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Professor

à beira de um ataque de nervos

por

Zeferino Lopes, Professor de Filosofia na Escola Secundária de Penafiel


Índice…………………………………………………………………. Página

0. Introdução …………………………………………………….

1. A contraprodutividade no ensino…………………………….

2. Caros Colegas Professores……………………………………

3. Avaliação atomista ou holista?............................................

4. Por uma avaliação holista…………………………………….

5. A avaliação do desempenho (ADD) e a receita de culinária.

6. A autonomia da escola e dos professores na Avaliação……

7. Carta aberta aos grupos parlamentares……………………

8. Efeitos perversos deste Modelo de ADD…………………….

9. Por que razões este modelo da ADD é contraprodutivo?....

10. A ADD e o taylorismo……………………………………….

11. Caros Colegas avaliadores…………………………………..

12. A ADD e o poder…………………………………………….

13. Os fardos do Professor “titular”

14. Conclusão …………………………………………………..


0. Introdução

Resolvi compilar um conjunto de textos (alguns publicados em Blogues e na NET e


alguns corrigidos para evitar ambiguidades de interpretação), subordinado ao título em
epígrafe, e compor um pequeno livro de reflexão sobre a problemática de fundo do
ensino em Portugal, nomeadamente, o Estatuto da Carreira Docente (ECD) e o polémico
modelo de Avaliação do Desempenho Docente (ADD), que afectam não só os
professores, mas sobretudo, como o demonstrarei, a aprendizagem e formação dos
alunos. Os textos obedecem, dentro do possível, a uma ordem lógica e não tanto
cronológica.

Toda a situação criada por estes dois últimos documentos (ECD e ADD) faz-me lembrar
a “história do burro” que é uma bela alegoria do que está acontecer-nos como
professores (titulares ou não). A história reza o seguinte:

“Um dia, o burro cansado, sobrecarregado pelo camponês a mando de quem trabalhava,
com tantos e tantos fardos às costas, caiu num poço mandado fazer pelo próprio
lavrador na ânsia de encontrar água e fortuna. O animal chorou fortemente durante
horas e horas, apesar do camponês, disfarçadamente, tentar mostrar-lhe que fazia algo
para o tirar do poço, para o seu bem.

Finalmente, o camponês decidiu que o burro já estava velho e o poço já estava seco e
necessitava de ser tapado de qualquer modo, que realmente não valia a pena tirar o
burro do poço. Convidou todos os seus vizinhos para que viessem ajudá-lo. Cada um
agarrou uma pá e começaram a atirar terra para o poço. O burro deu-se conta do que
estava a passar-se e chorou horrivelmente. Mas, para surpresa de todos, depois de umas
tantas pazadas de terra, acalmou-se.

O camponês finalmente mirou o fundo do poço e surpreendeu-se com o que viu... com
cada pazada de terra, o burro estava fazendo algo incrível: sacudia a terra e dava um
passo por cima da mesma; outra pazada de terra e o burro de novo a sacudia e dava um
passo encima dela. E assim por diante. De repente toda a gente viu, surpreendida, como
o burro chegou até à boca do poço, passou por cima da borda e saiu a trote...”

Moral da história:
O inimigo – o próprio diabo ou através de outras pessoas ou situações – vai atirar-te
terra, todo tipo de terra... O truque, para sair do poço, é sacudi-la e usá-la para dar um
passo acima. Cada um dos nossos problemas é um degrau até ao cimo. Não podemos
sair dos mais profundos buracos se no nos damos por vencidos... Usa a terra que te
atiram para seguir adiante.

Se aplicarmos, agora, esta metáfora à situação dos docentes, então temos:

Camponês: Governo e/ou ministério da educação.

Burro: Professor titular, ou não.

Vizinhos: Comentadores que apoiaram as “reformas” do Ministério: Miguel Sousa


Tavares, Emídio Rangel, Vital Moreira, entre outros.

Com a chave da metáfora, agora, é só reler a história e pôr em prática a lição que ela nos
dá. Foi o que eu e muitos outros fizemos.
1. A contraprodutividade no ensino.

A contraprodutividade é um fenómeno característico do modo de produção


heterónomo, próprio das sociedades industriais de economia liberal ou mesmo
socialista. Ela verifica-se com toda a nitidez sobretudo nos transportes. Se praticamente
todos pensarem que é mais rápido e confortável deslocar-se de viatura própria
mecanizada, deslocando-se todos às mesmas horas e no mesmo território, acabam por
fazer obstáculo uns aos outros e ninguém anda. Verifica-se que se anda mais rápido de
bicicleta ou até mesmo a pé. Mas existem outras expressões da contraprodutividade,
nomeadamente no ensino, uma actividade que nos interessa de um modo especial. Este
aspecto foi tocado mas não muito desenvolvido por Jean-Pierre Dupuy, todavia é bem
possível aplicar, com muita pertinência, os seus conceitos acerca da contraprodutividade
ao ensino, nomeadamente em Portugal.

Também se compreende facilmente que há duas maneiras de aprender: uma


autónoma e outra heterónoma. A primeira é a que se faz pela observação e imitação dos
outros e será tanto maior quanto mais elevado for o nível cultural e social daqueles com
quem tenhamos de viver.

Albert Bandura estudou este tipo de aprendizagem dando-lhe o nome de


aprendizagem social que é, no final de contas, uma aprendizagem por modelação. Ela
desenvolve-se por um esquema de observações e imitações sobretudo quando o modelo
é recompensado pela actividade desenvolvida. Há também inibições, por parte do
aprendiz, se o modelo sofre alguma punição. Sabe-se também que a própria curiosidade
da criança a conduz a querer saber «Para quê», «Como» e «Porquê» e, se o meio social
mais próximo dispõe de qualidade em informação científica e cultural, se é um mundo
rico de sentido, ela encontrará respostas que satisfaçam a sua curiosidade intelectual ou,
então, ser-lhe-ão indicadas pistas de informação onde ela poderá encontrar respostas às
suas inquietações intelectuais: atlas, dicionários, enciclopédias, livros, CD e DVD.
Actualmente a Internet, se for bem usada, através de super-motores de busca, constitui
um precioso instrumento de aprendizagem autónoma. O ideal é que a criança, ou o
jovem, possa também aprender em interactividade com os outros para se sentir mais
segura e saber discernir o essencial do acessório.
Quando se aprende numa escola, dentro de uma sala de aula com mais cerca de
trinta colegas, com a ajuda de um manual e de um professor, profissional na
«transmissão de um saber» oficioso ou oficial, considerado pelos poderes públicos
como «indispensável para a formação dos jovens e do cidadão» e para as «exigências da
sociedade e do mercado», então a aprendizagem é heterónoma. Este tipo de
aprendizagem, não é dispensável mas não pode tornar-se de tal modo dominante que
destrua o modo autónomo de aprender1. Ele é sobretudo importante na aprendizagem
dos mecanismos básicos da própria aprendizagem autónoma, quer dizer, a
aprendizagem heterónoma do abc da leitura e da matemática e até do meio físico e
social é fundamental para que a criança, pelos seus próprios meios, construa o seu
próprio saber pela leitura, pelo uso do computador, CD e DVD pedagógicos e
interactivos e Internet.

Mas, a partir de um certo limiar de heteronomia no ensino/aprendizagem, este


torna-se contraprodutivo. “Esta contraprodutividade é a do sistema educativo que
destrói a curiosidade, a vontade e a capacidade de aprender por si mesmo” 2 porque
quando o saber é imposto, desperta desinteresse e gera desmotivação. Mas quando não é
imposto, os alunos procuram-no segundo as suas preocupações. Com efeito, o
desinteresse da parte dos alunos num discurso impessoal que não responde às questões e
interesses da sua esfera pessoal e vivencial, a burocratização e a excessiva
regulamentação (horários, disciplinas, programas, avaliações, currículos, cursos, exames
nacionais, «exames de equivalência à frequência» do «programa antigo» e do
«programa novo», etc…) tornam a escola numa maçada não-produtiva: os professores
gastam muito tempo em reuniões, planificações para «cumprimento do programa»,
elaboração de fichas e testes de avaliação para, na correcção que absorve também muito
tempo, verificarem que os progressos são muito poucos tendo em conta o esforço
dispendido. Gastam tempo na orgânica burocrática da escola: reduções para a função de
Director de Turma, Coordenador de Directores de Turma, Delegado de Grupo,
Coordenador de Departamento, Director de Instalações, Assessor ou Membro do
Conselho Executivo, responsável pela Biblioteca ou Mediateca, etc., de tal modo que o
1
Pode pensar-se que o trabalho de casa do estudante é autónomo porque, na sua solução, ele está entregue
a si próprio. Todavia ele sente esse trabalho como uma obrigação heterónoma, que lhe é imposta, e não
como uma necessidade de procurar respostas para as suas inquietações ou de satisfazer suas motivações
intelectuais.
2
“Cette contreproductivité est celle du système éducatif qui détruit la curiosité, la volonté et la capacité
d’apprendre par soi-même”... Jean-Pierre Dupuy e Jean Robert, La trahison de l’opulence, PUF, Paris,
1976, p. 63.
tempo útil, para estar com os alunos no sentido de os apoiar individual, afectiva e
efectivamente e responder às suas solicitações, fica cada vez mais reduzido ou é
simplesmente reduzido a zero.

Se somarmos ainda as reuniões de Grupo, de Directores de turma, de Departamento,


de avaliação, do Conselho Pedagógico, do conselho disciplinar, de grupo, de Turma,
etc., verificamos que muito do tempo dos professores se gasta mais na máquina
burocrática montada para o ensino heterónomo, portanto, mais nos meios, do que nos
fins, ou seja, na própria função de ajudar os alunos a aprender de forma autónoma e
responsável. Quer dizer, tal como na produção económica, o ensino heterónomo torna
os meios no seu próprio fim, perdendo-se de vista o objectivo que seria suposto servir –
a aprendizagem, o saber, autonomia, a liberdade e responsabilidade das crianças e
adolescentes. Pior ainda, com a preocupação burocrática da ocupação dos professores
em trabalho heterónomo e contraprodutivo (improdutivo mesmo) desperdiçam-se
recursos humanos valiosos assim atolados em burocracia cujo resultado não é senão dar
a impressão perante a opinião pública que agora, sim, os professores trabalham e logo
(subentenda-se) os alunos aprendem! Nada mais ilusório. O lodaçal burocrático e
heterónomo em que caiu o ensino faz deste um faz-de-conta tal como sucede em toda a
economia cujo modo de produção se torna, exclusivamente, ou quase, heterónomo.

Cai-se num paradoxo: a heteronomia e excessivo centralismo dirigista produzem


fracos resultados; procura-se, então, resolver o problema aplicando mais e em força as
formas de acção que lhe deram origem: mais complicação burocrática, mais
formulários, mais preenchimento de grelhas, de mapas e mais “adaptações curriculares”,
mais “medidas de remediação”… e os resultados continuam fracos, e mesmo piores, e
assim por diante até ao analfabetismo funcional diplomado!

Com efeito, a preocupação da política e administração educativas incide mais na


regulamentação e organização da máquina burocrática, isto é, nos meios do que no fim
propriamente dito – o ensino e a aprendizagem: normas para escolha e adopção de
manuais escolares, regulamentos de visitas de estudo, estatuto dos alunos, normas para a
avaliação intercalar, avaliação intercalar e do 1º, 2º e 3º períodos e para exames,
regulamentos do Departamento, do Conselho Pedagógico e de Turma, Projecto
Educativo, Projecto curricular de Agrupamento, de Escola, de Turma, fichas e mais
fichas, etc., etc.
A política de educação heterónoma pretende fazer desta um produto normalizado,
como os produtos da fabricação em série ou a fruta vendida no supermercado. Os alunos
são avaliados pelo que se supõe saberem tendo em conta um padrão que é o programa
disciplinar normalizado, igual para todos, com os seus respectivos objectivos também
normalizados. Grande parte do tempo dos professores gasta-se a discutir propostas de
regulamentos e regimentos disto e daquilo para aprovar em reuniões de Departamento,
de Grupo, de Ciclo, de Conselho Pedagógico; outra parte do tempo gasta-se em
planificações de actividades, em reuniões para elaborar alterações ao Projecto
Educativo, Projecto curricular de turma, de escola e de Agrupamento ou alterações aos
Critérios de Avaliação 3, etc., etc.…

Pode-se, contudo, objectar que as aulas devem ser cuidadosamente planificadas de


modo a estabelecer objectivos, conteúdos a leccionar e estratégias bem delineadas
facilitadoras do processo ensino/aprendizagem desses conteúdos. Isto parece uma
evidência incontornável. A questão que se coloca, com toda a pertinência, é a seguinte:
que interesse tem uma bela planificação, por muito bem construída que esteja, se o
resultado da aprendizagem dos alunos é diminuto tendo em conta todo o esforço
investido e dispendido?! Há alunos – e não são tão poucos quanto isso – que dão
respostas no exame final do 12º ano, p. ex., de Psicologia ou doutra disciplina, que
denotam que todo ou praticamente todo o trabalho do professor ao longo do ano foi
inútil em termos de resultados, no que respeita a esses alunos, por muito boas que
tenham sido as planificações das aulas e até a sua execução. À questão “defina
preconceito” um aluno respondeu: “Ter sentimentos de inferioridade na sociedade, é ter
preconceito”. Isto põe em evidência:

1º - A fraca ou, praticamente, nula produtividade da aprendizagem heterónoma;

2º - O desperdício do investimento público ou privado na educação heterónoma;

3º - A frustração dos professores por terem investido tanto esforço e tempo e terem
colhido tão magros resultados.

3
O aluno encara a própria avaliação escolar como algo externo que lhe é imposto de forma heterónoma; a
verdadeira avaliação é uma auto-avaliação, ou melhor, uma aprendizagem autónoma que resulta, como
dizia Descartes no seu Discurso…, do sucesso ou fracasso que cada um experimenta quando põe à prova,
nas diferentes situações ou desafios da vida (que pode ser uma prova na escola ou de candidatura ao
ensino superior feita pelas e nas próprias universidades, ou uma prova de selecção para um determinado
trabalho), as suas ideias, saberes, competências e conhecimentos.
A razão é simples e sabemo-la desde Sócrates, passando pel’O Mestre de St.º
Agostinho até às pedagogias contemporâneas da «escola nova»: ninguém ensina nada a
ninguém, cada um tem de descobrir o saber por si4, de acordo com a sua paixão e
motivação5, pela sua própria iniciativa e na relação e interacção com os outros.

As observações feitas por Le Bon acerca da diferença entre o ensino latino e anglo-
saxão, há quase um século, mantêm-se espantosamente pertinentes e actuais no que
respeita à contraprodutividade do ensino heterónomo em geral:

O primeiro perigo desta educação – muito justamente qualificada de latina – é


de assentar sobre um erro psicológico fundamental: imaginar-se que a recitação dos
manuais desenvolve a inteligência. Desde logo, atarefam-se a aprender o mais
possível; e, da escola primária ao doutoramento ou à agregação, o jovem não faz
senão engolir o conteúdo dos livros, sem exercer nunca a sua capacidade de julgar
e a sua iniciativa. A instrução, para ele, consiste em recitar e obedecer. […] Em vez
de preparar os homens para a vida, a escola não os prepara senão para funções
públicas onde o sucesso não exige alguma centelha de iniciativa 6.

Donde resulta que, não havendo trabalho para todos na administração pública, nos
departamentos administrativos do Estado ou das empresas públicas, no ensino, etc., vai
crescer enormemente o desemprego de diplomados em conhecimentos inutilizáveis ou
inúteis, transformando-os em revoltados prontos a aderir, em qualquer altura, a qualquer
movimento demagógico que apresente uma “solução do problema”, como uma varinha
de condão, porque, sem iniciativa e capacidade empreendedora, na sua passividade,
estão sempre à espera que alguém, o Estado, a política, resolva o problema por eles!
Com efeito, adormecidos na passividade do ensino heterónomo, nunca se habituaram a
pôr questões/problema e a desenvolver a capacidade criativa, imaginativa e
empreendedora.

4
… “Aqueles que são chamados discípulos consideram consigo mesmos se se disseram coisas
verdadeiras, e fazem-no contemplando, na medida das próprias forças, aquela Verdade interior de que
falámos. É então que aprendem.” St.º Agostinho, O Mestre, Trad. António Soares Pinheiro, Porto Editora,
1995, pp. 97/8.
5
Quando o saber não é imposto, cada um procura-o de acordo com as suas motivações e paixões. Se é
imposto, se o aluno não tem liberdade de escolha, de investigar o que mais lhe interessa, ele desmotiva-se
e o ensino heterónomo torna-se uma maçada.
6
Le Bon, Psychologie des Foules, Éd. Librairie Félix Alcan, Paris, 1912, pp. 75 e 76.
Obviamente que não há aprendizagem e respostas se primeiro não houver questões.
Não é por acaso que os alunos que apresentam melhor rendimento, mesmo no ensino
heterónomo, são aqueles que já beneficiaram ou beneficiam ainda de duma dinâmica
considerável de aprendizagem autónoma no ambiente familiar e social. Estes alunos
encaram o ensino heterónomo como mais uma oportunidade de enriquecimento pessoal
na medida em que este lhes permite responder a algumas questões intelectuais cuja
solução não lhes foi possível encontrar em casa ou em contacto com os amigos. Mas,
quando o ensino heterónomo não lhes traz nada de novo, torna-se um sacrifício penoso
estar nas aulas pois entendem que elas são um desperdício de tempo quando, se lhes
fosse dada oportunidade, poderiam fazer investigações muito úteis, em experiências de
laboratório, em ateliers, em bibliografia especializada, na Internet, etc., (se a escola
estivesse pensada e dirigida para a aprendizagem autónoma) na procura de respostas às
suas inquietações…

Os outros alunos, que não trazem de casa uma dinâmica de aprendizagem autónoma
e a única experiência que têm da aprendizagem não é senão a heterónoma, sentem que a
escola é um pesado fardo que têm que suportar por obrigação da família e do Estado. A
escola pouco lhes diz ou não lhes diz absolutamente nada. A sensação que têm é a de
que aquilo que supostamente aprendem não lhes serve de nada por quatro razões:

1ª - Muitas vezes não entendem o discurso e a linguagem académica e “científica”


da escola;

2ª - Esse discurso não lhes responde às suas reais necessidades e problemas e, por
isso, desinteressam-se;

3ª - É um discurso impessoal, normativo, igual para todos, sem ser dirigido a


ninguém em especial.

4ª - Finalmente, porque o saber lhes aparece como algo heterónomo, algo que não
lhes diz respeito ou que não entendem, agarram-se à memorização, quando se sentem
forçados a prestar provas, mas cujos resultados atestam, precisamente, a não assimilação
e a não assumpção pessoal do conhecimento (insucesso escolar).

Por outro lado, a própria sociedade industrial heterónoma condiciona os sujeitos à


passividade, ao conformismo, na medida em que, aparentemente, todas as coisas de que
precisam lhes aparecem imediatamente disponíveis no mercado: para as obter, basta
comprar. De igual modo se admite que o saber ou, pelo menos, os símbolos que
supostamente o representam (notas, classificações, cursos) também se compram. Não é
tão raro assim vermos os pais mais preocupados, não tanto com a aprendizagem e saber
dos filhos, com as suas competências, mas especialmente com as notas que irão ter na
avaliação final de ano.

Se compararmos a produtividade da aprendizagem autónoma, p. ex., aquela que


uma criança faz da linguagem, dos conhecimentos básicos do mundo que a rodeia, das
normas sociais e dos valores, na sua relação com as pessoas mais significativas,
nomeadamente, a mãe, o pai, a família e seus amigos, com a aprendizagem heterónoma,
verificamos que a primeira é muito mais produtiva, e que a segunda, para ser produtiva,
pressupõe e implica a primeira. Se a aprendizagem heterónoma, quer dizer, a escola
destruir cada vez mais, como tem acontecido, o espaço necessário e as condições para a
autónoma, está condenada ao insucesso.

Em Portugal, a excessiva burocratização da escola e do trabalho do professor faz


diminuir o número de alunos per capita, mas nem por isso faz aumentar a qualidade do
ensino (heterónomo). É que, para além das tarefas burocráticas e organizativas, tarefas
puramente administrativas como registo de faltas, matrículas, comunicação de faltas aos
pais, etc., ocupam ou retiram tempo ao professor que não é gasto na actividade
pedagógica que deveria ser personalizada e individualizada de modo a assegurar,
mesmo dentro da escola, condições para a aprendizagem autónoma. A ocupação do
professor em tarefas puramente administrativas e burocráticas exige mais professores
para o mesmo número de alunos e torna o ensino não autónomo muito caro ou mais
caro. Se os professores ficassem libertos dessas tarefas e de toda a burocracia, para se
dedicarem à investigação com os seus alunos, e as tarefas administrativas fossem
entregues a funcionários formados para o efeito, o ensino tornar-se-ia simultaneamente
mais barato e mais produtivo, tendo-se a oportunidade de cambiar aspectos da
aprendizagem autónoma com a heterónoma, fazendo a articulação de ambas.

Não vamos cair no exagero das pedagogias libertárias e utópicas que propunham
uma sociedade sem escola7, mas também será errado pensarmos que a aprendizagem só

7
A sociedade sem escola (que defende Ivan Illich na obra com este nome) já existiu e ainda existe. Nas
sociedades tribais e rurais tradicionais, os rapazes e raparigas aprendem tudo quanto precisam de saber
para viver em sociedade e no seu meio apenas observando e imitando os mais velhos. As novas
ferramentas como o computador e programas informáticos especialmente concebidos para a
aprendizagem, assim como a Internet, permitirão criar, num futuro próximo, as condições para uma
aprendizagem autónoma, no domicílio, sem escola, sem “aulas de 45 ou de 90 minutos” e com a
possibilidade da auto-avaliação!
se pode fazer de modo formal, burocrático, super-regulamentado e em massa,
eliminando todos os espaços, dentro da escola, para a aprendizagem autónoma, sem
professor, sem controlo do professor, apenas com a sua ajuda a pedido do estudante. Os
alunos, sobretudo aqueles que em família não tiveram a experiência da aprendizagem
autónoma, deverão ter espaço e tempo na escola para investigarem pelos seus próprios
meios o seu próprio saber depois, obviamente, de uma boa motivação para as delícias e
vantagens que esse saber lhes confere. O professor, em vez de um mero transmissor de
saberes que segue a cartilha universal e centralizada, deve ficar remetido a um papel de
orientador que, de forma personalizada e individualizada, vai dando pistas, sugestões,
tirando dúvidas, alertando para os erros e, ao mesmo tempo, fornecendo os meios para
que o aluno possa resolvê-los. Se e quando o aluno é bem sucedido, cabe ao professor
assinalar o seu progresso, elogiá-lo e mostrar que ele pode ir bem longe porque está no
bom caminho. É absolutamente necessário este reforço afectivo na medida em que
aumenta a confiança no aluno e lhe faz crescer a auto-estima e a motivação para o saber.

Por sua vez, o Ministério da Educação não deve ter a preocupação e a tentação
napoleónica de tudo regulamentar, centralizar, supervisionar e dirigir: reuniões
intercalares, de avaliação ou disciplinares, conselhos de turma, preenchimento de
formulários, fichas, mapas, grelhas, etc., e ainda inspecções disto e daquilo 8 para
verificar se os meios e instrumentos do ensino heterónomo e contraprodutivo foram bem
aplicados, se as regulae e normas foram cumpridas. Quanto aos fins – já que toda a
orientação da política educativa se centra nos meios – isso não é tão importante: não
importa se aluno desenvolveu competências e adquiriu saberes; o que está em causa é
que a máquina burocrática tenha funcionado consoante as normas e regulamentos que
empanturram o funcionamento da escola, derivando daí contraprodutividade e insucesso
que se atesta pelo fraco desempenho dos alunos quer nos exames, quer nas provas
internacionais.

8
Assinale-se que a ocupação na função de inspecção do cumprimento eficaz das normas para a
contraprodutividade ou insucesso escolar, retira ao ensino um bom número de professores que
concorreram para inspectores. Poderíamos ainda acrescentar os milhares de professores destacados para
os diferentes departamentos ministeriais (ME, DREs, CAEs, etc.) e sindicatos que asseguram o “bom
funcionamento da máquina burocrática” do ensino heterónomo contraprodutivo. Isto é
contraprodutividade ao cubo: o ensino já é contraprodutivo porque heterónomo; para supervisionar, vigiar
e garantir as condições materiais, organizacionais e humanas para o “bom” funcionamento da máquina
burocrática contraprodutiva, retiram-se ao ensino professores cuja função é tudo menos ensinar. Os Srs.
inspectores e demais professores destacados perdoar-me-ão porque eles, tal como os professores em geral,
não têm culpa do sistema contraprodutivo de que fazem parte!
A escola, o professor e os alunos não têm espaço para a iniciativa e criatividade. Os
docentes e a escola ficam remetidos a meros executores de medidas centralizadoras e
uniformes, onde tudo está definido desde os conteúdos a leccionar até ao modo como se
deve leccionar e avaliar, ponto por ponto. Nada escapa ao controlo e dirigismo
centralizador e centralista. Chega-se, por vezes, à situação absurda e ridícula, de tão
excessivo dirigismo e regulamentação centralizadores, que a escola e os professores
mais parecem mentecaptos e acéfalos e que, por isso, a única coisa que lhes é permitida
fazer, tal qual o operário numa linha de produção taylorista, não é senão cumprir
sequencialmente ordens atrás de ordens, ordenações e contra-ordenações, regulamentos
atrás de regulamentos, reuniões pré-formatadas atrás de reuniões igualmente
formatadas, preenchimentos de formulários atrás de formulários, de fichas atrás de
fichas, burocracia atrás de burocracia, enfim, uma sobrecarga de trabalhos
contraprodutivos e inúteis que mais não servem senão para preencher o tempo dos
professores e engrossar os dossiers. Enquanto isso, aquilo que seria suposto que
fizessem – ensinar 9 – criando espaços para a aprendizagem autónoma (em total
liberdade quanto aos métodos pedagógicos ou caminhos seguidos e quanto aos meios,
considerados mais adequados às circunstâncias) – vai ficando cada vez mais reduzido a
nada10.

Deveria caber apenas ao Ministério a definição dos programas, ou melhor, dos


conteúdos a leccionar e a saber, com um leque vasto de opções, em função das políticas
educativas definidas globalmente como estratégia geral da qualificação e
desenvolvimento humano e social do país e das características específicas de cada
região e do aluno, e a definição de formas e instrumentos objectivos de avaliação
externa e deixar espaço livre à escola e aos professores para que, de acordo com as
características locais e regionais, do ambiente social e cultural, cada escola e seus
professores encontrassem as formas diversificadas e variadas mais adequadas de atingir
os objectivos gerais traçados com a participação e empenhamento activos dos alunos.
Assim, não existiria uma via única e um modelo único de ensino/aprendizagem, mas
uma pluralidade de experiências enriquecedoras, auto-estimulantes e criativas devido à
motivação e concorrência sadia entre escolas. É que no ensino heterónomo e de direcção

9
…“Esta palavra «ensinar» parece que foi banida do vocabulário [do novo estatuto da carreira docente]”.
Cf. Nuno Crato, em entrevista à Revista Pública – Jornal Público de 18 de Junho de 2006 – p. 10.
10
“E as funções do professor deixaram de ser ensinar.” Ibidem, p. 8.
única, centralizada e burocrática “as escolas não têm autonomia para nada” 11. Por isso, o
Ministério não deveria estar tão preocupado em tudo dirigir e tudo supervisionar a partir
do centro, mas apenas avaliar, através dos resultados, numa avaliação externa, as
escolas, premiando aquelas, seus respectivos professores e direcção que, em função de
determinadas condições objectivas avaliadas à partida, apresentassem bons resultados à
chegada, e permitindo aos pais e alunos a possibilidade de escolher a escola pública da
sua preferência, em função da forma concreta do trabalho pedagógico desenvolvido e
dos resultados por ela apresentados.

Mas esta escola heterónoma, promotora de uma formação (técnico-científica,


profissionalizante, de competências “produtivas” para o mercado de trabalho como,
agora, se diz) passiva, acrítica e acéfala, estará em dissonância com uma economia
liberal e de produção heterónoma, em que a única coisa que se requer dos sujeitos é que
estes sejam altamente “produtivos” e consumidores passivos?!

2. Caros Colegas Professores

Este modelo de avaliação, imposto pelo Ministério, é perverso e contraprodutivo. O


legislador, desconhecendo a realidade e a prática do ensino, assim como o contexto em
que se desenrolam, decretou medidas que aparentemente são muito justas e racionais
mas que, por efeito de composição, levadas a cabo por um conjunto enorme de pessoas,
produzem efeitos contrários ao esperado e, por isso, se revelam absurdas quando postas
em prática.

Jean-Pierre Dupuy, o maior filósofo francês vivo, inspirado nos trabalhos de Ivan
Illich, demonstrou que a contraprodutividade do trabalho resulta, na maior parte das
vezes, desta mentalidade tecnocrática, utilitarista e consequencialista, que procura
sempre e sempre mais meios para atingir os fins. De tanta preocupação com os meios, o
trabalho perde-se nas “técnicas” e nos “instrumentos”, nos “recursos”, na “preparação”
e nas “estratégias” e, quanto ao fim propriamente dito, esse fica esquecido ou não é
atingido por causa do desperdício de tempo nos meios. Vou dar um exemplo simples
dos transportes. Imaginem que toda a população de um determinado território se

11
Ibidem, p. 10.
convence, por efeito mimético, que o automóvel é o meio mais racional, muito mais
rápido e confortável para fazer as suas deslocações do que os transportes públicos.
Todos, fazendo o mesmo e às mesmas horas, entopem as ruas e estradas e ninguém
anda: demora-se muito mais tempo do que andar de bicicleta ou até mesmo a pé.
Conclusão: uma decisão aparentemente racional, inteligente e correcta revelou-se
absurda e contraprodutiva, perversa.

O mesmo se passará e já se passa com este modelo de avaliação: ele insiste tanto
nos “meios” para o ensino, nas “estratégias”, nas “preparações” e “planificações”, nos
“recursos” e nas “técnicas” que o fim (o ensino e a aprendizagem) ficará num lugar
muito secundário o que, como tem sucedido, se irá provar nas provas internacionais dos
nossos estudantes. Os professores vão gastar muito mais tempo do horário normal de
trabalho por semana (35 horas) a dizer e a explicar o que vão fazer e, depois, a explicar
o que fizeram e como o fizeram do que a ensinar e a ajudar os alunos a aprender. Daí
resultará uma enorme contraprodutividade que os resultados dos exames não
conseguirão disfarçar.

E porque sucede assim? Porque o modelo é extremamente complicado: confunde o


acto de avaliar com o acto de formar. Embora toda a avaliação deva ter implicações na
formação contínua do professor, avaliar e formar devem ser actos distintos, o que não se
verifica. Com este modelo, será legítimo perguntar se o trabalho dos orientadores de
estágio foi em vão já que tudo o que se fez antes está posto em causa! Mais, os próprios
orientadores serão avaliados/formados pelos seus avaliadores, pondo em causa o
trabalho com os seus formandos! Há aqui qualquer coisa de muito perverso e absurdo,
para já não falar no facto de um licenciado poder avaliar/formar um doutorado!

A avaliação do professor deve incidir apenas sobre 4 factores gerais:

1º - A progressão dos seus alunos que se mede pela comparação dos resultados
médios entre uma avaliação diagnóstica exaustiva e completa à partida e uma avaliação
sumativa aferida à chegada, podendo professor retirar uma ou outra turma cuja
motivação para os estudos é abaixo de zero;

2º - A pontualidade/assiduidade como funcionário do Estado;

3º - A sua formação e estudos/publicações no domínio científico e pedagógico;

4º - A participação na vida cultural da escola.


O resto é pura perda de tempo e demagogia. Os professores sabem como dar aulas,
o que sucede é que, muitas vezes, não têm os meios humanos (alunos e pais),
organizacionais (complicação burocrática e gestão centralizada) nem condições
materiais para o poder fazer com qualidade. Quantas salas estão equipadas com
projecção mutlimédia?!

Temos que dar um empurrão definitivo a este monstro absurdo mascarado de


pedagogia científica!

Penafiel, 29 de Setembro de 2008.

PS: Foi este texto que, apelando para uma suposta manifestação nacional dia 15,
deu um empurrão à Plataforma Sindical para que esta convocasse a manifestação de
professores no dia 8 de Novembro de 2008, com o sucesso que se conhece.

3. Avaliação atomista ou holista?

O modelo de avaliação do desempenho dos professores defendido pelo ministério


enquadra-se numa perspectiva atomista da educação, do aluno e até do professor. Parte-
se do princípio de que o todo é igual à soma das partes, tal como sucede nos conjuntos
finitos: os números ímpares até 100 + os números pares até 100 = aos números inteiros
até 100. Mas o mesmo não é verdade para os conjuntos infinitos. Aqui a parte pode ser
igual ao todo: para cada número natural até ao infinito é sempre possível encontrar um
número par ou impar até ao infinito.

Todavia, nem o processo de ensino nem os professores podem ser reduzidos a


números finitos ou infinitos. O processo de ensino e o professor formam um todo muito
complexo de que dependem as partes. Estas só têm sentido enquanto organizadas num
todo e o seu sentido varia em função do todo de que fazem parte. A Gestalt, no princípio
do século XX, já demonstrara que o atomismo está redondamente enganado: não são as
partes que associadas dão sentido ao todo, mas é o todo que dá sentido às partes. Antes
de mais o que dá sentido à educação e ao professor é a sua concepção de homem total
que ele pretende ser e que pretende formar.
O modelo de avaliação e a política educativa não questionam que tipo de homem
pretendemos formar e para que tipo de sociedade. Não coloca nem pretende responder
às questões humanas fundamentais: donde vimos? Quem somos? Para onde vamos?
Mas nem por isso deixa de ter subjacente uma ideia de homem e de sociedade: o homem
reduzido a um conjunto de atributos operativos que façam dele um produtor, por um
lado, e um consumidor, por outro, acríticos e passivos, e uma determinada
impropriamente chamada “sociedade” de mercado que mais não é, devido à
concorrência mimética contínua, que uma permanente “guerra de todos contra todos”
onde valores como a solidariedade, a amizade ou a igualdade nada contam. O que conta,
isso sim, é a produtividade, a capacidade competitiva, o lucro, o crescimento. Pergunta-
se: de quê e para quê? Para onde vamos?

Na verdade, como diz Rodríguez Neira na sua Teoria de la Educación, Vol. 2, (Ed.
Universidad Nacional der Educación a Distancia, Madrid, 1999), “todas as práticas
educativas, em todos os povos e sociedades, manejam modelos antropológicos que, às
vezes, não chegam nunca a explicitar-se na consciência [dos seus autores]. Com
frequência a educação se promove em termos de objectivos imediatos, de regras de
eficácia, de exigências sociais ou de mercado, que excluem directamente qualquer
referência a modos de existência ou a concepções de homem. O paradoxo, contudo,
consiste em que estes mesmos factos, projectados no tempo e implantados como formas
de cultura, produzem uma certa visão de homem. Talvez um homem sem sujeito
humano que o suporte, talvez um homem somente entendido como um sistema de
atributos operativos, mas, em definitivo, um tipo de existência e uma forma de ser” que
nós, como sujeitos e professores, abominamos. É esse o verdadeiro motivo do nosso
receio e revolta.

Apesar da Gestalt já ter demonstrado que o atomismo está errado, um século depois
voltamos a uma concepção atomista da educação e da avaliação, em que a soma das
parcelas vai dar um todo e em que é sempre e sempre possível demonstrar
calculisticamente que esse todo é deficiente porque alguma das partes, associada às
outras, dá um resultado inferior a cem por cento. É possível calcular, demonstrar, que
todos os professores estão abaixo dos cem por cem e que, portanto, nunca deverão ser
remunerados como bons ou óptimos profissionais.

Como vêem há aqui uma armadilha diabólica e perigosa cujo objectivo último, para
além do tal tipo de homem e de sociedade de que falamos, é poupar nos recursos
humanos da educação, arranjar uma educação baratinha à custa dos professores para os
filhos dos pobres porque os ricos dispõem de dinheiro para pôr os seus filhos nos
melhores colégios privados do país ou até mesmo do estrangeiro.

Penafiel, em 8 de Julho de 2008.

PS: Este texto foi publicado em A Página da Educação de Agosto de 2008.

4. Por uma avaliação holista.

Agora gostaria de apresentar um conjunto de argumentos em favor de uma avaliação


holista. O erro da avaliação atomista de que já falámos, resulta do facto de se pretender
transportar para a educação, para o professor, o mesmo modelo de avaliação das
empresas, ou melhor, do trabalhador numa empresa, como se a educação pudesse ser
reduzida a um somatório de tarefas executadas, sequencialmente, como numa linha de
produção taylorista. Educar não é encher chouriços ou montar automóveis: se assim
fosse, o professor poderia ser substituído por um robot. Para já, não conheço ninguém
que defenda que o professor possa ser substituído pela máquina, logo não deve ser
avaliado como se de um robot se tratasse.

A avaliação atomista proposta pelo ministério torna-se extremamente complicada e


difícil devido à excessiva divisão e emparcelamento das tarefas o que a torna
burocrática e contraprodutiva. Com efeito, o professor vai passar mais tempo a
descrever, por escrito e de modo formal, aquilo que tenciona fazer, parcela por parcela,
ou já fez (PCT - Plano curricular de turma, PAA - Plano Anual de actividades, PDP -
Plano de Desenvolvimento Profissional, PE - Projecto Educativo, Planos de aula, Planos
de Unidade Didáctica, Planificação anual, Planos de Recuperação, Planificação da visita
de estudo, Relatório das actividades x, y, z; Relatório da Direcção de Turma, Relatório
da visita de estudo, relatório das aulas de apoio, etc., etc., para não falar do
preenchimento dos inúmeros instrumentos e grelhas de avaliação! Não se pretende dizer
que as actividades e as aulas não devam ser planificadas, o que se critica é excessiva
preocupação com os meios burocráticos para o ensino - daí a sua contraprodutividade -
do que com o ensino/aprendizagem dos alunos propriamente dito) do que a fazer. O
professor passa de educador, formador, instrutor, a burocrata.
Passemos a sistematizar a avaliação atomista, taylorista. Devemos recordar-nos que
alguns itens são verdadeiros molhos de n itens. Por exemplo, o item D1 da grelha do
ministério não é verdadeiramente um, mas nove. Vejamos: «D1 – Rigor, regularidade e
adequação da avaliação diagnóstica, formativa e sumativa» = 3 x 3 = 9. Todos estes
molhos implicam a multiplicação de instrumentos de avaliação pelo que, só em
papelada, o prejuízo do ministério em papel será considerável para já não falar no tempo
que os professores avaliadores vão gastar no seu preenchimento. Depois, há itens que
não são simples mas o resultado da combinação de outros também avaliados à parte: p.
ex., a progressão dos resultados dos alunos:

A1+A2+A3+A4+A5 = p; B1+B2+B3+B4+B5 = q; C1+C2+C3+C4+C5 = r;


D1+D2+D3+D4+D5 = s p + q + r + s = I ou R ou B, E. (Insuficiente, Regular,
Bom, Excelente) e ainda a avaliação pelo Presidente do Conselho executivo,
assiduidade, etc.…

Os ideólogos deste modelo não foram capazes de perceber que a progressão dos alunos
não é um item mas uma emergência resultante da combinação de um conjunto de
factores que dependem directamente do professor – tais como preparação e habilidade
pedagógicas, sua preparação científica, sua motivação para a docência, sua capacidade
de motivação dos seus alunos, preparação das suas aulas, execução das mesmas e
capacidade de avaliação diagnóstica, formativa e sumativa – e de outros alheios à sua
vontade tais como dimensão e natureza dos programas, condições organizacionais e
materiais do exercício da sua profissão, ambiente familiar, cultural e sócio-económico
das famílias dos seus alunos (por isso é que se deve ressalvar a hipótese do professor
poder retirar da sua avaliação alguma turma em que o exercício da sua profissão é
especialmente difícil senão mesmo impossível). Assim, numa avaliação holista deveria
ter-se apenas em conta o que depende directa e indirectamente do professor e numa
perspectiva global: a progressão dos alunos que se poderá medir com a comparação dos
resultados numa avaliação diagnóstica completa e exaustiva à partida com os resultados
de uma avaliação sumativa aferida e externa à chegada, a cooperação com os colegas e a
participação e o empenho do professor nas actividades da escola, a formação e a
publicação de estudos e artigos relevantes na área científica ou profissional e, como
funcionário, a sua assiduidade e pontualidade. O resto é burocracia e
contraprodutividade.

Vejamos:
Competências científica e Sala de aula/turma
Pedagógica Progressão e evolução dos
Planificação do trabalho alunos
Qualidade da sua execução
Motivação e
Capacidade de motivar
+

Cooperação
Planificação
Escola/Comunidade
Execução
Actividades pedagógicas e
culturais

+
Assiduidade
Pontualidade Funcionário

Estudos +
Formação Produção e Publicações
Reflexão internas ou externas

Em vez de múltiplas parcelas e sub-parcelas a avaliar, que só servem para perder


tempo, teríamos apenas a considerar quatro factores na avaliação: a progressão dos
alunos (o professor esforçar-se-ia por dar o melhor de si, preparando-se o melhor do que
fosse capaz); a colaboração com os pares e a participação na realização das actividades
na escola; o profissionalismo demonstrado na assiduidade e na pontualidade; a sua
formação demonstrada pelos estudos e reflexões públicos e/ou publicados. Querem
melhor?

PS. Não nego que os indicadores e itens do modelo da avaliação proposto, ou


melhor, imposto pelo ministério, sejam úteis, mas apenas como orientações ou
directrizes de uma avaliação formativa do professor no sentido de ele aperfeiçoar
algumas técnicas; mas nunca como avaliação/classificação final do professor e já
expliquei porquê.

Penafiel, em 12 de Julho de 2008.

5. A avaliação do desempenho (ADD) e a receita de culinária.

Poderão os leitores perguntar: Mas o que tem a ver este modelo da ADD com uma
receita de culinária?! Aparentemente nada. Todavia podemos muito bem estabelecer um
paralelo dado o carácter atomista do modelo de avaliação. Vejamos uma receita, por
exemplo, de uma salada sofisticada, para duas pessoas, com uma diversidade e
variedade muito grande de ingredientes: 200 gramas de tomate; 100 de alface, 200
gramas de pepino, 200 gramas de salmão fumado, 50 gramas de fios de cenoura, mais
100 gramas de fatias de melão, 50 gramas de queijo, 10 gramas de azeitonas, 90 gramas
de presunto, 100 gramas de cogumelos laminados – uma excelente refeição em que cada
um come cerca de meio quilo de salada! Para beber aconselha-se uma bebida fresca:
1000 mililitros de sumo de laranja e, finalmente, dois cafés e um pequeno digestivo que
poderá ser Whisky ou licor para a senhora.

Como se avalia o modo como o cozinheiro preparou a refeição? Ora bem, somando
as parcelas de todos os ingredientes sólidos, obtemos o valor de 1000. Juntando ainda a
bebida bem medida, obtemos também 1000 e se não se esquecer de apresentar os cafés e
tiver a amabilidade de oferecer o digestivo, a refeição é excelente. A soma de tudo
ultrapassa os 2000. Na escala de 1 a 20, o cozinheiro merece 20, ou seja, excelente.

Se as proporções não forem respeitadas e, por exemplo, faltar o queijo, e faltarem


ainda 50 gramas de tomate e, eventualmente, uns 20 mililitros de sumo e não oferecer o
digestivo, a sua prestação estará pelo bom: pois não atinge os 1900 e ainda sonegou o
digestivo; mas se ofereceu o digestivo, e não se enganou no volume do líquido, então
estaria ao nível de muito bom, etc. Dizer que isto é uma perspectiva holista da avaliação
seria ridículo! Mas é exactamente isto que sucede com a ADD dos professores. Na ficha
de avaliação há quatro categorias a avaliar: 1- preparação das actividades lectivas; 2-
execução; 3- relação pedagógica; 4- avaliação dos alunos. Isto para os professores que
não são avaliadores porque estes, os avaliadores, têm mais uma categoria. Ora, se cada
uma das categorias tem 5 itens para serem avaliados, na escala de 1 a 10, então teremos
20 ou 25 itens a avaliar. O total de cada categoria resulta da média do somatório dos
seus itens; o total da avaliação do professor, na actividade pedagógica, resulta da média
do total das médias parciais; acrescente-se ainda os valores resultantes da avaliação da
participação na escola, na relação com o meio, na assiduidade e pontualidade, etc., etc.
O resultado final de todo este cúmulo de somatórios e médias é que dá a avaliação final
do professor. Dizer que isto é holístico é, no mínimo, surreal. Isto mais parece uma
receita de culinária em que os professores, sobretudo os titulares, em vez de cozinheiros
serão cozinhados, fritos ou cozidos!

6. A autonomia da escola e dos professores na Avaliação.

Vou usar uma metáfora para percebermos em que consiste, de facto, essa
autonomia.

Imaginem que eu, por decreto, obrigo os professores das diferentes escolas a
dedicarem-se ao roubo. É claro que a esmagadora maioria, senão mesmo a totalidade
dos professores, não deseja roubar, mas, por imposição superior tem que o fazer. Mais,
por decreto declaro que os professores são autónomos quanto ao modo de fazer o roubo:
podem escolher e definir os instrumentos através dos quais farão o roubo, se entram
pela porta, pela janela ou pelo telhado; se vão assaltar à mão armada ou preferem o
conto do vigário ou outras formas ainda mais sofisticadas. Os professores são
autónomos no modo de organização para roubar, na selecção dos instrumentos para o
fazer, nas estratégias usadas para consumar o acto de furtar. Todavia é-lhes exigido que
apresentem o produto do roubo, pois é em função dos resultados obtidos que serão
avaliados: se gamarem um carro de gama alta e as jóias dos donos ou algo em valor
igual, terão excelente; se forem capazes de roubarem o carro de gama média-alta e
algumas jóias entre o valor de 80 a 89 mil euros, então terão muito bom, e assim
sucessivamente. Como vêem os professores têm uma larga autonomia quanto ao modo
como vão fazer o furto e quanto às estratégias e métodos, mas sentem-se coagidos a
fazer algo de que visceralmente discordam e têm boas razões para tal. Será isto uma
verdadeira autonomia? Foram os professores, as organizações e associações de
professores convidados a participar no debate e na elaboração do seu modelo de
avaliação do desempenho? Tal como nesta situação virtual, o roubo lhes foi imposto, de
igual modo… São obrigados a avaliar e a ser avaliados, mas são “autónomos”!

PS: Estes dois últimos textos foram escritos no rescaldo da “formação para
professores avaliadores” nos finais de Julho de 2008.

7. Carta aberta aos grupos parlamentares.


Assunto: Do Simplex ao Complicadex.

Ex. mos Srs. Deputados.

O que se está a passar na educação – e não é só de agora – é muito grave. Agora, a


situação ainda está mais grave. Mais parece que se pretende que o abandono escolar
comece pelos próprios professores! Mas há um erro de perspectiva: é que não há alunos
se não houver professores...

Com efeito, o lodaçal burocrático, em que está a transformar-se o ensino, não só


retira, aos professores, tempo e energias para uma relação pedagógica sadia, como os
cansa e desmotiva mesmo antes de dar as suas próprias aulas, como também produz
efeitos perversos, contraprodutivos, nos resultados dos estudantes. Os exames nacionais
estão aí para o comprovar. O tempo é desviado para tarefas puramente burocráticas e
completamente inúteis enquanto que o apoio personalizado e individualizado a cada um
dos alunos é, praticamente, reduzido a zero ou, simplesmente, não existe. Tudo isto
resulta de uma visão errada e tecnocrática da educação que contraria a política Simplex,
aliada à incrementação do e-governement, que o Governo tem levado a cabo nos
Serviços Públicos e que tem merecido o reconhecimento e até o elogio de diferentes
sectores da sociedade, assim como de instituições internacionais.
O modelo de avaliação dos professores e dos alunos, que se pretende incrementar,
com grelhas tão complexas e sem sentido, atesta precisamente que os seus autores não
só não percebem nada de educação (com este modelo “os professores deveriam ser
meros autómatos destinados a aplicar regras.” Ver crónica de Filomena Mónica no
Público de 30 de Setembro de 2007, p. 45), como também pretendem, inconsciente ou
conscientemente, destrui-la. Eles não sabem que a relação pedagógica é, sobretudo, uma
relação humana e as relações humanas não são medíveis em grelhas de quantificação. A
educação não é uma mercearia ou uma geometria, uma actividade “positiva”,
quantificável, mensurável. Nem os alunos são objectos que se possam medir numa
balança ou com uma fita métrica. Os alunos, assim como os professores, são pessoas.
Além do mais, os autores não sabem que a avaliação do professor não se faz pelo “plano
(escrito) da aula” por muito bem construído e executado que seja, mas pelo que o
professor conseguiu acrescentar aos alunos desde o ponto em que os recebeu até ao
ponto em que os deixa, ou seja, pela progressão dos mesmos alunos na aprendizagem de
conteúdos e no desenvolvimento de competências cognitivas, afectivas/valorativas e
sociais e isso só se pode fazer por uma comparação entre uma avaliação diagnóstica, o
mais completa possível, à partida, com uma avaliação externa, à chegada. Assim, uma
turma mediana, que não atinja, no final do ano ou do curso, muito boas classificações,
pode revelar um trabalho muito mais produtivo do professor do que a turma muito boa
logo no início…

Podem, contudo, objectar: nem todas as turmas, nem todos os alunos, têm o mesmo
grau de motivação para os estudos. Isso é uma verdade incontornável. Neste caso, o
professor deveria poder escolher, com o aval do Conselho Executivo (CE), no período
dos três anos, as turmas sobre que incidiria a sua avaliação, pois não é de prever que o
CE duma escola atribua sempre, ao mesmo professor e durante tanto tempo, turmas e
alunos, provenientes de certos estratos sociais, à partida, sem motivação para os
estudos. O ministério não deveria preocupar-se, como está a suceder, com a super-
regulamentação, vigilância e punição dos professores e do seu trabalho, em que ocupa
umas largas dezenas de inspectores – e outros professores destacados para lugares de
direcção e avaliação – mas pelos resultados e progressão dos alunos e avaliar os
professores pelo que estes conseguiram fazer nos e dos seus alunos. Deveria, portanto,
dar total autonomia pedagógica às escolas e aos professores e preocupar-se apenas com
os resultados na educação dos jovens.
Porque sucede tudo ao contrário? Porque, na educação, em vez do Simplex nos dão
Complicadex?

Pedimos aos Srs. Deputados que reflictam sobre esta grave problemática e que,
sobre a mesma, façam aquilo que vos compete: vigiar o Governo na acção governativa,
nomeadamente, no âmbito da educação. Esta não é sectorial, de interesses particulares,
mas universal, transversal a toda a sociedade… Daí a urgência de um debate sério na
Assembleia da República.

Aguardando de Vªs Ex.ªs a vossa compreensão sobre este assunto que tanto tem
preocupado pais, professores e o país de uma maneira geral, agradecemos desde já, a
atenção prestada.

Com os melhores cumprimentos. Zeferino Lopes

8. Efeitos perversos deste Modelo de Avaliação dos Professores.

Já me referi de forma esparsa aos tais efeitos perversos (conceito que vou buscar a
Raymond Boudon) e contraprodutivos (conceito de Ivan Illich e de Jean-Pierre Dupuy),
mas nunca os sistematizei, tarefa a que, agora, me dedico, aproveitando a pausa da
Páscoa. Em primeiro lugar, efeitos perversos no sentido de Boudon são genericamente
efeitos de acções ou decisões que, levadas à prática por um conjunto muito vasto de
pessoas, por efeito de composição ou agregação, geram consequências imprevistas, não
desejáveis (embora, por vezes, possam ser desejáveis – veja-se, por exemplo, o conceito
de mão invisível de Adam Smith: cada um, o sapateiro, o padeiro, o cervejeiro, etc., ao
lutar pelo seu egoísmo, seu “amor próprio”, gera o bem comum, a riqueza das nações)
que, na maior parte das vezes, são contrárias àquilo que seria suposto esperar. Ivan
Illich e Jean-Pierre Dupuy chamam-lhe de contraprodutividade.

Os melhores especialistas da Educação, sobretudo aqueles que poderão estar por


trás deste modelo de avaliação, defendem medidas que, a priori, são justas e correctas e
muito racionais, tal qual ordena o mandamento utilitarista subjacente a toda esta visão
tecnocrática da política, nomeadamente, da política educativa. A racionalidade
utilitarista caracteriza-se por fazer um desvio para melhor saltar; mas, ao focar a sua
atenção nos meios e perdendo de vista o objectivo, torna-se contraprodutiva: julga-se
ganhar tempo, economizar meios, obter resultados, mas, no final de contas, tudo sai ao
contrário do esperado. Vejamos o que se passa, p. ex., nos transportes: cada um, ao
pensar que se desloca muito mais rápido de automóvel, e todos pensando o mesmo,
fazem obstáculo uns aos outros; verifica-se então que, a partir de um certo limiar de
viaturas em movimento, ninguém anda e circula-se mais rápido de bicicleta ou mesmo a
pé.

Os ditos especialistas (e ao que parece a Sr.ª Ministra), ao impor e aprovar este


modelo de avaliação, denotam desconhecer o que são efeitos perversos e
contraprodutivos, a não ser que alguns efeitos, imediatamente visíveis, sejam previstos e
até desejáveis e, neste caso, não se trataria de efeitos perversos no sentido de Boudon,
mas perversos no sentido moral do termo, pois haveria uma intenção não declarada e
consciente, p. ex., sobrecarregar os professores titulares e mais caros de trabalho
burocrático e árduo de modo a fazê-los pedir, antecipadamente, a reforma penalizada
em x por cento por cada ano de antecipação. Em seu lugar contratariam muito menos
professores sem redução de horas lectivas e a ganhar muito menos. Logo menores
reformas, menos professores, menos massa salarial: ganharia o Estado (ou aqueles que
“legitimamente” se apropriaram do Estado em proveito próprio?), mas perderiam os
professores e o país real.

Mas quero pensar que, por trás deste modelo, não há tamanha perversão. Por isso,
limito-me a indicar os efeitos perversos no sentido de Boudon ou contraprodutivos no
sentido de Dupuy e demonstrar que o mesmo, levado à prática por um conjunto muito
vasto de professores, terá efeitos contrários ao anunciado: a melhoria dos resultados dos
alunos. Vejamos:

1º - A ocupação de uma grande quantidade de professores em tarefas burocráticas,


preenchimento de fichas e de grelhas e na observação de aulas vai retirar do ensino os
professores mais experientes e, consequentemente, não terão disponibilidade para as
actividades pedagógicas e para o apoio individualizado e personalizado aos alunos.

2º - Estes professores, juntos aos milhares de professores destacados no ME, DREs,


CAEs, noutros departamentos ministeriais e ainda sindicatos, vão aumentar em milhares
o já grande número de professores cuja função é tudo menos ensinar, dar aulas.
3º - Essas tarefas, para as quais não se sentem preparados nem vocacionados, vão
trazer-lhes um enorme desgaste e frustração e, consequentemente, a doença e o pedido
de reforma antecipada e penalizada.

4º - A sua substituição precoce por professores novos e inexperientes terá


consequências negativas na qualidade das aprendizagens dos alunos.

5º - A preocupação de todos os professores nas tarefas burocráticas (preenchimento


de mapas, grelhas, planos de aula, planos de enriquecimento e de recuperação, etc.) e
não tanto na preparação científica e pedagógica das aulas vai fazer com que as
aprendizagens e os resultados dos alunos sejam piores.

6º - A divisão entre professores titulares avaliadores e professores avaliados gerará


um clima de guerrilha e de tensão nas escolas, um clima perverso e de consequências
negativas na aprendizagem dos alunos.

Conclusão: anuncia-se que “este modelo de avaliação tem como finalidade a


melhoria dos resultados dos alunos”, mas, no final de contas, as aprendizagens serão
bem piores e piores serão os seus resultados nas provas externas e internacionais, o que
tem acontecido porque, desde há muito, ainda não se percebeu que a função do
professor é, simplesmente, ensinar de forma individual e personalizada e, para isso,
precisa de tempo, de estar liberto de tarefas burocráticas, sempre consideradas muito
úteis para o ensino, mas que sempre e sempre desviam o professor do ensino.

Podem criticar-me porque apenas critico e não apresento nenhum modelo


alternativo. Não é verdade: já propus um modelo simples, eficaz e produtivo, que não
faz pressão só sobre os professores como este, mas pressiona igualmente os alunos e
suas famílias, mas ninguém me entende ou ninguém me ouve. Que modelo é esse?

Cada professor apresenta o seu portefólio onde compila o mais significativo da sua
documentação desde as fichas de avaliação diagnóstica até aos recursos utilizados nas
aulas e faz a respectiva avaliação crítica. Avalie-se os professores também pela
progressão dos seus alunos comparando a média de uma avaliação diagnóstica aferida, à
partida, com uma avaliação externa aferida à chegada, ressalvando, no entanto, a
possibilidade de o professor poder retirar, em concordância com a direcção da escola,
alguma turma especialmente difícil oriunda de meios, que se sabe, em que não há
qualquer motivação para os estudos, mas aqui o ministério deveria dar inteira liberdade
aos professores de fazer o seu trabalho adaptado à conjuntura social dos alunos sem
estar preocupado com o “cumprimento do programa”. O empenho nas actividades da
escola seria outro factor a avaliar bem como a pontualidade e assiduidade. Este modelo
é simples, eficaz, objectivo e produtivo e tem a vantagem de fazer pressão sobre os
alunos e suas famílias e de não dividir os professores, para além de lhes deixar o tempo
livre para o tal apoio individualizado e personalizado aos seus alunos.

Escola Secundária de Penafiel, 23 de Março (Páscoa) de 2008.

9. Por que razões este modelo da ADD é contraprodutivo?

Quero demonstar por (a + b) = c o que tenho afirmado: o modelo de avaliação dos


professores é perverso e contraprodutivo. Vou apresentar uma sequência de argumentos
irrefutáveis que, para um “especialista da educação” ou para o legislador serão um
pouco incompreensíveis dada a “justeza” e “racionalidade” das medidas por eles
pensadas - mas não reflectidas em toda a sua dimensão - decretadas e superiormente
apresentadas, mas que, para quem está no terreno e sente no corpo e no espírito os
problemas da educação, não causarão surpresa nem novidade.

Como já disse algures, a contraprodutividade é um fenómeno de todas as


sociedades industriais visível na economia, nos transportes, na saúde e, claro está,
também no ensino. O pedagogismo é um dos aspectos mais ferozes dessa
contraprodutividade que, agora, com o novo estatuto da carreira docente (ECD) e com
o novo modelo de avaliação do desempenho docente (ADD), foi elevado ao extremo, ao
exagero, ao absurdo.

Segundo Jean-Pierre Dupuy, a contraprodutividade resulta da mentalidade


consequencialista e utilitarista, segundo a qual, para melhor saltar, é necessário fazer um
desvio, isto é, para melhor atingir os fins, teríamos que concentrar a nossa atenção nos
meios em vez de irmos directos ao fim em vista. Mas a atenção nos meios faz com que
estes se tornem fins em si mesmos, para os quais teremos que criar novos meios e assim
por diante, gastando-se muito mais recursos, tempo e energias do que gastaríamos se
fôssemos directos ao fim que estes meios de meios supostamente serviriam.
Dupuy acrescenta que o utilitarismo (consequencialista) está de acordo com a
mesma mentalidade moderna que enforma o individualismo e o pensamento económico
liberal a que estas mudanças no ensino, em Portugal, não estão, de modo algum, alheias:
“a racionalidade consequencialista é, portanto, como a racionalidade económica, uma
racionalidade instrumental – os meios encontram a sua razão pelos fins” 12. De acordo
com Jon Elster, essa mentalidade, que tem afinidades com o sistema filosófico de
Leibniz, defende a tese de que “o ser humano se caracteriza pela sua capacidade de
fazer desvios para melhor atingir os seus fins” 13 Todavia, quando a atenção se centra
nos meios para saltar e perdemos de vista o fim que se pretende atingir, gera-se a
contraprodutividade: tanto trabalho (vem de tripalium, instrumento medieval de tortura)
para se ter uma vida boa e, afinal de contas, cai-se no paradoxo: temos o sofrimento e o
inferno, ou seja, mais e mais trabalho, doença e sofrimento, sem gozar a vida boa que
supostamente ele serviria!

Vejamos como o modelo de ADD se torna, então, contraprodutivo e perverso. A


aula é o fim da actividade do professor. Mas para a aula são precisos meios entre os
quais uma cuidadosa preparação e planificação. Isto é evidente e pacífico. O problema
surge quando para a planificação/preparação da aula são precisos outros meios: grelhas,
modelos, e para as grelhas e modelos são necessárias reuniões de trabalho para os
produzir. Depois, não é possível – dizem os “entendidos e legisladores que não dão
aulas” – definir os objectivos de uma aula se não estiverem definidos antes os objectivos
do Plano Curricular da Turma (PCT). Portanto o PCT torna-se num meio de um fim que
é, por sua vez, meio de outro meio que é a planificação da aula. Bem, mas para definir
os objectivos do PCT são necessários Conselhos de Turma, reuniões dos professores da
Turma que, com a batuta do Director de Turma, lá definirão os objectivos considerados
mais adequados aos alunos da mesma turma. Bom, mas, para que os objectivos dos PCT
estejam articulados e bem definidos, é necessário que eles se enquadrem nos objectivos
gerais do Plano Curricular de Escola (PCE) e dos Departamentos Curriculares e lá se

12
Jean-Pierre Dupuy, Pour un catastrophisme éclairé – Quand l’impossible est certain (CE), Éd. du
Seuil, Paris, 2002, p. 41. Dupuy distingue “racionalidade económica”, baseada na maximização do
interesse próprio ou egoísta, da “racionalidade consequencialista”, baseada na maximização do interesse
do maior número, mas ambas irreconciliáveis com a moral deontológica cuja lei imparcial é imposta pela
razão e a qual nos obriga a respeitá-la. Cf. Jean-Pierre Dupuy, Pour une éthique des sciences et des
techniques, Éd. École Polytechnique (Palaiseau), Paris, 2005, pp. 9/10.

13 Cf. CE, p. 32.


tiveram que fazer antes mais umas reuniões de Departamento e da equipa responsável
pela elaboração do PCE para definir objectivos mais vastos.

Mas, para que estes objectivos tenham um sentido e uma unidade, a escola deve ser
pensada como um todo e, então, é necessário uma política da escola adequada à
população estudantil e ao meio em que se insere, quer dizer tornou-se necessário antes
elaborar um outro instrumento ou meio considerado fundamental: o Projecto Educativo.
E, para o elaborar, os professores da respectiva equipa tiveram que reunir e reunir e
encontrar meios para realizar este fim. No final de contas, tanto gasto de energias,
tempo e recursos nestes meios que, para a política educativa se tornam fins em si
mesmos e de capital importância, faz com que o fim da actividade do professor (o
ensino e a aprendizagem dos alunos em liberdade e responsabilidade) se perca de vista
apesar de se dizer que estes meios estão ao serviço do fim que, supostamente, serviriam.
Com isto não quero dizer que a escola não deva ter um projecto educativo, o que quero
dizer é que esta excessiva preocupação com os meios formais, de burocratizar e
instrumentalizar tudo, se torna contraprodutiva porque exige muito tempo e dispêndio
de energias que seriam muito mais úteis aplicadas no fim em vista.

Com efeito, quando o professor chega à sala de aula já está saturado de tantas
reuniões, de tanto preenchimento de grelhas e de tantas planificações formais de aula,
de unidade e de ano, de justificações, relatórios e projectos formais de recuperação e de
enriquecimento, e a disponibilidade física e mental, para o exercício docente, já estará
diminuída: a aula já não correrá tão bem como ele seria capaz se estivesse fresco, bem
disposto, alegre e motivado. Quando chega a casa, cansado de tanta burocracia e das
aulas, que já fez a custo, não tem energias nem vontade de ler um bom livro, de se
actualizar científica e culturalmente até porque tem que preencher um conjunto de
formulários, para engrossar os dossiês, tantos quantas as aulas e turmas que tiver a seu
cargo. Estando condenado à rotina e ao copy & paste, não tendo tempo para se
actualizar nem ler, entra numa fase de depressão e de estupidificação. As aulas perderão
qualidade e os alunos aprenderão menos. Aqui está, em evidência, a produtividade, ou
melhor, a falta dela, desta política educativa.

Mas o panorama não é mais animador, no caso dos professores/avaliadores, ao


contrário do que eles possam eventualmente pensar, “babados” pelo estatuto de poder
exercer algum poder sobre os colegas. Pelo contrário, é ainda mais contraprodutivo e
perverso: têm que fazer tudo exactamente como qualquer outro professor – preocupar-se
com os meios para atingir outros meios de meios para dar as suas aulas, e ainda têm a
função de planificar a avaliação, observar as aulas dos colegas e fazer registos das
observações das mesmas, reunir com o avaliado para reflectir sobre as aulas observadas,
fazer recolha e leitura documental (os tais papéis – meios), preencher outros meios de
avaliação, os tais “instrumentos” de avaliação, com base nestes dados, preencher a
grelha de avaliação do Ministério convertendo os dados dos “instrumentos” nessa
grelha, reunir com o avaliador do Conselho Executivo para acertar a proposta única de
classificação, fazer a entrevista com os avaliados para lhes dar a conhecer essa
avaliação…

Os “expertos” (em castelhano) da educação, ou melhor, do eduquês, porque não


querem reconhecer o carácter perverso e contraprodutivo desta política educativa,
exarada na enxurrada de decretos, despachos e circulares, sustentam que os professores
(é que) são refractários à mudança. Ora, como já demonstrei, não há mudança! Pelo
contrário. Estas medidas mais recentes estão em perfeita continuidade com a política
educativa contraprodutiva centrada nos meios – são o seu expoente máximo elevado à
potência áurea do absurdo! Para dourar a pílula só falta recrutar, agora, entre os
professores, ainda mais inspectores para verificar se os meios, se as regulae, que tornam
o ensino contraprodutivo, são efectivamente cumpridos! Isto será contraprodutividade
ao cubo!

Ah! Já me esquecia: os papéis estão bonitos, têm fotos, gráficos coloridos, mapas e
grelhas. Podem ver-se: constam dos dossiês e dos portefólios e dos relatórios e dos
projectos e das actas. Só nos resta saber se os alunos desenvolveram conhecimentos e
competências, se estarão melhor formados como ser humanos e como cidadãos! O
futuro o dirá e – tenho a certeza – dar-me-á razão. O meu problema é que costumo ter
razão antes do tempo. Oxalá, desta vez, esteja enganado.

Penafiel, 24.00 horas de 3 de Outubro de 2008.

10. A ADD e o taylorismo.

Como é sabido, o taylorismo (e o fordismo) consiste na divisão do trabalho em


pequenas parcelas atómicas de maneira que o operário, em vez de fazer o mesmo
produto do princípio ao fim, faça repetidamente apenas uma pequena parcela, enquanto
o objecto a fabricar vai correndo no tapete rolante a fim de que o operário seguinte na
cadeia de produção e/ou montagem acrescente mais uma parcela, e assim por diante até
que o objecto fique completo e pronto a ser comercializado pela fábrica. O Ford T foi o
primeiro automóvel a ser fabricado em série o que permitiu a redução de custos
tornando-o acessível às classes médias e até aos próprios operários!

O taylorismo ou o fordismo tornou-se a teoria dominante da organização do


trabalho na primeira metade do século XX até porque, com este tipo de organização,
conseguiam-se grandes aumentos de produtividade e custos mais baixos de produção.

Há quem tenha comparado o novo estatuto da classe docente e o novo modelo de


ADD com o taylorismo. Na verdade existem alguns aspectos comuns: a excessiva
divisão do trabalho do professor em parcelas isoladas e independentes como a
preparação das actividades lectivas, a sua execução, a relação pedagógica e a
avaliação dos alunos, as quais estão, por sua vez, subdivididas minuciosamente em
mais e mais parcelas. Basta relembrar o célebre item D1 que soma um molho de nove
itens: regularidade, rigor e adequação da avaliação diagnóstica, formativa e sumativa
= 3 x 3 = 9.

Mas ao contrário do taylorismo (ou do fordismo) em que o operário se limita a estar


fixo no seu posto de trabalho executando e repetindo mecanicamente sempre a mesma
operação, montando sempre a mesma peça (lembrem-se dos Tempos Modernos de
Chaplin ou Charlot!), aqui no ensino, as tarefas estão divididas no espaço e no tempo e
não correm no tapete rolante à espera que cada professor acrescente ao produto uma
pequena parcela. Pelo contrário, o professor, qual tapete rolante, tem que correr no
espaço e no tempo para executar uma após outra as tarefas, assim, separadas: reunião de
Conselho de Turma, reunião de Departamento, aula na turma X, seguida de aula na
Turma Y que é seguida de aula na turma Z, etc., consoante o número de turmas do
professor; preparação das aulas das mesmas turmas, em casa porque na escola não tem
condições de trabalho; depois, elaboração de fichas de trabalho, elaboração de testes de
avaliação e correcção dos mesmos, também em casa e depois de ter saltado na escola de
sala em sala à procura das diferentes tarefas a realizar. Em vez de o professor estar no
seu lugar a executar sempre a mesma tarefa enquanto outros executariam cada um a sua,
não: cada professor desdobra-se numa correria louca de pasta e portátil, no tempo e no
espaço, para cumprir o mesmo ou quase o mesmo conjunto de tarefas como se de um
policlínico doutros tempos se tratasse correndo atrás dos doentes, cada qual no seu
domicílio, tratando de todas as maleitas!

Não há especialização: todos tratam do mesmo produto do princípio ao fim


executando cada um todas as tarefas sequencialmente, desde a entrada do produto até à
sua saída. Todos, ao fazer o mesmo e ao mesmo tempo, atrapalham-se uns aos outros e,
talvez, resulte também daqui pouca produtividade ou muita da contraprodutividade no
ensino. Não quero com isto dizer que o taylorismo deva ser o modelo de organização da
escola; o que quero mostrar é que o modelo de gestão das empresas não se coaduna à
escola por diversas razões:

1º O produto a realizar não é passivo: são alunos, pessoas com vontade própria, com
uma educação e informação de base originárias do meio social e familiar e, portanto,
não é o mesmo que lidar com objectos inertes numa linha de produção.

2º Não é possível dividir atómica e quase digitalmente o trabalho do professor onde


tudo se liga com tudo, onde a actualização e aprofundamento científicos são uma
necessidade constante e onde as relações humanas dominam não sendo, portanto,
possível sequenciá-las em meios e fins, como ordena o mandamento utilitarista que
subjaz a este modelo de avaliação. Enquanto tais, as relações humanas não têm outros
meios e fins que não sejam elas mesmas. São meios e fins de si mesmas.

3º O resultado final do trabalho do professor não depende exclusivamente da sua


própria vontade. Está sujeito a muitos condicionalismos que lhe são impostos e que o
constrangem (e de que maneira) desde o centralismo burocrático em que tudo está
regulamentado, fazendo do professor um mero funcionário burocrata, até às condições
sociais dos alunos que são da responsabilidade de décadas de políticas duvidosas, e
condições materiais do exercício da sua profissão, passando pelas instalações e
mobiliário, muitas vezes, obsoletos até ao equipamento quase inexistente, ao mesmo
tempo que se lhe exige que use “técnicas inovadoras incluindo as TIC”!

Logo, quando se procura impor à escola o modelo de gestão empresarial como se


esta fosse uma empresa, com objectivos quantificáveis, mensuráveis, atingíveis em
condições ideais, não é de esperar bons resultados porque não há alunos ideais, famílias
ideais, condições materiais ideais e condições organizacionais ideais, nem professores
ideais. Pelo contrário, os professores vivem problemas graves de segurança/insegurança
no trabalho; confrontam-se cada vez mais com alunos avessos à escola; com pais e
encarregados de educação (felizmente não todos) que, numa atitude proteccionista dos
filhos, atiram a responsabilidade exclusiva para cima das costas dos professores quando
estes se portam mal ou não estudam; as escolas, apesar da modernização em curso, estão
grande parte delas obsoletas e ultrapassadas não sendo atractivas nem para alunos, nem
para professores; o seu equipamento, muitas vezes, é diminuto face às necessidades (p.
ex., três ou quatro projectores multimédia para 40 salas!). O “choque tecnológico”
chegou primeiro a casa de alguns alunos e só, pontualmente, a algumas salas de aula!

Se querem impor o modelo de organização e gestão empresarial às escolas, pelo


menos o Estado deve ter o pudor de oferecer as mesmas, ou equiparáveis, condições de
trabalho existentes nas melhores empresas. Mas há coisas que o Estado – pelo menos no
curto/médio prazo, ou talvez nunca – não pode fazer: criar alunos ideais com famílias
ideais e todas as escolas e professores em condições ideais.

Esta tentativa dos idólatras da tecnocracia de mecanizar, robotizar, o trabalho do


professor tem, pelo menos, o mérito de destruir a utopia e o sonho na educação, a
motivação para… e o prazer de ensinar. O que falta saber é se a educação terá algum
sentido sem o sonho e a utopia e se pode haver produtividade no ensino sem entusiasmo
e motivação. Há alguma dúvida sobre isso?! Sobre aqueles eu digo o mesmo que o
poeta já dissera a outros senhores do poder: “Eles não sabem que o sonho comanda a
vida”…

Penafiel, em 12 de Outubro de 2008.

11. Caros Colegas avaliadores.

O modelo de avaliação tem, pelo menos, o mérito de saturar os professores mais


velhos e mais caros com um trabalho burocrático excessivo e impossível de levar a bom
termo sem algo ficar para trás como, p. ex., os seus próprios alunos e aulas. Tem, assim,
o mérito de os vencer pelo cansaço e forçá-los a pedir a reforma antecipada e penalizada
por cada ano de antecipação. Em seu lugar, o ministério meterá um, por cada dois, a
ganhar uma ninharia… Grande jogada: menos professores, menor massa salarial,
menores reformas!
Com efeito, os avaliadores e coordenadores têm um trabalho em tudo igual aos dos
orientadores de estágio, mas muito mais complicado e exigente: têm mais turmas para
leccionar; mais professores para acompanhar e avaliar; mais grelhas e instrumentos para
preencher, etc.

Este modelo exige muito… mas dá muito pouco. Lembro que o horário normal do
trabalho do professor é de 35 horas! Eu pergunto a cada um dos avaliadores se,
honestamente, em 35 horas semanais conseguem preparar as suas aulas, dar as suas
aulas, corrigir os testes e trabalhos dos seus alunos; desempenhar a função de director
de turma e de coordenador com tudo o que isso implica; preparar e fazer todas as
reuniões de Departamento, das suas Turmas e do Conselho Pedagógico e a todas as que
estão obrigados a comparecer; assistir às aulas de x colegas de grupo ou departamento,
fazer a pré-observação (preparação) e, depois, a discussão das mesmas aulas; preencher
todos os formulários e instrumentos de registo; calcular percentagens e atribuir
classificações; fazer entrevista aos avaliados; analisar as reclamações e deferi-las ou
indeferi-las. Se acharem que sim, então considero-os super-professores e sinto-me
incompetente para a função e devo pedir a demissão. Se acharem que não, sinto-me
mais confortável e devem todos pedir a demissão ou pedir para serem (equiparados a)
orientadores de estágio porque sempre teremos outras condições de trabalho…

Já agora faço um desafio àqueles que, eventualmente, tenham dúvidas. Registem em


agenda todo o tempo que gastam em cada uma destas tarefas e, depois, digam-me
quanto tempo precisaram para as levar a cabo, com rigor e competência, no seu
conjunto. Talvez o dia precisasse de ter não 24, mas 48 horas para terem tempo de
descansar, ler, dormir e comer…

Esc. Sec. de Penafiel, 23-07-08.

12. A ADD e o poder.

Outro efeito perverso deste modelo de ADD consiste no facto de, como está
concebido, ser um instrumento mais de poder do que de avaliação. A razão é simples:
existem dois avaliadores internos à escola. Um é o professor/avaliador que depende do
Coordenador de Departamento e este, com o novo modelo de gestão, dependerá do
Director Executivo; o outro é o próprio Director ou o membro do Executivo em que
forem delegadas as funções de avaliador. Logo, os dois avaliadores – mesmo o
pedagógico que é avaliado pelo Executivo – dependem da hierarquia do poder. Deste
modo e nestas circunstâncias, pode-se, pelo menos, questionar a independência deste
modelo e consequentes actos de avaliar…

Além disso, como muitos itens de avaliação dependem, e muito, da subjectividade


tais como o empenho, a disponibilidade, a empatia, etc., então está fácil de ver que a
avaliação e o preenchimento das grelhas vão servir mais de um instrumento de exercício
do poder sobre os professores do que uma avaliação propriamente dita: quer dizer, se
um determinado professor, pela sua postura crítica ou por qualquer outro motivo, não
cair nas boas graças do Executivo, por muito bom professor que seja, dificilmente
obterá muito boa classificação, pois será penalizado nos itens em que o detentor do
poder achar que deve ser penalizado.

Já aquele professor mediano mas que, pela sua postura simpática e agradável, pela
dinâmica nas actividades e outras “flores” pedagógicas, cair nas boas graças do poder,
poderá ter excelente classificação nos itens de carácter mais subjectivo e, assim,
ultrapassar aquele que tem maior rigor científico, que trabalha melhor nas aulas com
seus alunos, etc. Ora, como há numerus clausus, consciente ou inconscientemente, o
elemento do poder, que depende ele próprio de outras esferas do poder, irá beneficiar (e
condicionar o subordinado avaliador), na avaliação, aquele professor que lhe parecer
subjectivamente melhor nos tais itens não objectivos e de difícil ou impossível
quantificação e, obviamente, contestação.

Por isso, alguns têm absoluta razão em apelar para a necessidade de uma avaliação
externa e independente, sobretudo quando estão em jogo os níveis de Muito Bom e
Excelente.

Por isso também, é preciso muito boa vontade e uma grande dose de ingenuidade
para acreditar que este modelo vai contribuir para a melhoria do desempenho dos
professores e, pelo seu carácter burocrático e contraprodutivo, para a melhoria dos
resultados dos alunos.

Escola Secundária de Penafiel, em 11 de Outubro de 2008.


13. Os fardos do professor “titular”

Para que conste, vou apresentar de forma esquemática os trabalhos do professor


“titular” que – posso garantir – superam de longe os doze trabalhos de Ulisses ou de
Asterix. Inspiro-me no meu caso particular.

Professor de três turmas: (1 x n) preparação e (2 x n) planificação das suas aulas, (3 x


n) execução das mesmas, (4 x n) elaboração de testes diagnósticos, (5 x n) formativos e
(6 x n) sumativos e ainda de (7 x n) fichas de trabalho, (8 x n) correcção dos mesmos, (9
x n) reuniões dos Conselhos das suas Turmas, (10 x n) colaboração na elaboração do
Plano Curricular das Turmas (PCT), (11 x n) participação eventual nas visitas de estudo
destas turmas, relatório das mesmas.

Director de Turma: (12 x n) preparar e (13 x n) dirigir todas as reuniões do Conselho


da Turma; (14 x n) assegurar a correcção formal das actas dessas reuniões; (15) presidir
à elaboração do PCT; (16 x n) registar faltas dos alunos e (17 x n) comunicá-las aos
Encarregados de Educação (EE), (18 x n) justificá-las, analisando as justificações; (19 x
n) reunir com os EE pelo menos quatro vezes durante o ano lectivo; (20 x n) atender os
pais ou os EE na hora de atendimento semanal.

Coordenador de Departamento: (21 x n) preparar e (22 x n) dirigir as reuniões de


Departamento, ordinárias e extraordinárias; (23 x n) assegurar a correcção formal das
actas das respectivas reuniões; (24 x n) compilar toda a documentação chegada e
produzida pelo Departamento; (25 x n) compilar e arquivar os testes diagnósticos,
formativos e sumativos e outros materiais usados pelos professores nas suas aulas; (26 x
n) compilar e arquivar os planos de aula de todos os professores do departamento; (27 x
n) verificar e assinar todos os projectos de actividades e visitas de estudo aprovados em
Departamento; (28 x n) distribuir o correio a todos os coordenadores de grupo
disciplinar do Departamento; (29 x n) coordenar as substituições quando algum colega
falta por doença ou outro motivo; (30 x n) substituir eventualmente um colega de grupo
disciplinar em caso de falta.

Membro do Conselho Pedagógico: (31 x n) estabelecer a ligação entre os professores e


os grupos disciplinares e o Conselho; (32 x n) fazer e aprovar propostas; (33) redigir
pontualmente as actas das reuniões; (34 x n) levar todas as informações pertinentes do
Departamento ao Pedagógico e vice-versa.

Avaliador: (35 x n) Reunir com os demais avaliadores; (36 x n) preparar os


instrumentos de registo em reuniões específicas para o efeito; (37) preparar o plano das
aulas assistidas; (38 x n) reunir com o professor a quem se vai assistir à aula; (39 x n)
assistir às aulas dos seus colegas; (40 x n) registar as evidências observadas na grelha
respectiva; (41 x n) reunir com cada colega após a observação das aulas assistidas; (42 x
n) transferir e converter essa informação nos instrumentos de registo e indicadores de
medida; (43 x n) converter a informação registada na grelha do Ministério; (44) reunir
com o avaliador do Conselho Executivo (CE); (45 x n) propor uma classificação única;
(46 x n) fazer a entrevista ao colega avaliado, informando-o da sua classificação; (47 x
n) atender e analisar a eventual reclamação; (48 x n) diferi-la ou indeferi-la após parecer
fundamentado da Comissão de Avaliação.

Membro da Comissão de Avaliação: (49 x n) reunir com os outros membros e (50)


redigir eventualmente a acta; (51 x n) apreciar as propostas de avaliação e aprová-las;
(52 x n) apreciar as reclamações e (53 x n) dar parecer fundamentado sobre as mesmas.

Como se pode verificar, as tarefas somam a módica quantia de mais de meia centena de
tarefas distintas, a esmagadora maioria das quais repete-se um número considerável de
vezes pelo que, somando as tarefas diferentes e repetidas, no final do ano lectivo, o
professor/avaliador/coordenador/DT, etc., terá que realizar um número superior a
milhares de tarefas. Lembro que, por exemplo, a correcção dos testes multiplica pelo
número de turmas, pelo número de vezes que se aplicam os testes e pelo número de
alunos! Depois disto, alguém quererá ser professor e professor “titular”? Parece-nos
evidente que tudo isto obedece a uma estratégia surda e iníqua que é a de empurrar os
professores, especialmente os “titulares”, os mais caros e mais velhos, para a reforma
antecipada e, evidentemente, penalizada e quanto mais cedo, maior será a poupança do
Estado... de quê e para quê?!

Aqui fica um convite à Sr.ª Ministra para, como socióloga, fazer um “trabalho de
campo” vivenciando numa escola todo o conjunto de tarefas e responsabilidades a que
os professores titulares estão obrigados pelos seus decretos e leis. Seria o primeiro a ler
o relatório das conclusões do estudo.
14. Conclusão.

Impõe-se, de facto, uma conclusão no final desta história toda: por muita terra que
atirem para cima dos professores e areia para os olhos da opinião pública, é bom que se
diga alto e bom som que esta política educativa está redondamente errada. Não
contribui, ao contrário do que pretendem fazer crer (aqueles que têm os seus filhos nos
melhores colégios privados do país e até do estrangeiro), para a melhoria da escola
pública e, claro está, das aprendizagens dos alunos, mas visa tão só atingir objectivos
economicistas que consistem em poupar – sabe-se lá para quê – à custa da educação e,
portanto, do futuro das gerações vindouras.

A única saída desta história horrível, em que se pretende reformar à força os professores
mais velhos e mais caros e impedir os outros de progredirem na carreira por muito bons
que sejam, é, portanto, sacudir a terra que atiram aos professores e estes só têm que se
pôr em cima e subir, subir, recusando este ECD e este modelo de ADD. Não há outra
saída por muitos “entendimentos” que se negoceiem entre o ministério e a plataforma
sindical…

Além de tudo isto, impõe-se, sobretudo, uma mudança de paradigma da filosofia da


educação em Portugal. É preciso abandonar a “pedagogia do coitadinho” que consiste
em tomar o aluno como um receptáculo passivo do saber inculcado por um “profissional
na transmissão do saber”, como dizem os políticos ainda imbuídos da filosofia clássica
do ensino e da escola. Sim, a partir da aprendizagem básica do abc da leitura, da
aritmética e do meio físico e social e das novas ferramentas como o computador e a
internet, o aluno tem que ter um papel muito mais activo na sua aprendizagem: Já
ninguém ensina nada a ninguém; o que é necessário é que o aluno construa o seu
próprio saber, em liberdade e criatividade, de forma crítica e responsável, ajudado e
orientado pelo professor que se remeterá ao papel de esclarecer, tirar dúvidas, indicar
pistas e bibliografia e, pontualmente, explicar o melhor modo de proceder numa
situação determinada, seja ela a pontuação da frase, a estrutura de um texto escrito pelo
próprio aluno, o modo como indicar a bibliografia no final do trabalho ou em nota de
rodapé. É precisa uma escola nova e um novo paradigma da aprendizagem que passa
necessariamente pela auto-aprendizagem, mais ou menos orientada, corrigida. E os
programas disciplinares devem ser suficientemente elásticos e flexíveis de maneira a
poderem a ajustar-se às preferências e capacidades diversificadas dos alunos, às suas
raízes sociais e culturais. A minha experiência de professor de Filosofia no 12º ano
mostrou-me que os alunos são capazes de produzir trabalhos escritos de elevada
qualidade quando são estimulados e orientados nessa tarefa, indicando-lhes pistas,
bibliografia e, ao mesmo tempo, quando o esforço desse trabalho é reconhecido através
da publicação dos seus escritos numa revista, ainda que seja interna à sua escola.

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