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SEMINARIO

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LAS ISLAS PORTUGUESAS
EN EL TIEMPO DE FILIPE 11.1558-1598

A segunda metade do século XVI S um momento


importante de viragem política europeia com reflexos
evidentes na vida do espaço atlântico configurando uma
nova era para a sua economia e navegação. A politica de
Filipe I1 para o espaço atlântico tem n a década d e
oitenta a sua máxima concretização. O monarca ao
pretender afirmar-se como o senhor do Novo Mundo
ibérico vai ser o alvo principal dos seus opositores
europeus e a r r a s t a r consigo essa rivalidade para
Portugal. Como resultado disco o oceano Atlântico e as
suas ilhas, principais protagonistas d a afirmação
colonial, acabam por se transformar no palco dos
acontecimentos que marcaram de forma evidente a
História das ilhas nos dois ijltimos decénios da centiiria.
Para entender esta particular situação deverá terse em
conta o processo evolutivo da economia e protagonismo
político do mundo insular desde o século XV. Em ambos
os momentos é evidente que as ilhas foram os pilares
fundamentais da afirmação colonial.
ALBERTO VIEIRA

AS ILHAS E FILIPE 11:


A POLÍTECA DO A-co IBERICO

O século quinze marca o início da afirmação do


?&tlântico, novo espaço oceânico revelado pelas gentes
yeninsulares. O mar, que ati meados do século quatorze se
mantivera alheio à vida do mundo europeu, atraiu as suas
atenções e em pouco tempo veio substituir o mercado e via
mediterrâneos. Os franceses, ingleses e holandeses que,
num primeiro momento, foram apenas espectadores
atentos, entraram também na disputa a reivindicar um mure
libemna e o usufruto das novas rotas e mercados. Nestas
circunstâncias o Atlântico não foi apenas o mercado e via
comercial, por excelência, da Europa, mas também um dos
principais palcos em que se desenrolaram os conflitos que
definiam as opções políticas das coroas europeias, expressas
muitas vezes na guerra de corso.
Em 1434, ultrapassado o Bojador, o principal problema
não estava no avanço das viagens, mas sim na forma de
assegurar a exclusividade a partir daí, já que na área aquém
deste limite isso não fora conseguido. Primeiro foi a
concessão em 1443 ao infante D. Henrique do controlo
exclusivo das navegações e o direito de fazer guerra a sul do
mesmo cabo. Depois a procura do beneplácito papal, na
qualidade de autoridade suprema estabelecida pela "res
publica christiana" para tais situações'.

1 As bulas de Eugénio N (14451, Nicolau V (1450 e 1452) preludiaram


o que veio a ser definido pela célebre bula "RornanusPontifex* de 8
de Janeiro de 1454 e "inter coetera" de 13 de Março de 1456. flela se
legitimava a posse exclusiva aos portugueses dos mares além do
Bojador pelo que a sua ultrapassagem para nacionais t estrangeiros
só seria possível com a anuência do infante D.Henrique.

50
Las islas portuguesas en e l tiempo d e Fali#r 11 (1558-1598)

A presença de estrangeiros foi considerada um serviço


ao referido infante, como sucedeu com Cadamosto,
Antonio da Noli, Usodimare, Valarte e Martim Behaim, ou
uma forma de usurpar o dominio e afronta ao papado. Na
última situação surgem os castelhanos a partir da década de
setenta, procurando intervir nas costa da Guiné como
forrna'derepresalia h pretensões portuguesas pela posse
das Canárias. Não obstante as medidas repressivas definidas
e m 1474 contra os intrusos n o comércio da Guiné a
presença castelhana continuará a ser um problema de
difícil solução, apenas alcançada com cedências mútuas
através do tratado exarado em 1479 em Alcáçovas e depois
confirmado a 6 de Março do ano seguinte em Toledo. A
esta partilha do oceano, de acordo c o m os paralelos,
sucedeu mais tarde outra n o sentido dos meridianos,
provocada pela viagem de Colombo. O encontro do
navegador em Lisboa com D. João 11, no regresso da
primeira viagem, despoletou, d e imediato, o litígio
diplomático, uma vez que o monarca português entendia
estarem as terras descobertas na sua área de dominio. O
conflito só encontrou solução com novo tratado, assinado
em 7 de Julho de 1494 em Tordesilhas e ratificado pelo
papa Júlio 11 em 24 de Janeiro de 1505. A partir de então
ficou estabelecida uma nova linha divisória do oceano, a
trezentos e setenta léguas de Cabo Verde. Estavam definidos
os limites do mar ibérico.
Para os demais povos europeus só lhes restava uma
reduzida franja do Atlântico, a norte, e o Mediterrâneo.
Mas tudo isto seria verdade se fosse atribuída força de lei
internacional 5s bulas papais e is opções das coroas
peninsulares, o que na realidade não sucedia. O cisma do
Ocidente, por u m lado, e a desvinculação de algumas
comunidades da alçada papal, por outro, retiraram aos
actos jurídicos a medieval plenitude "potestatis". Deste
modo em oposição 5 doutrina definidora do mre clausum
antepõe-se a do m m liberuna, que teve e m Grócio o principal
teorizador. A ultima visão da realidade oceânica norteou a
intervenção de franceses, holandeses e ingleses neste
espaçoP.
A guerra de corso foi a principal resposta e teve uma
incidência preferencial nos mares circunvizinhos do
Estreito d e Gibraltar e ilhas, e levou ao domínio de
múltiplos espaços de ambas as margens do Atlântico.
Podemos definir dois espaços de permanente intervenção
destes: os Açores e a Costa da Guiné e da Malagueta. Os
ingleses iniciaram em 1497 as sucessivas incursões no
oceano, ficando célebres as viagens de W. Hawkins (1530),
John Hawkins (1562-1568) e Francis Drake (1578, 1581-
1588). Entretanto os franceses fixaram-se na América,
primeiro no Brasil (1530, 1555-15581, depois e m San
Lorenzo (1541) e Florida (1562-1565). Os huguenotes de
La Rochelle afirmaram-se como o terror dos mares, tendo
assaltado em 1566 a cidade do Funchal.
A última forma de combate ao exclusivismo do atlântico
peninsular foi a que ganhou maior adesão dos estados
europeus no século XVI. A partir de princípios da centúria
o principal perigo para as caravelas não resultou das
condições gewlimátiras, mas sim da presença de intrusos,
sempre disponíveis para assalta-las. Deste modo a
navegação foi dificultada e as rotas comerciais tiveram de
ser adequadas a uma nova realidade. Surgiu a necessidade
d e artilhar as embarcaçóes e d e uma armada para as
comboiar até porto seguro. As insistentes reclamações,

2 Confronte-se Frei Serafim de Freitas, Do Justo Império Asiálico dos


. Mugium,voI.1, Liiboa, 1960.
h
Las islos portuguesas en t i ttempo da FeIgpe 11 (1558-1598)

nomeadamente dos vizinhos de Santiago em Cabo Verde,


levaram a coroa a estabelecer armadas para proteqão e
defesa das áreas e rotas de comércio: armada da costa
ocidentai do reino, do litoral algarvio, dos Açores, da costa
e golfo da Guiné, do BrasilS.
Cedo os franceses começaram a infestar os mares
próximos da Madeira ( 1550, 15ô6), Açores (1543, 1552-53,
1572) e Cabo Verde, e depois seguiram-lhe o encalço os
ingleses e holandeses. Os primeiros fizeram incidir
preferencialmente a sua acção nos arquipélagos da Madeira
e &ores, patente na primeira m e d e do século XVI, pois
em Cabo Verde apenas se conhecem alguns assaltos em
1537-1538 e 1542. Os navegantes do norte escolhiam os
mares ocidentais ou a área do Golfo e costa da Guiné, tendo
os das ilhas de Santiago e S. Torné o principal centro de
operações.
Nos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé, ao perigo
inicial dos castelhanos e franceses, vieram juntar-se os
ingleses e, fundamentalmente, os holandeses. Na década de
sessenta o corso inglês era ai exercido por John Hawkins e
John LovelL E de salientar que os ingleses não rnaculãram a
Madeira, pois ai tinham uma importante comunidade
residente e empenhada no seu comercio. a sua acção
incidiu, preferencialmente, nos &ores (1538, 1561, 1565,
15'72) e Cabo Verde.
A presença de corsários nos mares insulares deve ser
articulada, por um lado, de acordo com a importância
que estas ilhas assumiram na navegação atlântica e, por
outro, pelas riquezas que as mesmas geraram,

3 Confronte-se MAGALHÃES GODINHO, V., .As incidencias da pirataria


e da concorrência na economia maritima portuguesa no século XVb,in
Elasaios II, Lisbog, 1978,pp. 1W200.
ALBERTO VIEIRA

dores da cobiça destes estranhos. Mas se estas

to da época. Deste modo na segunda metade do


o XV o afrontamento entre as coroas peninsulares
niu a presença dos castelhanos na Madeira ou em

estas iniciativas, fazendo-as passar de mero roubo a acção


de represália: primeiro foi, desde 1517, o conflito entre
Carlos V de Espanha e Francisco 1 de França, depois a
partir de 1580 os problemas decorrentes da união
f i e r i c a . Esta última situação é uma dado mais no
afrontamento entre as coroas casteihana e inglesa que se
havia despoletado a partir de 1557.
São evidentes os esforços da diplomacia europeia no
sentido de conseguir a solução para as presas do corso.
Para isso Portugal e França haviam acordado em 1548 a
criação de dois tribunais de arbitragem, cuja função era
anular as autorizações de represália e cartas de corso.
Mas a sua existência não teve reflexos evidentes na acção
dos corsários. Note-se que é precisamente em 1566 que
temos noticia d o mais importante assalto francês a um
. espaço português. Em Outubro de 1566 Bertrand de
Montluc ao comando de uma armada composta de três
embarcações perpetrava um dos mais terríveis assaltos à
vila Baleira e 2 cidade do Funchal. Acontecimento
parecido só o dos argelinos em 1616 no Porto Santo e
Santa Maria, ou dos holandeses em S. Tomé.
Uma das principais consequéncias do assalto franc2s
Funchal em 1566 foi o maior empenho da coroa e

ncipalmente, da sua cidade, que por estar cada vez

54
mais rica e engalanada despertava a cobiça dos corsários.
O desleixo na arte de fortificar e organizar as hostes
custou caro aos madeirenses e, por isso, foi geral o desejo
de d e f e n d e r a ilha. Reactivaram-se os planos e
recomendações anteriores no sentido de definir uma
eficaz defesa da cidade a qualquer ameaça. O regimento
das ordenanças do reino (1549) teve aplicação na ilha a
partir de 1559, enquanto a fortificação teve
regimentos(l567 e 1572) e um novo mestre de obras,
Mateus Fernandes.
Perante a incessante investida de corsários no mar e
e m terra firme houve necessidade de definir uma
estratégia de defesa adequada. No mar optou-se pelo
necessário artilhamento das embarcações comerciais e
pela criação de uma armada de defesa das naus e m
trânsito. Esta ficou conhecida como a armada das ilhas,
fixa nos Açores e que dai procedia ao comboiamento das
naus até porto seguro. Em terra f o i o delinear de um
incipiente linha de defesa dos principais portos,
ancoradouros e baías, capaz de travar o possível
desembarque destes intrusos.
O espaço insular não poderá considerar-se uma
fortaleza inexpugnável, pois a disseminação por ilhas,
servidas de uma extensa orla costeira impossibilitou uma
iniciativa concertada de defesa. Qualquer das soluçÔes
que fosse encarada, para além de ser muito onerosa, não
satisfazia uma necessária política de defesa. Perante isto
ela era sempre protelada até que surgissem ameaças
capazes de impelir i sua concretização. O sistema de
defesa costeiro surge neste contexto com a dupla
finalidade: desmobilizar ou barrar o caminho ao invasor
e de refúgio para populaçóes e haveres. Por isso a norma
foi a construção de fortalezas após uma ameaça e nunca
&m%RTO wnfm

acção preventiva, pelo que a@ qualquer assalto


des proporções sucedia, quase sempre, uma
ha para fortificar os portos e localidades e
r as rnilicias e ordenanças.
so exemplo o assalto dos huguenotes ii cidade do
a1 em 1566, que provocou de imediato uma
o em cadeia das autoridades locais e da coroa na
do burgo. Na verdade foi s6 a partir deste assalto
* a se pensou e m organizar de forma adequada o
&&ma defensivo da ilha. Primeiro foi a reorganização
dati milícias (1549), vigias (1567) e ordenanças (15701,
depois o plano para fortificar da cidade do Funchal
(1572) a cargo de Mateus Fernandes. Isto repetiu-se nas
demais ilhas, sem nunca se ter conseguido definir uma
estrutura defensiva eficaz. As ilhas estiveram sempre as
portas abertas ao exterior, sujeitando-se,por isso mesmo,
i presença destes intrusos.
A instabilidade provocada pela permanente ameaça dos
corsários, a partir do último quartel do século XV,
condicionou o delineamento de u m plano de defesa do
arquipélago, assente numa linha de fortificação costeira e
de u m serviço de vigias e ordenanças. Até ao d t o de 1566
pouca ou nenhuma atenção foi dada a esta questão fiando
a ilha a as suas gentes entregues 5 sua sorte. Em termos de
defesa este assalto teve o mérito de empenhar a coroa e os
locais na definição de um adequado p h o de defesa. O
assalto francês de 1566 veio a confirmar a ineficácia das
fortificações existentes e a reivindicar uma maior atenção
par parte das autoridades. Assim realmente aconteceu,pois
pelo regimento de 155'2' foi estabelecido um plano de

4 Rui Carita, O R@ndo dsPmii&+& db D. -1572A Funchai, 1984.


Lar islas portuguesas em el tiempo de Felipe 11 (1558-1598)

defesa a ser executado por Mateus Fernandes, fortificador e


mestre d e obras. Daqui resultou o reforço do recinto
abaluartado da fortaleza velha, a construção de outra junto
ao pelourinho, um lanço de muralha entre as duas5 e o
Castelo de S. Filipe do Pico (1582-1637).
O plano de defesa das ilhas açorianas começou a ser
esboçado em meados do século dezasseis por Bartolomeu
Ferraz, como forma de resposta ao recrudescimento do
corso, mas só teve pIena concretização no último quartel da
tentúria. Bartolomeu Ferraz apresentou 5 coroa o seu
rastreio: as ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge, Faia1 e Pico
estavam expostas a qudquer eventualidade de corsários ou
hereges; os portos e vilas clamavam por mais adequadas
condiçóes de segurança. Segundo ele os açorianos
precisavam de estar preparados para isso, pois "orne
percebido meo combatidoN6.Daí terá resultado a
reorganização do sistema de defesa levado a cabo por D.
João I11 e D. Sebastião. Foram eles que reformularam o
sistema de vigilgncia e defesa através de novos regimentos. A
construção do castelo de S. Brás em Ponta Delgada e,
passados vinte anos, do castelo de S. Sebastião no Porto de
Pipas (em Angra) e de u m baluarte na Horta, eis,os
resultados mais evidentes desta política.
Pior foi o estado em que permaneceram as ilhas da costa
e golfo da Guiné pois as insistentes acções de piratas e
corsários não foram suficientes para demover os insulares e
autoridades a avançar com um adequado sistema defensivo.
São poucas as referências 5 defesa destas ilhas mas o
s ~ c i e n t epara atestar a sua precariedade. Ele resumia-se a

5 S a u d d s da T m livro segundo, 104110.


6 Arqrsh do^ A ç m , Vo1. V, 364467 (1543); confronme Ibidm, w1.IV,121-
124 (sem data).
ALBERTO VIEIRA

nos baluartes, muitas vezes sem qualquer utilidade.


. Tome começou a erguer-se a primeira fortaleza na
acão com o capitão Avaro Caminha, que lhe chamava
as torre, concluída com o seu sucessor Fernão de Melo.
,,tempode D. Sebastião, as constantes investidas d e
sários franceses -ficou célebre o de 1567 - levaram à
trução da fortaleza de Sáo Sebastião, concluída em
e reformulada em 1596. Todavia tornouse ineficaz no
to holandês de 1599 pelo que se ergueu outra de apoio
rn Nossa Senhora da Graça. Em Cabo Verde o empenho na
defesa das p o v o ~ õ e se portos costeiros tardou uma vez que
o principal alvo dos corsários, nomeadamente franceses,
estava no mar. Mais do que construir fortalezas havia
necessidade de limpar os mares e as rotas da presença
destes intrusos. Para isso, e correspondendo aos pedidos
incessantes dos moradores, a coroa criou u m a armada para
p a r d a e defesa do mar e costa. Além disso a petição dos
moradores d a Ribeira Grande e m 1542 apontava a
'
necessidade de apetrechar o porto da cidade com um
sistema de defesa adequado. Os assaltos de Francis Drake a
Santiago(1578 e 1585) levaram 5 construção de uma
fortaleza na Ribeira Grande apoiada por um lanço de
muralha, no período filipino.

AS ILHAS E FILIPE II: ESCALAS DO OCEANO


;f

O Atlântico surge, a partir do século XV, como o


i
principal espaço de circulação dos veleiros, pelo que se
definiu u m intrincado liame de rotas de navegação e
comércio que ligavam o velho continente às costas africana
, e americana e as ilhas. Esta multiplicidade de rotas que
resultou da complementaridade económica das áreas
insulares e continentais surge como consequência das

58
formas de aproveitamento económico ai adoptadas. Tudo
isto complementa-se com as condições geofisicas do oceano,
i
definidas pelas correntes e ventos que delinearam o traçado
das rotas e os rumos das viagens.
Neste contexto a mais importante e duradoura de todas
as rotas foi sem dúvida aquela q u e ligava as índias
(ocidentais e orientais) ao velho continente. Ela galvanizou
o empenho dos monarcas, populações ribeirinhas e acima
de tudo os piratas e corsários, sendo expressa por múltiplas
escalas apoiadas nas ilhas que polvilhavam as costas
ocidentais e orientais do mar: primeiro as Canárias e
raramente a Madeira, depois Cabo Verde, Santa Helena e os
Açores. Nos três arquipélagos, definidos como MeditmO.neo
Atlântico, a intervenção nas grandes rotas faz-se a partir de
algumas ilhas, sendo de referir a Madeira, Gran Canária, La
Palma, La Gomera, Tenerife, Lanzarote e Hierro, Santiago,
Flores e Corvo, Terceira e S. Miguel. Para cada arquipélago
afirmou-se uma ilha, servida por um bom porto de mar
como o principal eixo d e actividade. No mundo insular
português, por exemplo, evidenciaram-se, de forma diversa,
as ilhas da Madeira, Santiago e Terceira como os principais
eixos.
As rotas portuguesas e castelhanas apresentavam um
traçado diferente. Enquanto as primeiras divergiam d e
Lisboa, as castelhanas partiam de Sevilha com destino 5s
Antilhas, tendo como pontos importantes do seu raio de
acção os arquipélagos das Canárias e Açores. Ambos os
centros de apoio apresentavam-se sob soberania distinta: o
primeiro era castelhano desde o século XV, enquanto o
segundo português, o que não facilitou muito o
imprescindível apoio.Mas por um lapso tempo (1585-1642)
o território entrou na esfera de domínio castelhano, sem
que isso tivesse significado maior segurança para as
ALBUITO W R A

adas. Apenas neste período se intensificaram as


de represália & franceses, ingleses e holandeses.
ções - que terem- oportunidade de referir mais
organizaâas pela coroa espanhola na década de
nta com destino ã Terceira tinham uma dupla missão:
fender e comboiar as armadas das índias até porto
wro,em Lisboa ou Sevillia, e ocupar a ilha com fim de aí
bstahr uma base de apoio e defesa das rotas oceânicas.
A 4 açoriana j u s t i f i m mais por necessidade de
protecção das armadas do que por necessidade de
reabastecimento ou reparo das embarcações. Era ã enmda
dos mares açorianos, junto da ilha das Flores, que se
reuniam os navios das armadas e se procedia ao
comboiamento até porto seguro na península, furtandm
cobiça dos corsários, que infestavam os mares. A
necessidade de garantir com &&ia ml apoio e defesa das
armadas Ievou a coroa portuguesa a criar, em data anterior
a 1527, a Provedona das Armadas, com sede na cidade de
Angra7.
Desde o início que a segurança das frotas foi uma das
mais evidentes preocupações para a navegação atlântica,
pelo que ambas as coroas peninsulares delinearam, em
separado, o seu plano de defesa e apoio aos navios. Em
Portugal tivemos, primeiro, o regimento para as naus da
Índia nos Açores, promulgado em 1520, em que foram
estabelecidas normas para impedir que as mercadorias
caissem nas mãos da cobiça do contrahdo e corso.
Cedo foi reconhecida a insdcicncia destas iniciativas,
optandese por urna estrutura institucional, com sede em
Angra, c& de coordenar todas as tarefas. A nomeação e m

7 ConFmnk+e o norsrso estudo sobre O i h d m i o inte~4& PWS s k u h XV e


F u n W 1987,17-24.
Las islas portuguesas en eL fi8mpo de Felipe iZ (1558-1598)

152'1 de Pero Anes do Canto para provedor das m a d a s da


fndia, Brasil e Guiné, marca o inicio da viragem. Ao
provedor competia a superintendência de toda a defesa,
abastecimento e apoio 5s embarcações em escala ou de
passagem pelos mares aqorianos. Além disso estava sob as
suas ordens a amada das ilhas, criada expressamente para
comboiar, desde as Flores at4 Lisboa, todas aquelas
provenientes do Brasil, índia e Mina. No período de I536 a
1556 há noticia:do envio de pela menos doze armadas com
esta missão.
Depois procurou-se garantir nos portas costeiros da
arquipélago um ancoradouro seguro, construindo-se as
fortificações necessários. Em 1543 Bartolomeu Ferraz
-ou um plano de defesa alargado a todo o quipklago
com tal objectivo. Os motivos disso são claros: "porque as
ilhas Terceiras impartãrao muito assy pelo que per sy valem
como por serem o valharouto e socorro muy principal das
naos da Índia e os Eranceses serem tão desamozoados que
justo vel injusta tom50 tudo que podemm.
Esra estrutura de apoio fazia falta aos tastelhanos nesta
área, considerada cruciai para a navegação atlântica, e par
isso por diversas vezes solicitaram o apoio das autoridades
aqorianas. Mas a inefic5ciã.ou a necessidade de uma guarda
e defesa mais a c h n t e obrigou-os a reorganizar a carreira,
criando o sistema de £rofa.s.Desde 1521 as frotas passaram
a usufruir de uma nova estrutura organizativa e defensiva.
No começo foi o sistema de frotas anuais artilhadas ou
escoltadas por uma armada. Depois a partir de 1555 o
estabelecimento de duas frotas para o tráfico americano:
N m w a n a a Tima F h .

8 Arquivo dos A- vol. V,364-367.


A r n R T O VTEIRA

O activo protagonismo do arquipélago açoriano e,


especial, da ilha Terceira é referenciado com certa
uência por roteiristas e 'marinheiros que nos deram
n t a das viagens o u os literatos açorianos q u e
wesenciaram a realidade. Todos falam da importância
porto de Angra que, no dizer de Gaspar Frutuoso, era
'a escala do mar poente". Entretanto Pompeo Arditi
havia já reafirmado em 156'1 a importância da terra
terceirense para a navegação parecendo-lhe "que Deus
põe milagrosamente a ilha n o m e i o d e tão grande
oceano para salvação dos miseros navegantes, que muitas
vezes lá chegam sem m a s t r o s n e m velas, o u sem
mantimentos e a i se fornecem de tudomg.O P.e Luis
Maldonado valoriza a importância desta função do porto
de Angra na vida da população terceirense: "Estava a
ilha Terceira the este tempo a terra mais prospera em
riquezas, e abundancias que encarecer se pode; porque
c o m o todos os annos fosse demandada de flotas das
Indias de Castella, e naos do Oriente, e outrosi de todos
os navios que vinhão das conquistas do Brazil, e Guine,
na qual se vinhão todos reforcejar, e nella achavão
abundancias d e que dentro em vinte, e coatro horas
tomavão t u d o o d e q u e necessitavão, nadava
verdadeiramente a ilha em rios de prata e ouro. Apenas
que chegava qualquer destas frotas, ou armadas quando
imidiatamente concorri50 i Ribeira do porto d'Angra as
gentes de toda a ilha, hums com as casas, outros com as
aves, outros com as frutas, outros com os gados, outros
com panos de linho ."I0

9 T~agem ...", in Bddim 11nstif~0HktÚnh da I h Terceirq VI, Angra do


Heroismo, 1968,179.
10 Fénix Angrenxe, vol. I, Angra, 1989,267.
Las iskas portugussas en e1 t i s m p o de Felipa I1 (1558-1593)

A participação do arquipélago rnadeirense nas grandes


rotas oceânicas foi esporádica, justificando-se a ausência
pelo seu posicionamento marginal em relação ao traçado
ideal. Mas a ilha não ficou alheia ao roteiro atlântico,
evidenciando-se e m alguns momentos como escala
importante das viagens portuguesas com destino ao Brasil,
Golfo da Guiné e Índia. Inúmeras vezes a escala rnadeirense
foi justificada mais pela necessidade d e abastecer as
embarcações de vinho para consumo a bordo do que pela
falta de água ou víveres frescos. Não se esqueça que o vinho
era um elemento fundamental da dieta de bordo, sendo
referenciado pelas suas qualidades na luta contra o
escorbuto. Acresce ainda que ele tinha a garantia de não se
deteriorar com o calor dos trópicos, antes pelo contrário
ganhava um envelhecimento prematuro. Era o chamado
vinho da roda, tão popular nos séculos seguintes. Motivo
idêntico conduziu a assídua presença dos ingleses, a partir
de finais do século dezasseis.
A proximidade da Madeira em relação aos portos do
litoral peninsular associada 5s condições dos ventos e
correntes marítimas foi o principal obstáculo P valorização
da ilha no contexto das navegações atlântica;. As Canãrias,
porque melhor posicionadas e distribuídas por sete ilhas em
latitudes diferentes, estavam em condições de oferecer o
adequado serviço de apoio. Todavia a situação conturbada
que ai se viveu, resultado da disputa pela sua posse pelas
duas coroas peninsulares e a demorada pacificação da
população indígena, fizeram com que a Madeira surgisse no
século XV como um dos principais eixos do dominio e
navegação portuguesa no Atlântico. Tal como nos refere
Zurara a ilha foi desde 1445 o principal porto de escala para
as navegações ao longo da costa africana. Mas o maior
conhecimento dos mares, os avanços tecnológicos e
ALBnRTO WHRA

os retiraram ao Funchal esta posição charneira nas


es atlânticas,sendq substituído pelos portos das
ou Cabo Verde. Assim, a partir de princípios do
o XVI, a Madeira surgir;i apenas como um ponto de
rência pcira a navegação atiântia, uma escala ocasional
para reparo e aprovisionamento de vinho. Apenas o surto
ccondmico da ilha conseguirá atrair as atenções das
armadas, navegantes e aventureiros. Deste modo poder-á
concluir que as ilhas são as portas de entra& e saida e por
isso mesma assumiram um papel importante nas rotas
atiântims. Mas para sulcar longas distância nuno ao B d ,à
costa &cana ou ao háico, era nece&a dispor de mais
portos de escala, pois a viagem era longa e dificir.
As áreas comerciais da costa da Guiné e, depois, com a
ultrapassagem do cabo da Boa Esperança, as indicas
1
tomaram indispensável a exisdncia de escalas inlemiédias.
Primeiro A r e m , que serviu de feitoria e escala para a zona
da Costa da Guiné, depois, com a revelação de a l m Verde,
foi a ilha de Santiago que se afirmou como a principal
escala da rota de ida para os portugueses e podia muito
bem substituir as Canárias ou a Madeira, o que realmente ]
aconteceu.
Outras mais ilhas foram miadas e tiveram uma lugar I
proeminente no traçado das rotas. É o caso de S. Tome para
a krea de navegação do golfo da Guiné e de Santa Helena
para as mravehs da rota do Cabo. Também a projecção dos
arquipélagos de S. Tomé e Cabo Verde sobre os espaços
vizinhas da costa africana levou a coroa a criar duas feitorias
(Santiago e S. Tome) coma objectivo de controlar, a partir
daí, todas as t r a n s a q k s comerciais da costa africana. Desta
forma no Atlântico sul as principais escalas das rotas do
indico assentavam nos portos das ilhas de Santiago, Santa
Helena e Ascensão. Aí as armadas reabasteciamse de água,

64
Las islas portuguesas en e1 t i e m p o da Felipe I1 ( 1 5 5 8 - 1 5 9 8 ) -

lenha, mantimentos ou procediam a ligeiras reparações. A


par disso releva-se, ainda, a de Santa Helena como escala de
reagrupamento das frotas vindas da Índia depois de
ultrapassado o cabo, isto é, missão idêntica à dos Açores no
final da travessia oceânica.
Para Santiago são referenciados alguns testemunhos
sobre a importância do porto da Ribeira Grande como
escala do oceano, sendo disso testemunho uma carta dos
oficiais da cámara em 1512": "E grande escaia para as naus
e navios de Sua Alteza e assi para os navios de São Tomé e
ilha de Príncipe e para os navios que vão do Brasil e da
Mina e todas partes de Guiné, que quando aqui chegam
perdidos e sem rnantimento e gente aqui são remediados de
todo o que lhe faz mester". Entretanto Gaçpar Frutuoso
havia referido isso, dizendo que por ai "vão as naus de
Espanha para as Indias de Castela e as de Portugal pera
Angola, pera Guiné e pera o Congo, c o m o também 5
tornada, vêm deferir à ilha Ter~eira"'~. Tenha-se em conta
que a rota das Indias de Castela havia sido traçada em 1498
por Cristóváo Colombo, que fez escala e m Santiago e
Boavista com a finalidade de tomar gado vacuum para a
colónia de Hispaniola. Esta fun~áoda ilha de Santiago com
escala do mar oceano foi eférnera. A partir da década de
trinta do sEculo XVI as escalas são menos assíduas. O mar
era já conhecido e as embarcações de maior calado
permitiam viagens mais prolongadas. Apenas os náufragos
dos temporais aí aparecem à procum de refugio.
O posicionamento das ilhas no traçado das rotas de
comércio e navegação atlântica fez c o m que as coroas

11 AMT, C@o C m W c o , I/ 12/23,25 de Outubro, in Hkt& W & Cubo


V& Cmpo Documial, I, Lisboa, 1988, n?71,2 15214.
12 M cit., livro primeiro, 185.

65
v

ALBER TO VIEIRA

~ninsularesdirigissem para ai todo o empenho nas


...,ciativas de apoio, defesa e controlo do trato comercial. As
ilhas foram assim os bastiões avançados, suportes e símbolos
da hegtmonia peninsular no Atlântico. A disputa pelas
riquezas em circulação tinha lugar em terra ou no mar .
circunvizinho, pois para ai incidiam os piratas e corsários,
ávidos de conseguir ainda que uma magra fatia do tesouro.
Deste modo uma das maiores preocupações das autoridades .
terá sido a defesa dos navios. Mas no caso das ilhas da Guiné -

isso nunca foi conseguido, tardando, ao contrário do que


h
sucedeu na Madeira, Açores e Canárias, o delineamento de
um sistema defensivo em terra e no mar.

AS ILHAS E FILIPE 11: A ECONOMIA ATLÂNTICA

Tal como tivemos oportunidade de afirmar, a definição


dos espaços políticos fez-se,primeiro de acordo com os
paralelos e, depois, com o avanço dos descobrimentos para
Ocidente, no sentido dos meridianos. A expressão real
resultava apenas da conjuntura favorável e do acatamento
pelos demais estados europeus. Mas o oceano e terras
circundantes podiam ainda ser subdivididos e m novos
espaços de acordo com o seu protagonismo económico.
Dum lado as ilhas orientais e ocidentais, do outro o litoral
dos continentes americano e africano.
A partilha náo resultou dum pacto negociaI, mas sim da
confluência das reais potenciaiidades económicas de cada
uma das áreas e m causa. Neste contexto assumiram
particular importância as condições internas e externas de
cada área. As primeiras foram resultado dos aspectos ge*
climáticos, enquanto as iiltimas derivam dos vectores
definidos pela economia europeia. A partir da maior ou
menor intervenção de ambas as situações estaremos perante
Las islns pnrfugussas e n e1 6iempo d e Felips 11 (1558-1598)

espaços agrícolas, vocacionados para a produção de


excedentes capazes de assegurar a subsistência dos que
haviam saído e dos que ficaram na Europa, de produtos
adequados a um activo sistema de trocas inter-continentais,
que mantinha u m a forte vinculação do velho ao novo
mundo. O aqúcar e o pastel foram os principais produtos
definidores da última conjuntura.
D e acordo com isso podemos definir múltiplos e
variados espaços agro-mercantis: áreas agrícolas orientadas
para as trocas com o exterior e assegurar a subsistência dos
residentes; áreas de intensa actividade comercial,
vocacionadas para a prestação de serviços de apoio, como
escalas ou mercados de troca. No primeiro caso incluemse
as ilhas orientais e ocidentais e a franja costeira da América
do sul, conhecida como Brasil. N o segundo merecem
referência as ilhas que, mercê da posição ribeirinha da costa
(Santiago e S.Tomé), ou do posicionamento estratégico no
traçado das rotas oceânicas (como sucede com as Canárias,
Santa Helena e Açores), fizeram depender o processo
económico disso.
A estratégia de domínio e valorização económica do
Atlântico passava necessariamente pelos pequenos espaços
que polvilham o oceano. Foi nos arquipélagos (Canárias e
Madeira) que se iniciou a expansáo atlintica e foi neles que
a Europa assentou toda a estratégia de desenvolvimento
económico em curso nos séculos XV e XW. Ninguém
melhor que os portugueses entendeu esta realidade que,
por isso mesmo, definiram para o empório lusíada um
carácter anfíbio. Ilhas desertas ou ocupadas, bem ou mal
posicionadas para a navegação, forani os verdadeiros pilares
do empório português no Atlântico.
A definição dos espaços econórnicos não resultou
apenas dos interesses políticos e econórnicos derivados da
ALllERTO W R A

untura expansionista europeia mas também das


dições internas, oferecidas pelo meio. Elas tornam-se
demais evidentes quando atam- perante um conjunto
de ilhas dispersas no oceano. N o conjunto estávamos
perante ilhas com a mesma origem geológica, sem
quaisquer vestigios de ocupação humana, mas com diferem
;as m m t e s ao nível climático. 0 s &ores apresentam*
ramo uma zona temperada, a W e i r a coma uma réplica
meditedica, enquauta nos dois aquipélagos meridionais
eram manifestas as influgncias da posiçao geo@ca, que
estabelecia u m clima tropical seco ou equatorial. Daqui
resultou a diversidade de formas de dorhação econbmica

Para os primeiros europeus que aí se fixaram a


Madeira e os Açores ofereciam melhores requisitos, pela
semelhanças do clima com o de Portugal, do que Cabo
Verde ou S. Tom&.Nestes dois 3tirnas arquip6fagos foram
inúmeras as dificuldades de adaptação do homem e das
culturas eurapeio-mediterrãnicas. Ai o europeu cedeu
lugar aa africano e as culturas rnediterrsnicas de
subsistencia foram substituídas pelas trocas na vizinha
costa africana. A preocupação pelo aproveitamenta dos
recursos locais surge num segundo momento.
Por fim é necessgrio ter e m conta as condições
nnorfológicas, que estabelecem as e~pec~tidades de cada
ilha e tornam possivef a delimitação do espaço e a sua
forma de aproveitamento econ6mico. Aqui Q recorte e
relevo costeiro foram importantes. A possibilidade de
acesso ao exterior através de bons ancorãduurus era u m
factor importante. É a partir daqui que se torna
compreensível a situação da Madeira definida pela
excessiva importância da vertente sul em detrimento da
norte. E nas ilhas do Golfo da Guiné o facta de Fernnndo
I Las islars portuguesas an e1 iiempo d e Felipa 11 (1558-1598)

Pó ser preterida em favor de S. Tomé. De um modo geral


estávamos perante a plena dominância do litoral como
área privilegiada de fixação ainda que, por vezes, o não
fosse e m termos econõmicos. Nas ilhas e m que as
condições o r o g r ~ ç a spropiciavam uma fácil penetrar no
interior, como sucedeu em S. Miguel, Terceira, Graciosa,
Porto Santo, Santiago e S. Tomé, a presença humana
alastrou até ai e gerou os espaços arroteados. Para as
demais a omnipresença do litoral é evidente e domina
toda a vida dos insulares, sendo ai o mar a via
p r i v i l e g i a d a . 0 ~exemplos da Madeira e S. Jorge são
paradigmáticos.
De acordo com as condições geo-climáticas é possível
definir a mancha d e ocupação humana e agricola das
ilhas. Isto conduziu a uma variedade de funções
económicas, por vezes complementares. Deste modo nos
arquipélagos constituídos por maior número d e ilhas a
articulação dos vectores da subsistência com os da
economia de mercado foi mais harmoniosa e não causou
grandes dificuldades. Os Açores apresentam-se como a
expressáo mais perfeita da realidade, enquanto a Madeira
é o reverso da medalha.
A mudança de centros de influência foi responsável
porque os arquipélagos atlânticos assumissem u m a função
importante. A tudo isso poderá juntar-se a constante
presença de gentes ribeirinhas d o Mediterráneo,
interessadas e m estabelecer os produtos e o necessário
suporte financeiro. A constante premência d o
Mediterrâneo nos primórdios da expansão atlântica
poderá ser responsabilizada pela dominante mercantil das
novas experiências de arroteamento aqui lançadas.
Certamente q u e os povos peninsulares e
mediterrânicos, ao comprometerem-se com o processo
*tita, não puseram de parte a tradição agrícola e os
incentivos comerciais dos arcados de origem. Por isso na
bagagem dos primeiros cabouqueiros insulares foram
hprescindíveis as cepas, as socas de cana, alguns grãos do
precioso cereal, de mistura com artefactos e ferramentas. A
afirmação das áreas adânticas resultou deste transplante
material e humana de que os peninsulares foram os
principais obreiros. Este processo foi a primeira
experiência de ajustamento das arroteias 5s directrizes da
nova economia de rnercado.
A aposta preferena foi para u m ag'icultura capaz de
suprir as faltas do velho continente, quer o9 cereais, quer o
pastel e açucar, do que o usufruto das novidades
propiciadas pelo meio. Aqui estarnos a lembrarnos de Cabo
Verde e São Tomé onde a frustração de u m a cultura
subsistência europeia não foi facilmente compensada com
a oferta dos produtos africanos como o milha =burro e
inharnes. Em Cabo Verde, cedo se reconheceu a
impossibilidade da rendosa cultura dos canaviais. Mas
tardou em valorizar-se o algodão como produto
substitutivo, tai era a o k s s ã o pelo açúcar e pelas trocas da
costa da Guiné.
A sociedade e economia insulares surgem na
confluência dos vectores externos com as condições
internas dos muItifacetado mundo insular. A sua
conrire tização não foi simultânea nem obedeceu aos
mesmos princípios organizativos gelo facto de a mesma
resultar da partilha pelas coroas peninsulareg e senhorios
ilhéus. Por outro lado a economia insular é resul.tado da
presença de vários factores que intervêm directamente na
produçáo e comércio.
Não basta dispõr de um solo fértil ou de um produto de
permanente procura, pois a isso deverá tamhérn agwciar+e
Las islas portuguesas sn el tiampo d e Felipe 11 (1558-1598)

os meios propiciadores do escoamento e a existência de


técnicas e meios de troca adequados ao nível mercantil
atingido pelos circuitos comerciais. Deste modo, para
conhecermos os aspectos produtivos e d e troca das
economias insulares torna-se necessária u m a breve
referência aos factores que estão na sua origem. Ao nível do
sector produtivo deverá ter-se em conta a importância
assumida, por um lado, pelas condições geofisicas e, por
outro, pela política distributiva das culturas. E da
conjugação de ambas q u e se estabelece a necessária
hierarquia. Os solos mais ricos eram reservados para a
cultura de maior rentabilidade económica ( o trigo, a cana
de açúcar, o pastel), enquanto os medianos ficavam para os
produtos horticolas e fruticolas, ficando os mais pobres
como pasto e área de apoio aos dois primeiros. A esta
hierarquia definida pelas condições do solo e persistência
do mercado podemos adicionar para a Madeira outra de
acordo com a geografia da ilha e os microclimas que a
mesma gera.
O arquipélago açoriano e as demais ilhas na área da
Guiné surgem numa época tardia, sendo o processo d e
valorização económica atrasado mercê de vários factores de
ordem interna a que não são alheias as condições
mesológicas. O clima e solo áridos, num lado, sismos e
vulcões, no outro, eram um cartaz pouco aliciante para os
primeiros povoadores. Em ambos os casos o lançamento da
cultura da cana sacarina esteve ligado aos madeirenses. Eles
haviam recebido as técnicas dos italianos mas cedo se
prontificaram a difundilas em todo a espaço at1ântico.A
Madeira, que se encontrava a pouco mais de meio século de
existência como sociedade insular, estava em condições de
oferecer os contingentes de colonos habilitados para a
abertura de novas arroteias e ao lançamento de novas
rr $dtum nas ilhas e terras vizinhas. Assim terá sucedido com
.rr transplante da cana de açúcar para Santa Maria, S.Migue1,
rerceira, Gran Canária, Tenenfe, Santiago,S. Tomé e Brasil,
A tendência uniformizadom da economia agrícola do
espaço insular esbarrou com vários obstáculos que, depois,
conduziram a um reajustamento da politica económica e ã
definição da complementaridade entre os mesmos
arquipélagos ou ilhas. Nestas circunstâncias as ilhas
conseguiram criar no seu seio os meios necessários para
solucionar os problemas quotidianos - assentes quase
sempre no assegurar os componentes da dieta alimentar -,ã
afirmaqiio nos mercados europeu e atlântico.Assim sucedeu
com os.cereais que, produzidos apenas nalgumas ilhas,
foram suticientes, em condições normais, para satisfazer as
necessidades da dieta insular, sobrando um grande
excedente para suprir as carências do reino,
Um dos iniciais objectivos que norteou o povoamento
da Madeira foi a possibilidade de acesso a uma nova área
produtora de cereais, capaz de suprir as carências do reino
e depois as praças africanas e feitorias da c a t a da Guiné. A
última situação era definida por aquilo a que ficou
conhecida como o "saco de Guiné". Entretanto os interesses
em torno da cultura açucareira recrudesceram e a aposta na
cultura era 6bvia. Esta mudança só se tornou possível
quando se encontrou um mercado substitutivo. Assim
sucedeu com os Açores que a partir da segunda metade do
século dezasseis passaram a assumir o lugar da Madeira O .
cereal foi o produto que conduziu a uma ligaçáo
harmoniosa dos espaqos insuiares, o mesmo não sucedendo
com o açúcar, o pastel e o vinho, que foram responsáveis
pelo afrontamento e uma crítica desarciculaçáo dos
mecanismos económicos. A par disso todos os produtos
foram o suporte, mais que evidente, do poderoso domínio
Las islas portuguesas ea e2 tisni$o de Felipe I1 (1558-1598)

europeu na economia insular. Primeiro o açúcar, depois o


pastel e o vinho exerceram u m a acção devastadora n o
equilíbrio latente na economia das ilhas.
A presença nas ilhas de um grupo de colonos, oriundos
d e uma área em que as componentes fundamentais da
alimentação se baseavam nos cereais, definiu para eles uma
função primordial na abertura das frentes de arroteamento.
No começo tudo foi moldado 5 imagem e semelhança do
rincão de origem e, onde isso se tornava dificil, era quase
impossível recrutar e fixar gentes. Assim surgiram as searas,
os vinhedos, as hortas e as fruteiras dominadas pela casa de
palha e ,mais tarde, pelas luxuosas vivendas senhoriais.
Na Madeira, até i década de setenta do século quinze, a
paisagem ap'cola foi dominada pelas searas, decoradas de
parreiras e canaviais. A cultura cerealifera dominava a
economia rnadeirense, gerando grandes excedentes com
que se abasteciam os portos do reino, as praças africanas e a
costa da Guiné. Tudo isso foi resultado d a elevada
fertilidade do solo provocada pelas queimadas para abrir
caminho primeiras arroteias. Tudo isso foi resultado da
elevada fertilidade do solo provocada Mas a partir da
década de sessenta a dominhcia da cultura dos canaviais
conduziu a uma paulatina quebra das searas, de modo que a
partir de 1466 a produção cerealífera passou a ser
deficitária, não podendo assim assegurar os compromissos
de abastecimento das praças e feitorias africanas. Desde
então a ilha necessitava de importar parte significativa do
cereal que consumia. Em 1479 a colheita dava apenas para
quatro meses, dependendo o abastecimento do restante
cereal importado dos Açores e das Canárias. A cultura tinha
lugar nos municípios da Calheta e Ponta de Sol e na ilha do
Porto Santo. A coroa havia estabelecido em 1508 que os
Açores eram o celeiro do mundo atlântico, suprindo as
ALBER TO WEIRA

carhcias da Madeira e substituind-a no fornecimento


praças africanas e cidade de Lisboa. Na verdade a crise
cerealifera madeirense coincidiu com o incremento da
mesma cultura em solo açoriano, tendo-se determinado,
nomeadamente em S. Miguel, um travão ao avanço da
cultura do pastel.
Nos Açores, Santa Maria foi a primeira ilha a ser
,i
lavrada, mas o espaço de cultura reduzido conduziu-a
para uma posição secundária, dando lugar à de S.
Miguel, com uma área plana apropriada para o incentivo
das arroteias, nia obtante as dificuldades derivadas das
erupções vulcânicw e da sismicidade. Deste modo a ilha
verde afirmou-se, ao longo do século XVI como a
principal área produtora de trigo do arquipélago. A
partir do século XVI foi evidente a afirmação do
arquipélago açoriano como principal produtor de trigo
no Atlântico. A economia cerealifera açoriana estava
organizada em torno de dois portos importantes (Angra
e Ponta Delgada) que tinham à sua volta um vasto
hinterland, abrangendo as áreas agrícolas da ilha e das
vizinhas. Assim a ilha de Santa Maria estava colocada sob
a alçada de S. Miguel e as restantes adjacentes ou
dominadas pelo porto de Angra.
A ilha de S. Miguel, sendo a de maior extensão do
arquipélago e a que oferecia melhores condições i s
arroteias, afirma-se, desde o inicio, como a principal
produtora de cereal. Ele crescia, lado a lado, c o m o
pastel. Todo o espaço em torno da cidade, a área
agrÍcola mais importante da ilha, estava ocupado com as
duas culturas. Frutuoso, e m finais do século XVL,
confirma isso. A partir de meados do século XVI a
cultura cerealífera 'sofreu uma forte quebra, motivada
pelo esgotamento do solo a que se associou depois a
LQS islas porbugaesas en e1 b#mpo de Felips II ((1558-1598)

alforra. Esta conjuntura conduziu a profundas rnudanqas


na economia agrária açoriana de q u e se realça o
alargamento da área arroteada e as mudanças na
estrutura agrícola. Assim tivemos o recurso ao sistema de
afolhamento bienal, o uso de fertilizantes do solo com o
tremoço e fava e , ainda, o sistema de rotação de culturas.
Em meados do século XVI o aparecimento da alforra
veio agravar a situação. Assim no inverno de 1552 todo o
arquipélago padeceu de fome. As populações de S.
Miguel, Faial, S. Jorge amotinou-se, manifestando-se
contra a saida ilimitada de cereal do comércio e das
rendas régias e particulares para o reino.
Note-se que a Terceira passou, a partir da primeira
metade do século XVI, a apresentar-se como a principal
entreposto do Atlântico. A cidade e porto de Angra atraíram
todo o esforço terceirense. A pop*ão abandonou a dura
labuta da terra para se dedicar ao comércio retalhista. Aliás
poucas soluções se deparavam a uma ilha como a Terceira,
onde as arroteias não eram abundantes (Angra,S. Sebastião,
Praia). São Miguel, ao contrário, oferecia uma vasta área de
terreno fértil e por desbravar. E comum definir-se esta
viragem na cultura cerealifera açoriana como resultado de
uma actuação do movimento demográfico insular. No
entanto, se tivermos em conta os dados demográficos para os
anos de 1567 e 1578, podemos concluir que não houve
mudança significativa no natural movimento ascendente.
Apenas há a salientar um reajustamento da geografia
populacional quinhentista, com a dominhcia das áreas em
franco desenvolvimento. Assim sucedeu em S. Miguel com o
espaço agrícola em torno do eixo de Ponra Delgada/Ribeira
Grande e na Terceira com a cidade de Angra. Desde então a
Terceira manter-se-á como uma ilha carente, que busca o
provimento na Graciosa, em S. Jorge e, mesmo, em S.
A-TO WHRA

, enquanto o solo micaelense se afhnmá como áxea


xcelência, onde se cultivava o pastel e o cered.
A tiltima estava preparada para ser o potencial celeiro do
Atlântico europeu, tendo apenas a impedi10 a cultura
rendosa do pastel. Deste modo a conjuntura cerealífera
definida por Frédéric fim desde1570 não póe em causa a
teoria divulgada, de que os Açores foram o celeiro de
Portugai e das pmqu de África, antes confirma e reforça a
ideia de que ele se situava e m S. Miguel. Esta ilha era a
principai prdumra de cereal do arquipélago e, igualmente,
a que oferecia melhores condições em termos de e x p s ã o e
solo. A analise da conjuntura cerealífera, pelo menos, o
especifica. Na verdade, em S.Miguel as crises cereaiíferas são
mas e espapdas, sendo na maioria curtas e d t a n t e s de
factores ocasionais, como as tempestades. Assim sucedeu em
1573, em que um forte temporal destruiu todas as
sementeiras.Ainda no século XVI tivemos outra conjuntura
de crise em 1591-1592 que obrigou 5 importação de cereais.
Ela foi descrita corno resultado da concorrência do pastel,
que tendia a substituir o trigo. O que foi resoIvido em favor
do cereal uma vez que ele, embora considerado uma d a i r a
de inferior rentabilidade, era necessário, sendo um dos
imperativos da coroa a sua persisdncia. Em 1590 os pobres
de S. MigueI, oriundos das áreas mmh revoltam* contra a
aristocracia e burguesia de Ponta Delgada, Ribeira Grande,
Vila Franca do Campo, forçandeas a p6r cobro ao comércio
e preço especuiatiw do pão.
Diferente foi o que sucedeu aos colonos portugueses
quando chegaram a Santiago e S. Tomé. Deste modo houve
necessidade de estniturar de forma diversa o povoamento
das ilhas e as culturas a implantar. O recurso aos africanos,
corno escravos ou não, foi a solução mais acertada para
transpor o primeiro obstáculo. Eles tinham u m a
Las i d a s portuguesas aia e1 biempo de Felipe I1 (1558-1598)

I
alimentação diferente dos europeus, baseada no milho
zaburro, no arroz e inhame, culturas que aí, nas ilhas ou
vizinha costa africana, medravam com facilidade. Perante
isto os poucos europeus que aí se fixaram estiveram sempre
dependentes do trigo, biscoito ou farinha, enviados das
ilhas ou do reino, o u tiveram que se adaptar à dieta
africana.
Junto ao cereal plantou-se também os bacelos donde se
extraia o saboroso vinho de consumo corrente ou usado nos
actos litúrgicos. O ritual cristão fez valorizar ambos os
produtos que, por isso mesmo, acompanharam o avanço da
Cristandade. Em ambos os casos foi %i1 a adaptação is ilhas
aquém do Bojador o mesmo não sucedendo com as da
Guine. Todavia a videira conseguiu ainda penetrar neste
Último espaço, se bem que tenha adquirido uma
importância diminuta. Martin Behaim refere em finais do
século quinze o plantio de videiras em S. Torne, enquanto
um piloto anónimo testemunha em 1607 a existência de
vinhas na ilha do Fogo. E noutros documentos encontramos
a referência ao seu cultivo também em S. Nicolau e Maio. O
vinho produzido na ilha do Fogo era considerado por alguns
viajantes, que por aí passaram e tiveram oportunidade de o
provar, semelhante ao da Madeira. Deste modo a viticultura
ficou reservada às ilhas do Meditrãneo Atlântico, onde o
vinho adquiriu um lugar importante nas exportações.
Na Madeira a cultura da vinha surge já com grande
evidência no começo do povoamento, s e n d o uma
importante moeda de troca com o exterior. Cadamosto em
meados do skculo XV fica admirado com a qualidade e
valores de produção das cepas rnadeirenses. Na verdade a
cultura da vinha havia imediatamente adquirido uma
extensa parcela do terreno arroteado na frente sul,
alastrando depois a toda a área ap'cola da ilha, a partir de
ALBERTO VIEIRA

finais do século XV. Mas o seu desenvolvimento foi


entravado pela dominância dos canaviais e por isso mesmo a
afirmação plena só terá lugar a partir do momento em que
surgiram as primeiras dificuldades no comércio do açúcar.
A evolução da safra vitiuinícola madeirense dos séculos
quinze e dezasseis só pode ser conhecida através do
testemunho de visitantes eshangeiros, uma vez que é escassa
a informação nas fontes diplomáticas. Hans Standen definia
em 154'1 a economia madeirense pelo binomio
vinho/açúcar, passados vinte e três anos só se falará do
vinho como principal factor do sistema de trocas com o
exterior. Os trigais e canaviais deram lugar 5s latadas e
balseiras. A vinha tornou-sea cultura quase que exclusiva do
colono madeirense. Deste modo vinho adquiriu o primeiro
lugar na economia madeirense, mantendo-se assim por
cerca de três séculos. A rápida e plena afirmação do vinho
da Madeira no mercado atlântico derivou do elevado teor
alcoólico que lhe favoreceu a expansão em todo o mundo.
Ele conseguia chegar em condições desejáveis aos destinos
mais inóspitos e impróprios para a sua conser-vação. Em
Cabo Verde, S. Tomé ou Brasil o vinho madeirense era
preferido aos demais por ser o único que resistia ao calor
tórrido a que estava sujeito.
A alimentação dos insulares não se resumia apenas a
estes dois produtos bailares da economia, pois que a eles se
poderiam j u n t a r as leguminosas e as frutas, q u e
participaram na luta a favor da subsistência. A fruticultura e
horticultura definem-se como componentes importantes na
economia de subsistência, sendo referenciadas com grande
insistência por Gaspar Frutuoso em finais do século XM. As
leguminosas e frutas, para além do uso no consumo diário,
eram também valorizados pelo provimento das naus que
apartavam com assiduidade aos portos insulares. Esta última
Las islas portuguesas e n a2 táempo de Felips I 1 (1558-1598)

situação surge na Madeira e Açores mas também em Cabo


Verde (Santo Antão e Santiago) e S. Tomé. A l p n s viajantes
testemunham-no, podendo-se citar para Santiago o caso de
André Álvares de Ornelas que em 1583 ficou admirado com
a presença de fruteiras e de a terra ser abastadalS.A mesma
ideia é expressa pelo piloto anónimo (1607) para S. Tomé,
que refere a existência de "muitas quintas e jardins com
diversidade de fmctas"14.
A alimentação dos insulares completava-se com o
aproveitamento dos recursos disponiveis n o meio e que
adquiriam valor alimentar, isto é a caça e pesca e os
derivados da actividade pecuária, como a carne, o queijo e o
leite. A pesca terá sido uma importante actividade das
populações ribeirinhas, que usufruiam de uma grande
variedade de mariscos e peixe. Em Cabo Verde relça-se
ainda a exploração de sal e do âmbar: o primeiro recolhe-se
na ilha com o mesmo nome, Maio e Boavista, sendo usado
para a importante industria de salga do arquipélago e
exportação ã costa africana, enquanto o segundo surge nas
ilhas S. Nicolau, Brava e Sal. O sal, tal como o anotam os
cronistas, é espontâneo, sendo famosa a grande salina
marinha da ilha do Sal, que lhe deu o nome. Mas foi a ,de
Maio que se afirmou como o principal centro de apanha e
comércio do sal.
O gado adquiriu nas ilhas, principalmente nos
Açores e e m Cabo Verde, uma importância fundamental
na economia. Isto resultou da dupla função. Ele para
além do uso como força de tracção nos transportes e na
lavoura foi valorizado pela disponibilidade de derivados

13 MOTA, A.T., Doh Escnbm QukhERtisk aè Cabo I/& Lisboa, 1971,2?'.


14 Estabakcimmtos e h g a b e s Portugumes (...I, Lisboa, 1881,16.
ALBERTO VIEIRA
C

para a alimentação (carne e queijo) e nas industrias


artesanais (peles e sebo). Tendo e m conta esta múltipla
utilidade os municípios intervieram no sentido d e
valorizar a componente pecuária na economia local. Em
Vila Franca do Campo, Angra, Ponta Delgada e Funchal,
as posturas surgem com alguma assiduidade a atestar a
importância do sector na vida locaI.
Em Cabo Verde, excepto nas ilhas de Santiago e Fogo,
ao contrário do que sucedia na Madeira e Açores, não
existiu qualquer liga& entre a pecuiria e a agricultura,
sendo diferente a forrna de aproveitamento. ~ & h5 i uma
evidente especialização das demais ilhas numa pecuária
extensiva, assente em gado bovino e caprino. As ilhas
eram arrendadas a particulares, que por sua inciativa se
encarregava de explorar estes proventos. No fundamental
pretendia-se apenas explorar aquilo que dava maior
rentabilidade, isto é os couros e sebo. Por isso nas
doações aludia-se quase sempre i tributação destes e
muito raramente da carne. Todavia dela se servia, sob a
forma de chacina para fornecer as armadas e conduzir ao
reino e ã ilha da Madeira. Este foi um produto mais a
activar as trocas externas da ilha, a partir de meados do
século XVI.
A carne salgada,sob a forma de chacina, foi por muito
tempo uma importante fonte de riqueza destas ilhas,
servindo para abastecer as naus e a saída com destino ao
Brasil, a Madeira e reino. Mais importante do que isso
eram as peles e o sebo foram também uma importante
fonte d e rendimento, activadoras das trocas com os
portos europeus, a partir de Santiago. Numa relação dos
jesuítas (1603-1604) é testemunhada a riqueza do
arquipélago caboverdeano, dizendo-se que "há grande
cópia de criação de gado" e que as ilhas estavam "todas
Las islas portfsguesas s n c l tirmpo de Fcli#e TI (1558-1598)

habitadas de caçadores que daqui com muita courama se


levam para diversas partes"15.
Um facto de particular significado foi a criação,
nomeadamente na ilha de Santiago, de gado equideo
para exportação 5 costa africana. Cadamosto, Valentim
Fernandes e Duarte Pacheco P e r e i r a atestam a
importância do cavalo no quotidiano das populaqões
africanas, por questão de honra e ostentação, o que foi
motivo para os caboverdeanos conseguirem uma nova
contrapartida para as suas relações comerciais com esta
região. Com um cavalo podia-se adquirir em troca até 14
escravos. Todavia nos princípios do século dezasseis a
paulatina desvalorização d o escravo nesta troca por
escravos levou à diminuição da sua importância na
economia caboverdeana.
Os produtos anteriormente citados surgem como
uma necessidade emergente da dieta alimentar dos
colonos europeus ou das disponibilidades das áreas de
fixação. Outros há que aparecem por motivos diferente
e que acabam por adquirir uma importância desusada
n a e c o n o m i a insular. Estes são o s p r o d u t o s que
designamos de coloniais, porque impostos pela Europa
com a finalidade de suprir as carências do mercado
europeu. Foi a Europa que os valorizou e moldou de
acordo com as necessidades comerciais, distribuindo-os
pelas áreas a d e q u a d a s e a s s e g u r a n d o os meios
necessários ao seu cultivo, escoamento e comércio.
Nestas circunstâncias surgem a cana d e açúcar e o
pastel.

15 Pe. GUERREIRO, E, -o anual das puefkmrn as padres da unw-


panhia Jm ..., T.I., Iivro N,Coirnbra, 1930,401.
ALBERTO VIEIRA

A cana-de-açúcar, pelo alto valor económico no


mercado europeu-mediterrânico, foi um dos primeiros e
principais produtos que a Europa legou e definiu para
as novas áreas de ocupação no Atlântico. O percurso
iniciou-se na Madeira, alargando-se depois ãs restantes
ilhas e c o n t i n e n t e americano. Nesta p r i m e i r a
experiência além-Europa a cana sacarina evidenciou as
possibilidades de desenvolvimento fora do habitat
mediterrânico. Tal evidência catalisou os interesses do
capital nacional e e s t r a n g e i r o , que a p o s t o u no
crescimento da cultura e comércio. Se nos primeiros
anos d e vida n o solo i n s u l a r a cana sacarina se
apresentava como subsidiária. a partir de meados d o
skculo XV já aparecia c o m o o p r o d u t o dominante,
situação que perdurou na primeira metade do século
seguinte.
O período de plena afirmação desta cultura situa-se
entre 1450 e 1521. Durante esses anos os canaviais
dominaram o panorama agrícola madeirense e o açúcar
foi o principal p r o d u t o de troca com o mercado
e x t e r n o . 0 r i t m o de crescimento desta c u l t u r a é
quebrado apenas nos anos de 1497-1499, com uma crise
momentânea na comercializaçáo. A partir de 1516 os
efeitos da concorrência fizeram-se sentir n a i l h a e
conduziram a um paulatino abandono dos canaviais. A
primeira metade do século dezasseis é definida como o
momento de apogeu da cultura açucareira insular e pelo

I
avolumar das dificuldades que entravaram a promoção
em algumas áreas como a Madeira onde o cultivo era
oneroso e os níveis de produtividade desciam em f l ~ c h a .
Nesta época as ilhas de Gran Canária, La Palma, Tenerife
e S. Tom6 estavam melhor posicionadas para produzir
açúcar a preços mais competitivos. Isto sucedeu na
década de vinte do século dezasseis e avançou 5 medida
que os novos mercados produtores de açúcar atingiam o
máximo de produção.
As socas d e cana madeirense foram levadas para os
Açores pelos primitivos cabouqueiros, promovendo-se o
cultivo em Santa Maria, S. Miguel, Terceira e Faial. Aqui
a cultura foi tentada várias vezes, mas sem surtir os
efeitos desejados. As condições geofísicas aliadas à
inexistência o u reduzida d i m e n s ã o dos capitais
estrangeiros travaram o seu desenvolvimento.
Foram inúmeras as regalias e privilégios para a o seu
lançamento nas ilhas açorianas, que mesmo assim não
conseguiram suplantar as dificuldades do meio. N o
primeiro quartel do século dezasseis a cultura adquiriu
alguma importância em S. Miguel, Santa Maria e Faial.
Neste momento a produção representava um terço da
que se colhia nos canaviais madeirenses. Fala-se, mais
tarde, de uma nova fase de retorno da cultura a partir da
década de quarenta, mas faltam-nos dados seguros para
avaliar a dimensão que terá assumido. Certamente a
tendência foi, mais uma v e z , coarctada pela aposta
definitiva na cultura do pastel e de cereais, pois o açúcar
começava a surgir de forma mais vantajosa no Brasil .
Aos arquipélagos de Cabo V e r d e e S. Tomé os
canaviais chegaram muito mais tarde e como noutras
áreas a experiência madeirense foi importante. N o
primeiro só nas ilhas de Santiago e S. Nicolau, mas sem
nunca ter sido uma cultura rentável e concorrencial do
a ç ú c a r madeirense. As condições rnorfológicas e
orográficas forani-lhe adversas. A introdução deverá ter
sido feita, n o inicio d o povoamento n a década d e
sessenta, não obstante a primeira referência datar d e
1 4 9 0 . Por o u t r o l a d o o açúcar produzido n o
ALBERTO VIEIRA

a exemplo do que sucederá em S. Tomé, náo apresentava


a qualidade do madeirense, pois como nos refere Gaspar
Frutuoso "nada deste chega ao da ilha da Madeira"16.
Apenas é conhecido o engenho do morgadio de Fernão
Fiel de Lugo, o qual nas suas fazendas de Trindade e
Santa Cruz cultivava canaviais, tendo ao seu serviço um
escravo Sebastião, como mestre de engenho. Também o
morgadio, fundado em 1531 por André Rodrigues, com o
nome de "o engenho", deverá ser indicativo da presença
doutro engenho de açúcar.
Em S. Tomé os canaviais estendiam-se pelo norte e
nordeste da ilha, fazendo lembrar, segundo um
testemunho de 1580. os campos alentejanosl' . Um dos
factos que contribuiu para que ele se tornasse
concorrencial do madeirense foi a elevada
produtividade. Segundo Jerónimo M u n ~ e r ' ela~ seria
três vezes superior i madeirense. M o começo só se
produzia melaço, que depois era levado a Lisboa para
ser refinado, mas a partir de 1506 a ilha passou também
a fazer açúcar branco, tendo-se para o efeito construido
o primeiro engenho1*.O Piloto Anónimo dá-nos conta
também do modo como se processava a cultura na ilha
de S. Tomé. Aqui as canas Ievavam apenas cinco meses
para amadurecerem, pelo que, sendo "plantadas n o mês
de Janeiro, cortam-nas em princípios de J u n h ~ " ~ .

16 OQ. c&, livro primeiro, 180.


17 CASTRO HENRiQUES, I., "O Ciclo do kúcar em S. Tomt nos Séculos
XV e XVL", in P&& rn Munab, I, Lisboa, 1989,971.
18 Mmu- -4h A&unu, W, 1954, no6,1620.
19 O Manwrifo ak M # i mF m n d c s , Lisboa, 1940,128.
20 N m i e g a F n o & L ~ b m i B d c ~ T ~ ' ~ ~ u m P i L o l o A R ó A ~ L i s b o g ,
1989.2529.
Las islas poriargucsas em el tiempo de Felipe ZI (1558-1598)

Na década de sessenta começaram a surgir as primeiras


dificuldades na safra açucareira de S. Tomé.Primeiro o
assalto dos corsários franceses em 1567 e depois a revolta
dos angolares em 15'74 atingiram particularmente o s
engenhos. Passados alguns anos redobraram as dificuldades
com os assaltos dos holandeses (1595-1596 e 1641) e a
revolta dos Mocambos (15951596). A partir do iiltimo
quartel do século dezasseis foi a concorrência desenfreada
do açúcar brasileiro que definiu uma acentuada quebra no
período de 1595 a 1600. A esta conjuntura deverá juntar-se
a revolta dos escravo5 (15951, agravada pela destruição dos
engenhos provocada pelo saque holandês. Na verdade este
momento coincide com a plena afirmação d o açúcar
brasileiro, cuja colheita continuava a subir em flecha, nas
décadas posteriores. A partir dai o arquipélago de São Torné
ficou a depender apenas do comércio de escravos e da
pouca colheita de mandioca e milho. Mas a crise do
comércio de escravos a partir de princípios do século
dezanove fez com que se operasse uma mudança radical na
economia. Surgiram, então, novas culturas (cacau, café,
gengibre e azeite de palma) que proporcionaram uma nova
aposta agrícola.
Até ao século XVii com a introdução do anil na Europa
ele foi a principal planta da tinturaria europeia, donde se
extraia as cores preta e anil. A par disso a disponibilidade
de outras plantas tintureiras, como a unela (donde se tirava
um tom castanho-averrnelhado) e o sangue de drago,
levaram ao aparecimento de italianos e flarnengos,
interessados no comércio, que por sua vez nos legaram a
nova planta tintureira: o pastel. A exemplo do sucedido
com o açúcar na Madeira, a coroa concedeu vários
incentivos para a promoção da cultura, que com a
incessante procura por parte dos mercados nórdicos,
AZ86RTO WHRA

Bzeram avançar rapidamente o seu cultivo. E m 1589


Limchoten referia que "o negócio mais frequente destas
hé o pastel" de que os camponeses faziam o " princmpal
mister", sehdo o comércio *o principal proveito dos
insulares41",enquanto em 1592 o governador de S. Miguel
atribuía a falta de pão 5 domãnia quase exclusivo do sob
pelo cultivo do pastelB.
NCHarquipéhgos além do Bojador ignomse a presenq
do pastel, não obstante a importância que ai assumiu a
cultura do algodão e o cansequente fabrico de panos. O
clima, a desconhecimento das tEcnicas de tinturaria,
demonstrada na entrega da exploração da urxeia aos
castelhanos João e Pêro de Lugo, favoreceram esta
conjuntura. Mas aqui a cultura do algod50 foi imposta pelos
mercados costeiros africanos, carentes de fio para a
industria têxtil. No decurso dos séculos XVI e XVII o
algodão apresentou-Je como primordial para a economia
mboverdeana, sendo o principal incentivo, ao lado do sal,
para as trocas comerciais com a costa africana,
nomeadamente Casamansa t a ria de S. Domingos.
No sentido de defendes este rico património
estabeleceram-se regimentos em que se regulamentava o
corte de madeiras e lenhas, sendo os mais importantes de
1551 e 1562. A ilha que no inicio da ocupação havia
atemorimdo os povoadores pelo denso arvoredo era agora
na vertente sul u m escarpa em vias de desertifiçacão. Não
foi o inicial incendio, que a tradiÇã.0 diz ter durado quinze
anos, o motivo desta situaç50, mas sim a incessante procura
de lenhas para o fabrico de açúcar. A partir daqui

R H, 130.
22 A w N O dos AGM~S,
Las islas p o r t u p a s n s e n iL tiemQa de Felipe I1 (1558-1598)

estabeleceu-se uma especialização nos serviços prestados


por cada área ou porto. Angra foi a cidade do apoio &
navernão intercontinental, Horta o centro de comércio de
vinho e Ponta Delgada o porto de comércio do cereal e
pastel. O facto de na primeira ter existido porto importante
nos contactos intercontinentais levou ao estabelecimento de
serviços consulares para apoio das actividades legais e
ilegais.
Pelos mesmos motivos os castelhanos, quando da união
dinástica, preocuparam-se com a ocupação do arquipélago.
Para eles isso seria a principal garantia para a segurança das
suas frotas que por ai passavam. Mas só o conseguiram, a
muito custo depois d e terem enfrentado a resistência
terceirense apoiada pelos ingleses e franceses, ambos
interessados e m manter u m porto de apoio para as
incursões no Atlântico. W s a sul a feitorias de Santiago,
Principe e S. Tomé, para além de centralizarem o H i c o
comercial em cada arquipélago, firmaram-se, por algum
tempo, como os principais entrepostos de comércio com o
litoral africano. Santiago manteve, até meados do século
dezasseis, o controlo sobre o trato da costa da Guiné e das
ilhas do arquipélago com o exterior. E foi também o centro
de redistribuirão dos artefactos e mantimentos europeus e
de escoamento do sal, chacinas, courama, panos e algodão.
Enquanto a primeira situação, com o evoluir da conjuntura
económica, foi perdendo importância, a segunda manteve-
se por muito tempo, definindo uma trama complicada de
rotas entre as ilhas do arquipélago.
O comércio e n t r e as ilhas dos três arquipkIagos
atlgnticos resultava não só da complementaridade
económica, definida pelas assimetrias propiciadas pela
orografia e clima, mas também da proximidade e
assiduidade das contactos. O intercâmbio de homens,
produto e Gcnicas, dominou o sistema de contactos entre
os arquipélagos. A Madeira, mercê da posição privilegiada
entre os Açores e as Canárias e do parcial alheamento das
rotas indica e americana, apresentava melhores
possibilidades para o estabelecimento e manutenção deste
tipo de intercâmbio. Os contactos com os Açores resultaram
da forte presença madeirense na ocupação e da necessidade
de abastecimento em cereais, que o arquipélago dos Açores
era u m dos principais produtores. Com as Canária as
imediatas ligações foram resultado da presença de
macleirenses, ao seMço do infante D. Henrique, na disputa
pela posse do arquipélago e da atracção que elas exerceram
sobre os madeirenses. Tudo isto contrastava com as
hostilidades açorianas 5 rota de abastecimento de cereais à
Madeira. Acresce, ainda, que o Funchal foi por muito
tempo um porto de apoio aos contactos entre as Canaxias e
o velho continente .Esta assiduidade de contactos entre os
arquipélagos, evidenciada pela permanente corrente
ernigratória, define-se como uma constante do processo
histórico dos arquipélagos, até ao momento q u e o
afrontamento político ou económico os veio separar. A
Última situação emerge na segunda metade do século
dezassete c o m o resultado da concorrência do vinho
produzido, em simultâneo, nos três arquipélagos.
O trigo foi, sem dúvida, o principal móbil das conexões
interinsulares. Segundo os testemunhos de Giulio Landi
(1530) e Pompeo Arditi (1567) os cereais foram os
principais activadores e suportes do sistema de trocas entre
a Madeira e os arquipélagos vizinhos, que, por isso mesmo,
foram considerados o celeiro madeirense. A rota de
abastecimento de cereais teve a sua máxima expressão em
princípios do século dezasseis. A referência mais antiga ao
envio de trigo de Canárias para a Madeira data de 1504 para
r
/
!
L
Las islas purbugussas an e1 diempo d e Felipe 11 (1558-1598)

La Palma e 1506 para Tenerife, enquanto a presenqa do


açoriano só está documentada a partir de 1508, ano em que
a coroa definiu a obrigatoriedade do fornecimento 5
Madeira.
O comércio do cereal a partir das Canárias firmou-se
através da regularidade dos contactos com a Madeira, sendo
apenas prejudicado pelos embargos temporários, enquanto
dos Açores foi imposto pela coroa, uma vez que a burguesia
e aristocracia ~ o r - a n a snomeadamente
, de S. Miguel, não
se mostravam interessadas em manter esta via. Todo o
empenho.dos açorianos estava canalizado para o comércio
especdativo com o reino ou dos contratos de fornecimento
das praças africanas. Desde 1521 o preço e a forma de
transporte do cereal açoriano na Madeira estavam sob o
controlo d o município. Deste modo era difícil a
especulação por parte dos rendeiros e mercadores
micaelenses.
A garantia do abastecimento interno de cereais, que
havia sido uma palavra d e o r d e m n o inicio do
povoamento da Madeira, não resistiu ao assalto das
culturas europeias para exportação, que em pouco tempo
invadiram quase todo o território arável. O arquipélago
composto apenas por duas ilhas, sendo uma delas de
fracos recursos, tinha que assegurar, necessariamente, o
abastecimento fora, socorrendo-se para isso das ilhas
vizinhas. Em 1546 dos doze mil moios consumidos apenas
1 / 3 foi produzido localmente, sendo o restante
importado das ilhas próximas ou da Europa. No século
XVI a oferta de cereal insular, das Caninas e dos Açores,
representou cerca de metade das entradas. Para o caso
açoriano ele era quase todo proveniente de S. Miguel e
do Faial, enquanto nas Canárias se evidenciaram as ilhas
de Lanzarote, Fuerteventura e Tenerife.
ALBnRTO YLEIRA

A permanência desta rota de abastecimento de cereais


%p]1cou o alargamento d a t m z comerciais entre o~ três
arquipélagos, uma vez que ao comércio do cereal se
m s o c i m outros produtos, como contrapartida favorivel
&s trtrocas. Aoa Aqores. os madeirenses tinham para oferecer o
vinho, o açíilcar, conservas, madeiras, eixos e aduelas de
pipa, reexportação de artefactos e outros produtos de
menor impor&&. Para as Canárh a oferta alargavae 5
fruta verde, liaças de vime, sumagre e panos de estopa,
burel ou liteiro.
As ilhas açorianas foram no começo um consumidor
preferencid do Wiho rnadeirense e &o. Tudo isto pela
necessidade de encontrar uma contrapartida rentável ao
comércio de cereais e pela facto de o vinho que produziam
ser de fmx qualidade. Pois o afamado vinho da fico afirmou-
se apenas a partir da segunda metade do s é d o dezassete.
Para o ano de 1574 o vinho da Madeira desembarcado no
porto de Ponta Delgada representava 42% das importações
vinícolas, sendo o mais cotado no mercado niaelense. O
memo sucedia em A n p na segunda metade do & d o . No
século de- o maior incremento da viticulm das ilhas
do grupo central e a crescente melhoria de qua4idade
contribuíram p a suhiteniização do produto no sistema de
trocas com a Madeira e as Cmárhs. Em h a i s da centiiria o
produto continuava ainda a ser referenciado nas entradas da
&dega de Ponta Delgada.
O comércio entre a Madeira e as Canárias era muito
anterior ao estabelecimento dos primeira contactos COM m
Açores, O relacionamento iniciarãse e m meados do século
quinze, activado pela disponibilidade no arquipélago de
escravos, carne, queijo e sebo. Mas a insistência das
niadeirenses aos contactos com as Canárhs não ter5 sido do
agrado ao infante D. Fernando, senhor da ilha, interessado
]+as isdas postuguesas sn e l tiempo d e Felips I 1 (1558-1598)

em promover os contactos com os Açores. A p m disso eles


continuaram e a rota adquiriu um lugar relevante nas relwões
externas da ilha, valendo-lhe para isso a disponibilidade de
cereal e carne, que eram trocados por artefactos, sumagre e
escravos negros. Esta Última e peculiar situação surge na
pfimeira metade do século dezmete, com cem evidência~ O S
contactos entre a Madeira, Lanzarote e Fuerteventum.
Ugo diferente sucedeu nos contactos comerciais entre os
Açores e as Canárias, que nunca assumiram a mesma
importância das madeirenses. A pouca facilidade nas
comunicações, a distancia entre os dois arquipélagos e a
dificuldade em encontrar os produtos justificativos de
intercâmbio fizeram com que estas trocas fossem sazonais. Só
as crises cerealíferas do arquipélago de Canárias fizeram com
lue o trigo açoriano aí chegasse em 1563 e 1582. Por vezes a
permuta faziase a partir da Madeira, como sucedeu em 1521
e 1573. A contrapartida de Canárias para este comercio
5aseav-e no vinho, tecidos europeus e o breu.
A outro nível estavam as relações interinsulares com os
~quipélagosalém do Bojador. Primeiro as dificuldades na
~cupaçãosó conduziram ao imediato e pleno povoamento de
-
ima ilha em cada área Santiago e S. Tom6 -,que passou a
actuar corno principal eixo do trato interno e externo. Depois
o aproveitamento económico não foi uniforme e de acordo
com as solicitações do mercado insular aquém do Bojador,
assumindo, por vezes, como sucede com S. Tom6 uma posição

I concorrencial. Por fim registe-se que estes espaços existiam


mais para satisfazer as necessidades do vizinho litoral africano
do que pela sua importância económica interna.
Do relacionamento dos dois arquipélagos com os do
Meditmânm Atldlatiw é evidente o empenho dos ultimos no
M ~ c negreiro,
o com maior evidência para os madeirenses e
canarios. Os madeirenses que aí aparecem foram favorecidos
pelo comprometimento com as viagens de exploração e
comércio ao longo da costa africana e da presença, ainda que
temporária, do porto do Funchal no trqado das rotas. Ao
invés, os &ores mantiveram-se por muito tempo como portos
receptores das caravelas que faziam a rota de retorno ao
velho continente.
A posição priviiepda da Madeira e Canarias, a insistente
procura de mãode-obra para o arroteamento das diversas
dareiras entretanto abertas, geraram um desvio da rota do
comércio dos escravos, surgindo o Funchal e Las Palmas
E como dois importantes eixos do tráfico. E assim se
mantiveram até 5 plena afirmação das rotas americanas. Por
outro Iado o relacionamento das ilhas africanas com o
Meditmâneo Atlântico foi facilitado pelos benefícios fiscais
atribuídos pela coroa em 1507. E sabemos, por pedido dos
moradores de Santiago, que a contrapartida comercial se
baseava no fornecimento de cereal: primeiro da Madeira,
depois dos Açores. Entretanto no que se refere 5 Madeira a
coroa concedeu em 1562 e 1567 fdidades aos madeirenses
para o comércio de escravos de Cabo Verde e Rios de Guiné,
como forma de suprir a crise ceira, o que deverá ter
contribuído para um aumento dos contactos.
A comunidade madeirense residente em Santiago
deveria ser numerosa a atestar pelos testamentos que
chegaram 2 nossa mão. Destes merece referência especial
Francisco Dias, morador na Ribeira Grande que, pelo
testamento de 159gP5,é apresentando como um dos mais
importante mercadores d e escravos, empenhados n o
tráfico com a Madeira e Antilhas. O mesmo se poderá

23 Arquivo Regiorial da Madeira, Miser&dia do Fumhd, nl â84, fólios 785-


790v?.
Las islas portuguesas e n sl #iamfio d e Felipe 11 (1558-1598)

dizer quanto aos açorianos, embora referenciados em


menor escala. A permuta baseava-se pelo lado africano em
escravos, a que se vieram juntar os produtos da terra,
como o algodão, milho, cuscuz, chacinas, courama e sal,
recebidos a troco de vinho, cereais e artefactos.
As Canárias mantiveram, também, u m relacionamento
preferencial com Cabo Verde. Primeiro foi o comércio da
urzela, depois os contactos assíduos para trocar o vinho
por escravos, que conduziam i s Antilhas ou de regresso h
ilhas. Esta situação perdurou nos séculos XVI e XVII,
tendo-se iniciado, segundo M. Lobo Cabrera a partir de
152424,
Os contactos com as ilhas do golfo da Guiné eram
exíguos, uma vez que elas estiveram por muito tempo aquém
dos interesses das gentes do Mediterrâneo Atlântico. Na
verdade se retiramos a eventual presença de rnadeirenses
para transmitir os segredos da cultura açucareira, este
aparecimento é tardio e rege-se pela necessidade de capturar
escravos nas costas vizinhas, situação comum também com as
Canárias. A malagueta, pimenta e marfim não eram
produtos capazes de despertarem o interesse das gentes
insulares e, além disso, tinha como destino obrigatóriò a
Casa da Mina em Lisboa. Deste modo a referência ao
carregamento de um navio com algodão e qúcar em 1542
com destino aos &ores é esporádicae5.

24 LOBO CABRERA,M., -Relaciones entre Gran Canaria África y América a


r.raVes de la trata de negros., in U í&pw de HUtoria #m'oAmmkna,
h Palmas, 1977, 77-91; idem, La achvitud en laJ & a d m m'mtds en d
s@ m.nqm, m m s g mmiscos, las Palmas, 1979,1041 10; TORRES
SANTANA, E.,*El comercio de Gran Canaria con Cabo Verde a princi-
pios de1 siglo XVII", in II C o b p w Initmucwnal de H i s í h b doi Ma&&,
Funchal, 1990, 761-778.
25 RAU, V., Eshcda~hHisloràa rbo Sal Portu@, Lisboa, 1989,217.
At.BERTO VIEIRA

=mo o referimos, rnas nunca é demais repeti-lo,


icionamento periférico d o m u n d o insular
icionou a subjugação do seu comércio aos
esses hegemónicos do velho continente. Os
ropeus foram os cabouqueiros, responsáveis pela
smigraçáo agrícola, mas também os primeiros a
r da qualidade dos produtos hnçados 5 t e m e a
desfmtar dos elevados réditos que o comércio propiciou.
Dai resultou a total dependência dos espaços insulares
a o velho continente, sendo a vivència económica
moldada de acordo com as necessidades, que, por vezes,
se apresentavam estranhas. Por isso é evidente a
preferencia do velho continente nos contactos com o
exterior dos arquipélagos. Só depois surgiram as ilhas
vizinhas e os continentes africano e americano. Do velho
rincão de origem vieram os produtos e instrumentos
necessários para a abertura das arroteias, mas também as
directrizes institucionais e comerciais que os
materializaram. O usufruto das possibilidades de um
relacionamento com outras áreas continentais, no caso
do Mediterrâneo Atlâatico, foi consequCncia de um
aproveitamento vantajoso da posição geográfica e em
alguns casos uma tentativa de fuga ã ornnipresente rota
europeia. Neste contexto tornou-se mais evidente a
presença dos arquipélagos das Canárias, Açores, Cabo
Verde e S. Tomé, ainda que por motivos diferentes, da
Madeira.
O arquipélago canário, mercê da posição e condições
específicas criadas após a conquista, foi dos três o que
tirou maior partido do comércio com o Novo Mundo. A
proximidade ao continente africano, bem como o
posicionamenco correcto nas rotas atlânticas,
pemi tiram-lhe a intervir no trafico intercontinental.
Las islas portuguesas sn e1 t i e m p o de FeIi#e 11 (1558-1598)

Para os Açores, o facto de as ilhas estarem situados na


>rectafinal das grandes rotas oceânicas possibilitou-lhes
algum proveito com a prestação de inúmeros serviços de
apoio e do eventual contrabando. Fora disso encontrava-se
a Madeira, a partir de finais do século XV. Por muito
tempo este comércio foi apenas uma miragem. E só se
tornou uma realidade quando o vinho começou a ser o
preferido das gentes que embarcaram na aventura indica
ou americana. Perante isto o vinho madeirense afirmar-se-
á e m pleno a p a r t i r da segunda metade do século
dezassete.
Rumos diferentes tiveram os arquipélagos de S. Tom6
e Principe e Cabo Verde: a proximidade da costa
africana e a permanente actividade comercial definiram
a inegável vinculação ao continente africano. Por muito
tempo os dois arquipélagos pouco mais foram do que
portos de ligação entre a América ou a Europa e as
feitorias da costa africana. Num e noutro caso o avanço
do povoamento ficou d e p e n d e n t e das facilidades
concedidas ao comércio: em 1466 para Cabo Verde se
dizia que estes só iam viver "com mui grandes liberdades
e franquezas e despesa suans, no fora1 dado em 1485 a.S.
Tome o privilégio do comércio com a área costeira
surgia como recompensa "do trabalho a que se despoem,
em haverem de hyr viver em a dita ylhan2';em 1500 na
doação da alcaidaria da ilha de Príncipe a Antonio
Carneiro é referido o resgate na Guiné a sul do rio Real.
Vote-se que noutra carta de privilégios do mesmo ano o
nesrno Antõnio Carneiro, secretário do rei, recebe a

26 HistoiiQ í h u i & Cabo Ir& - C* D M U nl ~4,19/22,12 deJunhode


1466.
27 M o n u m & Missàonu~aA@s%a, X m 3/7.
A W R T O WEIRA

& , d b resgate da malagueta, pimenta e outras


rias 'dos nossos rios e tratos de Guiné" por dez

facilidades concedidas ao comércio com a costa


- "mcanadegeneraram em problemas para a Fazenda Real,
pelo q u e a coroa se viu forçada a tomar medidas
.restritivas a o comércio dos naturais, com reflexos i
evidentes na evoIuçáa económica das ilhas que dele
dependiam. As primeiras dXtculdades começaram com o
contrato de Fernão Gome8 de 1469, que retirava aos cabo-
verdianos o usufruto de uma Importante fatia da costa.
Três anos depois surgiram as primeiras dificuldades a esta
actividade comercial, que tiveram continuidade no século
seguinte. A resposta não se fez esperar. Os cabo-verdianos
primeiro questionaram as limitações impostas, referindo
que era a partir d o comErcio d e escravos que se
abasteciam de bens alimentares e artefactos de outras
ilhas OU da Europa. Depois acusaram os rendeiros da
coroa de serem os principais responsáveis da situação a
que se havia chegadosg.A coroa, no entanto, insistiu com
as mesmas ordens e s6 em 1521 acedeu, consignando no
regimento do feitor do trato de Santiago os privilégios de
147250.
O com6rcio insular com a Europa definia-se por uma
multiplicidade de produtos, agentes, rotas e mercados.
Neste aspecto a península ibérica apresentar-se-á como o
principal mercado consumidor ou redistribuidor para as
principais praças europeias. Não obstante persistir uma

28 M,C l a a w c e h d
ca MmwII, 11.21, &I&?, !i2de Março.
Las i s l a s portuguesas an a l tiaiwpo d e FaEips I1 (1558-1588)

tendência centralizadora nos portos de Lisboa e Sevilha, o


certo é que a sua expressão real, nomeadamente, no caso
português foi muito mais ampla, abrangendo os principais
portos de comércio a sul (Lagos e Silves) e a norte do país
(Caminha, Viana, Porto e Vila do Conde}.
Nos primeiros decénios a presença de mercadores
estrangeiros, empenhados n o comércio dos produtos
insulares portugueses, estava limitada i cidade de Lisboa,
mercê das dificuldades impostas no inicio do século XV 2
intervenção directa nos mercados produtores. Mas isto
não poderia manter-se por muito mais t e m p o e cedo
apareceram os primeiros estrangeiros avizinhados ou com
licença para fazer comércio e fixar residência. Depois
abriramse-lhes as portas, como forma de promover o
comercio excedentário do açúcar. Mesmo assim a troca
esteve, p o r muito tempo, sujeita a i n ú m e r o s
impedimentos que impediam a l i v r e circulação dos
agentes e da mercadoria.
No início do povoamento dos Açores a colheita de
cereais dava para satisfazer as necessidades d o
arquipélago e sobravam alguns excedentes que eram
conduzidos a Lisboa. A saída de cereal para este destino
foi reivindicada e m 1473 e 1490 pelos moradores da
cidade. Tal reclamação evidencia a competitividade que
assumia o cereal açoriano nas últimas décadas do século
XV, mercê do aparecimento de novos destinos como a
Madeira e praças do norte de África. Estava, deste modo,
encontrado o celeiro substitutivo da Madeira, capaz de a
abastecer a Madeira e de substitui-la nesta função com
Lisboa e praças africanas. Os excedentes assim o
permitiam, pelo que o cereal se afirmou como o primeiro
e mais i m p o r t a n t e p r o d u t o deste relacionamento
comercial.
fLLBERTO YIEIRA

comkrcio do cereal açoriano alicerçou-se, primeiro


rovimento do reino, depois n o obrigatório
imento da Madeira e praças africanas. A rota para o
i estabelecida como urna necessidade decorrente da :
p m o ç ã o da cultura em sdo insular, enquanto o segundo
m o foi traçado pela política económica traçada para o
espaço insular. O último destino foi imposto pela coroa. O
mercado do reino foi o primeiro consumidor de trigo
'
acoriano mas não o único nem o principal destino do trigo
ilhéu, pois que em lugar cimeiro e reservado estavam as
praças portuguesas do Norte de África. O movimento de
trigo açoriano para elas fazia-se sob o controlo régio por
meio de assencistas que em Lisboa recebiam o contrato de
fornecimento e dai enviavam os respectivos navios a
carregar o trigo arrecadado.
Este comércio beneficiava de privilégios estabelecidos
por ordens régias, sendo considerado como prioritário nas
transacções cerealifems açorianas: todo o trato de trigo no
I
arquipélago, nomeadamente, em S. Miguel e Terceira,
deve~-iafazer-se "sem prejuím dos lugares de Áfrican. Deste
modo no início da colheita procedia-se à arrecadação do
referido trigo, avaliado entre 2.000 e 3.000 moios. Aiém
disso o contratador ou o procurador tinha a prioridade na
compra do cereal, pelo que a livre saída de trigo só teria
lugar após o acautelamenta do "saco para Africa*. Mas esta
ordem causava prejuízo aos agricultores, caso tardasse o
envio da remessa. A violência com que a coroa impunha a
rota, coibindo o mercador de executar as trocas comerciais
correntes ou retardando-as; o tom discricionário dos
regimentos e recomendações, tendo a desfaçatez de
afrontar a requisição dos navios e carros necessários ao
transporte e carregamento do referido trigo. E, por fim, a
constante presença do administrador para o provimento das
Las islais portuguesas en e1 tàempo d e Felàpe I1 (1548-1598)

praças, criaram dificuldades nas relações de troca no


mercado cerealifero açoriano. O arquipélago estava
condenado a manter o cereal sob rigoroso controlo, que
abrangia a produção e comércio. O senhorio (rei, capitão,
donatário, terratenente), o contratador desde Lisboa
controlava todos os circuitos do mercado insular, ditando as
normas que regiam as trocas. Se tivermos em conta as
necessidades do consumo local, o "saco de trigo" para as
pratas de África e a Madeira, pouco tfigo sobejava para o
comércio. O grande mercador de cereal criou fortuna no
provimento das praças norteafricmas, como contratador,
interne-diário dos senhorios (como sucede com o Conde
de Franca) ou o recurso ao contrabando e especulação
possíveis. Os mais importantes mercadores locais surgem
como representantes dos assentistas.
Os contactos entre a Madeira e o reino eram constantes
e faziam-se com maior frequência a partir dos portos de
Lisboa, Viana e Caminha. Os portos do norte mantiveram
uma acção muito importante no período de apogeu da safra
açucareira, uma vez que os marinheiros e mercadores dai

f oriundos controlavam uma parte importante do tr*co


comercial, sendo eles que abasteciam a ilha de carne .e
panos, levando em troca o açúcar para os mercados
nórdicos. A oferta ao mercador do reino consistia num
grupo restrito de produtos, mas capaz de cativar o seu
interesse. No começo foram as madeiras, o sangue de drago
e os excedentes da produção cerealífera, depois o açúcar
que fez redobrar a oferta e, finalmente, o vinho, exportado

I para Lisboa, muitas vezes, com a finalidade de abastecer as


naus das rotas do Brasil ou outros destinos. A troca fazia-se
de acordo com a oferta d e u m conjunto variado de
produtos, de que se destacam as manufacturas
imprescindíveis ao uso e consumo quotidianos: louça, telha
de Setúbal, Lisboa e Porto, panos, azeite e carne do norte.
Além disso o porto do Funchal actuava, muitas vezes, como
intermediário entre os portos do reino e as feitorias
africanas, sendo de referir o comércio de peles, escravos e
algodão de Cabo Verde. No inicio do povoamento da
Madeira o produto que de imediato cativou a atençáo dos
portugueses foi aquele que deu nome 5 ilha, isto é as
madeiras. Estas eram de alta qualidade tendo usos múltiplos
na ilha e fora dela. Muitas foram exportadas para o reino e
também para as praças africanas (Mogador e Safim) e
portos europeus (Ruáo). Tal como nos elucidam os
cronistas estas madeiras revolucionaram o sistema d e
construção civil e naval no reino.
O comércio açoriano com os portos do reino regia-se
pelos mesmos princípios e solicitações do madeirense,
apenas se alteravam os produtos oferecidos c o m o
contrapartida. Enquanto a Madeira tinha para oferecer um
produto p o r época, sendo a partir de determinado
momento, o açúcar, os Açores apresentavam uma oferta
variada e mais vantajosa: cereais, pastel e gado. Também
aqui os portos do norte do pais, nomeadamente, da região
de Entre-DourwMinho, estavam em primeiro lugar. Eram
eles que abasteciam os Açores de azeite, sal, louças, panos e
mais artefactos, recebendo em troca trigo, carne, couros e
pastel. A trama de relações com o velho continente não se
resumia apenas aos portos reinóis, uma vez que as culturas
locais cativaram o interesse dos mercados mediterrâneos e
nórdicos: primeiro a urzela e outras plantas tintureiras
como o sangue de drago e o pastel, depois o açúcar e o
vinho, foram produtos que estiveram na mira dos
mercadores estrangeiros. A par disso o reino não dispunha
de todos os artefactos solicitados pelas gentes insulares,
cada vez mais exigentes na sua qualidade. As riquezas
,as islas portuguesas sn c1 tismpo de Feli$e 11 (1958-1598)

uladas com este comércio apelavam para um luxo


nsivo no ornamento da casa, que só poderia ser
guido nas praças de Ypres, Ruáo e Londres.
opulência da aristocracia rnadeirense e açoriana
bem patente no recurso desnecessário a artefactos de
testemunhado por Gaspar Frutuoso em finais do
o dezasseis. A origem disso era clara: no Funchal os
oventos do açúcar, em Ponta Delgada do pastel. Esta
mrcunscância condicionou inevitavelmente a presença de
mercadores oriundos das praças europeias. Oferecia-se o
aqúcar, o pastel e urzela, o algodão e escravos, recebendase
em troca panos, por vezes, cereais, peixe seco e salgado.
O comércio açoriano estava orientado quase que
exclusivamente para os centros texteis do norte,
destacando-se aí as ilhas britânicas e os agentes comerciais,
que no século dezassete assumem uma posição hegemónica
no porto de Ponta Delgada. Nos registos avulsos de saída e
entrada do porto, para o periodo de 1620 a 1694, mais de
metade das embarcações eram inglesas, sendo na maioria
de e para Inglaterra. Note-se que o inglês ignorou as
proibiiões impostas 2 sua presença pela coroa em finais do
século XVI. A sua forte presença na ilha e o recurso ao
pavilhão de nacionalidades autorizadas possibilitaram que
esta via comercial se mantivesse aberta.
O madeirense, ao inverso do açoriano, nestes séculos
XV e XVI estava orientado para o tradicional mercado
Mediterrsneo, tendo como principal aposta o açúcar.
Neste caso surgem três áreas: as praças espanholas de
Sevilha, Valência e Barcelona, as cidades italianas ((%nova,
Veneza e Livorno) e os portos do Mediterrineo Oriental
(Chios e Constantinopla). As primeiras foram
imprescindíveis para este comércio, funcionando como
praqas de redistribuição para o mercado Ievantino.
ALBERTO VIEIRA

O comércio do açúcar surge no mercado madeirense


como o principal animador das trocas, n o decurso dos
séculos XV e XVZ, com o mercado europeu. Durante mais
de um século a riqueza das gentes e a contrapartida para o
suprimento d e bens alimentares e artefactos. O seu
regime de comércio é definido por Vitorino Magalhães
Godinho3' "entre a liberdade fortemente restringida pela
intervenção quer da coroa quer dos poderosos capitalistas,
de u m lado, e o monopólio". Deste modo o comércio do
açúcar só se manteve em regime livre até 1469, altura em
que a quebra do preço condicionou a acção do senhorio,
que estipula o exclusivo aos mercadores de Lisboa. Esta
política de controle e monopólio do comercio não contou
com o apoio dos madeirenses que sempre manifestaram a
sua opinião contraria. Todavia ela havia de persistir até
1508, altura em que foi revogada toda a legislação
comercial, restritiva da livre intervenção de madeirenses e
estrangeiros. Em 1498 no sentido de controlar esse
comércio estabeleceu-se como limite de exportação
120.000 arrobas, divididas pelas principais mercados do
Mediterrâneo e norte da Europa. Pensámos que este
estabelecimento das escápulas em 1498 deveria definir
com precisão o mercado consumidor do açúcar
rnadeirense, que se circunscrevia a três áreas distintas: o
reino, a Europa nórdica e mediterrânea. As praças do
norte dominavam esse movimento, recebendo mais de
metade do açúcar. Ai evidenciam-se as praças circunscritas
i Flandres, enquanto no Mediterrâneo a posição cimeira è
atribuída a Veneza c o n j u n t a m e n t e c o m as praças
levantinas de Chios e Constantinopla.
Las tslns portuguesas en e1 títmpo de R l i p e JI (1558-1598)

Se compmamos os valores desta escápula com os dados


rentes ao e c a r saído da ilha entre 1490 e 1550 nota-se
tude nos m e d o s . A diferenq mais si@cativa
as cidades italianas, que surge com uma posição
neste comér&. Todavia ela poder;i multar de os
9
&dianos dorninamn mais de 2/3 do comércio de M o esse
aghr, actuando a portoe e cidades italianos como centros de
redistribuição. A parte isso é bastante evidente a posição
hegemónica dos mercadores o r i u n h das diferentes cidades
italian;is, neste comércio com 78% do açúar movimentado. A
partir dos dados compilados na documentação podemos
concluir peia constância dm mercados italiano e flamengo, A
isto acresce os portos do reino, nomeadamente de Lisboa e
Viana do Castelo,, que surge em terceiro lugar, com 10%.A
partir da segunda metade do s h l o a concorrência do açúcar
americano retirou à Madeira esta situação preferencial no
mercado e u r o p Todãvia o a q b r , ou uus d-os, mmo as
mnsem e casca, continuaram a activa um activo movimento
com estes mercados. Para isso usava-se o pouco açtícar
produzido na ilha ou então o importado do Brasil. Neste
momento é pouco o açúcar exportado, mas abundante os
produtos dele deridos. Estamos na é- do comercia de
ma e de cansavas. Ao açhmjuntamme depois as madeiras
(nomeadamente de vhhático e cedro), a urzela, o pastel, o
couro e os escravos, que se tmcmm por p o s , trigo t objectos

O comércio das ilhas com o litoral aüiano, exceptuando o


caso de Cabo Verde e S.Tomé, com maiar d u i d a d e a
partir das Cananas do que da Madeira ou dos b r e s . Mesmo
assim a Madeira, me& da posição chameira no -o das
rotas quatrocentistas, teve ai um papel relevante. Os
madeirenses participaram activamente nas viagens de
exploração geog156ca e comércio no litoral açicano, surgindo

103
o Funchal, nas últimas décadas do século XV, como um
importante e n t r e p t o para o comércio de dentes de defante.
Além disso a iniciativa madeirense bifurcou-se. Dum lado as
p r a marquinas
~ ~ a quem a ilha a fornecer os homens
para a deha, os materiais para o constnrção das fortalezas e os
cereais para sustento dos homens aí aquartelados. Do outro a
área doa Rim e GoKo da Guiné,onde se abastecia de escravos,
tão necesários que eram para assegurar a força de mbalho na
safrado-
O açoriano ficou afastado destas áreas pelas dificuldades de
acesso e também forma de exploração económia a que foram
sujeitas, que o faziam prescindir dos produtos oferecidos pelo
trato da zona. A maior assiduidade dos contacto com o
continente africano fez-se por necessidade de abastecer as
praças do Norte de África e mesmo a área da costa da Guiné
de cereal, substituindo a Madeira a partir de finais do século
XV. Mesmo aqui o abastecimento fazbw, muitas vezes, a partir
da Madeira.
Os contactos de C a h Verde ou S. Tomé com o reino e
portos europeus eram também assíduos nas primeiras
centúrias da ocupação, dependendo a frequencia do traçado
das rotas oceânicas e da disponibilidade de produtos. Assim,
no caso de S.Tomé a presença da culttm açucareira no século
dezasseis activou as relações com o reino e os principais
mercados do norte da Europa. Mas a oferta não se resumia
apenas a este produto, pois que os navios transportavam
também algodão (de Ano Bom), especiarias (gengibre,
malapeta, pimenta e canela), r n b , pau da Guiné e Brasil9.
Em Cabo Verde o mesmo conjunto de produtos, a que se

32 RAU, V., ob.cit., 21@=1; C M E L O BRANCO, E,.O comércio externo de


$ãD Tomé no kculo XVII*, in Stzdk n 1 24, Lisboa, 1960,8598.
Las i d a s portuguesas e n r1 #tampo d e Felàpe I1 (1558-1598)

poderá juntar o ouro, h b a r e urzela, activou, no inicio, os


contactos com o reino. Todavia,o aparecimento de um novo e
promissor mercado para o comércio de escravos a Ocidente
veio mais tarde a monopolizar todos m interesses.
Os contactos das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé com a
Europa não foram tão evidentes como os que mantiveram
c o m a costa africana ou americana. Todavia, a
disponibilidade de alguns produtos (açucar, escravos,
algodão, carne, couros, urzela), solicitados pelo mercado
europeu, levou 5 existência de rotas permanentes com as
principais praças europeias. Para a Flandres, directamente
ou por via dos portos do reino, exportava-se o açiicar de S.
Torné, as madeiras, marf~me especiarias africanas(pimenta
e malagueta), o algodão de Santiago. Nos contactos com os
portos reinóis fazia-se chegar estes e outros produtos, como
sal, chacina, couros,gado e escravos. Este relacionamento
privilegiado com os portos do reino sucedeu no princípio,
fazendo-sepor meio de licenças e sob o controlo da Casa da
Guiné e da Mina. As ilhas de Santiago, S. Tome e Príncipe
serviam 'de intermediárias entre os portos europeus de
destino e o litoral da costa africana. No caso de S. Tomé e
Príncipe foi um privilégio perdulário dos seus moradores, o
que não sucedeu em Cabo Note-se ainda que a
partir da segunda metade do século XVI com o
aparecimento de um novo mercado de destino para os
escravos -o continente americano- estas ilhas serão um
ponto de escala no circuito de triangulação que liga a

33 Confronte-se CASTELO BRANCO, E, Fontes para a ,História do Antigo


Ui'Ei-QmmPorhp&H: Sáo Tm' e fim+, Lislma, 1982; SA-NOGUEIRA, LB.
de, e &NOGUEIXA, R., "ilha do Príncipe no IQ quartel do século M:
administração e comércio",in í h g m m Intmwimd Bnrldomeu DioF e sua
Época, actas, vol.III, Porto, 1989,81-115.
ALBERTO Wl?IRA

Europa ao Novo Mundo. Aqui o circuito de ligação é feito


pelas ilhas de Santiago e S. Tomé, receptoras de produtos
alimentares e manufacturas europeias.
De acordo com o livro de registo de avarias de navios
portugueses na Feitoria de Antuérpia entre 1535 e 1551" é
posslvel estabelecer a posição das ilhas de Cabo Verde,
Madeira e S. Tomé no comércio internacional. A S. Tome
surge com maior número de navios, isto é 126(88 de açúcar
e 38 de carga mista), seguindo-se a Madeira com 56
ernbarcações(28 de açiícar e 28 de carga mista) e Cabo
Verde(1 de açiicar e 7 de carga mista). O facto mais saliente
é a posição assumida pela ilha de S. Tome com o comércio
de açúcar, dkdiscanciandm da Madeira. que neste momento
se encontra numa fase de decadência. No conjunto da
mercadoria mista saída de Cabo Verde destaque para o
algodão e marfim, enquanto em S. Tomé surge o marfim, o
algodão, as madeiras e as especiarias. Note-se ainda que era
comum as embarcações conduziram em simultâneo açúcar
ou outras mercadorias dos três arquipélagos, o que
demonstra existir uma rota de ligação entre eles, na ida e
no regresso. Por outro lado assinala-se que muita da
mercadoria dos arquipelagos de Cabo Verde e S. Tome
chegava ao porto de Antuérpia a partir de Lisboa, o que
demonstra a tendência para este porto centralizar os
negócios com as possessões atlânticas. No caso do açúcar de
S. Tome temos 21 navios com partida de Lisboa.
Ao inv& do que sucedia com as Canãrias, Cabo Verde e S.
Tomé,as ilhas dos arqui+lagm da Madeira e Açores estiveram
até ao século d e m t e Atadas do comércio com o continente
americano. Restava-lhes aguardar pela chegada das

34 RAU,V., Estudos sobsi!a Histhia do M Port& Lisboa,1984,210-221.


Los í s i a s porlugaresas en d tiempo de Fdiw 11 (1558-1598)

embcircações dai oriundas e q h r pelo contrabando ou trocari


&&. No- que ao porto do Funchal chegaram tarobem
algumas destas. Q desvio era considerado pela coma como
intencional, para aí se fazer + contrabando, pelo que foram
t h a m k u b medidas p d i de y apk@o @h
Os contactos entre a Madeira e o litoral americano
~ n v o ~n quebra
, & cultura da mna de agiar,
com a incremento do mrnhio do vinho nmdeknse. Ambos
w produtos estam, de m o , li@os. A pouca oferta de açUcar
na Madeira e a inc-te procura lemam os madeirenses a
espe"lar com o açúcar brasileiro, Eazendw passas como da
~Conh~afl;uideomonarcaexmasuapfoibição
e m 1591, aiheandm das reclamaçües dos munícipes. Mais
tarde, com o abandono definitivo da cultura da cana de a,-
não havia motivo para impedir este comércio. Somente o
sistema de comboios ruaritimos coadicionou, por algum
tempo, a presença madeireme.
As uhas de Santiago e S. T m é , mercê da pmximiáade da
c i x h africana, afmmmmw coma imptmtes m ~ do m
trato negreiro africano no & d o XVI,tendo como principd
destino, a partir do século dezasseis, o novo continente
americano. A primeira feitoria dominava a vasta área,
conhecida como os Rios de Guiné, enquanto a segunda
atendia* desde S. Jorge da Mina ate Angola, passando p r
Axern e Benim. Tal como o referimos o povoamento s6 foi
.*
p d w l ã custa de kahdada cmcedidas a m moradores para o
comércio nesta costa.
A evolução do trato não foi h e a r e esteve por muito tempo
sujeita h mudanças conjuntura atlântica. Assim S. Tomé
assumiu um lugar relevante no com&do do Golfo da Guine atk
o úitimo quartel do sédo d e z m sendo a h, a partir de
1578, resultado do desvio das rotas para o litoral africana.
Entretanto na da união das duas coroas pe-e8 o
ALBRRTO TATIRA

de esaavcx conduzidos a partir de S. Tomé para as


, C m e M q p ~atingiu
( C a m g e ~Víra ) CH
emas com a economia
do codTCi0
o escri60 da Eeitoria em 1551%
todacoroa,peloqueodesoio
-0 de calono5.
qu@&go de Cabo Verde
e feitoria do comércio dos escravos doa Rios de Guine, o
comércio foi de6nido por oum num. NO começo de d t o u
., d a o f e r í a d a s p T o d ~ ~ I a c a i s r n a s d e p o i s , c o m a ~ d e
rmovrw rnermdos os muavm, foram solicitaçks exmms que o
motinmram. H& 7a w mnduzidas, prPneiTO ã Europa
ei b atiântims e depois ao Brasil e AntilhasB.Para =te dtimo
datino o comércio fazia^ sob a forma de m n m entre a
c o m e cw mercadores.
Durante muito tempo o mt~, entregue a m d a t á r i o ~foi
,
o principai motivo das mxas comerciais na ilha. h com ele,
&o por algodão e pari#, que se adquiriam as manuhctums
europemS.Tdvia os inúmero8 entraves 5 c h d a @ o doe-
p d u m deste trafico, os desvim de m d o r e s estrangeiros,
nacionais e, em especial d a lançados, vieram a p m j d d b e m
htiag6n.
A importância deste3 memada no comércio de escravos
p a o continente americano h u demonstrada em ihis do
século dezasseis, altura em que os povos estrangeiros se
lanpram ao ataque dos principais entrepastos do ~J%&O
negreiro, com particuiar relevo para os atelhanos.

35 Mqaummh Mksbmh A&ma, 11,269.


36 YILA VILAR, E., H b p a w A W 7 el Chmreio d6 &k. Lm Ash&s
P m l v ~Sevilha,
, 1977; DUNCAN, T. B., Ob-cit.,198/238.
57 CARREIRA, b.,Cabo Li* 1983,1#149.
Las iska~portuguesas en e1 tàempo d e Felipe 11 (1548-1598)

AS ILHAS DE FILIPE 11: A UNIAO IBERICA

A 14 de Setembro de 1580 Filipe I1 é aclamado rei em


Lisboa, sendo comfirmado nas cõrtes realizadas n o ano
seguinte em Tomar. O processo de pacificação das regiões do
império português que no mês de Junho haviam aclamado D.
Antonio, Prior do h t o , é lenta e só nos Açores, por ser um dos
pilares dos interesses em jogo, seI;i demorada. Na verdade a
conjuntura política definida pela união das duas coroas
apresentava-se favorável para os ilhéus, ao sedimentar o
intercâmbio entre os arquipélagos. Os contactos e a
familiaridade entre estes eram tão evidentes, que o processo de
passagem dos poderes para a nova coroa filipina deveria ser
obrigatoriamente pacífica para os insulares.
Nos &ores a importância geoesimt&ica do arquipélago
fez com que os açoreanos fossem vitimas dos interesses dos
franceses, ingleses e castelhanos. Por isso D. António Prior do
Crato, com o apoio da Franm e Inglakrra, me ai o seu úItimo
reduto. Mesmo aqui os interesses externos sobrepuseram-se
muitas vezes ao patriotismo dos açorianos. A aclamação do
novo monarca solicitado em Agosto de 1580 por Diogo Dias só
veio a acontecer emJaneiro do ano seguinte em Ponta Delgada.
Neste intervalo de tempo o corregedor Cipnão de Figueiredo e
o bispo D. Pedro de Castilho acabam por assumir partidos
distintos. O primeiro desde a Terceira chefia a resistencia ao
invasor, enquanto o segundo se assume como fervoroso adepto
de Fiiipe It, sendo forçado a refugiarse em S. Miguel.
No arquipélago açoriano as hostilidades aos novos
soberanos foram sangrentas e demorou três anos o processo de
pacifica~ão~~. Este processo só foi possível mediante quatro
expedições: em 1581 de D.Pedro de Valdés e D. Lope de
Figuero, em 1582 o marq& de Santa Cruz que acompanhou
em 1583 D. Álvaro de Baçan. A primeira em 1581 saldou-se
numa rotunda derrota castelhana na célebre batalha da Salga.
Deste modo houve necessidade de outra expedição chefiada
pelo Marquês de Santa Cruz que saiu vencedora na b a ~ l h a
naval de Vila Franca do Campo e só em 1583 na conquista da
Terceira com o desembarque em Porto de Mós em 26 deJulho.
Já na Madeira o processo foi distinto. D. António fora
apenas aclamado no Porto SantoSBe na Ponta de .Sol, pois a
ideia dominante na aristocracia local estava no novo monarca.
Note-se que António Carvalhal mobilizou homens para
defender o Funchal de qualquer assalto da esquadra francesa.
Aqui os representantes da coroa fdipina só se tiveram que haver
com um grupo resmito de personalidades afectas a D. António,
uma vez que alguns destes haviamse juntado ãs suas hostes na
ilha Terceira40.Foi a ame- de ocupaçáo da ilha por parte de
uma armada franceinglesa, surgida a 24 de Julho de 1582*l,
que levou Fipe I1 a ordenar em 19 de março de 1582 a D.
Agwtín de Herrera que fosse defender a ilha com uma armada

39 A atitude deste município foi imputada ao capitio Diogo Perestrelo, que


foi em 1586 alvo de múltipha acusações do município, sendo devassado
em 1606, com a perda da capita-, veja-se Amis do Municipo do Porto
Santo, P.Santo,1989, p. 16, nota 10;SARMENTO,AA., E w h Histacm
dQ Minha T m . dca Mud+a, vol.1, Funchal, 1946, p.173
40 Confronte-se RUMEU DE ARMAS, A., ' E1 Conde de Lanzarote, capitán
general de la isla de la Madera(1582-1583)*, in Anuario de f i t ~ ~ d i o s
A&Wicos, nl.30,1984, pp.40446
41 1.deia defendida já por SIEhfENS HERNÁNDEZ, L., "La expedici6n a Ia
Madera de1 Conde de Lanzarote desde la perspectiva de Ias fuentes
madeirenses*, in Aawrio tk Estudios AtEdm, n1.25,1979, pp.289-305. O
texto de Gaspar Fmtuoso~Lz~ai Segundo das Saudades da Tervu, Ponta
Delgada, 1979, pp. 40ô-407)é muito sugestivo sobre isso: "...depoisquer
foi julgado Portugal =r do católico rei Fílipe, senhor nosso, e teve posse
àele, mandou a ilha da Madeira por capitáumor e governador dela o
Las i~larsportuguesas ew e1 tiampo ds Felips I1 (1558-1598)

de 300 homens. O desembarque no Funchal teve lugar a 29 de


m o , com a maior quietaçZo para evitar qualquer alvoroço.Na
dia imediato, na presença de todas as autoridades e povo, fez-se
juramento de fidelidade ao novo rei.
O Conde permaneceu na ilha com as suas tropas
enquanto duraram as hostilidades na ilha Terceira. Com a
batalha decisiva de conquista da ilha a 26 de Julho de 1582,
por D. Álvaro BazAn, festejada no Funchal a 1 de Setembro,
ele recebeu a 2 de Setembro autorização para abandonar a
ilha, ficando em seu lugar, como chefe do presídio, D. Jm
de Aranda, com uma guarnição de 500 Homens, incluídos
os 200 soldados andaluzes que haviam chegado em Junho.
As grandes dificuldades porque passaram as forças
ocupantes da ilha, mais conhecida por tropa do presídio,
não derivaram tanto do possível afrontamento da
população local, mas sim dos problemas surgidos com o seu
aba~tecirnento~~. A cidade debatia-se já com esta situação
vendo-a agora agravada com a presença de mais 500
homens. A conjuntura foi deveras dificil no período que
decorre desde1589@.

desembargador J o b Leitáo, depois que chegou à ilha, de mandado do


mesmo rei Filipe, por capicão-mor dela e da do Porto Santo, dom
Augustinho Herrera, Cande de Lançamte e Senhor de Forteventura; no
qual tempo, na era de mil e quinhentos e oitenta e dois anos, foi, da
banda do Norte, Antiinio do Carvalhal P cidade do Funchal, com trezen-
tos homens, que manteve P sua custa cinco meses, do de Maio atC
Setembro, em serviço do Católico rei Filipe, para ajudar a defender a
desembarcação dos franceses da armada de Dom António, que em
aquele tempo na ilha se esperava". RUMEU DE ARMAS, A., i b i d m ,
pp.436, 455459
42 Não obstante assinala-se nos primeiros anos da presença desta forca
alguma animosidade com a populaGo, que deu lugar a algumas alte-
rações, como sucedeu a 6 de março de 1583; veja-se RUMEU DE ARMAS,
A, nrt.cib., pp.4f2-473.
43 SARMENTO,A.k,ob.d.,vol.I,p. 188esegs.
ALBERTO VIEfRA

Note-se que D. Agustin de Herrera, conde de


Lan~arote~ ao~ ,assumir em 1582 a posse, ainda que
temporariamente, do governo da ilha, veio a permitir mais
assíduos contactos entre a Madeira e Lanzarote. Ali s o
próprio conde proporcionou esta situação através de
vínculos familiares com o casamento da sua filha bastarda,
dona Juana de Herrera, filha de Dona Bernaldina, com
Francisco Acciauoli, filho de Zenóbio Acciouli, um dos mais
destacados mercadores e terratenentes italianos,
estabelecidos na ilha desde 1515%. O exemplo foi seguido
por muitos dos militares que o acompanharam*. Por isso no
periodo de 1580 a 1600 os castelhanos adquiriram uma
posição maioritária na irnigraçáo madeirense, como se
poderá verificar pelos registos de casamento da Sé do
Funcha14'.
A noticia e adesão de Cabo Verde 5 nova monarquia
aconteceu em finais de 1581 com o desvio da armada do
Capitão Diego Flores de Valdez que se dirigia ao Brasil.
Filipe I1 determinara que o mesmo procedesse ao
juramento das autoridades da ilha e da Costa da Guiné à

44 BONNET, S., "La expedición de1 marques de Lanzarote a Ia isla de Ia


Madera", in El MWBOC m m i ~X, 1949, pp.5968; IDEM, 'Sobre la expedi-
ción de1 CondeMarqués de Larazarote a Ia isla de la Madera", in Rmista D
Hiftoria Ha la Usaiwsihd & h Lquw n1.115-116 (1956), pp.33-44; SIE
MENS HERNÁNDEZ,L., Ih&nq RUMEU DE ARMAS, A., 'E1 conde de
Lanmte, capitán general de la isla de Ia Madera (1582-1583)",in A~~
Ida Eslulbiar Alkanticm, n1.30,1W,pp.392-492; SOUSA, J. de, "Os espanhóis
na Madeira 1582-15#", in Di&o de N o t k h , 1 de Dezembro de 1984.
45 SARMENTO, k A., Ep9Faaas hisiúrim ch Minha Tenm,vol. I, Funchal, 1946,
p.27; Nobidim'o & CanapiaE, tomo I, pp.50-63.
46 Arquivo Regional da Madeiia, M ~ I Fernchl
~ n1.684,
~ fls.71@711;
Q
M W , L. de S. e, " A imi-ão na Madeira.paróquia da Sé.1571-1600",
in H&& e Sociedade, nl. 3, 1979(republicado em I s L d a , nl.3, 1988,
pp.20-S4), pp.52-53.
47 MELO, L. de S. e, d d t .
1 Las iskar po~tugasesasem r1 tiem90 de Felipe II(1558-1598)

sua soberania. Do relatório enviado em 24 de Janeiro de


1582" é referida a existência de muitos adeptos de D.
Ancónio e dá-se conta da necessidade de protecção das rotas
e comércio da área, com o consequente assegurar da
segurança do arquipélago, adesão i causa de D. António foi
imediata. Note-se que no início de 1583 foi enviada uma
armada da Terceira comandada por Manuel Serradas. A ilha
de Santiago ofereceu resistência e acabou por ser saqueada,
apenas na ilha do Fogo não s e ofereceu resistência e
reconheceu-se a causa de D. António. Filipe I1 soube
perdoar a população por carta de 15 de Novembro de
158F, sendo apenas executados os cabecilhas.
Consumada a legitimação e a soberania de Filipe I1 o
arquipélago entrou no imediato no centro das atenções das
potências europeias beligerantes e em expansão. O papel
fundamental do arquipélago na ligaçáo das plantações
agucmim americanas com os centros aüirri~nosfornecedores
de escravos motivou o interase dos o u m europeus. Primeiro
foram os ingleses a marcar presença amw5.s de Fmcis Drake,
que em 1585 pôs a saque a cidade de Santiago. Em 1598 foi a
vez dos holandeses que tomaram posse da vila da P m k Tenha-
se em consideração que os Países Baixos ao verem-se privados
do fornecimento do sal de Setubalw,procura suprir a sua falta
com o das f i a s de Boavista, Maio e Sai. Sabe-se que em 1597
juntam-se na ilha de Maio três navios ingleses, quatro navios
franceses a outros seis flarnengos, todos em busm de sai. Fdipe
I1 L incessantes investidas à Costa da Guiné e Ghu Verde
vime forçada a apresentar em 15915'um "Regulamentaçãode

MissBw%ddaAfircam, ZQ série, vol. IIi, pp.926.


48 Monu~israt~
49 IWdem, 119-122.
50 m.f.RAU,V.,E s l ~ ~ a P i ~ â o S a l ~ L i s1984,pp.161-165
b o a ,
51 Mofoummta M6s- A- wl. iü,doc.77.

113
dtgffRT0 W I R A

Navega@ Ultramarrna", onde a crença religiosa se tornava


peditivo do c o m k i o colonial. Medida senaeLhante 2 que
sucedia nas Canárias, onde o tribunal da Inquisição de IAS
Palmas estava presente para fazer cumprir a lei.
Mais a sul,nas ilhas de S. Torné e Príncipe o m e n t o de
fidelidade ao novo monarca foi imediato por parte do Capitão
Antdnio Monteira WeiP tal como o mtemunha o acta de 10
de Junho de 1581. Aqui as maiores maidades está0 nas
sublew$es dos negros(l590 e 1595), sendo a mais célebre a
dos angoiares em 1595,c h d k l o s por Amada A presenw dm
holandeses nesta dispa v por condiQões es@as. Ele
porque detinham importantes interiesses na culãira aquamh
americana, procuravam assegurar o domínio de S. Tomé,
Santiago e demais feitorias do comércio de escravos. A isso
j u n m o empenho na rnanutença0 das cotas do ~ % c oe o
obptiw de destniir os hte- açmweiros da á r a Em 1598
foi o ataque a Santiagp e no ano imediato a S. Tom&.Na i i l h
destdram todos m engenhos e m actividade.
1
A união das coroas peninsulares n5o implicou a
incorporação do estado português, que a vários niveis
manteve a sua identidade e sakrania. Estamos na verdade
perante a união de duas coroas e não de atados. A unita
tentativa de unifamização deverá ter sucedido apenas ao
nível política com a criação da cargo de Governador para as
ilhas5%.Este detinha o poder militar e actuava em várias
sectores da administração civil. Na Madeira tivemos J o b

52 Cf.FERES, D., AO Problema dos Governadores Gerais da Ilha da


Madeira., in h k t a de B t h HP6úrhs, nP.l,1925, pp.2-18.
Las islas portuguesas era sI t i e m f i o de Fel@# I1 (1558-1588)

o desde 1581, nos Açores o vitorioso Marques de Santa


deixou na ilha Terceira D. Juan de Urbina com essa
o e de mestre de campo e só em 1583 surge o conde de
Franca com idênticas funções para S.Migue1, enquanto
Cabo Verde o primeiro foi Duarte Lobo da Gama,
.nomeadoem 17 de Agosto de 158'1.
As mudanças mais significativas ocorrem ao nível da
geografia política do espaço atlântico fazendo dele o
palco principal dos conflitos entre as potencias europeias.
h q u i resultou a perda da posição peninsular n o domínio
das rotas deste espaço e para os portugueses o princípio
do fim da supremacia do império orientai. Os Holandeses
são os que mais investem em todas as frentes, acabando
por assumir uma posição relevante para a sua afirmação

A principal consequência desta adesão forçada ou


pacifica das ilhas a nova monarquia ibérica estava na
vulnerabilidade face às investidas dos inimigos europeus.
Os corsários são os principais protagonista. O corso a
partir da década de oitenta tomou outro rumo, sendo as
diversas iniciativas uma forma de represália i união das
duas caroas peninsulares. Ele ficou expresso na
intervenção de diversas armadas: Francis Drake (1581-85),
Conde de Curnberland (1589), John Hawkins, Martin
Forbisher, Thomas Howard, Richard Greenville e o Conde
Essex (1597). Elas não se limitavam apenas ao assalto is
embarcações peninsulares que regressavam 2 Europa
carregadas de ouro, prata, açúcar e especiarias, pois a sua
acção foi também extensiva i terra firme onde

53 VAN DEN BDOGAART, E.,La w n H&&a m d AtAíueim I58a


1800, Madrid, 1982.
ALBERM VIEIRA

htervinham à procura de um abastecimento de víveres e


&guaou do volumoso saque, como sucedeu em 1585 em
Santiago e em 1587 na ilha das Rores,
A partir da união peninsular mudou o equilíbrio de
forças no Atlântico e mais urna vez as ilhas assumem um
papel de relevo na disputa entre as coroas europeias. Na
Madeira sucederam-se inúmeros assaltos franceses que
tiveram a pronta resposta de Trintão Vaz da Veiga. O
mesmo sucedendo nas demais ilhas, com especial destaque
para a de S. Tomé, que acabará por ser um dos alvos
permanentes da cobiça holandesa durante este período da
união peninsular.
Mais tarde, com a ocupação castelhana do arquipélago
açoriano, foi muito sentida a necessidade de uma
imponente fortaleza em Angra, capaz de guardar as
riquezas em circulação e +Ias fora do alcance da cobiça de
qualquer corsário e de suster os ânimos exaltados dos
angrenses. O inicio da construção do mais imponente
reduto do espaço atlântico teve lugar em 1592, a partir de
um plano traçado por João de Vilhena, e só ficou concluído
em 1643.Neste campo foi incansável a iniciativa de Trintão
Vaz da Veiga5' , provido em 1585 no cargo de "geral e
superintendente das coisas da guerra", lugar idêntico ao
assumido na Terceira por Juan Urbina, nomeado em 1583
governador das ilhas e mestre de campo do terço
castelhanox.
A conturbada conjuntura política, que se seguiu nos
finais da centúria quinhentista e princípios da seguinte, teve

54 SaudQder d~h, livm segundo, 199-211.


55 FRElTAS MENEZES, R de, Os A p w s e o Domingo Filipno (I581F1590)..
Angra do Heroismo, 1987,171,210.

116
L a s islas portuguesas e n sl biempo de Fslipe I1 (1558-1598)

o de conduzir a uma mudança do cenário. A crise


dinkisfica e a consequente união das coroas peninsulares
levaram ao seu desagravamento da permitindo uma
abertura total da área ao comércio dos insulares, seus
vizinhos e aos demais europeus, nomeadamente, os
holandeses. Perante isto Santiago deixou de ser o principal
entreposto dos Rios de Guiné, pelo que foram evidentes os
I
I reflexos na economia da ilha. A partir d e 1594 a coroa
!
definia uma política de mimtos no fornecimento de escravos
ao mercado americano, que esteve sob controle dos
portugueses. A união peninsular favoreceu esta posiçãoM.
No período de 1595 até 1600 temos 232 barcos sendo 20
desde Cabo Verde. O papel da ilha de Santiago para as
colónias espanholas da América5',implicou alguns cuidados

I
na sua defesa e manutenção.
Se é certo que num momento determinado as ilhas
fecharam-se ao comércio com os inimigos politicos e
religiosos, também não é menos verdade que a união não
conseguiu garantir o exclusivo dos mercados detidos pelas
monarquias ibkricas, agora unidas. Isto foi um passo para a
partilha do oceano por todas as podncias europeias, que
não prescindiram da posição fundamental das ilhas. Tenha-
se em consideração que no caso dos arquipélagos da
Madeira e Açores não foi fácil ao novo monarca impor
limitações à presença dos inimigos estrangeiros. Não
obstante a ordem de expulsão dos ingleses em 1589 e das
posteriores medidas limitativas do t d ~ c ocornerciai com a
Europa do Norte não se poderá dizer que a ilha viveu um

56 VILA VILAR, E.,ob.ci#., pp.24-58


57 CURTIN, P. D., The Afbntic Slave T~urde.A Census, Madinson, 1969,
pp.104-108
A LBERTO VIEIRA

período de total rotura das suas tradicionais relações com


esta regiãoSB.Situação idêntica se passa com os franceses
onde podemos assinalar o facto de João de Caus, francês,
residente n o Funchal há 19 anos ter sido naturalizado
português em 159059.Na verdade La Rochelle continuará a
ser um porto de permanente contacto com os portos de
Angra, Faia1 e FunchalM.Perante isto poderá concluir-se que
o mercado das ilhas não sofreu qualquer mudança com
estas alterações poiiticas e consequentes represdias.
Na Madeira continuará a afirmar-se a cada vez mais
forte presença britânica que terá a sua consumação plena
na segunda metade do século XVII. Deste modo o mundo
das ilhas continuará alheio ao jogo de interesses europeus.
1
,

I
E apenas nos espaços continentais atlântico {Africa e Brasil}
e no Oriente se torna evidente o assalto dos beligerantes i s
possessões portuguesas, acabando p o r fragilizar a
hegemonia e império que os portugueses havia conseguido
em princípios do século XVI. Neste contexto as alterações
mais significativas ocorrerão nas ilhas de Cabo Verde e S.
Tomé e Príncipe pelo simples facto de ambos os
arquipélagos funcionaram como antecâmara dos centros
abastecedores de escravos do litoral africano da Cdsta e
Golfo da Guiné.
Uma das formas para os mercadores nórdicos que
frequentavam as ilhas se furtaram ã prisão, apenas pelas

58 Esta ideia foi ji defendida por SERRÃO, J . , O ~contrabandom


Atlântico(l580-l590), in ESMOS Históricos M&renses, Funchal, 1982, pp.
129-140.
59 ARM. C W WgktogmI, t. 111, fl. 48.
60 SOARES DE AZEVEDO, J., "sobre o Comércio de La Rochelle com os
&ores no século XVII", in Reuisba Pmlupaa de Hislhh, t. III: 'Nota e
Documentos sobre o Cimercio de La h h e l l e com a ilha Terceira no
século XVII, in Bolalim Iwt. H&. I. Tm'ru,vol. VI, 1948.
I
Las islas portugtlasas en sl tiempo d e Felifls I1 (1558-1598)
t
L
,
I
autoridades das Canárias estava no recurso ao pavilhão de
um pais amigo e ao disfarce do nome, aportuguesandm.
Esta forma de actividade ficou conhecida como comércio
disfarçado6'.N i i s estes eram e continuam a ser os campeões
do contrabando que tinha por palco algumas ilhas como
era o caso da MadeiraBP. Um dos casos paradigmáticos desta
situação, que revela a desigual situação dos mercadores
estrangeiros entre as ilhas dos Açores e Madeira e as
Canárias, sucede com Bartolome Cuello, um mercador
inglês preso em Tenerife a 17 de Janeiro de 1592 e julgado
em 159F. Note-se que este mesmo assim não conseguiu
iludir a perseguição das autoridades inquisitoriais de
Canárias.
Se dermos atenção i volumosa confissão deste mercador
perante o tribunal de Las Palmas teremos facilmente um
retrato da actividade comercial dos nórdicos no período de
1586 a 1591. Aí temos a definição do que se entendia como
comércio disfarçado: "...y demais de 10s navios que... tiene
declarado que an venido la dicha isla de San Miguel con
nombre de escoceses con el mesmo engano... 10s dichos
escoceses traen pasaportes de1 Rey d'Escosia .... 10s
mercaderes que por Ias dichas vias tratan en Espafia tienen
dellos de Francia y d'Escocia y dAeFlandres para las

61 VIERA, A., *O comércio Disfarçadp mas ilhas do Atlântico 0 n e n d . O


Processo de Bartolome Cuello na Inquisição de Las Palmas(1591-98)",in
Anita Novinski(ed.), Inquirição Ensaios sobre M d a d i d d , l h x m k e Arte,
S. Pauio, !992,pp.161-169.
62 Cf.SERRAO,J . , Tmas Hisibicos M & m , Funchal, 1992, pp124140.
63 Cf.W. de BIRCH, G., Catalogiie of the CoUec1i.m of h g t n l Monusmipts for-
w L y behgang to the Hob Of& o f t h Inpidsáliom in & Gnq Isltsads, vul.
111, Liondres, 1903, pp. 10261054; ALBERTI, L., e WALLIS CHAPFUIAPI,
A.B., EngIish Mmchants and the Spanishg lnquisitiopa in ths Canarias,
Londres, 1912, pp. 127-152.
ALüERTO VIEIRA

mercadorias y las sellan con elIos... y en quanto a 10s ,

flamencos de Olanda y Gelanda... 10s susodichos tratan


ordinariament en Ynglaterra como vassailos de ia Reyna y
que traen gran cantidad de ropa y de mercadorias 10 que1
todo ilwan a Espaiia y a estas yslas y a las de San Miguel
fingitndo ser alemanes de Amburch y de Dunquerque en
Flandres...". Seguiram esta prática, para alé de Bar-tolome
Cuello, Thomas Alder, Hot Web, Tomas Simon,JuanJurdan
e Paulo Bux.
A união das coroas peninsulares é o principio do fim da
hegemonia ibérica no espaço Atlântico mas não do
protagonismo das suas ilhas que continuarão a ser espaços
intervenientes nas novas realidades políticas e económicas
que este final de século propiciou. Fazendo jus & sua sempre
presente evidência e afirmação as ilhas reforçam o seu papel
e transforma-se momentâneamente no principal palco dos
conflitos que opóem as principais potencias europeias.
As ILHAS E FILIPE11: A POL~TICADO ATLÂNTICOIBERICO/
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