A UM
GOVERNADOR
22 de Abril de 1969
António Egídio Fernandes Loja - Maria Elia Ramos Brito Câmara - José Manuel Barroso
- Antonio Manuel Sales Caldeira - Marcelo Luis C. Lima Costa - Rui Faria Nepomuceno -
-Amândio Manuel Abreu de Sousa - Helena Marques - Wiea Meijer Loja - Aires Rodrigues de
Freitas Albuquerque -Maria Emília Sales Caldeira Barroso - Artur Pestana Andrade - Maria
Eduarda Tomás de Sousa Costa - Vicente Jorge L. Gomes da Silva - João da Cruz Nunes -
-António Alberto Faria França Jardim - João Felipe da Câmara Costa Coutinho - João
Fernandes Moniz - Manuel Fernandes - José Onofre Nunes - António Eleutério Silva - João
Justino Fernandes dos Ramos - Manuel Paulo Sa Brás - António Ramos Teixeira da Silva -
-António Henrique Fernandes Sampaio - João Arnaldo Rufino da Silva - Gabriel Lino Cabra1
- Anjos Teixeira - António Alberto Monteiro de Aguiar - Maria Clarisse Ramos de Canha -
-Maria Inês Marques - Maria Magda Vieira Gonçalves - Maria Salomé Vieira Pereira - José
Maria Araújo - Fernando Macedo de Azeredo Pais - Natália Pais Pita - Manuel Pestana
Andrade - Gabriel Trigo Pereira - Secundino Casto Teixeira.
Reeditada em 1994
Prefácio de António Loja
CARTA
A UM
GOVERNADOR
22 de Abril de 1969
Reeditada em 1994
Prefácio de António Loja
UM OLHAR SOBRE O PASSADO
Excelentíssimo Senhor
Governador do Distrito Autónomo do
FUNCHAL
tt
Conto também, porque igualmente considero indispensável, com a
colaboração franca e leal de todas as pessoas interessadas no desenvolvi-
mento económico e social da Madeira, e de todos os Madeirenses" palavras
de Vossa Excelência proferidas durante a cerimónia em que vos era
entregue, oficialmente, o alto cargo de governador do Distrito Autónomo
do Funchal. Eis porque, Senhor Governador, no seguimento dessa
colaboração esperada, "franca e leal", os signatários como Madeirenses
interessados em particular "no desenvolvimento económico e social" do
Distrito a que pertencem e, como Portugueses, no do País em geral, e
correspondendo ao desejo expresso por Vossa Excelência, na parte final do
referido discurso, de que "diálogo" se estabeleça entre o primeiro dirigente
do Distrito e os cidadãos deste se dirigem a Vossa Excelência com o fim de
exporem, com sinceridade que as regras do dialogo requerem e o "momento
grave" que o País vive exige, com a maior "abertura de coração e espírito de
doação" a causa pública (que é de todos nós), as preocupações e anseios
que a título meramente individual se expressam mas que, sem dificuldade,
se verá identificarem-se, também, com as preocupações e anseios das gentes
da terra que agora vos acolhe.
É de facto um momento grave este em que vos é entregue a função de
dirigir a Madeira, grave o momento porque poucas vezes na sua história o
país se terá interrogado, tão perplexo e confuso, acerca do futuro para que
caminha. Tal situação, Senhor Governador, não determina "uma aceitação
sem reservas", como Vossa Excelência exprimiu, "do serviço que a Pátria de
cada um necessita" quando a situação real do pais é tão grave que impõe,
depois de anos e anos de alheamento dos cidadãos da coisa pública
(alheamento provocado pela sistemática deseducação cívica das massas
populares, pela submissão da informação a uma censura que determina, a
seu bel-prazer, quais os assuntos sobre que o publico pode ser informado, e
pelo amordaçamento daqueles que cometem o "crime" de ter ideias
diferentes dos que detêm as rédeas do poder) a não aceitação, como mera
manifestação de "obediência", das regras de um jogo já de antemão
viciadas. O maior serviço que se pode hoje prestar a Pátria é o dialogo, a
livre discussão dos problemas que afligem a Nação - sem as peias da
censura e sem o medo da policia. Embarcados, como estamos todos, no
mesmo barco, é a todos que compete decidir o seu rumo. "Os erros e as
omissões cometidos" havemos de ser todos a paga-los, porque todos
decidimos o caminho; "a alegria pelo que de positivo e bom se decidir" será
também comum, se o caminho escolhido por todos se tiver revelado o
melhor. A razão fundamental de um descontentamento crescente advém
justamente desse monstruoso conceito que se expandiu, de que, a qualquer
nível, um pequeno grupo de homens possa decidir tantas coisas que dizem
respeito a tantos homens.
Quando se reclama o direito ao dialogo não é o direito, para um
interlocutor, de falar, e o dever, para os outros, de escutarem apenas o que
se deseja. É a liberdade de expor livremente as opções varias. Este diálogo
pressupõe, no entanto, a confiança. De nada serve fazer do diálogo a
palavra-moda, quando se não acredita nela, quando não há vontade real de
extrair do parceiro as consequências para a acção.
Donde se deduz que, ou o diálogo é justificado pelos actos, ou a palavra
não tem mais sentido, porque o sentido que ela continha foi,
conscientemente, arruinado. Porque só a segurança exacta de poder
participar nas decisões e na execução terá o poder de recriar a confiança
perdida.
O problema com que se debate o nosso País no tempo que passa é o de
poder escolher livremente o tipo de sociedade que melhor se adapta as
necessidades do Povo Português. O que se contesta é um tipo de sociedade
dominada pelo autoritarismo, o qual descreu constantemente na capacida-
de do País para raciocinar ou mudar. Tal contestação, portanto, e como
dizia um conhecido político europeu, "não atinge somente os homens ou as
instituições exprime a vontade desses homens em não mais consentirem em
ser considerados súbditos numa sociedade dura, inumana e conservadora,
mas de representarem plenamente os seus papéis numa sociedade que seja
sua".
Se o momento é grave, Senhor Governador, não é propriamente porque
as pessoas que detêm o poder o afirmam. E porque todos nós o
consideramos grave; é porque se olha para a frente sem vislumbrar uma
saída; é porque a Nação se depara cada vez mais com as perspectivas da
ruína; é porque o empobrecimento gradual dos cidadãos está acontecendo
é por isto que ele é grave, reconhecidamente grave e dificil.
É grave ainda porque as mais importantes decisões políticas são
tomadas e o futuro do país comprometido sem que sobre ele a Nação se
tenha pronunciado; e grave porque se estão a sacrificar as gerações que
estão a construir este país; é grave porque se condenam grandes sectores da
população a miséria e a ignorância, ou a ter de trocar o seu país por outro
que lhe dê ( e quantas vezes isto não acontece ...) condições de vida mais
humanas; é grave porque, apesar de diariamente repetidas, mas
infelizmente esquecidas na hora das "grandes decisões", palavras como
Pátria e Soberania foram erigidas em valores tão altos e abstractos que
apenas trouxeram consigo a guerra e a discórdia.
Chegou o momento, Senhor Governador, em que os homens
responsáveis têm de orientar o país para as soluções necessárias e não
para caminhos sem saída. Já vimos como o autoritarismo, erigido em
sistema, gerou, ao contrário, a insegurança, o sofrimento, as crises. Os
responsáveis pela situação lamentável em que o país se encontra são, como
não podia deixar de ser, os homens que detiveram o poder de fazer ou não
as coisas. Os homens que, para defesa de interesses parcelares, erigiram um
"sistema de segurança mútuo contra a mudança", cujas estruturas,
baseadas numa autoridade distante, se não discutem.
O problema, agora, não é o de falar em "Pátria", em "Soberania" o
problema, agora, é o de restituir à Nação o poder de decisão que lhe foi
subtraído sistematicamente; é o de começar o renascimento do pais através
do aumento efectivo dos salários baixos, do aumento do número de filhos
de camponeses e operários nas escolas, liceus e universidades, da
industrialização das regiões atrasadas (que o mesmo é dizer, de quase
todo o território nacional), da realização de uma ampla reforma da
estrutura agrária, da instauração da justiça social só possível através de um
acréscimo de recursos mais bem repartidos; é o de restaurar a ordem,
através de uma sociedade democrática moderna.
O problema agora, Senhor Governador, é o de proporcionar a Nação O
debate livre de todos os problemas que ela enfrenta (o do Ultramar
incluído) para que livremente ela possa escolher o seu rumo, depois de
colocada perante as opções (todas as opções) possíveis.
AGRICULTURA
TURISMO
Será um pouco longo este ponto, Senhor Governador, ainda que tratado
em shtese. Mas quisemo-lo um pouco mais longo considerando que a sua
importância para o desenvolvimento do Arquipélago é fulcral.
1.-A Madeira é servida por seis voos semanais regulares, no inverno, e dez
voos no verão, para os quais dispõe de aproximadamente 2.600 camas
em hotéis e residenciais. Como a via marítima deixou de ter significado
como transporte, dado que a grande massa turística é constituída pela
classe média, sujeita a períodos de férias limitados e a quem só o avião
pode oferecer preços reduzidos, a transportadora nacional é insuficiente
para corresponder as necessidades da Madeira, havendo que procurar
outros meios para equilibrar a oferta-camas com a crescente procura.
São OS VOOS fretados ("charters") efectivamente a ponte aérea salvadora
das residenciais, e de certo modo, dos próprios hotéis, que de outra
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forma não teriam tão elevado índice de ocupação. Ora, é um facto
apresentar o Aeroporto de Santa Catarina condicionalismos que
impedem a vinda a Madeira de muitos tipos de avião. Outros podem
utilizar o aeroporto, embora com restrições de peso (particularmente a
descolagem), o que obriga a utilização de aeroportos intermédios para
reabastecimento, muito embora esses aviões tivessem, normalmente,
autonomia para voos directos entre a origem e o Funchal e vice-versa.
Está a Madeira, em resumo, perante o seguinte facto consumado:
a) os aviões de grande porte não podem utilizar o aeroporto de Santa
Catarina;
b) os aviões vulgarmente utilizados por companhias aéreas, como seja o
Super-Caravelle, têm de efectuar uma escala intermédia para reabaste-
cimento, devido as restrições de peso a descolagem;
c) o próprio Boeing 727, embora autorizado, não é aceite por todos os
pilotos, neste aeroporto. A conclusão lógica a extrair é a de que o
aeroporto de Santa Catarina, tal como existe hoje, não corresponde aos
interesses económicos da Madeira. Ao avultado custo das novas
instalações do aeroporto, bem como a montagem da iluminação e da
balizagem, haverá que adicionar a correspondente verba para o
prolongamento da pista, pois o problema da sua utilização a escala
"industrial" não depende das obras em curso ou já projectadas mas,
outrossim, da verdade irrefutável: falta de pista apropriada. Por sua vez,
o aeroporto de Porto Santo, embora teoricamente pudesse servir de
complemento ao aeroporto de Santa Catarina, demonstra a inviabili-
dade de tal solução, pois os turistas procuram a comodidade de voos
directos, não lhes interessando mudanças de avião. Aliás essas
mudanças só seriam viáveis mediante previsão a longo prazo e
coordenação com a TAP, o que nem sempre será possível por motivos
óbvios. Acresce o facto da ilha do Porto Santo apenas dispor de 140
camas, o que não permite qualquer segurança as agências de viagens no
caso dos seus clientes (por motivo de mau tempo, avaria, atraso na
ligação TAP, etc.) serem forçados a uma estadia imprevista na ilha
vizinha. Estamos, portanto, perante a flagrante falta de estruturas
turísticas no Porto Santo, onde existe, no entanto, um aeroporto
aceitável o que constitui uma inversão do problema da ilha da Madeira.
Dois problemas que são apenas similares nos resultados negativos, por
falta de planificação adequada. Donde se deduz da necessidade urgente
de tomar medidas no sentido de:
estudar o prolongamento da pista de Santa Catarina;
planear a construção urgente de uma ou mais unidades hoteleiras no
Porto Santo, como ponto de partida para o desenvolvimento daquela
ilha e apoio a própria Madeira através da utilização daquele aeroporto.
Considerando que:
a Madeira é, como o Algarve, uma das regiões prioritárias;
o aeroporto de Faro já está aberto ao tráfego internacional;
o aeroporto de Porto Santo já se encontra em condições de receber o
tráfego nocturno e, embora podendo ser alargado sem grandes encargos,
já pode, na presente fase, servir aviões de grande capacidade e
necessário encarar desde já a abertura deste aeroporto ao tráfego
internacional, o que levaria imediatamente a escala das companhias que
cruzam o Atlântico Sul. Tal passo iria necessariamente fomentar o
crescimento económico local e abriria novos horizontes ao Arquipélago
em geral.
Mas a problemática da aviação é apenas um factor a considerar quando
se fala da indústria turística. Sem acomodações não pode haver turismo.
E, tendo a Madeira cerca de 1.600 camas nos hotéis e 2.600 no total, será
muito boa vontade o dizer-se que se faz turismo nesta ilha. E espantoso,
Senhor Governador, que ao fim de tantos anos, numa zona prioritaria
como é oficialmente a Madeira, o turismo ainda esteja reduzido a sua
expressão mais simples e vivendo dos nomes dos mesmos hotéis de
sempre e que continuam a ser a única certeza dos anos mais próximos.
Sendo a Madeira uma zona de óptimas condições climatéricas e estando
a Europa Ocidental a atravessar uma eufórica fase de investimentos na
indústria hoteleira, porque não se verifica aqui "arranque" idêntico ao
do Algarve ou das Canarias, havendo até a favor da Madeira uma
estação nitidamente mais longa que no Algarve? Não temos duvidas de
que o elevado preço dos terrenos anda de braço dado com o elevado
custo final dos materiais de construção e equipamentos dos hotéis, pois
os mesmos chegam aqui a preços absolutamente proibitivos (onerando a
construção em cerca de 30%). Só se poderá estimular o investimento
através de condições lógicas, como sejam:
Planeamento das zonas turísticas;
4bolição da máquina burocrática que demora o estudo dos projectos.
>etermine-se exactamente o tempo máximo para o estudo e aprovação
laqueles.
Isenção, para os materiais de construção e equipamento hoteleiro, das
taxas e impostos a que estão sujeitos na Madeira;
Criação de tarifas especiais para o transporte desses materiais e
equipamentos, de modo a que os mesmos sejam aqui colocados
sensivelmente aos preços de Lisboa e Algarve;
Aprovação dos projectos, condicionando-a a data do início da
construção;
Auxílio financeiro as Câmaras Municipais de modo a que estas possam
proceder a expropriações sempre que as necessidades do fomento turístico
o exijam;
Criação de condições de financiamento, aproveitando-se a poupança
particular, como já foi referido em pontos anteriores. A efectivar-se tal
política, evitar-se-ia o desvio de parte dessa mesma poupança para
empreendimentos de rentabilidade duvidosa ou de base especulativa.
Aponte-se pois como indispensável a intervenção do Estado e das
autarquias locais na mobilização do capital indispensável ao financia-
mento dos necessários hotéis na Madeira e no Porto Santo e a criação de
condições aceitáveis para as empresas idóneas, nacionais e estrangeiras,
que, neste caso, certamente considerarão a Madeira como uma zona de
interesse para os seus investimentos.
3.- Mas a Madeira regula-se por uma legislação desactualizada e parece até
desconhecer-se a lei geral que regula o turismo no nosso país. O turismo
na Madeira regula-se pelo decreto-lei nQ 26980, de 5 de Setembro de
1936, necessariamente desactualizado há longos anos, mas ainda
inexplicavelmente em vigor, bem como pelo Regulamento das Taxas
de Turismo (previsto nesse mesmo Decreto). Este Regulamento,
aprovado por despacho do Ministro do Interior de então, foi publicado
no Diário do Governo (I1 série) de 13 de Março de 1961 (ou seja vinte e
cinco anos depois...) e regulamenta, ainda hoje ... o Caminho de Ferro
do Monte (!) e as Agências de Excursões (que ninguém sabe o que são).
4.- E mais haveria ainda a indicar nisto, que se pode bem apelidar, Senhor
Governador, de exposição das carências e da falta de capacidade de
previsão e actuação: o problema do porto, a política de preços, a criação
de estruturas de apoio (piscinas, diversões, espectáculos, etc.), os
aspectos negativos de uma propaganda turística desactualizada, o
fomento do turismo interno (com a criação de tarifas especiais), etc.
Talvez, entretanto, o apontado seja suficiente, como demonstração do
que se podia e devia ter feito e se não fez, para tornar realmente o
turismo a primeira, a mais florescente e a mais rica indústria da
Madeira.
Lisboa (que parece ser a única que possui, por lei, uma estrutura política
para o problema da habitação social), o restante território nacional vê-se,
neste aspecto, sujeito as contingências económicas das autarquias locais e,
as vezes, até a interpretação do contexto sócio-económico dos seus
administradores. Aqui e além surgem realizações de programas de
habitação, quer a nível regional quer de entidades cooperativas e
corporativas ou ainda entidades patronais, que constroem para os seus
beneficiários e empregados; mas normalmente essas iniciativas ficam como
I1
único exemplo". Em contrapartida abundam (em prosperidade) por todo
o país, as empresas de construção, que só constroem para daí auferir, não
lucros considerados justificáveis mas pura e simplesmente lucros especu-
lativos. Os que não podem pagar rendas de especulação e representam a
quase totalidade da população portuguesa abrigam-se como podem (ou
não podem), destacando-se grandes bairros de lata; nascem assim, para
agravamento da débil situação político-económica que provocam, situações
de grave imoralidade, proveniente da promiscuidade.
A situação da Madeira, neste aspecto, Senhor Governador, não foge a
regra que é a do país: o enquadramento da habitação social não tem
significado no contexto sócio-económico. O mais flagrante exemplo disto
são os números que a seguir se apresentam, acerca do número de habitações
económicas construidas pela Câmara Municipal do Funchal, desde 1939 até
aos nossos dias:
Ano de 1939
Bairro de São Gonçalo
68 fogos
Ano de 1940
Bairro de Santa Maria
100 fogos
Ano de 1946
Bairro dos Viveiros
48 fogos (Ig fase)
Ano de 1964
l f 11 19
Ano de 1968
11 l f 1q