com Miss
:asa da Camélia
dument? ?feda iur tic
'
Ponta Delgada
MEMÓRIAS DA SUA HISTÓRIA
- -
Aberto Vieira
I Foi no norte alcantilado da Madeira que a aldeia de Ponta Noronha, o ano de 1469, sendo corroborado por F. A. Silva
I
Delgada marcou a sua realidade humana como lugarejo, (Elucidario Madeirense), enquanto um nobilidtio citado por A. A.
condi@o d~ vida, rente ao mar, depois que o navio do povoador SarrnentoI Freguesias da Madeira) dá conio sendo em 1466-
abicou na enseada e os homens pisaram a terra fecunda e terras de sesmaria no extenso vale que o pr6prio ou algum dos
virgem. E foi crescendo e frondejando ao afago perene das seus baptizou de Ponta Delgada. E isto terá sido o começo do
ondas. Com o decorrer do s6culo XVIII Ponta Delgada já era povoamento do lugar. A capela do Senhor Jesus foi a marca
estância de prazer durante o Verão, de familias nobres que se desta primeirapresença e o testemunho denunciador da
deslocavam da cidade para o remanso daquela formosa aldeia devoção des(&'bracarense, que escolheu o norte da ilha para
de frescos ares e deleitosas sombras. E, porque tambbm fora fixar morada:
berço de fidalgos, ficou conhecida em toda a redondeza da ilha O lugar de Ponta Delgada adquitlu o estatuto de paróquia em
por Corte do Norte. Aateshr ainda o esplendor que caracterizava 1550, estando ate então os seus moradores dependentes da
o fausto de velhas casas senhoriais, perrnaneoem, em nossos paróquia de S. Vicente. Esta 6,sem diivida, a mais antiga que foi
dias, vestigios dos antigos solares, cuja existência a história da erguida nesta costa norte em data que se desconhece. O
Madeira assinala: a capela dos Reis Magos, a de Santo Antdnio, isolamento, a distância em relaçiío a Machio fez com que cedo
no Pico, e a de Sant'Ana, no Ladrilho.(Horacio Bento de os moradores conseguissem para o lugar o estatuto de curato e
Gouveia, A Canga, Funchal, 1975) depois de paróquia. Em 1520 Sebastião Pereim foi providocomo
capelão das igrejas de S. Vicente, Ponta Delgada e Boaventura
A ORIGEM DO NOME E EVOLUÇÁO DO LUGAR por as mesmas localidades terem já 42 fregueses. Em
documentos posteriores até 1536 o mesmo e citado como vigário
A primeira questão que m r r e quando nos debruçamos sobre de S. Vicente e Ponta Delgada ou isoladamente de cada uma
a História de um local é a origem do seu nome. A toponimia destas: no ano de 1531 para S. Vicente e no de 1536 para Ponta
encontra a explicação para isso, indo busca-la a tradição e Delgada. Depois surgiu a separapgo em 1550 de Ponta Delgada,
Hist6ria. Para Ponta Delgada o veredicto foi ditado por Gaspar passando a existir duas paróquias na vertente norte. No decurso
Fnrtuoso, em finais do século XVI: "...assim chamada por ser ali desta segunda metade parece que a freguesia foi em crescendo,
hum passo muito perigoso, que se passa por cima de dMs paus, isto a fazer fé nos diversos alvarás de acrescentamento. Gaspar
-queatravessam de uma rocha a outra, e em tanta altura fica o Frutuoso refere apenas 60 fogos em Ponta Delgada. Para o
mar por baixo que se perde a vista dos olhos". A este respeito século dezoito, mais propriamente 1727, Henrique Henriques de
diz-nos ainda A. A. Sarmento (Freguesias da Madeira, Noronha dá conta do avanço populacional331 fogos albergavam
1953)como justificativo: A Rochas desabadas se escoaram, 1075 almas. Em qualquer dos casos S. Vicente destaca-se como
a mais importante freguesia da vertente norte. No século
dezanove a situa@o é diferente. Em I817 um documento aponta
E provável que desde meados do século XV apenas 170 fogos e 3176 almas enquanto Paulo Dias de
Almeida(l821) surgiam 800 fogos para 3214 almas, e num
tenham afluído a esta encosta norte alguns documento de 1825 referem-sejá 3338 almas.
A importância agrlcola da vertente norte da ilha assentou, no Ponta Delgada produzia 2000 pipas de linho, quase ò dobro de
princípio, nas culturas de subsist&ncia, que asseguravam as S. Vicente. Este valor sobe no s&culodezanove, uma vez que a
necessidades dos colonos aí instalados e um suplemento que freguesia pagava 4938 de oitavo do vinho.
era escoado para a vertente sul. 0 s cereais ocupam um lugar de A Bpoca das vindimas coincidia com o momento da romaria,
destaque na economia local. Em 1787 registam-se 161 moios e atraído os senhorios de veraneio. Aqui toda a animação estava
40 alqueires de higo, 8 moios de centeio e 8 moios e 40 alqueires concentrada nos lagares, maioritariamente propriedade dos
de cevada. Aliado a isto estava a existQnciade moinhos. Assim senhorios. Note-se o caso do tenente Manuel Jose: Fernandes
no tempo de António Carvalhal, o velho, o lugar dispunha de dois Menezes que surge em 1847 com dois lagares, um em Ponta
moinhos, mas em 1664 todo a cereal s6 podiam ser moido em Delgada e outro na FajB da Areia. 1863 temos notícia de 12
Boaventurapelo que os moradores solicitam a constniqiio de um lagares de vinho em todo o concelho, sendo sete em S. Vicente,
moinho no Lugar de Baixo. Fnrto disso deverá ser a autorização três em Ponta Delgada e dois em Boaventura. Daqui se conclui
i
em 1667 do onde de Vimioso, proprietário dos moinhos na do uso comum desta estrutura, tal como nos elucida Hordcio
capitania de achico, ao capitáoAnt6nio correia Mendes fabricar Bento de Gouveia no pertinente retrato do norte lavrado em A
aí um moin o de duas moendas, pagando de foro anual 2.0001s. Canga. O vinho era feito nas adegas do concelho e s6,depois
e A maior 'queza para os locais foi sem dúvida o vinho. Gasgar conduzido para o Funchal. feito pelo próprio viticultor, mediante
Frutuoso,'em finais do &ulo XVI, dá-nos conta desta situação. autorização da Camara.
Assim, quando refere as duas freguesias do concelho, ainda que O final do século XIX marca o regresso dos canaviais à ilha,
laconicamente, diz que em Ponta Delgada "vinhas e criações e alastrando a área de cultivo ao Norie da ilha. A S . - - -)roino@o e
encarada por todos como um meio para ultrapassar a crise oondigões marítimas favoreciam, aqueles que iam h cidade(.. .).
económica que fizera perigar o principal factor económico que A estrada maritima foi substituída pela terrestre. Tomou a
era a vinha. A presença da cana e engenhos no concelho esta camioneta o lugar do vapor. Silenciaram os caminhos outrora
documentada desde a década de cinquenta. tumultuosos, os caminhos para o embarcadoiro. Só as rochas
O primeiro engenho surgiu em Ponta Delgada em 1858. Em conservam o apito de estridência melancólica do Apor, do Butio,
1863 são referidos apenas trgs engenhos sendo dois em Ponta do Gavião e do Faicão.'
Delgada e um em S. Vicente. Em Ponta Delgada surgem os do
sítio da Fonte e do Açougue. O primeiro foi fundado em 1858 EXALTAMONATUREZA - A VISÁO DO PARA/SO
DA
pelo Conde de Carvathal, a cargo de um administrador, produz
98 hectolitros de aguardente. O segundo em 1861 por Candido A exaltação da natureza tem por palco o norte da ilha e como
Lusitano de Franp com 25 hectdiros de aguardente a pahr de protagonistas os inúmeros estrangeiros que desde o século XVIII
29.400 Kg de sorgo. De acordo com o levantamento industrial a pemrreram. O testemunho disto ficou exarado nos anais da
feio em 1907 por Vitorino Jose dos Santos em 1907 o concelho História e tem em alguns dos visitantes ilustres a sua prova
estava servido de 5 engenhos (três em S. Vicente, um em P. escrita. Neste caso, a exaltação do Norte faz-se mais pela
Ddgada e outro em Boaventura}, sendo apenas misto de vapor e obsewação e deleite visual, do que pelos valores materiais que
água em Ponta Delgada, que moiam 1.095.000 Kg de cana, o definem a humanizaçãodeste espap.
que representava 2,4% da produção da ilha. Em vereação Na diversa literatura o norte continua no esquecimento e foi
apenas temos notícia em 1908 do de Augusto Joaquim de preciso chegar ao século XIX, com o rápido surto do turismo
Abreu, do sítio do Agougue (Ponta Delgada) que pretende iniciar inglgs, para que surgissem os testemunhos exactos da sua
a IaboraHo de aguardente na sua fábrica a Pedra Funda pelo descoberta. Na década de vinte temos as primeiras incursões ao
que solicitava a aferição das medidas e respectiva licenp. interior e norte da ilha. A partir de então o norte entra nos
A cana do norte 96 poderia ser transformada em aguardente, percursos de visita dos ingleses na ilha que não se satisfazem
não havendo engenho para fazer açúcar, daqui resultaria que 'a apenas com a ida ao Monte, Camacha e, por isso mesmo, aos
maior parte da cana teria de ser arrancada" levando à ruína a poucos v20 alargando o seu horizonte de visão ao Pico Ruivo,
região norte da ilha. O município, sempre ao lado dos interesses Santana, Rabaçal e S. Vicente.
dos seus munícipes, não podia estar de acordo com estas Ponta Delgada B apresentada por todos como uma bonita
medidas, reclamando a revogação do decreto sacarino. A aldeia, bem situada e ricamente povoada. Isto fora já
situã@o levou ao encerramento em 1939 de seis fabricas em testemunhado V r Paulo Dias de Almeida em 1817: "E a melhor
todo o concelho. Em Aguas Mansas Horácio Bento de Gouveia povoação do Norte. Tdos os habitantes são muito civilizados e
fixou o retrato da decadência na freguesia de Ponta Delgada. concorre ali muito a gente da cidade. A povoação estaem um
Anote-se no mesmo ano o pedido de abeitura de uma nova por pequeno plano coberto de arvoredo e balseiras (...) E nesta
António Morberto de Omelas em Ponta Delgada. povoação onde se deve estabelecer a Vila, ...". Esta ideia de
Horácio Bento de Gouveia descreve de forma perspicaz a
situaqão de crise da cana na freguesia de Ponta Delgada: O
engenho de Cust6dio Filipe, reconstruído por mestre do Sul,
fazia rebentar de inveja Luls da Feiteira. Nwa roda de castanho
e novos baldes, novos cilindros, novo alambique, dependencia
para escritório privativo de gerente, a fábrica apresentava um
aspecto completamente diverso do velho casarão que fora
pertença de antigos fidalgos da freguesia.
O engenho da Fonte estava um cangalho. As paredes sem cal,
todo o rosto para o lado da rua esburacado, os armazhns da
garapa a abarrotarem de ponchos com os arcas comidos de
ferrugem.(.. .). Agora, o eixo da roda da água que movimenta a
engrenagem dos cilindros, de tanto girar, tinha as extremidades
por um fio.
Noutro romance, Águas Mansas(l971), o trama tem por palco
os engenhos da freguesia, donde se presente a luta contra uma
polltica monopolística do governo e a competigo desenfreada
entre os dois engenhos do centro da freguesia, de que hoje
apertas persistem aSchamin6s.
O CAI8 DOS VAPORES
Ate A abertura das estradas de ligação do concelho ao
Funchal- a ligação a S. Vicente iniciou-se em 1926 e s6 Ponta Delgada como um presépio manthm-se em Maria Lamas
terminou em 1938-, que apenas ocorreu no nosso século, o (1956) e consagra-se em Guido de Monterey(1974): "Ponta
meio mais rápido e seguro era o marítimo. Existia uma linha de Delgada B um dos sltios mais característicos da ilha, de uma
vapores costeiros que ligavam os vários concelhos da região. O beleza retumbante que os olhos mortais tentam captar para a
servip foi coniratado em Novembrode 1893 à empresa Insuiana eternidade. Ponta Delgada B sonho, é utopia B romance". Daqui
de Naveg* que deveria realizar três viagens por semana. Em resultou a auréola com que se engalanou a localidade com o
S. Vicente o pois0 mais adequado situava-se em Ponta Delgada, epiteto de corte do norte, que deu o mote para o romance de
o que contribuiu para algum beneficio do lugar. Agustina Bessa Luis em 1987.
Os vapores transportavam pessoas e haveres, sendo por A constru@o da piscina deponta Delgada enquadra-se neste
esta forma que se procedia ao escoamento dos produtos espírito. A sua realização foi sugerida h camara por uma I
!
agrícolas, para os senhores residentes no Funchal. Em 1898 a comissão criada para o efeito que arrecadou 20 contos A obra s6 1i
câmara clama por um melhor serviço para o 'vaporzinho foi adjudicada em 1958 a firma Leacock e CP Lda por 60.486$90.
costeiro", que deverá tocar o concelho pelo menos duas vezes
por semana e *ter maior lotação para satisfazer necessidades de
transporte dos produtosncomo seja o gado e pipas de vinho e
Em 1961 construiu-se um bar e estabeleceu-se como tarifa de
entrada um escudo. Horácio Bento de Gouveia testemunha
essa realidade: " A piscina da freguesia de Ponta Delgada que
i,
aguardente. meu parente Dr. Henriquede Freitas concebeu, surge com o
Horácio Bento de Gouveia recorda com saudade esses objectivo náio simplesmente turlstíco, mas de valorízaçáo
bmpos: 'para alem de 30 anos a beira-mar, com seus po-, foi regional.(. ..) Vai para vinte anos. Lançada a ideia de realizar-se a
centro muito activo da gente do Norte(.. .)Era o mar a estrada por obra almejada, procuram-se donativos. E a piscina foi uma
onde se conduziam as mercadoriase se deslocavam, quando as realidade entre o calhau do sítio da Vigia e a igreja.' 1