas, há de ser
empreendida semelhante atualizacáo.

7) Comissáo das Missoes

Presidente: S. Em. o Cardeal G. Pedro XV Agagianian.


Secretario: D. David Mathew, arcebispo titular.

O problema primario desta ComissSo será o da formacáo missio-


nária do próprio clero indígena que trabalha em térras pagas. Veri-

— 285 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 2

fiea-se, com efeito, que também entre os povos pagaos a se* evan
gelizados a mentalidade religiosa como tal, mesmo paga, se vai es-
vaecendo, para ceder cada vez mais ao materialismo e ao ateísmo.

8) Comissáo dos Orientáis

Presidente: S. Em. o Cardeal Amleto Cicognani.


Secretario: Pe. A. G. Welykyi, da Ordem de S. Basilio.

Desde julho de 1054, os cristáos de Bizáncio estáo separados de


Roma; ao cisma aderiram sucessivamente varios povos orientáis; a
estes se acrescentem os que, por motivo das discuss8es cristológicas,
se apartaram do tronco comum da Cristandade nos séc. V/VII (nes-
torianos e monofisitas); cf. «P. R.» 10/1958, qu. 10 e 11.
No decorrer dos séculos, varias tentativas tém sido íeitas no
sentido de promover a unidade rompida, algumas das quais foram
coroadas de éxito. Em 1951 Pió XII fazia observar que os monofisi
tas coptas, etiopes, sirios e armenios só estavam separados de Roma
«por causa de certa ambigüidade de termos ocorrente nos inicios
do cisma». Contudo a ruptura persiste... Julgam os observadores
que o Papa atual, JoSo XXIII, está especialmente credenciado para
favorecer a uniáo dos cristios, pois conhece muito bem os orientáis,
cuja simpatía ele despertou e cultiva zelosamente. A funcáo da' Co
missáo dos Cristáos Orientáis nao é a de entrar diretamente em
conversacóes com os irmáos separados (isto seria talvez prematuro
e, por conseguinte, frustrado), mas a de reconsiderar as normas da
Igreja disciplinares (nao as dogmáticas, é claro) á luz da mentali
dade e das veneráveis tradig5es dos povos orientáis; assim as ques-
tdes de Direito Eclesiástico e de Liturgia que íórem estudadas pelas
outras Comissóes do Concilio, seráo reexaminadas por esta Comis
sáo «do ponto de vista do Oriente». As autoridades da Igreja nao
desejam «latinizar» os orientáis, impondo-lhes observancias que no
Ocidente sao espontáneas, mas no Oriente seriam sufoeadoras; vi-
sam, portanto, a unidade entre os cristáos, nao, porém, a uniformi-
dade artificial. Deve-se mesmo reconhecer que nos ritos e usos dos
orientáis vive um rico patrimonio de espiritualidade que merecerá
ser sempre guardado incólume e fomentado.

9) Gomissáo do Apostolado dos Leigos

Presidente: S. Em. o Cardeal Fernando Cento.


Secretario : Mons. Aquiles Glorieux.

Éste órgáo de trabalho, como já observamos, nao tem preceden


tes na S. Igreja; deve-se justamente ás exigencias da' vida moderna.
Tres Sub-Comiss5es caracterizam as atribuicSes de tal setor: a
de Acáo Social, a de Obras Educativas e a de Acáo Católica. Visam
todas urna análise das necessidades do mundo moderno e.da con-
tribuicáo que o tatólico leigo pode e deve dar para a solucáo de tais
problemas; procurará» atualizar as iniciativas antigás e tornar, cada
vez mais eficaz a presenga da Igreja nos setores tidos como profa
nos (oficinas, campos, escolas e lares domésticos).

_ 286 —
CONCILIO ECUMÉNICO: PREPARATIVOS

10) Comissáo de Liturgia

Presidente: S. Em. o Cardeal Gaetano Cicognani.


Secretario : Pe. Annibale Bugnini.

Tem por objeto varios assuntos que também a Comissáo dos


Sacramentos considera. O ponto de vista aqui é principalmente pas
toral: trata-se de dar á Liturgia urna penetragao cada vez mais viva
e frutuosa no povo cristáo, assim como, vice-versa, de dar ao povo
cristáo um acesso. cada vez mais oportuno, aos ritos que santilicam
as almas; vem em conta, portanto, urna revisSo da S. Liturgia <lin-
guar cerimónias, horarios), de ac5rdo com as possibilidades e neces-
sidades do comum dos homens dos nossos dias.

11) Secretariado dos Meios Modernos de Difusa©

Presidente: S. Exc. D. O' Connor, arcebispo titular.


Secretario: Mons. A. M. Deskur.

Éste Secretariado compoe-se de especialistas internacionais em


imprensa radio, televisáo e cinema; corresponde a urna Comissáo
de Radio e Cinema criada há anos atrás; por S. Santidade o Papa
Pió XII. o qual, na sua encíclica «Miranda prorsus», lembrou ao
mundo que, assim como a imprensa, o cinema, o radio e a televisáo
podem concorrer para a ruina moral do homem, assim muito po-
dem contribuir para a sua educacao e sua vol'ta a Deus. É de crer,
■portanto, que o Secretariado de Difusáo estude normas práticas para
se utilizarem tais meios de propaganda ra disseminacáo do bem;
questóes técnicas e questSes moráis deveráo ser simultáneamente
levadas em conta.

12) Secretariado em prol da Uniáo dos Cristaos

Presidente: S. Em. o Cardeal Agostinho Bea.


Secretario: Mons. Willebrands.

Éste Secretariado constituí urna das inovacoes de maior alcance


dentre os preparativos do Concilio Ecuménico.
O seu Presidente é um jesuíta alemáo, que se distingue pela hu-
mildade e a erudicáo, tendo sido durante varios anos Reitor do Pon
tificio Instituto Bíblico em Roma; já de há muito está em contato
com os ambientes protestantes, com os quais dialoga na basa da S.
Escritura. Quanto á uniáo com os Orientáis «Ortodoxos», nao cons
tituí objeto direto da atencáo déste Secretariado, pois supoe especia
listas próprios já congregados na Comissáo Oriental (cf. ri» 8 desta
lista). É a éste órgáo que compete entreten contato com todos
os cristaos do Oriente, separados ou nao. Prevé-se a criacao. no Se
cretariado em prol da Uniáo dos Cristáos, de urna Sub-Comissao de
dicada em particular aos cristaos separados do Oriente, Sub-Comissáo
que se recrutará de membros tanto da Comissáo Oriental como do
Secretariado pro Uniáo, os quais assim porao em comum as suas
experiencias e perspectivas.
Afirma-se na imprensa católica que também é objeto de estudo
da Santa Sé a criacao de urna Sub-Comissao dedicada a dialogar

— 287 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 2

com os judeus; nos circuios oficiáis da Igreja guarda-se reserva so


bre o assunto, a íim de nao melindrar o mundo árabe; as atribuigoes
de tal Sub-Comissao teriam caráter exclusivamente religioso e nao
interferirían! na posicáo internacional ou política do judaismo.
O Secretariado em prol da Uniáo dos Cristáos tem trabalhado
com entusiasmo todo especial; constituí a porta abarta ou o órgáo
oficial mediante o qual a Santa Igreja dialoga com os filhos que se
acham fora de casa. O Cardeal Bea definiu nos seguintes termos as
duas finalidades da sua tareía:

«Um objetivo imediato consiste em ajudar os cristáos nao ca


tólicos a seguir os trabalhos do Concilio. A outra, mais ampia e ge-
ral, é a de auxiliar ésses mesmos cristáos a encontrar a unidade na
comunhao da Igreja Católica Romana... Será preciso, por conseguin-
te, que o Secretariado tome consciéncia exata da situacáo nos diver
sos países ou grupos... Compete-lhe também examinar os désejos
dos diversos grupos a respeito da uniáo e. a maneira de lhes facili
tar o caminho da unidade».
A íim de preencher a primeira finalidade, o Secretariado forne-
ce periddicamente aos irmáos separados inlormaeoes sobre os rumos
que os preparativos do Concilio váo tomando e sobre os problemas
que estáo preocupando a Sta. Igreja. Noticias mais minuciosas e de
caráter um tanto confidencial sao enviadas a circuios de pastores
e teólogos protestantes mais conhecldos. O mesmo Secretariado man-
tém constante contato também com as demais Comiss5es do Conci
lio a fim de as por a par do que pensam e desejam os irmáos sepa
rados, os quais déste modo váo sendo ouvidos na serie de estudos
do grande certame. Nao há dúvida de que a solene «revisáo de vida>.
empreendida pela hierarquia da Igreja nestes anos preparatorios do
Concilio nao visa apenas corrigir fainas dos católicos, mas se pro-
p3e também. como objetivo remoto, facilitar a unidade dos cristáos;
é esta que, em última análise, «telefinaliza* todos os trabalhos pre
sentes e futuros da grande assembléia católica.

Além das Comissóes de Estudos ácima recenseadas, cola-


boram nos preliminares do Concilio, como dissemos,
o Comité do Cerimonial, tendo por Presidente S. Em. o
Cardeal Eugenio Tisserant e por Secretario Mons. B. Nardone;
o Comité de Forangas o Administragao, cujo Presidente é
o Cardeal D. di Jorio e Secretario Mons. Sergio Guerri.

4. Os resultados das atividades das Comissóes parciais


que acabam de ser enumeradas, deveráo ser finalmente recon
siderados e rematados por urna

Comissao Central, assim constituida:


Presidente: S. Santidade o Papa Joáo XXHI.
Secretario : D. Pericle Felici, arcebispo.
Membros efetivos: 49 Cardeais, 5 Patriarcas, 33 bispos, 4
Superiores Gerais de Ordens Religiosas (Beneditinos, Francis
canos, Dominicanos, Jesuítas).

— 288 —
Consultores : 1 Cardeal, 15 bispos, 6 Prelados, 6 Religiosos.
Dada a importancia decisiva desta Comissáo, entende-se
seja recrutada ñas mais diversas nagóes, entre as figuras mais
relevantes da hierarquia, sob a presidencia imediata do Sumo
Pontífice. Tal órgáo de trabalho ainda nao comegou propria-
mente suas atividades. Caber-lhe-á, primeiramente, selecionar,
dentre os diversos temas apresentados pelas Comissóes par-
ciais, aqueles que de fato deveráo sen transmitidos as sessóes
plenárias do Concilio; algumas das conclusóes formuladas pe
las Comissóes partíais, depois de analisadas pelo Comité Cen
tral, poderáo ser devolvidas as respectivas Comissóes, a fim
de serem reexaminadas e de novo formuladas. Urna vez feita
a selegáo dos temas, a Comissáo Central elaborará os respec
tivos esquemas de discussáo a ser submetidos aos membros do
Concilio reunidos em plenário.
Dado éste passo, finalmente o Sto. Padre chamará a Roma
os «Padres conciliares» (bispos e prelados que o Código de
Direito Canónico, can. 223, estipula para o caso; cf. «P.R.»
18/1959, qu. 3). Se a convocaeáo se fizesse em nossos dias,
atingiría aproximadamente 2.816 eclesiásticos. É de presumir,
porém, que só se efetue dentro de um ano ou mais, pois, ape-
sar da solicitude com que váo trabalhando as Comissóes, as
tarefas sao vultuosas e exigem demorada atengáo.

Os observadores tém-se detido em conjeturas sobre a possível


configuracáo etnológica que o Concilio tomará. Calculam que venha
a se compor aproximadamente do seguinte modo:
a Europa (qut abrange 47 % dos católicos do mundo inteiro)
enviará 38 % dos membros da assembléia;
as Américas, com 43 % dos católicos do mundo, enviaráo 31,5%
dos sinodais;
a África, com 3 % dos católicos do mundo, contará com 10 % dos
conciliares.
a Asia e a Oceania. com 7 % dos católicos do mundo, contribui-
ráo com 20,5 % dos membros do Concilio.
Como se vé, as novas nagCes da África e do Oriente se distin-
guirao por um contingente de proporgoes notáveis no conjunto das
sessoes plenárias. Éste fato, humanamente falando, muito poderá
contribuir para que o Concilio adote as resolugSes mais actualizadas
e adequadas no mundo moderno.
Urna ou outra voz católica (em particular, a de D. Kampe, bispo
auxiliar de Limburg, na Alemanha) se tem feito ouvir, sugerindo
a admissáo de nao-católicos no Concilio, a titulo de observadores. A
proposta está sendo estudada.

Importa-nos agora fixar de mais perto os prognósticos


concernentes ao

— 289 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961. qu. 2

2. Temario do Concilio

Os principáis assuntos postos em pauta de estudos já foram


catalogados no parágrafo anterior. O Sto. Padre tem recusado limi
tar as possibilidades de se fazerem sugestOes ás Comissdes estabe-
lecidas; levam-se em consideracáo todas as propostas que possam
servir para renovar a vida crista em nossos dias; sendo assinvuma
onda de opiniñes e alvitres tem afluido a Roma, sem conhecer dique
algum. É o que torna difícil prognosticar com multa precisao qual
será o temario ou a «ordem do dia» das assembléias do Concilio.
Em todo caso, algumas af irmacdes podem desde já ser assentadas.

a) Como resulta do § 1, dois sao os tipos de assuntos.


que estáo na pauta dos estudos: os temas de índole doutriná-
ria ou especulativa, e os de caráter mais prático ou pastoral.
Ora as atengóes dos teólogos atualmente convergem, antes do
mais, para os assuntos pastorais, ou seja, atinentes á afirma-
gáo cada vez mais eficaz da vida da Igreja na época e no
mundo de hoje. Em conseqüéncia, o mesmo se verificará ñas
sessóes do Concilio.

Alias, o próprio Sto. Padre Joáo XXIII, em sua encíclica «Ad Pe-
tri Cathedram» de 29 de junho de 1959, enunciava como finalidade
do Concilio a renovacáo da vida dos fiéis católicos. Sim; conforme
S. Santidade, o Concilio procurará «fomentar o incremento da fé,'re
novar a prática crista e adaptar a disciplina eclesiástica ás necessi-
dades do nosso tempo» (ed. Vozes n" 36).

Compreende-se bem um tal programa; estamos vivendo numa


época de transigáo para nova cultura, caracterizada pelo espirito da
técnica e por mentalidade laicizada ou mesmo materialista; para mui-
tas almas religiosas, o aírouxamento e a apostasia constituem ver-
dadeira seducáo; em nao poucas nagóes, a Igreja se vé reduzida a
condicSes de evangelizacáo de massas paganizadas. Nao se trata, é
claro, de retocar o dogma ou a estrutura essencial da Igreja, mas
de atingir aquilo que Mons. Barón assim propunha: «A eterna ju-
ventude da Igreja deve manifestar-se em sua face externa. Essa face
externa, os acontecimentos da historia a recobrem necessáriamente
de urna veste temporal, veste temporal que está sujeita ao envelhe-
eimento e ao anacronismo» (Carta aos fiéis de St. Louls des Fran-
cais, outubro de 1960).

Tem-se dito — com certa razáo — que a hierarquia e os


fiéis católicos se encontram todos atualmente numa fase de re-
colhimento para revisáo de vida; procura-se dar o balanco das
realizacóes que possam ser um tanto anacrónicas na disciplina da
Igreja em nossos dias. Os resultados déste balango é que inspira-
ráo diretamente os pronunciamentos do Concilio. Dado o caráter
de «revisáo» ou «exame de vida» que tem o atual período, com
preende-se que a sua protrac.áo tenha certa importancia: com
efeito, as questóes apontadas em tal revisáo nao poderáo ser
solucionadas «de qualquer modo», dando-se atengáo ünicamen-

— 290 —
CONCILIO ECUMÉNICO : PREPARATIVOS

te as reivindicagóes da mentalidade moderna, rjáo; as solugóes


propostas pelas Comissóes de Estudos e aprovadas pelos Pa
dres conciliares deveráo ser, de um lado, plenamente eficazes
e atuais no mundo presenté; de outro lado, porém, deveráo es-'
tar em continuidade homogénea com a pura mensagem do
Evangelho e com o Espirito da Igreja, que é o Espirito da tra-
digáo crista. Eis a base indispensável de qualquer afirmagáo
da Igreja nos tempos modernos; se nao se respeitassem estes
principios, qualquer adaptagáo do Catolicismo, longe de ser mo
tivo de atragáo para os que estáo fora déle, seria desvirtua-
mento, causa de perplexidade e de ruina comum.
Dentre os aspectos de índole disciplinar ou prática que o
Conc!lio provávelmente focalizará, destacam-se em poucas pa-
lavras : urna Liturgia mais compreendida e vivida pelo clero
e pelos fiéis (através da língua, dos ritos, da reforma do Mis-
sal e do Breviario), o diaconato como fungáo permanente na
Igreja, a ampliagáo das faculdades de agáo e jurisdigáo dos
bispos e dos sacerdotes ñas suas respectivas dioceses, paróquias
e capelanias, o despertar da consciéncia dos leigos e do valor
do seu apostolado.

b) Quanto aos temas de caráter doutrinário, parece que


o Concilio nao promulgará nenhuma definigáo dogmática.
Bom número de propostas, porém, sugerem que apresen-
te ao mundo urna síntese da antropología e da socio-
logia cristas, abordando principalmente as grandes dúvi-
das suscitadas pelas descobertas e os empreendimentos da
vida moderna : questóes de origem do mundo e do homem, li-
berdade e democracia, emancipagáo dos dominios coloniais,
emprégo de armas atómicas, defesa da verdade e tolerancia
de erros na convivencia social. Muitos dos interessados pre-
conizam um pronunciamento aínda mais enérgico da Igreja a
respeito do comunismo e mais íntima colaboragio das diversas
confissóes religiosas na repressáo do inimigo comum, que é o
marxismo.
Há também quem muito deseje, sejam elucidadas com
precisáo algumas teses referentes á natureza e á constituigáo
da Igreja, a fim de se completar a obra iniciada pelo Concilio
do Vaticano em 1870 (as relacóes vigentes entre a jurisdigáo
do Sumo Pontífice e a dos bispos, fungóes pró'prias dos mem-
bros do Corpo Místico de Cristo, clérigos e leigos, etc.).

Nao há dúvida, é vastissimo o panorama de questdes religiosas


e científicas que na hora presente podem solicitar a atengáo de um
estudioso católico ávido de precisáo e clareza. Torna-se difícil, porém,

— 291 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 2

dizer quais dessas questfies seráo dLretamente enfrentadas pelos Pa


dres conciliares e quais as que os mesraos entregaráo á áplicacao
particular dos eruditos ou dos centros de estudos católicos.

c) O grande ideal da uniao dos cristáos (católicos, pro


testantes e orientáis cismáticos) estéve muito em foco por
ocasiáo da primeira proclamagáo do Concilio ecuménico em
janeiro-fevereiro de 1959. Durante algum tempo, julgou-se
que a assembléia abordaría diretamente o assunto, entrando
em diálogo com os irmáos separados. Em breve, porém, per-
cebeu-se que qualquer tentativa em tal sentido seria prema
tura e, por conseguinte, fadada ao insucesso. É preciso ter
paciencia nesse setor e esperar que o movimento de aproxi-
macáo (o qual certamente já se iniciou) se vá processando
segundo o seu ritmo natural, que é lento. Contudo os traba-
lhos do Concilio ficam sempre voltados para a perspectiva da
uniáo dos cristáos, ainda que isto só se venha a dar em esca
las parceladas e sucessivas.

O Sto. Padre Joáo XXIII, de resto, mais urna vez já lembrou


que antes de interpelar diretamente os seus irmaos separados, os
liéis católicos devem procurar revlgorar ao máximo a sua vida cris
ta, dando-lhe a expressáo mais auténtica possivel, a íim de que,
pelo seu comportamento prático antes que por suas palavras, possam
atralr os que estáo fora da casa paterna. Ora é justamente a éste
revigoramento da vida crista ñas fileiras católicas que o próximo
Concilio se propSe atender sem delongas; o revigoramento equivalerá
á apresentagáo da genulna face da Igreja, a qual nao poderá deixar
de ser por sí mesma altamente convidativa. Eis como prosseguia S.
Santidade na encíclica «Ad Petri Cathedram», após haver proposto a
renovacSo da vida crista mediante o Concilio: «Sem dúvida, isto cons
tituirá maravilhoso espetáculo de verdade, unidade e caridade, espe-
táculo que, ao ser contemplado pelos que vivem separados desta Sé
Apostólica, os convidará a buscar e conseguir a unidade pela qual
Cristo dirigiu ao Pai do Céu a sua fervorosa oracáo» (ed. Vozes n' 36).

Em outra ocasiáo, dirigindo-se aos pioneiros da Acao Católica


Italiana (9 de agosto de 1959), o Sto. Padre assim se exprimía:

«Temos em vista o que mais precisa de ser consolidado e revigo-


rado ñas fileiras da familia católica, em conformidade com o desig
nio de Nosso Senhor. Depois de ter realizado essa penosa tarefa,
havendo eliminado o que, da parte dos homens, se poderla tornar
obstáculo a um encaminhamento mais rápido, apresentaremos a Igre
ja em todo o seu esplendor... e diremos aos nossos irmaos separa
dos ortodoxos protestantes, etc.: 'Vede, irmaos, tal é a Igreja de
Cristo Esforcamo-nos por Lhe ser fiéis... Vinde, vinde: éste é o
caminho do encontró, da volta; vinde tomar ou retomar o vosso lu
gar, que, para muitos de vos, é o lugar de vossos país'».

Aos 14 de junho de 1959, dizia o Sto. Padre aos alunos do Colegio


Grego de Roma :

— 292 —
CONCILIO ECUMÉNICO; ATITUDE DOS NAO-CATÓLICOS

«É preciso que a Igreja se adapte; tamanha é a evolucáo do


mundo moderno, entre os liéis e no género de vida que éles devem
levar... Quando Ela tiver realizado isso, voltar-se-á para os irmaos
separados e Ihes dirá: 'Vede o que é a Igreja, o que Ela fez, cómo
Ela se apresenta'. E, quando a Igreja aparecer assim sadiamente
atualizada, rejuvenescida, poderá dizer aos irmaos separados: 'Vin-
de a nos'».

Como se compreende, estas palavras nao implicam mudanca de


dogma ou estrutura da S. Igreja, mas apenas de disciplina contin
gente (nao se pode conceber reforma da Igreja, mas, sim, reformas
parciais na Igreja).

ENGENHEIRO II (Sao Paulo):

3) «Qual tem sido a atitude dos cristáos nao-católicos


frente aos preparativos do próximo Concilio ecuménico?»

Eis, em grandes linhas, o que a respeito se pode dizer:

1. Logo após o primeiro anuncio do Concilio feito pelo


Sto. Padre Joáo XXEI aos 25 de Janeiro de 1959, urna onda
de emogáo e regozijo encheu os cristáos protestantes e orto
doxos orientáis; julgaram que S. Santidade tinha em vista urna
assembléia na qual se reuniriam com os católicos os represen
tantes das varias confíssóes cristas, a fim de estudarem urna
profissáo de fé e os estatutos jurídicos que satisfízessem sem
constrangimento a todas as comunidades cristas hoje exis
tentes.

De maneira especial, tal perspectiva contentava os irmaos pro


testantes, pois, como professam muitos déles, nao há genuino ecume-
nismo (ou movimento de uniáo entre cristáos) sem participacao da
Igreja Romana (ora esta até hoje, pelos motivos que abaixo vere
mos, se recusa a entrar nos movimentos unionistas protestantes).
Assim, por exemplo, dedarou o órgáo oficial da Alta Igreja (lutera
na) da Suécia, após Janeiro de 1959 :

«A iniciativa papal abre, no setor do ecumenismo, horizontes


mais largos do que os que conhecemos até hoje. Todo ecumenismo
sem Roma terá sempre as asas cortadas».

Por sua vez, o Dr. Hans Asmvissen, evangélico, promotor da cor-


rente unionista chamada «Die Sammlung», declarava:
«O Concilio deve servir á unidade dos cristáos. Isto enche de
alegría numerosos cristáos e os coloca em¡ atitude de grande expec
tativa».

Aos 12 de íevereiro de 1959, o Comité Executivo do Conselho


Mundial das Igrejas (entidade de inspiracáo protestante), reunido em
Genebra (Suica), atestava ¡

— 293 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 3

«O Comité veriíicou que essa iniciativa do Papa despertou, inte-


résse geral ñas 171 Igrejas protestantes, ortodoxas, anglicanas e ve-
lho-católicas de 83 nagoes, agrupadas no seio do Consélho Mundial
das Igrejas».

2. Contudo as subseqüentes declaragóes do Sto. Padre


Joáo XXIII e de autoridades católicas contribuiram para des-
fazer a primeira impressáo despertada entre protestantes e
orientáis. Por exemplo, aos 30 de outubro de 1959, o Cardeál
Tardini em entrevista coletiva á imprensa, foi interrogado so
bre a participagáo das Igrejas separadas no Concilio; S. .Em.
respondeu que éste constituiría urna realizagáo de regime in
terno da Igreja Católica e que, por conseguinte, néle nao po-
deriam tomar parte ativa os cristáos nao pertencentes á mes-
ma; nao .estava, porém, excluida a possibilidade de compare-
cerem a título de observadores; tal questáo ficava ainda su-
jeita a deliberagáo (até hoje nada de definitivo se pode adian-
tar sobre o assunto).

3. Terá a Igreja Católica tomado assim atitude de in


transigencia mesquinha e mortal?
— Nao; longe disto!
— Como entáo se explica a rigidez de sua posigáo?
— A Igreja Católica tem consciéncia de estar na posse
da verdade. Nela se transmite ininterruptamente, sem refor
ma nem «recomégo», a mensagem entregue por Cristo aos
Apostólos e por estes as subseqüentes geragóes cristas : o Se-
nhor Jesús garantiu á linhagem dos Apostólos a sua assistén-
cia pessoal e a do Espirito Santo a fim de que nela se comu
nique, incontaminado e puro, o Evangelho até o fim dos tem-
pos (cf. Mt 28,20; Jo 16,13). Por conseguinte, a Igreja Ca
tólica sabe ser o grao de mostarda que Cristo mesmo langou
á térra e que através dos séculos se foi desenvolvendo em ár-
vore frondosa (cf. Mt 13,31s); o fato de que a Igreja noséc.
XX nao tem a mesma face externa que no séc. I, significa sim-
plesmente o desabrochar da vitalidade que Cristo depositou
na sua Igreja. A vida tende necessáriamehte a se manifestar
sob novas e novas expressóes; estas, porém, nao deterioram,
mas, ao contrario, corroboram a estrutura do ser vivo... (cf.
«P.R.» 36/1960, qu. 3).
Consciente disto, a Igreja Católica Romana nao pode pro
mover nem aceitar coloquios que visem procurar urna fórmula
de fé ou de organizagáo hierárquica satisfatória a todos os
cristáos da atualidade. Tal fórmula já está dada desde os
tempos de Cristo e é conservada íntegra na Igreja Católica,
que se liga diretamente com Cristo e os Apostólos e que con-

— 294 —
CONCILIO ECUMÉNICO : ATITUDE DOS NAO-CATÓLICOS

seqüentemente é representada pelo sucessor de S. Pedro resi


dente em Roma. O que a Igreja pode fazer, no setor ecume-
nista, é mostrar aos irmáos separados o seu conteúdo, a sua vi-
talidade e as suas riquezas sobrenaturais, incitando os fiéis ca
tólicos a sacudirem toda a rotina e viverem urna vida crista
ainda mais consciente e profunda. Ora é justamente isto o
que o Sto. Padre Joáo XXm se propóe fazer mediante a so-
lene convocagáo do Concilio ecuménico; estará assim realizan
do genuino ecumenismo. Nao há dúvida, porém, de que a Sta.
Igreja se acha disposta a adaptar á mentalidade e á discipli
na dos irmáos separados tudo que nao é essencial em materia
de fé e de estrutura eclesiástica (ritos e língua na Liturgia,
celibato do clero, praxe de dízimos, de jejum, etc. poderáo, sem
dificuldade, sofrer alteragóes para ir ao encontró de protes
tantes e ortodoxos). O Papa Joáo XXIII assim exprime com
toda a sabedoria a atitude da Igreja nesse setor: «Haja, ñas
coisas essenciais, nnidade; ñas coisas duvidosas (ou acidentais),
liberdade; cm todas, porém, caridade» (cf. ene. «Ad Petri Ca-
thedram», ed. Vozes n» 41).
Nao está em poder dos homens, nem mesmo do Papa, retocar al-
gum ponto essencial do Credo ou da estrutura da Igreja. Trata-se
ai de um patrimonio entregue por Cristo á sua Igreja, patrimonio
que esta, qual mera depositaría, tem a missáo de conservar intato
em vista do próprio bent comum de todo o género humano.

4. Tal posigáo do Catolicismo nao podia deixar de cau


sar decepeáo em muitos dos cristáos nao unidos a Roma. Con-
tudo nao era licito á Igreja evitar a decepeáo.
Em conseqiiéncia, ouviram-se, e tém-se feito ouvir, vozes
de queixa e desconfianza contra a Santa Sé. Felizmente, ésses
pronunciamentos nao parecem exprimir a orientagáo que os
cristáos separados váo seguindo atualmente. Com efeito, ape-
sar de quanto tem ocorrido, é cada vez mais acentuada em
muitos círculos distantes de Roma a tendencia a se aproxi
mar da Igreja tradicional. É o que se pode apreciar á luz dos
fatos e depoimentos que váo abaixo recenseados :

a) Aos 5 de junho de 1960, o Sto. Padre instituiu o Se


cretariado pro Uniáo dos Cristáos, destinado a ser o órgáo de
diálogo oficial da Sta. Igreja com os cristáos dissidentes. Tal
medida despertou imensa simpatía, principalmente entre os
protestantes, pois dissipava a impressáo de que a Igreja Ro
mana se fechava em si, rígida e soberba.

Referindo-se ao Secretariado pro Uniao, o Comité Central do


Conselho Mundial das Igrejas, em agdsto de 1960, observava:

— 295 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 3

«O íato de que o diálogo se tornou possível com a Igreja de


Roma, é motivo de regozijo».

O pensamento foi explicitado pelo pastor Marcos Boegner, re


formado (calvinista) de Franca, ent fins de 1960:

«O Concilio será um acontecimento considerável em si mesmo...


Temos que reconhecer u'a mudanga de clima total. Há cinqüenta anos
atrás, nao teria sido possivel entrever os resultados aos quais atual-
mente chegamos. Nao há dúvida, imensos obstáculos persistem; mas
o que foi feito até agora, só nos pode inspirar paciencia e perseve-
ranca».

Apraz citar outra voz abalizada, que é a do Dr. Vissert'Hoft, Se


cretario Geral do Conselho Mundial das Igrejas, em alocucao profe
rida aos 28 de junho de 1959 :

«É preciso procuramos a unidade com todos aqueles que reco-


nhecem Jesús Cristo como o Portador das Palavras da vida eterna:
é mister nao nos fecharmos em um isolamento estéril. Devenios
entrar em diálogo: sem outro preconceto que nao um sólido arraiga-
mento na Palavra de Deus. Eis a atitude ecuménica... para a qual,
á luz do que o Espirito vem dizendo as Igrejas há alguns decenios,
as portas estáo hoje muito abertas».

b) Principalmente do ambiente anglicano é que se fize-


ram ouvir vozes alvissareiras.

Assim se pronunciava, por exemplo, o Dr. Arthur Michael Ram-


say, arcebispo (anglicano) de York em outubro de 1959, atualmente
sucéssor do Primaz de Cantuária. Após haver notado que o Concilio
ecuménico nao terá o alcance que alguns lhe quiseram atribuir a
principio, acrescentava : «O Papa atual parece ter acentuada boa von-
tade crista e caridade. Ora onde a caridade existe, os resultados sSo
incalculáveis».

•O cdnego (anglicano) Waddams, por sua vez, declarava: «Qual-


quer tentativa da Igreja Católica Romana de aproximar as Igrejas
seria, estou certo, muito bem acolhida. Nao sabemos muita coisa a
respeito do futuro Concilio».

Eis agora palavras do Rev. Ivor Watkins, Presidente da chamada


«Cooperacáo Ecuménica»:

«O apelo á unidade, emanado simultáneamente do Vaticano e do


Patriarca ecuménico (de Constantinopla), é um sinal do movimento
em prol da unidade e do desejo de a conseguirem que os cristaos
atualmente nutrem; deve ser considerado qual motivo de grande es-
peranga para o futuro».

Com especial simpatía os anglicanos apreciaram a criacáo


do Secretariado Católico pro Uniáo dos Cristaos; veio quebrar
o gélo que entravava os movimentos ecumenistas. A ele se
refere nos seguintes termos o Rev. Falkner Allison, bispo an-

— 296 —
CONCILIO ECUMÉNICO: ATTTUDE DOS NAO-CATÓLICOS

glicano de Chelmsford e Presidente da Comissáo Anglicana


encarregada das relajees entre as Igrejas :

«Acolho muito calorosamente a fundacáo do Secretariado Católi


co em prol da unidad© crista. É muito significativo c íato de que
há atualmente em Roma urna instttuicao composta de homens expe
rimentados em questSes ecuménicas, aos quais os cristáos nao-católi
cos podem dirigir suas perguntas, suas observacoes e sugestdes. Isto
naturalmente nao quer dizer que a unidadef já esteja a vista no ho
rizonte — ainda temos longa caminhada a percorrer —, mas signifi
ca certamente um passo decisivo para diante».

O Arcebispo de Cantuária, D.r- Geoflrey Fishesr, saudou o Secre


tariado como «sinal dos tempos, cheio de promessas divinas». Logo
a partir de 20 de julho de 1960, o prelado anglicano entrou em cor
respondencia postal com o Secretariado, e aos 2 de dezembro fazia
visita a S. Santidade o Papa Joáo XXIII em Roma; emboara éste en
contró tenha tido caráter muito formal e reservado, constituía um
acontecimento inédito desde o inicio da ruptura anglicana (séc. XVI),
abrindo novas perspectivas, que o Arcebispo Dr. Fisher assim in-
sinuava:

«Minha visita teve por objetivo preparar os caminhos para con-


versac5es ideológicas;... agora tais intercambios se podem desenvol
ver aberta é publicamente».

Ao Arcebispo Dr. Fisher, que pediu demissSo, foi dado como su-
cessor em Cantuária o Arcebispo Dr. Ramsey, conhecido por suas
tendencias ecumenistas; o novo dignitário, em entrevista concedida
á BBC, logo sublinhou que se interessava «com paixao pela unidade
crista» e que intencionava empreender numerosas viagens «para ser
vir a essa causa». Os anglicanos nomearam recentemente um seu re
presentante e observador oficial junto ao Secretariado do Concilio
pro Uniáo dos Cristáos.

O ano de 1961 conta com a visita da rainha Elizabeth,


da Inglaterra, ao Pontífice Joao XXIII... Isto certamente nao im
plica em movimento religioso, mas nao pode deixar de ter influencia
benéfica no clima geral de aproximagáo entre anglicanos e católicos.

c) Por parte dos orientáis separados, também se tém


feito ouvir pronunciamientos simpáticos, embora nao faltem
restrigóes e suspeitas em relagáo ao Concilio. Interessa-nos
apenas relevar os seguintes depoimentos :

O periódico grego ortodoxo «Archeion Ekklisiastikon kai Kano-


nion Diakon» assim comentava o anuncio do Concilio ecuménico :

«A cristandade t6da se vé diante de um ataque de paz, caridade


e uniáo, ataque imprevistamente desencadeado pela antiga Roma».

A éste tópico faz eco a observagáo do escritor grego Damiano-Mi-


guel Stroumbulis :

— 297 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 3

«O fato é que o Papa teve a iniciativa de um convite á unidade,


colocando assim todos os homens em ótimas disposicóes para com
Ele» (no periódico «Orthodoxos Skepsis»).

O prelado Virvos, da igreja de Sta. Soíia em Londres, asseverou:

«O momento é de alegría; nao nos é lícito desejar controversias


destruidoras, mas coníraternizacáo construtiva. Muitos teólogos as-
piram a urna verdadeira e sólida aproximacáo, augurando que se
torne possível um diálogo serio entre ortodoxos e católicos*.

Dentre tais teólogos, destacam-se os Prof. Alivisatos e Flo-


rovsky, que nuraa serie de artigos tém maniíestado seu alto aprego
pela iniciativa de Roma.

No Líbano, o Dr. Malik, teólogo, filósofo e ex-Oficial da ONU,


declarou em conferencia feita a católicos americanos :

«A necessidade de ecumenicidade (ou de espirito unionista) é


hoje em día geral e auténtica... A Igreja ortodoxa, vivendo no Ori
ente em condigñes sufocantes, pergunta a si mesma até quando seu
isolamento ainda ha de durar. No seio da ortodoxia há um desejo
profundo de se verem restaurados os antigos lagos de amizade».

Alguns representantes da ortodoxia contentar-se-iam com


urna uniáo de acáo social entre católicos e ortodoxos, a fim
de se constituir urna Frente única contra o materialismo con
temporáneo. Tal solucáo certamente ficaria aquém do ideal,
pois deixaria subsistir as divergencias de Credo; como quer
que seja, vale a pena consignar as palavras do Patriarca Ate-
nágoras de Constantinopla dirigidas ao Pe. Wenger :

«As divergencias nao devem impedir a unidade, visto que temos


o mesmo Senhor, a mesma tradicáo, os mesmos mártires, os mesmos
santos. Estamos no limiar de urna era nova. O passado é passado.
As responsabilidades da Igxeja sao grandes, as de seus chefes sao
imensas, diante do perigo do materialismo comunista. É contra Cris
to e contra a Igreja de Cristo que o comunismo se atira. Nao con
tra o budismo nem contra o islamismo, mas contra Cristo. É pre
ciso nos unamos para salvar a fé crista... Em vista de tal objetivo,
estou pronto a ir a Roma.. Há divergencias, há pendencias adminis
trativas. Deixemos as divergencias aos teólogos; sao o seu campo
de trabalho. Deixemos as questSes administrativas aos administra
dores» (revista *Unitas», 2» trimestre de 1960).

' Se nao por outro título, ao menos pela simpatía que refletem,
merecem ser estas palavras registradas (é de desejar, porém, que
se supere o relativismo que nelas se encerra; Cristo pregou a Verda-
de, e nao terá permitido que ela esteja hoje em dia encoberta).
Pode-se dizer que a posicao auspiciosa do Patriarca de Constanti
nopla foi práticamente reafirmada na visita recém-feita a S. Santi-
dade o Papa Joáo XXIII por Mons. Iakovos, Arcebispo das duas Amé-
ricas nomeado por Atenágoras. Pouco depois, era o delegado Apos
tólico de Joáo XXIII em Constantinopla, Mons. Testa, quem ia visitar

— 298 —
O MOVIMENTO DA AGUA DA PISCINA

o Patriarca Atenágoras. Cré-se que em breve éste prelado ortodoxo


irá pessoalmente a Roma entreter-se com o Sto. Padre. — Nao se
poderia terminar esta resenha sem aínda referir a audiencia «histó
rica» que o reí e a rainha da Grecia tiveram com o Sto. Padre Joáo
XXIII em 1960.

Nao seria lícito exagerar o alcance das palavras e dos fa-


tos aquí recenseados. Há ainda obstáculos e preconceitos a
remover no caminho de aproximagáo dos protestantes e orto
doxos. Contudo a atitude evidentemente mudada que uns e
outros váo tomando em relagáo á Igreja, assim como as con
tinuadas declaragóes compreensivas e simpáticas que desta tém
emanado, deixam-nos prever um futuro alvissareiro. Aos ca
tólicos compete assumir integralmente o seu quinháo de res-
ponsabilidade na hora presente: procure cada um, mais do que
nunca, tornar-se um membro sadio e expressivo da Igreja de
Cristo, a qual é «a Esposa sem mancha nem ruga» (Ef 5,27).
Para o conseguir, entre ñas disposigóes que o Sto. Padre a to
dos sugere neste período de preparagáo do Concilio: faga urna
sincera revisáo de vida e empreenda pessoalmente a sua re-
novagáo espiritual. Assim poderá melhor dar a ver ao irmáo
separado o que é e onde está a Igreja de Cristo.
Os testemunhos de pensadores católicos e nao-católicos transcri
tos neste artigo foram colhidos na revista «Informations Catholiques
Internacionales» n* 135, 1/1/1961.

III. SAGRADA ESCRITURA

FOGUINHO (Rio Grande do Sul) c CELSO (Juiz de Fora):

4) «Que pensar do texto do Evangelho de Sao Joao


5,3b-4, que refere a descida de um anjo na piscina de Bezata,
cuja agua se movía para curar um doente?
Trata-se de passagem auténtica, a referir genuino mila-
gre, ou, antes, de texto espurio?»

Eis na íntegra a passagem que interessa ao estudo da


questáo :
JO 5,3 «Nos pórticos (da piscina de Bezata), jazia grande núme
ro de enfermos, cegos, coxos e paralíticos, que esperavam o movi-
mento da agua. (4 Pois de tempes em tempos um anjo do Senhor
descia á piscina, e a agua se punha em movimento. Entao o primeiro
que entrasse na piscina depoia da agitagáo da agua, era curado de
qualquer doenja que o acometesse)».

Os vv. 3b-4 sao controvertidos, tanto em nome da crítica


do texto como em nome de sadio raciocinio; fazem-se objecóes
contra a sua autenticidade.

— 299 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 4 «

Vejamos de que maneira o problema se p5e e como, sem


grande dificuldade, se pode resolver.

1. A crítica do texto

1. O fragmento 3b («... que esperavam o movimento da agua»)


falta em antigos manuscritos gregos; a grande maioria, porém, o
apresenta, mesmo quando omite o v. 4. Sendo assim, presume-se seja
auténtico; alias, o v. 3b faz eco antecipado ao v. 7 («Senhor, nao
tenho quem me ponha na piscina quando a agua é agitada; enquanto
vou, já outro, desceu antes de mim»).

2. A questáo é muito mais obscura em relacáo ao v. 4.


É omitido pelos melhores códices gregos; vem transmiti
do com variantes pelos manuscritos latinos, onde aparece sob
tres principáis formas, das quais urna está traduzida ácima,
enquanto outra (a mais estranha) refere o seguinte:

«Um anjo lavava-se de tempos em tempos na piscina, e a agua


se agitava. Entáo o primeiro que entrasse na piscina depois da agi-
tacáo, era curado de qualquer doenga que tivesse».

Dadas as múltiplas oscilagóes dos manuscritos antigos, a


crítica sadia geralmente rejeita a genuinidade do v. 4.
O argumento paleografía) é corroborado pela análise dos
dizeres do v. 4: descreve um fenómeno milagroso... Deus pode
certamente fazer milagres; contudo nao os faz sem sabedoria
ou sem finalidade proporcionalmente importante; ora, no caso
suposto pelo v. 4, a cada movimento de agua dar-se-ia segu
ramente urna cura, em momento bem determinado, sempre
limitada a um só beneficiario, sem que houvesse alguma rela
cáo do fenómeno com a fé ou o espirito de oragáo do benefi
ciado (isto é, por efeito de um processo assaz aleatorio). Tal
tipo de milagre seria muito estranho; seria mesmo, como diz
o Pe. F. Prat, o mais extraordinario dos milagres que a Sa
grada Escritura relata (Prat, Jésus-Christ I. Paris 1933, 403);
além do que, carecería de razáo de ser ou de finalidade ade-
quada, nao podendo por isto ser obra de Deus.
Tais motivos sao suficientemente fortes para se negar a
genuinidade do v. 4.
Vejamos agora

2. Como explicar o problema

Reconhecido o caráter espurio da pretensa intervengáo


do anjo, resta a questáo: como explicar a agitagáo da agua
de que falam os w. 3b e 7?

— 300 —
SIGNIFICADO DA GENUFLEXAO

Para nao citar inútilmente muitas opinióes, propomos logo


a mais verossímil.
Parece tratar-se do afluxo, na piscina, de aguas novas,
talvez rádio-ativas, detidas habitualmente por urna comporta
e de vez em quando lancadas dentro do tanque; como se sabe,
as propriedades de certas aguas rádio-ativas sao muito efi-
cazes logo que prorrompem da fonte, mas estáo sujeitas a se
esvaecer sem grande demora.
Éste fenómeno misterioso terá excitado a reflexáo dos an-
tigos leitores de Jo 5,3; nao o sabendo explicar por yias natu-
rais, julgaram dever recorrer ao sobrenatural, admitíndo a in-
tervengáo de Deus, por meio de um anjo, no movimento das
aguas. S. Agostinho (1430), provávelmente interpretando a
opiniáo de muitos cristáos dos primeiros sáculos, assim se ex-
primia:
«Repentinamente aparecía a agua agitada; nao se via, porém,
quem a agitava. Acredita que tais coisas costumam efetuar-se por
poder dos anjos>.
Ora a hipótese assim concebida parece ter sido finalmen
te formulada dentro do texto sagrado como se constituisse
parte do próprio relato evangélico.
A glossa haveria de gozar de íoros de verossemelhanca, pois,
como atestam os historiadores, nao era raro, entre os antigos, atri-
buir-se as aguas termais algum poder milagroso (cf. Vincent et Abel,
Jerusalém II 4, 888); de outro lado, o escritor árabe Moqaddasi jul-
gava ser as inundac5es do rio Tigre devidas a um anjo que nesta
caudal colocava o seu dedo; também urna corrente de agua avistada
em Bassora seria, conforme ésse autor, dependente de um anjo que
mergulhava o seu pé na agua (cf. Lagrange, St. Jean. Paris. 1947,135).
A quem se quisesse deter sobre o v. 4, indagando por que moti
vos sómente um enfermo terá sido beneficiado de cada vez, os co
mentadores responderiam sugerindo duas explicares:
ou a mocáo das aguas se dava em um só ponto da piscina, no
qual havia lugar para urna pessoa apenas,
ou (o que é menos provável) as autoridades competentes, visando
evitar desordens e tumultos, só permitiam a um doente de cada vez
tentar a sua cura.
Váo seria querer insistir em ulteriores conjeturas.

IV. LITURGIA

CÁMARA (Belo Horizonte):

5) «Que significa a genuflexao?


Nao exprime um ato de adoracáo, que os católicos pres
tara aos anjos e santos, contrariamente as indicacoes da Sa
grada Escritura? Nesta se 16 que os anjos e Sao Pedro recusa-
ram a genuflexao que outras criaturas lhes quiseram prestar
(cf. At 10,25s; Apc 19,10; 22,8s)».

— 301 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 5

Em nossa resposta, analisaremos, antes do mais, o signi


ficado que a genuflexáo tem por si mesma. A seguir, veremos
o papel que ela desempenha no culto dos cristáos.

1. A genuflexáo como símbolo natural

1. Todo homem que perceba estar em presenga de um


ser maior (mais digno, mais possante...), tende nao sómente
a conceber sentimentos interiores de respeito, mas é outrossim
levado espontáneamente a exprimir ésses sentimentos median
te urna atitude de corpo correspondente: a percepcáo de sua
pequenez impeli-lo-á naturalmente a procurar diminuir a es
tatura do seu próprio corpo.

Tenha-se em vista o que está dito em «P.R.» 15/1959, qu. 3;


28/1960, qu. 8.: o corpo é naturalmente destinado a exprimir os sen
timentos internos da alma.

Ora o «cair de joelhos» é, sem dúvida, u'a maneira muito


sensível de diminuir a própria estatura. Sendo assim, o «ajoe-
lhar-se» vem a ser sinal, e sinal do respeito, da submissáo e
da indigencia de alguém que tem a intuigáo de ser muito pe
queño em relagáo a outrem.

R. Guardini expóe com sabedoria o significado da genuflexáo,


lembrando o seguinte : a estatura erguida é o sinal distintivo do
homem entre os demais seres vivos déste mundo; ela simboliza, pois,
0 poder dominador, a capacidade de lutar e rivalizar, que fazem do
sei» humano um chefe. Ora ajoelhar-se equivale a renunciar á esta
tura erguida; significa, portanto, a renuncia do homem a si mesmo,
á sua auto-suficiéncia, ao poder de chefia, para se entregar a outrem,
a outrem que realmente o mereca por ser mais digno ou mais sa
bio Cf. Welt und Person. Wuerzburg 1940, 31.42; Besinnung vor der
Feier der hl. Messe. Mainz 48; Brieíe ueber Selbstbildung. Mainz
1930, 160.

Thurnwald. estudioso de historia e pré-história, assevera: «O


costume de dobrar os joelhos se deriva indubitávelmente do íato de
que quem o pratica intenciona pelo seu próprio corpo mostrar que
é menos digno do que aquéle a quem ele saúda» (Reallex&on der
Vorgeschichte. Berlin IV 574).

Alguns historiadores julgam que a genuflexáo era originariamen


te a atitude que o guerreiro vencido tomava diante do vencedor (cf.
«Die Religión in Geschichte und Gegenwart», por Gunkel-Zscharnock
1 54).

No decurso dos tempos, como atestam os documentos da


cultura e da historia das religióes, a genuflexáo se tornou
usual em varias ocasióes da vida humana : praticada em pre
senga da Divindade (o que é naturalmente o caso mais fre-

—. 302 —
SIGNIFICADO DA GENUFLEXAO

qüente) signifícava (e significa) adoragáo, reconhecimento da


Suma Majestade e do Soberano Poder de Deus; praticado
frente a autoridades humanas, exprimía (e exprime) reveren
cia, homenagem respeitosa e pedido de auxilio. O simbolismo
exato da genuflexáo, portante, depende da intengáo de quem
a realiza; sómente tal pessoa está habilitada a dizer o que ela
concebe em seu intimo e o que ela quer exprimir (adoragáo
devida a Deus só, ou reverencia devida a alguma criatura)
quando dobra o joelho.
2. Nao é necessário citar aqui textos que atestam o uso de ge-
nuflex&o nos cultos pagaos; trata-se de praxe muito conhecida (bas
ta lembrar apenas o «dobrar de jóelhos diante de Baab de que fala
a S. Escritura em 3 Rs 19,18).
Mais importante é comprovar, na base de documentos históricos,
que nem semnre a genuílexáo ioi (e é) praticada com a intencáo
de adorar a Deus; ela pode ser mero sinal de cortesía entre homens.
É realmente o que testemunham certas tribos de negros da África
Central, os quais saúdam o seu chefe mediante urna genuflexSo; no rei
no de Siam (Tailandia), os membros da familia real sao cumprimenta-
dos da mesma forma, na China, tal tratamento é estendido ás altas per
sonalidades; na Rússia, os cidadáos se ajoelhavam diante do Czar para
receber déle a bencao; entre os mongóis, o mesmo gesto é praticado
frente aos nobres, de modo tal que as regirás de polidez mongólica
ensinam o seguinte: quando um simples cidadáo montado a cávalo
se encontra com um nobre, deve descer da montadura, e dobrar o
joelho até que o mais digno tenha passado (testemunhos colhidos na
obra de Th. Ohm, Die Gebetsgebárden der Volker und das Christen-
tum. Leiden 1948, 345).

Na China é costume antiqtiíssimo, ajoelharem-se os familiares


diante dos cadáveres de seus familiares.
Por ocasiao da controversia a respeito dos «ritos chineses» (séc.
XVII/XVIII), nao poucos missionários católicos tinham tal costume
na conta de pagáo. Outros julgavam-no independente de crenca re
ligiosa; seria mera expressáo de reverencia aos antepassados e de
dedicagáo familiar; assim, por exemplo, pensava o Legado Pontificio
na China, Card. Carlos Amhrósio Mezzabarba (tl741). Em 1742,
o Papa Bento XIV condenou a praxe por motivos disciplinares e
transitorios. Em 1924 um sínodo católico reunido em Shangai houve
por bem autorizá-la de novo aos católicos chineses, considerando-a
qual mera expressáo de cortesía.
Éste caso é particularmente interessante. porque bem ilustra como
o simbolismo da genuílexáo é ambiguo; há de ser interpretado estri-
tamente segundo as intencOes de quem o pratiea.

Analisemos agora qual o significado preciso que a genu


flexáo -tem no culto cristáo.

2. A genuflexáo no Cristianismo

1. . Já entre os judeus os orantes costumavam praticar a genu


flexáo na presenca de Deus, como se depreende de textos como 3
Rs 8,54:

— 303 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 5

«Quando Salomao acabou de fazer ao Senhor esta prece e esta


súplica, levantou-se diante do altar do Senhor, onde estava ajoelha-
do com as máos levantadas para o céu».

Ou Is 45,23 :

«A verdade procede da minha boca,


minha palavra jamáis será revogada:
Todo joelho deverá dobrar-se diante de Mim,
toda língua deverá jurar por Mim».

Cristo seguiu a praxe de seu povo, orando de joelhos, por


exemplo, no horto das Oliveiras; cf. Le 22,41s.

Os cristáos herdaram naturalmente tal costume, como se


percebe dos seguintes testemunhos bíblicos :

«Tendo dobrado os joelhos», S. Estéváo» exclamou : «Senhor, nao


lhes imputes éste pecado» (At 7,60).

«Pedro ajoelhou-se e orou; a seguir, voltou-se para a defunta e


disse: 'Tabita, levanta-te'x. (At 9,40).

Paulo em Mileto «ajoelhou-se e orou com éles (os presbíteros de


Éíeso)» (At 20,36; cf. 21,5).

Na epístola aos Efésios atesta o mesmo Apostólo: «Dobro os


joelhos diante do Pai... para que vos conceda, sejais poderosamente
robustecidos pelo seu Espirito» (3,14-16).

No Apocalipse lé-se algo de semelhante: «Ao ver o Filho do Ho-


mem, eu (Joáo) caí como morto aos seus pés. file, porém, pds sobre
mim sua máo direita, e disse: 'Nao temas; sou o Primeiro e o últi
mo, e O que vive*» (1,17).

Principalmente na piedade dos monges e ascetas, a praxe das


genuflexSes alcancou grande voga: referem os biógrafos que Sao
Patricio (t 461), monge irlandés, tlnha a costume de realizar duzen-
tais genuflexoes na primeira vigilia da noite (ou seja, no espago de
tres horas no máximo). No Oriente narra-se que o monge Dionisio,
discípulo do Abade Stkorsky (t 1508), fazia 3000 genuflexSes diarias
(cf. v. Frank, Russlsches Christentum 205).O confessor Jossip Wala-
kalamski impunha a seus penitentes, mesmo que fóssem autoridades
de alta categoría, a penitencia de realizarem 300 genuflexSes por dia
(ob. cit. 232).
De modo especial, a genuflexáo exprime a contrieao devida ao pe
cado; sim, ela dá forma concreta á trituracao ou á compressao que
em seu ánimo todo pecador arrependldo experimenta.

2. A Sagrada Escritura so reprova a genuflexáo quando


aquéle que a pratica visa adorar urna criatura, transferindo
para os homens aquilo que só a Deus se deve. Foi o que, con
forme alguns, se deu com o centuriáo Cornélio frente a Sao
Pedro:

— 304 —
SIGNIFICADO DA GENÜFLEXAO

«Quando Pedro estava para entrar, Cornélio saiu a recebé-lo e,


cabido aos seus pés, prostrou-se. Pedro, porém, o ergueu, dizendo-lhe:
'Levanta-te! Também eu sou um homem'» (At 10,25s).

Sao Joáo, maravilhado pelas visóes que sob a guia de um


anjo havia contemplado, prostrou-se diante do mesmo:

«Fui eu, Joáo, que ouvi e vi essas coisas. Depois de as ter ou-
vido e visto, prostrei-me aos pés do anjo que as mostrava, para o ado
rar. Ele, porém, me disse: *Nfio facas Isso! Sou um servo como tu e
teus irmáos, os profetas, e aqueles que guardam as palavras déste
livro'» (Apc 22,8s).
Cf. Apc 19,10: «Cai aos pés do anjo para o adorar. Ele, porém,
me disse: 'Nao facas isso! Eu sou um servo como tu' e teus irmaos
que guardam o testemunho de Jesús. Adora a Deus!'».

Principalmente neste último texto aparece bem clara a


intencáo da Escritura Sagrada : visa remover qualquer, tenta
tiva de transferir para as criaturas a atitude de adoracáo (ou
de reconhecimento da Majestade absoluta) que se deve tri
butar a Deus só (nao entendemos aqui sondar a mente de
S. Joáo ao se prostrar diante do anjo). Adorar um santo ou um
anjo é evidentemente contrario ao espirito cristáo.

Diante dos anjos e dos santos, porém, os cristáos nao he-


sitaram em dobrar os joelhos a fim de testemunhar mera re
verencia; éste gesto simbólico é táo espontáneo á psicología
humana (como atestam os dados de historia citados atrás)
que os fiéis nao conceberam escrúpulo em adotá-lo. Praticada
perante urna criatura, a genuflexáo do cristáo (seja lícito re-
peti-lo) nao significa adoracáo, mas apenas reconhecimento da
grandeza da pessoa homenageada e confissáo da pequenez de
quem se prostra; ora tal manifestacáo é perfeitamente condi-
zente com o espirito do Evangelho.

3. Embora os católicos defendam a liceidade da genu


flexáo, estáo longe de a apresentar como elemento essencial
no culto. Nao raro acontece que se prefira externar reveren
cia e humildade mediante urna inclinacáo profunda antes que
por meio de genuflexáo; o caso se verifica principalmente entre
os fiéis orientáis, para os quais a genuflexáo é menos familiar
do que para os latinos.

No_Japao, por exemplo, tendo em vista os costumes tradicionais


do país, os bispos preconizam a prática das Inclinacñes profundas em
vez da das genuflexBes; asslm se exprime um Código de InstrucOes
para o clero japonés editado em Toquio no ano de 1937:
«Non conveniet fideles instruere ut se gerant in ómnibus iuxta
mores Occidentalium, praesertim quando Isti mores fidelibus Japo-
nensibus minus convenienter aptari iudicentur. Proinde in ecclesia
non tantum prohiberl non debet, sed promovendus est modus speci-

— 305 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 5

£ice japonicus per profundam inclinationem exhibendo magnam re-


verentiam erga SS. Sacramentum in elevatione sacrae Hostiae et in be-
nedictione Sanctissimi, etiam adorationem faciendo post ingressum et
ante egressum ecclesiae.»
O que quer dizer:
«Nao será conveniente instruir os fiéis de modo a se compórta-
rem em tudo consoante os costumes dos ocidentais, mormente quan-
do tais costumes sao tidos como pouco condizentes com as tradicSes
dos fiéis japoneses. Por conseguinte, ñas igrejas nao sdmente nao
se deve proibir, mas, antes, há de se promover o costume típico dos
japoneses de manifestar sua grande reverencia mediante inclinacáo
profunda, inclinacáo profunda que deverál ser feita diante do SSmo.
Sacramento, na elevacáo da hostia consagrada, naí béncáo do SSmo.,
assim como no ato de adorar após a entrada e antes da salda de
urna igreja» (Directorium Commune ad usum clerí Japonensis iussu
et auctoritate RR. Ordinariarum editum. Tokio 1937, n* 246, pág. 70).
Sabe-se outrossim que na Liturgia oriental (bizantina, armenia,
copta, siria...) a adoracáo costuma ser expressa nao por genuflexáo,
mas mediante inclinacáo profunda acompanhada do sinal da cruz; na
oracáo particular, porém, o dobratf de joelhos é íreqüente. As auto
ridades eclesiásticas de Roma reconhecem a legitimidadet de tal pro-
cedimento.
Estas atitudes dos supremos membros da hierarquia se
explicam pelo fato de que os gestos simbólicos no culto divino
derivam todo o seu valor, como dizíamos, da intengáo ou da
mentalidade de quem os pratica; ora, já que os costumes da
sociedade diferem de urna regiáo para outra do globo, com-
preende-se que nao se possam nem devam impor a todos os cris-
táos as mesmas formas de expressáo simbólica. O que se re-
quer, é que nenhum gesto simbólico, no povo de Deus, exprima
idolatría ou superstigáo.
4. A guisa de complemento, segue-se ainda urna breve exposicáo
da maneira como os Protestantes consideram a genuflexáo.
Os primeiros Reformadores se mostraram contrarios a essa pra-
xe; usaram, porém. de certa tolerancia para) com ela. Assim a Fa-
culdade Teológica (luterana) de Leipzig apontava a genuflexáo dian
te do altar como algo de indiferente; preconizava, porém, fósse abo
lida em ritmo lento e prudente «por causa do perigo de falsa cren-
Ca, moldada segundo o Catolicismo». O historiador Christian Gerber
tinha ésse uso na conta de «fermento papista» ou de prática supers
ticiosa e alheia a Deus; apenas reconhecia a liceidade da genuflexáo
ao se proferir o nomeí de Jesús, de acardo com Flp 2,10.
Nao obstante, no decorrer dos séc. XVI/XVII os protestantes
continuaram a dobrar os joelhos em certas ocasióes do seu culto,
principalmente ao receberem o alimento da Ceia Sagrada.
Sobreveio o séc. XVIII, época do Iluminismo e do Racionalismo,
em que, ao lado de u'a minoría! que considerava a genuflexáo como
algo de indiferente, grande número de vozes a condenou; a genuflexáo
de entáo por diante caiu em desuso quase total entre os Protestantes.
Em nossos dias, já se ouvem eruditos evangélicos a apregoar a
restauracáo da praxe nos seus templos. Sejam aqui citados os dois
depoimentos seguintes :

— 306 —
PEYREFITTE, «AS CHAVES DE SAO PEDRO
«O SANTO PREPUCIO»

«O fato de termos perdido a consciéncia do significado da oracao


de joelhos, por exemplo, ao confessarmos as nossas faltas, implica
notável depauperamento de nossa linguagem figurada» (R. Hupfeld,
Gottesdienstllche Fragen. Gütersloh 1927, 53).

Segundo um compendio de instrucSes litúrgicas evangélicas


(«Handbuch für das kirchliche Amt»), «a tendencia a restaurar a ge-
nuflexáo... é por vézes associada a simpatías para com, o Catolicis
mo»; faz-se, parém, mister denunciar como preconceito a idéia de
que ajoelhar-se é algo de típicamente católico (ed. Buntzel-Schian.
Leipzig 1928, 331).
Completando: ajoelhar-se é algo de espontáneo a todo homem
que reconheca a verdade, ou seja, a sua exigüidade. Que o cristáo,
por conseguinte, pratique tal gesto para adorar a Deus só, e para
reverenciar os amigos de Deus!

V. HISTORIA DO. CRISTIANISMO

E. M. (Poloni, SP):

6) «Tem chamado a atencáo um livro do escritor fran


cés Roger Peyrefitte intitulado 'As chaves de Sao Pedro'. Sob
forma de romance, parece apresentar aspectos Íntimos e des-
conhecidos do Vaticano. Que crédito se Ihe pode dar?»

7) «Que há de positivo sobre a reliquia dita 'do Santo


Prepucio'?»

Visto que a segunda questáo ácima representa um dos par


ticulares da anterior, daremos resposta a ambas simultánea
mente, examinando em primeiro lugar a personalidade e a
obra do escritor R. Peyrefitte; a seguir, deter-nos-emos sobre
um ou outro dos principáis pontos de doutrina ou de historia
que o autor envolve no seu «romance».

1. Personalidade e obra de Peyrefitte

1. Dados biográficos: Roger Peyrefitte nasceu em agosto de


1907 na cidade de Castre (Sul da Franca). Iniciou seus estudos em
colegios dos padres lazaristas e jesuítas, indo terminar o curso se
cundario em Colegio do Govérno; por motivo de indisciplina, mere-
ceu ser expulso da escola. A seguir, íormou-se em Letras pela Uni-
versidade de Tolosa. Em 1930 concluiu os cursos da Escola de Cien
cias Políticas (secáo diplomática) de Paris, entrando, no ano seguin-
te no Ministerio das Relacaes Exteriores («Quai d'Orsay») da Fran
ca. De 1933 a 1938 estéve em Atenas como Secretario de Embaixada.
Em 1940, por razóes pessoais demitiu-se da carreira, á qual voltou
tres anos mais tarde, quando o Govérno de Vichy Ihe confiou impor
tante missáo; finalmente em 1945 motivos políticos acarretaram o
seu definitivo afastamento da diplomacia, o que Ihe nroporrionou
mais tempo e tranqüilidade para se dedicar á sua

— 307 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu."6 e 7

2. Obra literaria: em 1944 Peyrefitte publicava o seu primeiro


escrito com o titulo «Les Amitiés particuliéres» («As amizades parti
culares»); seu estilo fluente e seu genio satírico aplicados a assuntos
melindrosos conquistaran! para o autor a atengáo de numeroso públi
co. Já entSo Peyreíitte maniíestava as características das suas obras
posteriores: gósto doentio do deboche, predilecáo. pelo aviltamento e
o escándalo, tendencia a caricaturar e deturpar personalidades.,
Estas características tiveram conseqüéncias mais graves quando
Peyrefitte em 1951 deu1 a lume o romance intitulado «Les Ambassa-
des» e em 1953 a continuacáo (aínda mais satírica) dessa obra: «La
Fin des Ambassades»: em linguagem dissimulada, dentro de enredo
aparentemente imaginario e inoíensivo, Peyrefitte visava personagens
reais do mundo diplomático (do «Quai d'Orsay», de Vichy e do es-
trangeiro), difamando-os em público; embora se referisse á historia
de anos serios e trágicos da Europa, Peyrefitte só mostrava interésse
pelos aspectos corriqueiros e mesquinhos da vida quotidiana, ou seja,
pelas historias e intrigas que se costumam contar ñas ante-cámaras
dos grandes homens. Em vista désses escritos, o Ministerio das Re-
lacdes Exteriores da Franca baixou um comunicado de protesto e re-
tificagáo.
A sadia critica literaria nao íoi menos explícita na sua repulsa...
Eis como se exprimía Jean Rimaud a respeito de «Les Ambassades»:
«A rápida estada de Peyrefitte na carreira diplomática... deu-Ihe
ensejo de colecionar anedotas e casos burlescos próprios para des-
crever o mundo dos diplomatas como se fóra um mundo de imbecis
e perversos. Nao precisamos de chave para declfrar ésse pretenso
romance, onde sao nomeados todos aqueles que a escritor se gaba
de atingir por um vingativo desprézo. A luxúria. já por sí s6, é algo
de repugnante; doutro lado, o odio obstinado em deturpar é a mais
baixa das paixdes; associados, porém, um ao outro, a luxúria e o
odio só podem merecer um qualif¡cativo: sao algo de mortífero»
CÉtudes 271, novembro de 1951, pág. 284s).

Após os seus primeiros ensaios literarios, Peyrefitte con-


seguiu passar alguns meses, como hospede, no Vaticano, usu-
fruindo de franco e benévolo acolhimento, o qual Ihe permitiu
observar de perto a vida do Estado Pontificio. Findo ésse es-
tágio, o escritor francés resolveu em 1955 publicar suas «me
morias» sob forma de romance intitulado «Les Clés de Saint
Pierre». Nesta obra manifesta-se a mesma mentalidade amiga
dos equívocos premeditados, da ironía, dos pormenores mesqui
nhos, mentalidade portadora de veneno cético e mortífero para
o espirito dos leitores. O autor envolve no seu enredo as mais
eminentes personalidades (Cardeais e outros Prelados) da
Curia Romana, atribuindo-lhes afirmacóes e atitudes «simpló-
riamente ridiculas»; a essas caricaturas ele consegue dar a
aparéncia de verossemelhanga, pois cita documentos e episo
dios (as vézes, reais; muitas vézes, porém, forjados ou ao me
nos falsamente interpretados). O fraseado leve (ou leviano),
dotado de certa «graga», e o tom «quase» inofensivo das ce
nas descritas (a sátira é nao raro hábilmente camuflada por

— 308 —
PEYREFITTE, «AS CHAVES DE SAO PEDRO»
«O SANTO PREPUCIO»

meias-palavras) fazem que o leitor da obra respire o deboche


e a incredulidade sem o perceber nem querer; a mistificacáo
é assim sorrateiramente difundida.
Vai abaixo transcrita a apreciagáo do livro devida ao crí
tico literario André Blanchet, o qual parece ter apreendido com
acertó os traeos característicos da obra «As chaves de Sao
Pedro»:

«Roger Peyrefitte ataca de preferencia aquilo que cada um de


nos respeita e só focaliza os aspectos mesquinhos.' Já nos eram co-
nhecidas as suas 'memorias' referentes a colegios e embaixadas. É
fácil imaginar a fascinagao que a Roma dos Papas nao podia deixar
de exeroer sobre ele. Está claro: nem tudo foi inventado nessa com-
pilacáo de anedotas e sátiras, — anedotas comuns nos recantos de
corredores e sátiras que parecem reconstituidas mediante o material
das cestas de papel inutilizado. Após essa pobre1 aventura literaria é
Roger Peyrefitte mesmo quem aparece diminuido, pois a sua pai-
xáo de colecionar taras humanas reveste desta vez todas as caracte
rísticas da obsessáo.
... Peyreíitte é um Petrónio podre de civilizacao, capaz de fazer
apodrecer tudo que ele toca; é um decadente cuja linguagem ele
gante gera um prazer equivoco. Nao exageremos, de resto, os méri
tos de um 'romance1 que nao é romance e que está carregado de
afirmagdes maniacas... Para apresentar as suas históriazlnhas sujas,
Anatole France usava ao menos de pingas...
Quanto ao livro de Peyrefitte, é tal que nem com pincas pode
ser apreendido (Études 285, junho de 1955, 429).

Numa palavra: abusando de instrumentos de trabalho que


a Santa Sé lhe concedeu em benévola hospedagem, Peyrefitte
voltou-se contra a Igreja; em conseqüéncia, foi, por alguns crí
ticos, cognominado «perfide», ou seja, violador da fidelidade
(segundo a etimología da palavra)...
A fim de se entender melhor ainda a mente do escritor,
convém aqui mencionar

3. O «caso Peyrefitte». Após haver escrito mais um «ro


mance» satírico contra a Santa Sé dito «Les Chevaliers de Mal
te» («Os Cavaleiros de Malta»), Roger Peyrefitte resolveu pu
blicar no jornal de París «Pretexte» um artigo sobre «A Roma
dos Papas», artigo traduzido para o italiano e reeditado pelo
diario esquerdista «Paese Sera» da Italia nos inicios de 1958,
quando comunistas e náo-comunistas na Italia se debatiam for-
temente em campanha eleitoral (estando a Santa Sé muito in-
teressada no embate, como se compreende).
Nesse escrito, Peyrefitte acusava o Papado de aspirar a
um dominio universal mediante intervengáo em setores que
nao seriam da sua algada. E quais as razóes de Peyrefitte para
afirmar isto? — Além dos clássicos argumentos anticlericais,

— 309 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 6 e 7

citava os seguintes : o Papa recebe congressistas das mais di


versas ciencias e técnicas que se reunem em Roma; o Papa
intervém em questóes de trajes e modas, e condena certos car-
tazes (obcenos) afixados ñas rúas de Roma; o arcebispo de
Miláo, hoje Cardeal Montini, ao realizar recentemente gran
de missáo popular na sua diocese, utilizara os predios escola
res de Miláo! Por fim, Pió XII era acusado de «nepotismo» ou
de favoritismo para com os seus familiares.

De passagem, diga-se: a argumentacáo era evidentemente pre


caria... Está claro quet só comparecem em audiencia papal os con
gressistas que o queirám; cada audiencia, alias, é meramente espo
rádica. — Assuntos de trajes e modas nao sao reservados apenas a
técnicos e comerciantes, mas sao de competencia da Igreja, já que
esta é tutora da moralidade; o mesmo se diga a propósito de qual-
quer outra expressáo da vida social em que' a Moral possa ser dlre-
ta ou indiretamente aletada. — Por fina, o uso de edificios escolares
por ocasiáo de grandes movimentos populares é praxe comum, auto
rizada pelos poderes públicos, praxe de que se beneíiciam tanto a
Igreja como sociedades culturáis, científicas, esportivas, etc.

Diante de tais acusac.5es, o jornal «Osservatore Romano»


(24/25-H-1958) publicou decidido protesto. Por sua vez, o
Procurador da República Italiana em Roma intimou o Sr. Pey-
refitte a comparecer perante tribunal italiano aos 14 de abril
de 1958, juntamente com o Diretor dp jornal «Paese Sera», a
fim de responder por «ofensas públicas feitas em territorio
italiano á honra e ao prestigio do Sumo Pontífice Pió XII»...
A julgar pela imprensa e os órgáos de publicidade poste
riores, parece que o caso nao teve ulteriores conseqüéncias.

4. A tradncáo brasileira do livro «Les Clés de Saint Pierre» apa-


receu em 1961 no Rio de Janeiro. Muito deixa a desejar, pois revela
pouca compreensáo do tradutor em relacáo tanto á. língua original
como ao assunto abordado. Há passagens que só se entendem caso
se reconstitua o respectivo teor francés; assim entre outras :

pág. 7: «... o segrédo do bem das coisas romanas» («... lese-


cret de bien des choses romaines»). Isto é; o segrédo de multas das
coisas ocorrentes em Roma.

pág. 49 : «um menino de coro» que responde á Missa, é o equi


valente literal ao francés «un enfant de choeur»; em portugués, diz-se
«um acólito».

pág. 100 : «... tinham o ar de dar vida a urna destas estampas»;


a expressáo «avoir l'air de» traduz-se por «ter o aspecto, a aparéncia»
ou «parecer». O mesmo galicismo ocorre na pág. 274.

pág. 100: «rosarios benditos». Bcnis, no caso, daría em portu


gués «bentos».

— 310 —
PEYREFITTE, «AS CHAVES DE SAO PEDRO»
«O SANTO PREPUCIO»

pág. 230: «reliquia da santa Creche». A «créche» do francés se


ria o «presepio» da língua portuguesa.

Por estes e outros exemplos que se poderiam citar, vé-se que


pouco habilitada está para ridicularizar o Vaticano urna obra que
por si mesma já tem seus traeos de ridiculo. A mediocridade da
forma literaria brasileira talvez revele algo do interésse dos respec
tivos editores: causar sensacionalismo, antes que difundir a verdade
e educar o público.
Passemos agora k consideracao dos pontos de doutrina e historia
que o escritor francés focaliza no seu «romance».

2. Os temas postos em causa

Peyrefitte se compraz em explorar os aspectos humanos e, nao


raro, deficientes dos íilhos da Igreja. Tais aspectos sao secundarios
dentro do Catolicismo, pois na verdade a Igreja nao se identifica com
as pessoas que lhe aderem. por mais graduadas que sejam. Na me
dida em que tais aspectos humanos sao fainos, a Igreja é a primei-
ra a lamentá-los. Nao obstante, quem lé Peyrefitte tem ■ a impressáo
de que tais deficiencias cqnstituem o ámago mesmo da vida da Igre
ja. Em última análise, será sempre necessário distinguir entre os
mandamentos oficiáis da Igreja, de um lado, e, de outro, os dizeres
e gestos, particulares dos filhos da Igreja; nenhum déstes, nem mes
mo os mais altamente colocados, está isento da fraqueza humana.
Se, nao obstante, a Igreja subsiste, tem-se neste fato o mais elo-
qüente testemunho de que Ela é de instituicao divina e o Senhor
Deus mesma a sustenta. Cf. «P.R.» 39/1961, qu. 2.
Peyrefitte está munido de certa documentacáo, assim como de
experiencia direta da vida no Vaticano; mas tende a generalizar, exa
gerar ou desviar o que sabe ou viu. tornando-se assim capcioso para
o leitoi1 desprevenido e atingindo as raias do enfadonho e do obses-
sivo. Em conseqüéncia, compreende-se esteja o romance «As cha
ves de Sao Pedro> no índice! dos livros proibidos.
Examinemos agora alguns dos tópicos que mais tém chamado a
atencáo do público.

1. O «Santo Prepucio». «Prepucio» vem a ser u'a mem


brana do corpo humano que o rito da circuncisáo (muito espa-
lhado entre os povos antígos) atingía. Cf. «P. R.» 12/1958,
qu. 5.
Ora Peyrefitte, ñas págs. 223-237 da edigáo brasileira de
seu livro, se demora em explorar certa historia em torno do
«prepucio do Senhor». Hoje em dia a critica reconhece unáni
memente tratar-se de urna falsa reliquia de Cristo; o roman
cista francés, porém, escrevendo como se ignorasse esta sen-
tenca, induz o leitor em equívoco.
Qual é entáo a verdade a respeito do «prepucio de Jesús»?
Os escritores antigos nao conheciam tal reliquia. Alguns,
como Orígenes (t 254/55), Severo de Antioquia (t 538), Anas
tasio Sinaíta (tapós 700), chegaram a negar a possibilidade
de haver tal coisa. Nao obstante, a imaginac.áo popular da

— 311 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961. qu. 6 e 7

Idade Media, movida por piedade exuberante e infantil, con-


cebeu a «historia» do «praeputium Domini» ou do prepucio do
Senhor: a partir do séc. XII (ou seja, á distancia de tres sé-
culos de Carlos Magno), narrava-se que Carlos Magno (f 814)
recebera de um anjo do Senhor essa pretensa reliquia na ci-
dade de Jerusalém (cidade, alias, onde Carlos Magno nunca
estéve); té-la-ia trazido para Aquisgrano, residencia imperial;
de lá o próprio Carlos Magno ou, conforme outra versáo, Car
los o Calvo (í 877) a haveria transferido para Charroux, na
diocese de Poitiers; de Charroux dizia-se que passara para
Roma; nao obstante, continuava a ser venerada naquela cida
de francesa!

No tocante a Roma, narrativas do séc. XII referem que estéve


primeiramente na basílica do Latráo; haverá sido colocada num reli
cario em forma de cruz de ouro ornada de pedras preciosas. Na
época dos Papas Urbano V (1362-70) ou LeSo X (1513-21), té-la-áo
trasladado para um pequeño cofre de acó; em 1527, por ocasiáo da
pilhagem de Roma haverá sido roubada, mas em 1557 de novo en
contrada em Calcata pe.rto de Nepi, ondó os fiéis lhe terao prestado
veneracáo até 1902.
Ainda em outras localidades européias a populacho acreditou pos-
suir a pretensa reliquia; assim na catedral de Antuerpia (donde terá
desaparecido no séc. XVI), na de Le Puy (incendiada em 1793), na
Abadía de Conques...

Que dizer de tais proposigóes?

Nao possuindo senso crítico muito apurado, carecendo ou-


trossim de exatas fontes históricas, os medievais, inspirados
principalmente por piedade viva e exuberante, nao viam mo
tivo para duvidar da autenticidade da reliquia que, como se
dizia, haveria sido «conservada e transmitida por um anjo aos
homens»!... As autoridades eclesiásticas, nao tendo elemen
tes positivos para impugnar tal crenga, aceitavam-na geral-
mente e permitiam a respectiva devocáo popular (sem, porém,
proferir alguma definigáo oficial a respeito). Em todo o de-
correr da historia, ouviram-se, antes, vozes a duvidar, como,
por- exemplo, a do Papa Inocencio III (t 1216), que, após ha-
ver exposto seus motivos de reserva em relagáo ao «santo pre
pucio», concluía : «Melhor é entregar todo o caso a Deus do
que temerariamente definir algo a ésse propósito» (Duranti, Rat.
IV 42 n? 8; Legenda áurea 13). Na época moderna, a dita de
vocáo foi-se esvaecendo por si mesma; seria hoje diretamente
contraditada pelas autoridades eclesiásticas.

No caso, importa salientar bem que o magisterio solene da Igre-


ja nunca se definiu a respeito do «santo prepucio»; só nao o rejei-
tou par nao possuir documentos positivos aptos para refutar quanto

— 312 —
PEYREFITTE, «AS CHAVES DE SAO PEDRO»
«O SANTO PREPUCIO»

se havia escrito sobre o assunto. Em nossos días, quando se conhe-


ce melhor a historia antiga, prelados e teólogos nao' hesitam em re-
pelir tal crendice, ao contrario do que insinúa Peyrefitte (pág. 223).

2. As indulgencias. O romancista muito se detém sobre


historias que envolvem a praxe das indulgencias, insinuando
ser a piedade católica algo de mercantil ou mecánico, desti
tuido de genuino espirito religioso.
Engana-se, pois generaliza casos em que a piedade popu
lar .se desviou evidentemente da doutrina da Igreja.

Esta, no tocante ás indulgencias, já foi exposta em «P. R.» 2/1958,


qu. 2. Recapitulando-a brevemente, lembraremos que a praxe das
indulgencias tem sua arigem nos ritos penitenciáis da antiga Igre
ja: os cristáos que houvessem pecado gravemente, se submetiam a
severa satisfacáo (jejuns protraídos, cilicio, peregrinagoes...); de-
pois que a tivessem prestado, eram absolvidos sacramentalmente.
Aos poucos, porém, a Sta. Igreja, a quem Cristo confiou o poder das
chaves (cf. Mt 16,17s; 18,18), loi abrandando a praxe: passou a dar
a absolvigáo sacramental logo depois da acusagáo contrita dos peca
dos; quanto á satisfacao (jejuns, cilicio, peregrinagáo...), ela pode-
ria ser prestada mais tarde. No decurso dos tempos, também a sa-
tisfagáo íoi mitigada : a Sta. Igreja comee.ou a determinar certas obras
de fácil execucao (como oraeóes e esmolas), obras que, realizadas
contritamente pelos fiéis, mereceriam para estes a indulgencia, ou seja,
o perdáo da dura penitencia que na an'tigüidade deveriam prestar
por toda urna quarentena de días ou por cem dias ou por um ano,
etc.. Indulgenciando tais obras, a Sta. Igreja procedía (e procede)
como depositarla dos méritos de Cristo; estes podem perfeitamente
ser aplicados a perdoar nao sómente a culpa do pecado, mas tam
bém a pena satisfatória exigida por todo pecado. — Compreende-se,
porém, que, para lucrar a indulgencia mediante urna obra boa (ora-
Cóes, jaculatorias ou esmolas), os fiéis devem nutrir em seu intimo
a profunda contriejio que tinham os antigos quando realizavam urna
quarentena ou mais de jejum e penitencia pública. Ora, já que nao
é fácil excitar tal contricáo quando se pratica urna breve oragáo ou
esmola, asseveram os teólogos ser muito raro lucrar indulgencias.
Embora estas venham generosamente oferecidas pela Sta. Igreja, nao
se pode dizer que os fiéis as adquirem todas as vézes que pratiquem
obras indulgenciadas (ninguém tem certeza de haver possuido as dis-
posigoes de contrigáo e caridade necessárias para tanto). Quanto
esta doutrina está longe de formalismo e mercantilismo !

Pois bem. Peyrefitte, á pág. 42, afirma que, conforme os


comentadores do canon 925 § 2, para ganhar alguma indul
gencia, nao é necessário ter a intencáo de a lucrar; bastaría
simplesmente saber da existencia de tal ou tal indulgencia.
— Ora os comentadores ensinam justamente o contrario: nao
basta saber..., mas é preciso querer ganhar as indulgencias.
Acontece, porém, que éste ato de querer pode ser habitual ou
geral, isto é, basta que alguém possua de maneira habitual a
intengáo de ganhar todas as indulgencias anexas ás boas obras

— 313 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 43/1961, qu. 6 e 7

da vida crista. Se alguém renova esta intengáo periódicamen


te, todos os días de manhá (se possível), nao é necessário que
a reitere antes de efetuar cada obra' indulgenciada; requer-se,
porém, que efetue tal obra com toda a contricáo de que
é capaz.

As outras invectivas satíricas de Peyrefitte nao merecem detida


atencáo por parte de um observador serio e sereno, pois se apresen-
tam evidentemente tendenciosas. Por conseguinte, limitamo-nos aqui
a indicar as passagens de «P.R.» onde o leitar podará encontrar elu-
cidacáo para outros temas maltratados pela pena do romancista
írancés:

3. As militas «Nossas Senhoras» (pág. 35-37). Cí. «P. R.» 6/1958,


correspondencia miúda. Trata-se apenas de diversos títulos ou as
pectos mediante os quais é invocada a única Virgem Maria, Senhora
Nossa: assim Maria, em seu aspecto de Imaculada desde a conceicáo,
é dita «Nossa Senhora da Conceicáo» ou «a Imaculada Conceigáo»; em
seu aspecto de exaltada aos céus em corpo e alma, é chamada «Nos-
ca Senhora da Gloria» ou «da Assuncáo»; em seus aspectos de apare
cida em Fátima, Lourdes, etc., é invocada como «Nossa Senhora de
Fátima, de Lourdes», etc.

4. O escapulario e suas modalidades (pág. 297). Cí. «P. R.»


8/1958, qu. 6.

5. O «Agnus Deb (pág. 185-188). Cí. «P. R.» 11/1958, qu. 3.

G. As reliquias, sua autenticidade e scu culto (pág. • 109-112). Cf.


iP. R.» 29/1960, qu. 3.

OBSERVAC5ES A «P.R.» 41/1961:

A pág. 222, sob o titulo «Institutos Masculinos» acrescente-se o


seguinte :

la. Uniáo Caritas Chrisü. Iníormacóes com o Cónego Fernando


Ribeiro, Matriz da Candelaria, Praga Pió X — Rio (Gb).

Á pág. 223, ao n* 3 acrescentar: «Espera-se que a Santa Sé em


breve transforme a Companhia em Congregacao Religiosa própria-
monte dita».

D. Estéváo Bettencourt O. S. B.

— 314 —
"Pergunte e Responderemos"

Caro amigo, nao há quem se ponha a pensar


e nao conceba sem demora importantes problemas
(«Afinal que fago neste mundo? Qual o sentido da
vida presente? Que se lhe seguirá?»). Nao sufoque
nem despreze essas questóes. Sem luz sobre tais as-
suntos ninguém se pode sentir plenamente tranquilo
e feliz.
Para o ajudar na procura das solugóees que lhe
interessam, V. S. tem á sua disposigáo urna Caixa
Postal e um fascículo mensal de 44 páginas publica
do sob os cuidados de D. Estéváo Bettencourt O.S.B.
Poderá propor questóes filosóficas, moráis e religio
sas ao seguinte enderéco :

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Caixa Postal 2666 — Rio de Janeiro

— A resposta será enviada gratuitamente a


V. S. em fascículo impresso. Queira, pois, indicar
enderégo e pseudónimo.
A coleeáo dos fascículos «Pergunte e Responde
remos» pode-se obter também por assinatura (a se
rie se iniciou em margo de 1957). Prego da assina
tura anual: Cr$ 200,00. Vía aérea: Cr$ 250,00. Pedi
dos ao Instituto Pió X, Rúa Real Grandeza, 108,
Botafogo — Rio de Janeiro (te!.: 26-1822).

N. B.: — Tudo que se refere á REDACÁO deve


ser enviado a D. Estéváo Bettencourt O.S.B. (ou
«Pergunte e Responderemos»), Caixa Postal 2666,
Rio de Janeiro (Gb).
O que diz respeito á SECRETARIA (pedidos de
assinatura, pagamentos, reclamagóes etc.), seja diri
gido á ADMINISTRAC.ÁO de «Pergunte e Respon
deremos», Rúa Real Grandeza, 108, Botafogo, Rio de
Janeiro (Gb).
«PEEGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual de 1961 CrS 200,00


Assinatnra anual de 1961 (via aérea) Cr$ 250,00
Número avulso de 1961 CrS 20,00
Número de ano atrasado CrS 25,00
Colesáo encadernada de 1957 CrS 320,00
Colegáo encademada de 1958, 1959, 1960 .. Cr? 450,00 (cada urna)

REDACAO ADMINISTRACAO
Caixa Postal 2666 R. Real Grandeza, 108 — Botafogo

Rio de Janeiro Tel. 26-1822 — Rio de Janeiro

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