ÍNDICE
Prefácio,
Introdução
Unidade 1. Geografia do lugar nenhum
Unidade 2. O discursos dos fluxos
Unidade 3. O poder, a ordem e o sentido do Ser
Unidade 4. Ver os toques antes que eles se estendam às peles
Unidade 5. Solilóquio da diferença
Unidade 6. Dromologia , a fratura morfológica do virtual
Unidade 7. Tempo, Duração, Mudança, Singularidade e Intensidade
Unidade 8. A emergência de uma nova ordem
Unidade 9. Caminhos para uma nova significação
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos me acostumei a ir quase todos os dias, a um mesmo bar. Em uma de
suas paredes está um grande quadro que exibe uma fotografia com a figura de quatro
homens, todos a olhar pela janela, fitando um prédio do outro lado da rua e tendo
entre eles uma luneta. Todos estão vestidos com ternos de cor escura, pois a foto é em
branco e preto. Toda as vezes faço a mesma pergunta. O que será que estão olhando?
Não tenho certeza de onde ou quando a fotografia foi tirada. Poderia ter sido em Nova
Iorque, ou não, em um tempo qualquer entre as décadas de 1930 e 1950. O mais
curioso é a ideia de que aquele encontro espaço-temporal ocorreu em algum ponto do
tempo que se contrai até mim. Supondo que a foto refletisse um período em que a
técnicas de captura e impressão estavam vinculadas aos princípios básicos da ótica
clássica, onde as imagens se formavam e eram impressas no anteparo da "chapa"
fotográfica, tal curiosidade se manteria, mas de uma forma mais simples. A partir do
momento que ousamos imaginar que o quadro pudesse ter sido produzido a partir das
técnicas digitais de organização dos pixels, , o assunto ganharia um curiosidade maior
e quase insólita. Então, pergunto se seria menos ou mais curioso se o tal quadro
tivesse saído do pincel de algum artista da figuração que tentasse reproduzir os limites
de um olhar acostumado a recortar as formas no clássico esquema: intensidades,
percepção sensível, memoria e significado. A essa altura, uma multidão de linhas de
fugas vem se embaralhar à questão inicial. Intensidades invadindo os prismas,
obturadores ou os órgãos da percepção sensível, se amalgamam aos suportes da tela,
da chapa, ou da retina, junto com a interface do programa que destrói todos suportes
e organiza os pixels em pontos luminosos. Assim, eliminando-se os anteparos sobram
apenas, em todos os casos, a intensidade da luz sintetizada nas formas apreendidas
pelo olhar.
Isto é; aquilo é; eles são; nós somos. A combinação das imagens em uma cadeia de
associações pelo sujeito que indica o que permanece em cada aparição, tornou
possível reconhecer e dizer o “Ser” das coisas, fundamento de todas as aparições nos
limites do espaço e do tempo. Conforme se vai estabelecendo essa cadeia de
correlações entre as ideias que se desprendem das coisas que aparecem ao sujeito,
estabelece-se os limites entre as aparições e os significados, criando-se um espaço
onde é possível se designar um estado de coisas pela repetição periódica do que se
pode reter em cada aparição da realidade apreendida pelos sentidos, prolongada pela
abstração e descrita pela linguagem. O conhecimento da realidade do mundo
apresenta-se, insistentemente, como um desafio que tem figurado nas diversas etapas
da organização histórica da existência humana, bem como da história do pensamento.
Como se poderia ter acesso a esso mundo e mitigar o sentimento provocado pela
instabilidade do fluxo de um devir que atravessa essa realidade? Até que o homem
pudesse dizer o “Ser” das coisas ele seguia contemplando o curso no mundo no qual
fora lançado e que prosseguia independente de sua existência, obrigando-o a buscar,
sob o risco de sua sucumbência, uma integração a este movimento. Como, porém,
buscar a estabilidade numa realidade marcada por um ritmo de frequentes e múltiplas
transformações, das quais a sua própria vida participa?
Quer partamos das primitivas práticas mágicas, das diversas concepções religiosas,
das formações hierarquizadas de Estado, das inúmeras correntes do pensamento
filosófico ou dos construtos teórico-científicos, esbarramos no esforço desse ente, que
insite em dizer a si e todos os outros, fazendo disso aquilo que o diferencia dos demais
entes, de se tentar minimizar as incertezas e insignificações da avalanche de uma
imprevisível novidade que insiste em escapar dos espaços de significação que ele
construiu como refúgio. Todo esse esforço se concentrou na busca por uma unidade
essencial, seja na esperança de extrair um arcabouço para o mundo, seja na tentativa
de obter segurança a partir da sua organização e controle. Da necessidade de garantir
sua sobrevivência, o homem, diferente dos outros animais, se estabelece como uma
ultrapassagem da natureza, fazendo dessa dissociação a pré-condição de sua
autopreservação e de seu autodesenvolvimento. O jogo dessa ultrapassagem controle
se processa através de diversos mecanismos que se sucedem no fluxo das civilizações,
sob a égide da imaginação, inscritos nos códigos que passaram a sustentar todas as
formas de vida.
Na era das velozes imagens que trafegam na grande rede como ícones de um tempo
que se tornou “real”, e a falta de mediações entre os sujeitos e objetos comprimiram o
passado o presente e o futuro, ao ponto de desorientarem os postulados clássicos
responsáveis em delimitar a diferença entre o “Ser” e sua representação,
embaralhando-os em uma geografia que não carece mais do espaço como suporte de
qualquer aparição. As imagens aparecem e se dissolvem como um fractal, na dança de
um ritornelo que gira com um spin em orbitais que se diluem em vários mundos
dispostos em única dimensão. Lançadas em um abismo sem fundo, superfície ou
margem as imagens do mundo dançam acompanhadas por um ruído de fundo
comprimido no menor espaço e tempo pensável, revelando a música dos novos
tempos a vibrar nas cordas do universo como uma sinfonia sempre nova e tocada “ao
vivo”.
Toda vez que se tenta reproduzir esse ruído silencioso, as representações vão
amplificando as frequências que vibram das cordas do universo, reduzindo a diferença
e a indeterminação de cada nova vibração a trajetórias definidas e dispostas no tempo
e no espaço a partir das relações ressonantes passam a organizar a realidade que
aparece para quem a representa. Compreender de que forma cada representação
encerra em um conjunto de regularidades e reduz a indeterminação das aparições
através do ato de projetar o conteúdo apreendido pelos sentidos nos anteparos
produzidos pelo pensamento, tornou-se o desafio para o conjunto de descrições de
diversas disciplinas e saberes desde o final do século XIX, liberando paradoxos que
eram contornados pelos modelos fundados na identidade e no determinismo de leis
extraídas da natureza, e postas como a essência da realidade objetiva dos entes. O
resultado desse novo clamor estendeu-se por todo o século XX , quando se seguiu
questionando os pressupostos dos modelos clássicos do conhecimento da realidade
em torno do sujeito da razão que tinha se estabelecido como o centro de medida de
todas as coisas, lançando-o para fora das dimensões estruturadas do espaço onde
tinha se habituado a trafegar em sua objetividade como agente da observação,
explodindo este espaço em N dimensões, onde a falta de um suporte onde se pudesse
imprimir as imagens do mundo, liberou um potencial que lançou o “Ser” para além de
suas representações, liberando toda a potência de um “Devir” que tinha sido mantido
aprisionado nos subterrâneos da identidade.