Introdução
São várias as perguntas que nos surgem sempre que pensamos no Desporto Escolar (DE)
no seu contexto mais global, independentemente de estar divido nas suas duas vertentes,
interna e externa. Será que o DE é mesmo para todos os alunos? Só deve participar no DE
quem se interessa pela Prática Desportiva? O DE serve para formar jovens atletas para
posterior entrada no Desporto Federado? No DE os resultados desportivos/ competitivos
não interessam? Será que existe uma relação causa/ efeito na aptidão física e na saúde dos
nossos alunos através das práticas desportivas no DE? Terá sentido articular a disciplina de
Educação Física (EF) com o DE? O DE contribui mesmo para a formação geral e integral
dos nossos alunos e combate o abandono escolar? Deve o DE estar integrado na
componente não lectiva dos Docentes de EF? Muitas mais questões ficam por colocar, por
discutir e analisar com bastante cuidado, uma vez que as supracitadas representam apenas
algumas das variadíssimas questões com que decerto a maioria dos Profissionais de EF
que leccionam se deparam relativamente ao fenómeno do DE, na actualidade.
Este artigo, pretende sugerir aos interessados na problemática do DE como actividade
extra-curricular e a sua articulação com a disciplina curricular de EF, uma possível
perspectiva de projecto do DE a implementar, conseguindo desta forma responder a muitas
das perguntas que foram anteriormente colocadas.
Metodologia
“A base do sistema educativo é o aluno, e a escola é uma das vias institucionais entre
várias, de acesso à educação e implicitamente à prática de actividades físicas e desportivas.
A Educação Física como disciplina curricular contribui para o desenvolvimento integral e
geral do aluno ao incidir sobre o seu comportamento motor utilizando especificamente a
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actividade motora nos processos de ensino-aprendizagem.”
Para a implementação de um Projecto sustentado do DE na Escola, devemos ter em conta
vários pormenores e respeitar etapas fundamentais que são o fulcro de qualquer projecto: (I)
Horários Escolares; (II) Planificações da Disciplina de EF por ano de Escolaridade, aula a
aula ou por semana. (III) Planificação das Actividades do DE por período, definição dos
Grupos/ Equipas e horários dos treinos para a Actividade Externa. (IV) Candidatura ao
projecto de DE. (V) Divulgação da planificação de toda a Actividade Interna nas aulas de EF
e as respectivas inscrições nos Grupos/ Equipa para a actividade externa. (VI)
Operacionalização e controlo da Planificação construída para a Actividade Interna, bem
como, treinos e competições da Actividade Externa. (VII) Avaliação/ Balanço de todas as
Actividades Desenvolvidas. (VIII) Projecção do próximo Ano Lectivo. Numa análise mais
cuidada e profunda de cada Etapa, vamos conseguir entender com maior clareza, a
dependência que existe entre cada uma delas e a necessidade inequívoca que existe em
que estas sejam respeitadas e seguidas, para se poder esperar por algo de positivo, que
pode ser adquirido através da existência do DE.
Os horários escolares são fundamentais para que o DE seja uma realidade. Na sua
elaboração deve existir não só uma preocupação em libertar horas para a sua prática, mas
uma libertação de horas por ciclos de escolaridade, para que a mesma se possa tornar
específica. Não é de todo razoável libertar as mesmas horas para toda a comunidade
escolar, mas sim, coordenada por ciclos, desta forma consegue-se respeitar os recursos
humanos e materiais que as Escolas possuem e permitimos uma prática desportiva
orientada, respeitando todos de uma forma equitativa, tendo em consideração os 2º e 3º
ciclos e Secundário. A libertação de horas pode ainda estar coordenada com os diferentes
Clubes que possam existir na Escola e ainda com outras necessidades que carecem de
preocupação, como os apoios pedagógicos acrescidos. De acordo com a CDP, “está em
aberto, um pouco por toda a parte, o debate sobre qual deve ser o envolvimento da
instituição escolar na vida quotidiana e no projecto educativo das crianças e jovens.
Recentemente, as autoridades educativas da Bélgica surpreenderam pela sua iniciativa de
reduzir o peso das ocupações escolares diárias, regulamentando o tempo máximo dos
trabalhos de casa. Menos escola, melhor escola, mais qualidade de vida infanto-juvenil e
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mais participação directa da comunidade, através das famílias e do associativismo.” (CFD,
2003, p. 9) O Professor Nuno Santos salienta-nos no seu artigo de opinião, que “o currículo
nacional é extremamente fechado e inflexível, dando liberdades de aprendizagens em casos
muito restritos. Por outro lado é demasiado extenso, pois quer incluir aprendizagens que os
alunos poderiam ter extra escola. Entre ter 12 disciplinas por semana, mais os trabalhos de
casa, mais o estudar para os testes e explicações, fica muito pouco tempo para os alunos
fazerem qualquer coisa que não seja estudar. A carga horária dos nossos alunos é
demasiado elevada para levarem uma actividade a sério. Também os professores são
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vítimas desta situação.”
No final do ano lectivo deve ser realizada uma Avaliação e Balanço das Actividades
desenvolvidas ao longo de todo o ano lectivo, bem como a elaboração de um relatório
anual conclusivo. Assim, poderemos identificar em cada actividade os aspectos positivos e
negativas que se verificaram, erros que se repetiram com maior frequência, problemas na
organização e gestão dos recursos existentes e detecção de problemas. Claro que não nos
podemos apenas centrar nas situações negativas, tudo de positivo deve também deve ser
enaltecido e sublinhado, para que se possa repetir novamente. Para Crespo, “as situações
de movimento contempladas na actividade desportiva, organizadas num quadro educativo,
contribuem para a expressão completa da personalidade, ao mesmo tempo que favorecem
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a transmissão e a integração de valores humanos.” (Crespo, 1986, p. 112)
Depois da Avaliação e da detecção dos aspectos menos favoráveis e dos erros mais
evidentes, deve-se realizar uma projecção do que poderá ser feito no próximo ano lectivo
para que o aproveitamento possa ser incrementado e melhorado. De acordo com Aranha,
“uma Educação desportiva correctamente orientada pode estabelecer hábitos positivos de
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vida para todos e para sempre.” (Aranha, 2007, p. 24)
Conclusão
Na proposta assumida como projecto para o DE na Escola, o objectivo é de facto colocar o
acesso ao Desporto para todos os alunos, não individualizando nem descriminando a
participação no DE apenas para quem se interessa pela Prática Desportiva, mas sim num
contexto global, tendo como principal objectivo o fomento e a criação de hábitos desportivos.
Neste seguimento, é de facto uma realidade inequívoca que o DE serve para formar jovens
atletas para posterior entrada no desporto federado. De acordo com Soares, “muitos jovens
começam a sua prática desportiva na escola e continuam, mais tarde, no desporto
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federado.” (Soares, 2005). Algumas federações recorrem ao Desporto Escolar para
formarem e terem atletas num contexto federado. Segundo Lopes, “a Federação Portuguesa
de Xadrez adoptou como sua política na formação ir ao encontro dos mais jovens,
designadamente actuando e aproveitando as potencialidades que as escolas, através do
Desporto Escolar, poderão trazer ao desporto federado. Com isto pretende-se
primeiramente provocar a massificação do xadrez para, posteriormente, se obter a
especialização, ou seja, a melhoria da qualidade da prática desportiva dos jovens mais
promissores. Em alguns países, como a França e a Holanda, o xadrez já há muito tempo faz
parte do currículo escolar como actividade extracurricular. Após a sua implementação,
verificou-se uma melhoria no rendimento escolar dos alunos que praticavam xadrez. O
mesmo tipo de experiência desenvolvido em Portugal traria com certeza iguais e valiosos
benefícios e, assim aliados, desporto e escola fariam efectivamente jus à sua função básica:
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formar melhores cidadãos.” Chumbinho (2005), diz-nos que “para a Federação
Portuguesa de Orientação, a relação com o Desporto Escolar é uma prioridade que se
expressa num conjunto de iniciativas tendentes à maior aproximação e interligação
possíveis. Estas iniciativas situam-se em três áreas decisivas do desenvolvimento
desportivo: actividades e quadros competitivos, formação de professores e
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apetrechamento.” Na opinião de Santos, “estamos melhor do que o que estávamos e os
grandes motores, da transformação que tem havido na nossa sociedade, têm sido, sem
dúvidas, a Escola e o Desporto Escolar. A Escola evoluiu para a instituição base da
educação das crianças e jovens (antes esta tarefa era mais da responsabilidade da família)
e é nos seus espaços que se reúnem e socializam a maior parte das crianças do país. É o
Desporto Escolar que tem dado oportunidades de prática desportiva aos alunos mais
desfavorecidos e lançado para o desporto federado os talentos que, em alturas anteriores,
se teriam perdido. Quando se fala em desenvolvimento da prática desportiva e
nomeadamente do desenvolvimento de uma modalidade como o Badminton, temos de olhar
primeiramente para a Escola e o Desporto Escolar. É no Desporto Escolar que as
Federações, Associações e Clubes devem investir os seus recursos técnicos, humanos e
materiais. Não basta a uma Federação dizer que apoia o Desporto Escolar e apoiar
esporadicamente um ou outro núcleo escolar. Deve haver projectos de desenvolvimento de
acordo com as carências que se fazem sentir em todo o território. Não basta aos clubes,
para aumentarem os seus praticantes, fazerem umas demonstrações nas escolas e
esperarem que os alunos apareçam. Devem acompanhar e apoiar os núcleos da sua zona
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para que o trabalho seja mais sustentado.” “A escola pode e deve ter um papel relevante
na formação desportiva inicial e na sua relação de intercomplementaridade com o papel dos
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clubes federados.” (Coelho, 1989; Garcia, 2005, citados por Soares 2005). Como é óbvio,
no DE os resultados desportivos/ competitivos interessam, pois se existe competição
interessa participar para ganhar, embora esse não seja o objectivo primordial. Existem
muitos outros objectivos que estão nos lugares cimeiros e que estão directamente
relacionados com questões de formação geral e integral dos nossos jovens e de saúde.
Citando Sardinha (2003), “a Organização Mundial de Saúde advoga a importância da
Actividade Física para a prevenção das doenças cardiovasculares, referindo numa das suas
posições institucionais que a Educação Física e o Desporto Escolar deverão exercer uma
função importante na prevenção de muitas doenças não transmissíveis (OMS 1997). Uma
vida activa deve ser entendida como o alicerce para um aumento da autonomia,
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produtividade, sensação de bem-estar, qualidade e alegria de vida.” (sardinha, 2003, p. 7
e 8). De acordo com o que foi defendido na proposta apresentada, o DE tem ainda mais
sentido se for articulado com a disciplina de EF, favorecendo a prática para todos e
combatendo o abandono escolar. No parecer da CDP, “a reincorporação do Desporto
Escolar na disciplina de Educação Física, com as adaptações adequadas nos planos das
cargas horárias e da sua distribuição, afigura-se uma medida crucial. Neste sentido, uma
escola mais aberta ao exterior e um sistema desportivo que, sem abdicar das suas
finalidades próprias e insubstituíveis, seja capaz de entender o contexto social à sua volta,
está em melhores condições para cumprir o duplo objectivo em que as sociedades
modernas se reconheçam. Por um lado, assegurar a educação e a prática desportiva a que
todos devem ter acesso. Por outro lado, promover, desde as suas fases mais elementares, o
processo conducente ao desporto de alta competição junto dos seus filhos mais talentosos,
nos quais toda a comunidade se revê, reforçando a sua auto-estima e o seu imaginário
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colectivo.” (CDP, 2003, pág. 17 e 18). Relativamente à grande questão da colocação do
DE, como Actividade Interna, na componente não lectiva dos Docentes de EF, creio que
apesar de muito injusto, tal aspecto seja um mal menor, pois se os Professores têm de estar
na Escola a cumprir um horário extra imposto, pois que, esse tempo ou serviço, seja em prol
da prática desportiva e a favor do DE, dessa forma será em benefício exclusivo e directo dos
nossos alunos. No entanto, defendo afincadamente que o trabalho desenvolvido no DE
pelos Docentes além de meritório é muito extenuante e difícil. A Actividade externa, serve
para a redução de horário, no entanto, o tempo dispendido nunca é equivalente ao tempo
real utilizado para a realização dessas tarefas, acrescido ao facto de todo o envolvimento
extra curricular com a Actividade Interna, que tem uma importância vital para os alunos, não
ser encarado como componente lectiva e consequentemente não remunerado. Santos,
defende que “a burocracia que tem vindo a tomar conta das escolas é suportada pelos
professores, que ficam sem tempo e sem vontade de tomar iniciativa em núcleos de
desporto escolar. Muitos dos professores tomam conta de núcleos de desporto escolar, sem
formação do desporto em causa, apenas para terem redução de horário, que leva a que
muitas escolas e professores não encarem o Desporto Escolar com profissionalismo. Nos
países nórdicos, a carga horária é mais suave e os currículos escolares são adaptados às
suas realidades, o que deixa, aos alunos, mais tempo para a prática desportiva e outras
actividades extra-curriculares e os professores mais libertos para acarretarem com estas
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responsabilidades.” Chumbinho considera que “para o Desporto Escolar é irrelevante a
modalidade de eleição do jovem, na medida em que a tónica se coloca na prática de
desporto e actividade física e não desta ou daquela modalidade em particular. Já para as
Federações, existe um denotado interesse na captação de jovens para as suas
modalidades, procurando por esta via garantir um trabalho de desenvolvimento sustentável
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e com marcada profundidade.”
O Fenómeno Desporto Escolar, tem todas as condições e hipóteses de ser um projecto
sustentado na Escola em articulação com a disciplina de Educação Física, tornando a
prática desportiva acessível e motivante para todos os alunos, contribuindo para a melhoria
da aptidão física, saúde, formação geral e integral dos jovens, combatendo o abandono
escolar e permitindo a formação inicial de jovens atletas para posterior entrada no desporto
federado. Para tal, a articulação proposta revela-se indispensável, assim como a mudança
de mentalidade, atitude e perspectiva não só de quem trabalha na Escola como também por
parte de quem tutela e regulamenta todo este fenómeno, devendo ser reconhecido e
devidamente recompensado todo o trabalho que é desenvolvido e que ainda poderá ser
realizado.
Bibliografia