DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIA AMBIENTAL (PROCAM) DA
CIÊNCIA AMBIENTAL
SÃO PAULO
- 2003 -
MEU CARO SPINOZA,
É O M E U C A S O ), N O D I F Í C I L E F A S C I N A N T E
ESTUDO DA FILOSOFIA.
NISE DA SILVEIRA
À Alik, Érica e Rio mais uma vez obrigada pela leitura e contribuições que
vocês trouxeram para versão final deste texto;
À Fabiana Victor pelo carinho e cuidado com que fez a revisão deste texto.
Aos tios Cristina e Marcelo pelo aconchego e carinho de seu apoio sempre
generoso;
Aos queridos amigos Lica, Leila, Alci, Karla, Cristiano, Érica, Perci, Silvia
Fonseca, Paulo Mandato, Silvia Avanzi e Seu Zézinho pelo carinho e brilho de
nossa convivência;
As imagens presentes nesta dissertação foram impressas em papel 100% reciclado e o texto em papel livre de cloro.
S UMÁRIO .
ABREVIATURAS E SIGLAS............................................................................................... i
LISTA DE QUADROS........................................................................................................... ii
RESUMO................................................................................................................................. iii
ABSTRACT............................................................................................................................. iv
APRESENTAÇÃO.............................................................................................................................. v
1. CENÁRIO DA PESQUISA......................................................................................................... 1
4. A TRAJETÓRIA DA PESQUISA................................................................................... 99
ANEXOS.................................................................................................................................. 187
APÊNDICES........................................................................................................................... 204
A BREVIATURAS E S IGLAS .
L ISTA DE Q UADROS .
R ESUMO .
A BSTRACT .
A PRESENTAÇÃO .
científico não era capaz de suprir meus anseios. Iniciei-me na docência dando
esta relação afetava a qualidade de vida de grupos sociais. Foi dessa forma
que tive meu primeiro contato com trabalhos em comunidades. Para mim havia
conteúdos, mas a construção de uma relação cotidiana entre o bem estar das
presente.
ele, mas deixando suas marcas e fazendo parte de seus fluxos e refluxos. Foi
pesquisa.
Nos últimos três anos a companhia de Espinosa me foi muito cara, pois
fez com que me revisse tão profundamente que, para minha surpresa, revisitei
olhar para mim, para os outros com quem convivo nas diferentes esferas de
processo. Dessa forma, entendo que esta pesquisa, muito embora tenha um
afinada”.
***
1
Nise da Silveira em seu livro “Cartas a Spinoza”, editora Francisco Alves, RJ, 1999.
ix
modo de vida de sua população residente, tanto no “tempo dos antigos” como
uma prática educativa que dialogue com histórias, valores, angústias e alegrias
2
Idem ibidem.
x
ambiental.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 1
C APÍTULO 1 .
C ENÁRIO DA PESQUISA
formalmente direitos é algo muito importante, mas isto não basta para que na
Visto que o trabalho tem como foco a população residente em uma Área
tomadas de decisão que vão influenciar os rumos de sua vida, ou seja, no que
contribuir com reflexões a esse respeito, tendo essa visão mais abrangente
população, seja do litoral sul paulista, seja da região mais ampla do litoral
“Floresta & Mar: usos e conflitos no Vale do Ribeira e litoral sul, SP” (FAPESP
1
São chamadas caiçaras as comunidades formadas pela mistura étnica de Índios, Portugueses e
Negros, cujo o modo de vida é originalmente baseado na agricultura itinerante, na pesca, no
extrativismo e no artesanato. Para maior aprofundamento consultar capítulo 3 deste texto.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 4
temático conta com outros dois componentes: “Uso, estratégias de uso e dieta”,
2
Projeto coordenado por Alpina Begossi e Lúcia da Costa Ferreira.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 5
momento posterior.
3
As referências de autoria de trechos extraídos das publicações do Grupo de Educação Ambiental são
apresentadas em caixa alta a fim de ajudar o(a) leitor(a) a diferenciá-las das citações bibliográficas
presentes no interior dos textos do Grupo.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 6
Carlos Amorim.
Passos.
ambiental. Creio inclusive que o Grupo desempenhou este mesmo papel para
todas as suas integrantes, mas uma vez que esta sessão foi destinada a expor
grupo que aos poucos foi se definindo. Iniciamos nossos trabalhos pensando
“Floresta & Mar”, na época, recém aprovado pela FAPESP. Nesse ano
de construção de conhecimento.
4
“Movimentos da Grupalidade”. In: FREIRE, Madalena et alli. Grupo: indivíduo, saber e parceria: malhas
do conhecimento. Espaço Pedagógico,São Paulo, 1997.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 9
metodológico recebeu forte impulso. Durante esse ano foram também gerados
de Curso (TCC). Desta forma foi dado início ao delineamento das relações
pesquisadoras-comunidades do Vale.
sentíamos. Com o desenrolar dos trabalhos fomos nos convencendo cada vez
por sua vez alteraram sua dinâmica interna, mas não de funcionamento
situações de campo, realizar reflexões conjuntas sobre ambos etc.. Mas algo
Nossas idéias foram bem aceitas e calorosamente discutidas nos coletivos dos
falas e ações.
produção coletiva do conhecimento. (...) Uma das dimensões deste processo consiste
que o mesmo ocorra com as pessoas e grupos com os quais atuam” (Sorerntino,
2001:7).
local.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 13
preservada do país.
5
O patrimônio natural do Vale do Ribeira, segundo Hogan et alli (1999), compreende mais de um milhão
de hectares de vegetação nativa, que correspondia a cerca de 64% da região até 1988.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 14
alli, 1999).
vislumbrada por comunidades locais, da inversão desta situação, uma vez que
de acordo com este mesmo trabalho “a história comprova que não é viável a
O que equivale dizer que é necessário, antes de mais nada, aprender com elas
Sócioambiental, 1998:176).
alli,1999:15).
(Carvalho, 1999:29).
(Soares et alli, 1999:16), dos quais cerca de 23,9% são ilha compridenses
Comprida sete são caiçaras: Vila Nova, Pedrinhas, Sítio Arthur, Ubatuba,
de lotes, praticamente toda a Ilha foi loteada e vendida, sendo que muitos lotes
dizia aos moradores que seus impostos estavam atrasados. Segundo o acordo,
após terem pago os impostos, a companhia daria aos moradores uma escritura
abraço, tentando, anos mais tarde, tomar posse das terras dos moradores.
Melhoramentos de Cananéia pelas vias judiciais, sem ter até hoje uma solução
legal (Carvalho, 1999). Com isso os moradores locais perderam grande parte
das práticas agrícolas, quando dizem que deixaram de plantar “depois que
6
Os loteamentos são os chamados balneários.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 17
natureza, pois nesse ano foi criado o primeiro parque nacional do mundo, o de
Yellowstone nos EUA (Brito, 1995; Silveira, 2001). A criação desse parque foi
(Diegues, 1996).
Com a criação de Yellowstone foi determinado que sua área não poderia
para outros lugares no mundo, com apogeu nos anos de 1970 (Brito, 1995).
locais foram fundamentais nas UCs (“o bem-estar daqueles que vivem e
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 18
trabalham nos Parques Nacionais deve sempre ter uma primeira consideração”
manejo.
2001).
Estadual de Ilha Comprida (APA-IC). Deste modo Ilha Comprida ficou inserida
a) Zonas Urbanas
• ZU 1, 3 e 4: Lotes mínimos de 500 m2 desde que existente rede de abastecimento
de água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento.
• ZU 2: lotes mínimos de 1000 m2 desde que existente rede de abastecimento de
água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento.
b) Zona de Ocupação Controlada (1 e 2)
• a. lotes mínimos de 1500 m2, quando adotado sistema coletivo de tratamento
completo de esgoto ou solução equivalente.
• b. lotes mínimos de 3500 m2, quando adotado sistema individual de tratamento e
disposição de esgotos compatível com o inciso V do artigo 2o do Decreto 30.817/89.
c) Zona de Proteção Especial
• não serão permitidos parcelamento de solo, qualquer que seja a sua modalidade
d) Zona de Vida Silvestre
• regulamentada pela resolução CONAMA 10/88. Estabelece condições ou proíbe
urbanização, atividades agrícolas ou pecuárias, mineração, terraplenagem,
escavação, drenagem e outros. Pode proibir o uso da biota de tal forma a restringir o
exercício da propriedade privada - indenização (equivalente a reservas ecológicas
públicas ou privadas) ou permitir o uso moderado e auto-sustentado da biota,
regulado de modo a assegurar a manutenção dos ecossistemas.
OBS: Zonas urbanizadas até agora: ZU 1, ZU 2, ZU 3 e ZOC2.
A APA Federal, por sua vez, prevê sete unidades de gestão. Nesta
proposta Ilha Comprida ficou inserida em duas delas: Zona I. Alta proteção
A APA de Ilha Comprida foi criada sem a consulta dos residentes locais,
ponto de vista formal, a maneira como foi implantada e tem sido gerida a APA-
´inclusivo´.
desta população, como pode ser observado nos trechos transcritos abaixo:
38).
estabelecidos historicamente".
“Eu achava bom plantá, né. Mas agora eles não quer. A
plantação é uma coisa que ajuda, né. Eu pago a mandioca, eu
pago a farinha, tem o milho pras galinhas, pra fazer uma
mistura, né. Tem a batata, tem tudo pra mistura, né. Mas não
plantamo, né. Então tem que comprar. Tudo comprado. (...)
Por que o IBAMA não deixa mais, porque se fosse prá plantá
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 25
garantido, porém participar muitas vezes acaba sendo uma imposição vinda de
(...) não garante, por si só, que sua implementação se dará democraticamente,
direitos e deveres, mas que sobretudo o institui como criador de direitos que
destino.
7
Em 1997 a Prefeitura Municipal de Ilha Comprida estimava que a população do bairro fosse composta
por cerca de 40 famílias (Hanazaki, 1998). De acordo com dados obtidos em 30 de julho de 2002, a partir
da atualização do cadastro realizado pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Município, o
bairro de Pedrinhas conta atualmente com 96 famílias. Este aumento no número de famílias do bairro se
deve, segundo uma das agentes comunitárias de saúde, ao grande número de casamentos recentes.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 27
Ilha Comprida, coletados por Soares et alli (1999), assim como os depoimentos
permitiu identificar a retomada dessas práticas como uma demanda local por
caiçara, com seu jeito a princípio desconfiado, mas que vai aos poucos
muitas gerações.
8
Pesquisadores do componente “Uso, estratégias de uso e dieta”, do projeto temático.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 28
indivíduos se percebem como sujeitos que têm direito a ter direitos (Jelin,
C APÍTULO 2 .
publicações, foi reservado o direito de, neste texto, fazer citações mais longas
1
1. "Partilhando Saberes: reflexões sobre Educação Ambiental no Vale do Ribeira, SP". Trabalho apresentado
no EPEA - "Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental: tendências e perspectivas". UNESP, USP, UFSCar,
Rio Claro, jul. 2001 e publicado na revista Educação : teoria e prática. Rio Claro: UNESP – IB, volume 09, no 16,
2001. autoras: COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik; OLIVEIRA, Caroline Ladeira de;
SPEGLICH, Érica; JUNQUEIRA, Kellen; AVANZI, Maria Rita; NONATO, Rita de Cássia; SAMPAIO, Shaula
Maíra V. de; OLIVEIRA, Vivian Gladys de.
2. “Reflexões Metodológicas sobre Construção Coletiva de Conhecimento e Educação Ambiental”. Trabalho
apresentado no X Seminário de Educação Ambiental. UFRJ, IME, UFG, entre outros, Rio de Janeiro, nov. 2001.
Publicado no livro: Mata, Speranza et alli (org.) Educação Ambiental: Projetivas do século. Rio de janeiro, MZ
Editora, 2001. autoras: AVANZI, Maria Rita; COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik;
OLIVEIRA, Caroline Ladeira de; SPEGLICH, Érica; NONATO, Rita de Cássia; OLIVEIRA, Vivian Gladys de.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 31
50-51).
tem por base que o sujeito, seja ele individual ou coletivo, adquire poder
sustentável sem uma base técnica e científica, e para que isto se processe é
satisfações viáveis e possíveis, pois não se trata apenas de saber, mas sim de
implica no respeito aos diferentes ritmos; “não forçar ninguém”, uma vez que é
atividades, pois possui uma lógica própria que deve ser considerada na hora de
o trabalho.
sendo esta última realizada no Vale do Ribeira, apontam que dentro do campo
da educação ambiental tem sido presente também uma visão que se contrapõe
2
Os trechos retirados das publicações do Grupo de Educação Ambiental estão em fonte de outro tipo. As
referências de autoria destes trechos são apresentadas em caixa alta a fim de ajudar o(a) leitor(a) a
diferenciá-las das citações bibliográficas presentes no interior dos textos do Grupo.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 34
são fundamentadas por uma visão preservacionista que não inclui o morador
analisadas no Vale do Ribeira (Nonato & Avanzi, 2001), orientados por esta
relacionam-se a ações pontuais, como por exemplo coleta seletiva (ou não) de
lixo, plantio de árvores, trilhas interpretativas etc. Com isso desconsideram uma
da coesão de grupo". Para o autor é neste ponto que reside "o baú da onde se
quem a educação ocorre nos mais diferentes espaços e situações sociais, num
Podemos perceber pelo que foi trazido até o momento que os propósitos
deste trabalho encontram-se em consonância com aqueles da pesquisa
participante e da pesquisa-ação. Há, inclusive, autores que se utilizam da
expressão Pesquisa Ação Participante (Thiollent, 1986, Sawaia, 1987). Bader
Sawaia (1987) traz importantes contribuições ao debate sobre a pesquisa ação
participante, situando suas dimensões epistemológica, social e política.
algo que já está pronto [ou se limitar a ser mera fonte de informação para
pesquisas ou ações de terceiros], requer uma flexibilidade de seus facilitadores
e do programa. Uma vez que a ênfase deste trabalho é o processo de
envolvimento da comunidade, partindo de algo que lhes é familiar e
incorporando novos repertórios, e que procura desconstruir uma lógica que
impõe as verdades científicas ou ambientalistas ao seu público alvo, entendemos
que este processo fluido é central para o sucesso da proposta.
questões que nos mobilizaram durante esta pesquisa: ‘o que leva o indivíduo a
revolução).
vários significados que lhe são atribuídos. Faz uma distinção do significado
De acordo com essa autora, até os anos 80, participar significava ter alto
(de grupos ou indivíduos) para a realização de ações cuja meta era atingir a
(Sawaia, 2001:117).
3
"Nos anos 50, os indicadores da participação são associados à teoria do desenvolvimentismo, central
nos trabalhos de modernização de comunidade na América Latina. A preocupação é com a participação
do cidadão em projetos de modernização das comunidades pobres. Aparece como conceito central na
teoria dos grupos e de liderança. Nos anos 60 aparece com dois sentidos: 1) ênfase no utilitarismo da
eficiência organizacional e social. A meta é a participação nos lucros das empresas e o aperfeiçoamento
do processo democrático e 2) como conceito chave na ciências sociais comprometida com a
transformação social, sinônimo de resistência e ação revolucionária. Seu destinatário é o trabalhador, sua
condição, a conscientização e suas formas, a mobilização em torno de reivindicações locais, trabalhistas
e sociais" (Sawaia, 2001:117).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 43
ser o tempo das ações políticas pontuais e passou a ser o tempo do cotidiano.
sustentável.
4
Fashion ou “tirania da moda”, conceito este “usado por Jacques Bouveresse para referir-se à pressão
que faz com que os intelectuais franceses escrevam cada vez mais [sobre um determinado assunto]
tendo em vista a recepção midiática [em detrimento da precisão conceitual]” (Sawaia, 2001:116 nota 1).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 44
sujeito histórico.
perigo é o pensamento que quer tudo relativizar para tudo poder justificar”,
filósofo "desloca o político para o campo da ética e esta para o das emoções.
(onde se tem os fatos), nem do âmbito da linguagem (onde se tem idéias que
como o somos, são determinantes para a constituição dos valores éticos, pois
idéia de bom é comandada pelo desejo de ser feliz e o que alegra o homem é
sua disposição de ser livre, de pensar e agir por si próprio (Espinosa, 1983).
agente que se reconheça como sujeito de sua ação; b) esse agente só pode se
reconhecer como sujeito da ação se ele for livre para realizá-la; c) ele só se
sentirá livre para realizá-la se tiver consciência da ação que realiza e d) se for
autodeterminar para a ação”. Mas não se pode esquecer que este sujeito é
5
Uma das obras de Espinosa é denominada Ética e está dividida em cinco partes ou livros.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 46
desejo de ser feliz e livre. "Participar para não ser governado, para viver em
alegria de não ser comandado e para evitar que o desejo de não ser governado
(Sawaia, 2001:125).
depois vem o resto; 2) inverte a concepção de que deve se escolher uma ética
Considerar isto é importante para desfazer o mito de que o pobre não tem
de ação e caberia aqui fazer uma breve apresentação desse último conceito,
acaso dos encontros, joguete dos acontecimentos, pondo nos outros o sentido
que o que move a participação é a vontade de ser feliz, cuja ação reflete, no
limite, na ação política transformadora, mas o motor dessa ação não é apenas
participação.
que possui e constrói para modificar a realidade, bem como consciência de sua
envolver com as regras sociais de maneira ativa e crítica e não apenas como
6
Cf. página 36 do presente texto.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 48
emoção e a razão. Se para Demo (1995:18) a coesão do grupo seria "a parteira
não se trata de identificar o que vem primeiro, mas compreender a busca das
complementares.
Amsterdam.
emigrou para Portugal por volta de 1492 onde seus integrantes se converteram
7
Baruch, ou Bento em português, ou Benedictus em latim (Espinosa, 1983 e Chaui, 1995).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 49
Holanda.
família que não iam bem, passando a se dedicar ao polimento de lentes para
que ninguém mantivesse qualquer tipo de contato com ele, Espinosa, segundo
Espinosa deixou onze obras, são elas: Breve tratado sobre Deus, o
esforço hermenêutico, pois “o vínculo entre língua e idéia é interior, de tal modo
que para exprimir a mesma idéia em outra língua não é possível recorrer à
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 50
tradução literal, mas é necessário (...) habitar a outra língua como um todo e
sentido porque lhe mostra o modo como seus conceitos estão sendo
pode ser lido e compreendido em qualquer época (um Clássico), pois, “no
modo como enfrenta as questões de seu tempo e a elas oferece respostas, [tal
obra] ensina-nos a interrogar nosso próprio tempo, (...) nos fazendo pensar
para além dela, e graças a ela” (Chauí, 1995:81) sendo, desta maneira, a
história interna ao próprio texto. Ao passo que nos textos hieroglíficos a história
(1999), uma vez que ele próprio considerava sua produção inteligível, fazendo
compreender uma pequena parte de sua filosofia com o auxílio de autores que
8
Grifos de Chauí (1999). As obras de Espinosa foram escritas em latim e holandês.
9
De acordo com Chauí (1999:18) um princípio da hermenêutica espinosana consiste em “resolver uma
dificuldade de interpretação recorrendo a outros textos do mesmo autor ou do mesmo livro sobre o
mesmo assunto”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 51
hierarquia ontológica dos seres (e, portanto das classes sociais), de finalismo
ação dos seres finitos e é conhecido pela ação (experiência e práxis) dos
humanos.
ontologia é fundada pelo histórico-social, pela práxis; que a ação humana funda
infinita do ser absoluto: Natureza e/ou Deus é a ação das coisas singulares
finitas e práxis humana. (...) Ao fazê-lo Espinosa retira o solo onde se movem o
1994:11).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 52
nota II), uma vez que para este a verdade é algo extrínseco a idéia e se
XVII:
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 53
Idolatria do mercado como organização sócio- Pluralidade infinita das forças produtivas
política das relações de produção. singulares indomáveis porque são forças de
apropriação ou desejo.
Burguesia holandesa submissa à crise e às idéias Potência infinita do ser que se irradia em
da transcendência e da hierarquia. expressões singulares, necessárias e livres e cujo
poder se realiza plenamente na democracia.
Teoria hobbesiana do contrato e da autoridade Constituição do político pela multitudo cujo poder
política formada pela passagem do fato ao direito é direito e cujo o direito é poder, ambos como
como obrigação. desejo de liberdade (governar e não ser
governado).
éticos. Ele descreve primeiramente dois tipos de encontros: bons - aqueles que
1997:474).
que estes aqui citados servem bem para efeito de explicação teórica, sendo
com as paixões tristes. Estas últimas, muitas vezes, promovem ações muito
10
“‘Affeccitiones’, termo latino que significa, grosso modo, ‘os modos pelos quais as substâncias são
afetadas’, como um pedaço de madeira é afetado ao ser pintado de vermelho ou como uma cadeira é
afetada ao ser quebrada” (Scruton, 2000:12). Ou para usar as palavras de Chauí (1995:105) a afecção
espinosana refere-se a “toda mudança, alteração ou modificação de alguma coisa, seja produzida por ela
mesma, seja causada por outra coisa”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 55
consciência da causa primeira de nossos desejos, pois, segundo ele, são estes
do encontro ativo deriva de uma causa interna (”idéia adequada”), sendo assim
permanente, necessária.
Uma idéia adequada é aquela que expressa sua causa, ao passo que
uma idéia inadequada não o faz, sendo, portanto, fonte de erros e ilusões. Por
exemplo, define-se “um círculo quando se diz que ele é produto de rotação de
passo que quando se diz que um círculo “é uma figura geométrica cujos pontos
financeiros para garantir a casa própria, mas o que move este poupar não é a
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 56
casa em si, mas a segurança e o conforto que ela representa, sendo esta a
adequada equivale a ter uma idéia verdadeira e “ter uma idéia verdadeira
Por sua vez, uma idéia inadequada “não se explica formalmente pela
(Deleuze, 2002:84).
somam suas potências. Uma vez que os seres humanos possuem a mesma
natureza, teoricamente, seus encontros deveriam ser ´pura alegria´, mas como
são sujeitos às paixões concordam muito pouco entre si. Assim sendo, a
explicam-se pela natureza do corpo afetante, são paixões, visto que suas
causas não nos são internas e sim externas. Tanto alegrias como tristezas
podem ser paixões, pois estas são “sentimentos causados em nós por coisas
Deleuze (2002) mostra que, segundo Espinosa, não basta que nossa
interna ou de uma auto-afecção será esta uma paixão alegre, caso contrário
uma paixão triste. Cabe colocar que “toda essência11 é pois essência de
alguma coisa com a qual se está em relação recíproca” (Deleuze, 2002: 78).
Espinosa nos diz que os seres humanos são parte da natureza e, que
relacionada com a nossa capacidade de ser afetado pelo outro, podendo esta
poder de ser afetado, pois ao sermos afetados por esta ou aquela afecção
grau de potência. Deleuze (2002:107) nos coloca que “um mesmo indivíduo
não tem o mesmo poder de ser afetado, criança, adulto [ou] velho, com saúde
11
De acordo com Deleuze (2002:89) essência em Espinosa significa “grau de potência”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 59
noção comum
Elaborado por Costa-Pinto, 2002
cultivam e delas dependem. Segundo Ferreira (1997) uma paixão só pode ser
servil, não combate as paixões nem organiza a vida política” (...) “a descoberta
dos valores éticos é feita por via racional” (Ferreira, 1997:469 e 475), porém a
busca por elas é a busca do reconhecimento das relações comuns que existem
entre os corpos.
unicidade, uma vez que compreendemos que a busca do que é comum não
12
É importante ressaltar que noção comum NÃO é o mesmo que senso comum. Este último, de acordo
com Abbagnano (1982:841) significa maneira comum de falar ou viver, é um julgamento sem reflexão,
comumente sentido por todo um povo, toda uma nação. Refere-se a um sistema de símbolos de um grupo
social, sistema este antes prático que intelectual composto pelas “tradições, ocupações, técnicas,
interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõe são efeito da linguagem
quotidiana comum, pela qual os membros do grupo se comunicam” (...), senso comum são juízos “que
não se encontram demasiado contaminados pelas teorias” (Blackburn, 1997:355).
13
Valem aqui as colocações feitas no parágrafo anterior, uma vez que compreendemos que a
similaridade não exclui a pluralidade.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 61
dizendo que as noções comuns “são idéias que são formalmente explicadas
idéia do que é comum entre o nosso corpo e este outro. Essa experiência da
mente passa de uma paixão para uma ação, da imaginação para razão14. A
comuns. “As primeiras noções comuns são pois as menos gerais, as que
alegria-paixão; 2º) dessas noções comuns decorrem por sua vez afetos de
alegria, já que não são paixões, porém alegrias ativas que vêm, por um lado
comuns e os afetos ativos que delas dependem dão-nos força para formar
nosso corpo e corpos que não lhe convém, que lhe são contrários ou o afetam
14
Os conceitos espinosanos de razão e imaginação serão mais desenvolvidos posteriormente neste
mesmo capítulo.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 62
da tristeza”.
noção comum A
2º MOMENTO
(noção comum
mais geral - B)
alegria ativa B noção comum B
(aumenta nossa
potência de ação)
diz que para produzir estes encontros alegres e ativos é necessário que a
tais como vingança, inveja, crueldade, cólera etc. com a falsa sensação de
liberdade.
penso, portanto sou” de Descartes, para quem a existência emana dos atos de
negar, o que exclui a dúvida, pois esta requer existência para se manifestar.
maioria das nossas idéias opera neste nível. O processo prático de Espinosa
não se faz possível em relação à opinião e à revelação, pelo fato das causas
15
Deleuze, 2002.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 65
materialmente.
por meio da noção comum. “As noções comuns são os pilares que se erguem
segundo Hardt (1996: 159) “a mente forja a noção comum a partir de idéias
da sabedoria”.
sábio, mas é justamente a busca pela beatitude (felicidade suprema) que move
imaginação opinião
revelação
noção comum
o primeiro é aquele em que a maioria se encontra. Isto tira das mãos dos
superstição, pois segundo ele o ser humano livre não é aquele que faz o que
quer na hora que quer, mas aquele que tem consciência de suas
16
A noção corrente de livre arbítrio a que nos referimos neste texto é um conceito criado pelo cristianismo
para explicar o pecado original e aqueles que os homem cometem. “É a liberdade da vontade para
escolher entre várias opções, (...) pressupõe que os acontecimentos do mundo são contingentes e
dependem da vontade humana para se realizarem ou não”. (Chauí, 1995:107)
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 68
regras que regem as coisas que o cercam, que conhece as causas de seus
dela. De acordo com Scruton (2000: 41) o ser humano livre de Espinosa “é um
sabedoria não é uma meditação sobre a morte mas da vida”, não sendo levado
pelo medo da morte uma vez que vive sobre o ditame da razão. Ser livre não
E complementa, “um homem que é guiado pela razão é mais livre num
Estado, onde vive segundo as decisões comuns, do que na solidão, em que ele
(Scruton, 2000:42). Nesse ponto Espinosa fala de uma liberdade que está
definido pela potência do homem, ou seja, pela razão. Assim sendo, a ação
ética é sempre uma coisa boa, pois de acordo com Chauí (1995:105) são
nosso intelecto, nossa razão, pois aí reside a felicidade suprema, uma vez que
formemos idéias adequadas das coisas. Isto nos alegra e incrementa nossa
pensar o mundo para começar a criá-lo” (Hardt, 1996:105). Estar potente é ter
que nossa capacidade de agir, que nossa potência de ação seja aumentada, o
ação, o ato de agir nos alegra e desta forma nos potencializa, num processo de
alimentação recursiva.
espinosano pelo nível mais baixo da organização social, atendendo mais uma
cima: assim como “ninguém nasce racional, ninguém nasce cidadão” (Hardt,
que, segundo Hardt (1996:168), “significa dizer que nenhuma ordem social
pode ser imposta por quaisquer elementos transcendentes, por nada de fora do
relações úteis. Cabe aqui lembrar que é útil tudo aquilo que aumenta a
um corpo pode fazer (sua potência) é também seu direito natural” (Hardt,
‘apetite’, o desejo de ser feliz, que é expresso pelo próprio conatus, o esforço
(Chauí, 1995).
nosso poder de ser afetado, havendo aqui uma dinâmica entre o que eu posso
fazer, sendo esta uma atitude ética pois empreender algo nos alegra por ser útil
exerce seu direito natural contra o outro, cada um representa uma ameaça ao
Para Espinosa a finalidade do governo não é garantir uma vida justa aos
cidadãos, mas sim garantir a livre expressão de agir e pensar, sendo a justiça
regras (leis) são fruto de uma construção coletiva (direta ou indiretamente via
representantes).
Porém, diante do exposto acima, o filósofo faz um alerta quando nos diz
impor um regime político, em que o povo não veja como exercer seu direito
felicidade, potência de ação e vida social: ser livre relaciona-se com ter
consciência das regras que regem o que cerca o sujeito, das próprias
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 73
aumento de nossa potência de ação, o que por sua vez, está em relação direta
nela a descoberta pelos seres humanos das vantagens de unir forças para a
liberdade, pois quanto mais potentes mais livres somos e essa liberdade é a
própria felicidade, felicidade de ser, de agir e pensar por conta própria sendo
C APÍTULO 3 .
bairro, sendo considerado fundador, por ter sido “criativo”, pois ao chegar no
local onde hoje é o bairro de Pedrinhas abriu seu comércio - uma venda, cedeu
1
Denominação utilizada por Carvalho (1999). Eduardo Lisboa é fundador mítico de Pedrinhas, assim
como Pedro Álvares Cabral é o fundador mítico do Brasil. Ver também Diegues (1997) e Furlan (2000, vol
2) sobre a relação entre mitos fundadores e identidade cultural de ilhéus.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 75
moradores coletados por esta pesquisa, para salão de baile, tornando-se assim
dentro”. Cabe ressaltar que todo o trajeto é percorrido sobre areia, não
perguntar: o que tem para fazer aqui? Isso de fato aconteceu, em meu primeiro
campo, fui abordada com essa pergunta por dois turistas jovens que acabavam
Pedrinhas. Como a maioria das ruas tem um traçado irregular e esta rua
principal é a mais larga, num primeiro momento ela parece ser a única rua do
2
De acordo com Hanazaki (1998) 1/3 das casas existentes em Pedrinhas são de moradores caiçaras,
sendo os 2/3 restantes pertencentes a turistas.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 76
que o bairro de Pedrinhas conta com uma população total de 252 moradores
constatar que, para fins administrativos, o que hoje denomina-se Pedrinhas vai
além dos limites identificados pela população local. Ou seja, o que oficialmente
lagunar, onde cada um tinha seu próprio porto e sua trilha de acesso à praia.
são uma forte referência para os mais velhos, que têm parte de sua história
era a pesca, mas aos poucos começaram a comprar lotes e a construir casas.
A expulsão das famílias ali residentes deu-se por volta das décadas de 1960 e
acordo com depoimento de morador local coincidiu com a época em que foi
aberta a estrada que liga o bairro à praia, permitindo dessa forma o acesso por
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 77
quase que exclusiva de casas de turistas com suas marinas particulares, sendo
poucos os moradores que ainda possuem terras nessa área. Existem apenas
dois portos públicos, que coincidem com as duas únicas ruas que chegam até
núcleo com padrão “desordenado” de ocupação onde as casas não têm muros,
em Pedrinhas, foram dispostas no sentido mar a mar para que todas tivessem
próximas umas das outras. Cabe aqui lembrar que tradicionalmente as casas
caiçaras não têm muros ou portões, "os caiçaras não costumam marcar suas
3
Pelo fato de estar indefinida até hoje a situação legal das terras de Pedrinhas, em virtude do processo
que corre na justiça contra a Companhia Melhoramentos de Cananéia, a negociação de terras se dá por
compra e venda de posses, não havendo escrituras.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 79
posses com cercas ou 'linhas de divisa' " (Diegues & Nogara,1994:157), sendo
distribuídas de tal forma no espaço que cada uma tem seu quintal e não tem
vizinho de parede.
posse coletiva, ou seja, as áreas utilizadas por seus membros são de posse da
ser utilizadas por outra família desde que a permissão seja pedida. A posse
dos territórios é "conservada pela lei do respeito que comanda a ética reinante
uma outra referência de espaço. O território como lugar vem sendo reduzido a
2000:288).
e como elas são vistas pelos moradores, qual é a ocupação atual destes
nenhuma ligação direta entre ela e a religião de acordo com a fala de seus
Vale ressaltar que, ao menos nos últimos dois ou três anos, católicos e
bastante interessante para o fato: diz que esses moradores que não
fizessem parte de uma outra comunidade só porque tem uma religião diferente.
4
São aqui chamadas de lideranças formais aquelas ligadas a cargos institucionais.
5
Prefeitura Municipal de Ilha Comprida
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 82
Cabe aqui fazer uma colocação que se refere à fluidez das relações
entre as pessoas dentro do bairro, pois uma vez que, via de regra, a população
tanto pelo conhecimento dos ciclos biológicos das espécies e pelo domínio da
com os intermediários que compram estes produtos. Desta forma, pode haver
6
Estão sendo chamados de lideranças não formais aqueles que não necessariamente pertencem a
alguma organização e/ou instituição, mas são referências para indivíduos ou grupos no momento de
tomadas de decisões e pelo fato de atuarem como mobilizadores/aglutinadores de outras pessoas em
torno de determinados assuntos ou ações e de lideranças potencias aquelas pessoas que começam a
despontar como representantes ou referência para a comunidade ou para grupos dentro dela. (Avanzi et
alli, 1999).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 83
município na gestão anterior, sendo que desde 1989 vem desenvolvendo sua
uma série que veio depois, como por exemplo a construção e a ampliação do
laços comunitários.
participação “em tudo o que é canto” nos eventos da igreja católica. Durante as
“(...) então chegou pelo ano de 1937 mais ou menos, foi eles
[os ‘antigos’] correram atrás, que... sentiram a necessidade de
os filhos estudarem, de alfabetizarem, porque já cresceu a
vila, bastante criança já com condições de ter uma escola (...).
E aí veio a professora, começou a dar aula, né, e com o andar
do tempo foi passando uma das professora descobriu que o
núcleo ninguém tinha.... Tinha religião de católico, mas não se
tinha um padroeiro, não se tinha um lugar realmente certo pra
rezar a não ser na escola ou na casa de alguém, que se
rezava só o terço. Então uma vez por mês, depois de muitos
anos, eles conseguiram trazer, uma vez ou outra, uma vez por
ano, o padre pra celebrar missa e... uma das professoras
católicas observaram que o pessoal tava crescendo
praticamente sem uma religião, todo domingo ter a onde ir.
Então ela vendo que era um núcleo de pescador, resolveu
trazer um padroeiro que era São Pedro, porque São Pedro é o
padroeiro dos pescadores, então aí que começou a ter os
culto, as rezas diante do São Pedro e depois, uma vez ou
outra, vinha o padre celebrar missa (...)” (Ezequiel,
depoimento coletado por Hanazaki, 1998).
bairro.
mais uma reflexão. O canto então era repetido e o ciclo se reiniciava. Durante o
enfeitada com flores e era carregada em um andor por quatro homens. Vale
comentar que o som de rojões acompanhou toda a procissão, não por gosto do
padre, mas por iniciativa de um dos líderes comunitários católicos que fazia
ex-governador do Estado de São Paulo Mário Covas e sua “postura laica”, “tudo
tinha que ser laico”, sendo assim o único conhecimento válido passa a ser o
lideranças, que hoje estão na faixa dos 50 anos e ainda estão à frente das
participação dos jovens, que hoje estão entre os 25 e 35 anos de idade. Esses
Durante sua gestão, foi legitimada como uma liderança pelos moradores dos
política do bairro junto ao poder público municipal, mas cabe aqui questionar se
470 anos.
dezenas de barcos enfeitados que desfilaram pelo mar pequeno ao longo das
7
“Vida Caiçara” é um CD que o músico e compositor caiçara Carrigo, nascido em Antonina- porção
panaense do Vale do Ribeira, gravou com diversos parceiros ao longo de anos, em que canta a poesia, a
música e a vida caiçara. Roberto Bürgeo é diretor artístico do Estúdio Alma Sintética, onde o CD foi
gravado.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 89
peixe e que leva e traz o pescador de volta para o seu lar. Um mar que está
com o peixe que sustenta tantas famílias de Cananéia. “Todos nós temos que ser
é preciso ter consciência de que “tudo que eu jogo na rua vai para o mar” (padre
“O homem peca pela ganância, pela corrida pelo lucro” e isto destrói o meio
ambiente que Deus nos deu. É preciso ter em mente que “nada está acima da
a todos que orassem para que o coração de cada um dos ali presentes os
religiosas, todos os anos uma grande feira é montada, com muitas barracas
têm uma parcela de sua renda mensal ligada a atividades turísticas8, com
poucas exceções.
turismo não veio substituir as demais atividades como pesca, roça, fabricação
estas outras, o turismo (Diegues & Nogara, 1994; Carvalho, 1999; Adams,
2000 e Diegues, 2001). O mesmo já não pode ser dito em relação à população
abaixo dos trinta anos, pois para essa faixa etária as atividades ligadas ao
A partir do Quadro 4 (p. 129 do presente texto), que mostra, entre outras
coisas, a relação das atividades que compõem a renda mensal dos moradores
que participaram de ao menos uma das Reuniões do Plantio9 (RP), pode-se ter
atividades. Muitas delas ocupam seu dia com idas para "o mato" para coletas
8
Tais como caseiros(as), jardineiros(as), lavadeiras, piloteiros, pedreiros, comerciários(as), comerciantes,
faxineiros(as) entre outras.
9
Durante a presente pesquisa se organizou um grupo de moradores interessados em plantio no bairro de
Pedrinhas, os encontros deste grupo para pensar a retomada de atividades agrícolas denominou-se
Reuniões do Plantio. Para mais detalhes ver capítulos 4, 5 e 6 deste texto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 91
posterior comercialização13.
roupas, arrumação das casas, sendo que algumas também são cozinheiras.
implica fazer faxina, lavar e passar roupa, cozinhar, costurar e também cuidar
dos filhos. Cabe aqui ressaltar que mesmo algumas das que possuem
vegetal.
10
Várias espécies de briófitas são coletadas incluindo Schlotheimia rugifolia, Campylopus lamellinervis, C.
trachyblepharon, Syrrhopodon leprieuirii, Sphagnum recurvum e S. capillifolium (Hanazaki, 2001). Sendo
estes classificados pelos extratores em diversas categorias, entre elas veludo e fofão.
11
Rumohra adiantiformis (Oliveira, 2002).
12
Uma mala corresponde a um maço contendo 60 folhas, organizadas em 6 macinhos de 10 folhas cada,
esses macinhos são nominados malinhas.
13
A prefeitura municipal da Ilha era uma parceira da Associação de Manejadores de Plantas Nativas de
Ilha Comprida – AMPIC. Esta parceria foi rompida em outubro de 2001. Para saber mais cf. Oliveira,
2002.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 92
dessas visitas era identificar moradores que ainda estavam envolvidos com
Reuniões de Plantio.
1958; Adams, 2000) são hoje residuais, não só no bairro de Pedrinhas como na
Ilha Comprida como um todo (Hanazaki, 2001). Aqueles que ainda cultivam a
feijão, cana, abóbora, batata doce, café, entre outros. A unidade de produção é
14
Chamam de “mandioca” a mandioca brava, que se destina à produção da farinha e seus derivados, e
de “aipim” a mandioca de mesa.
15
Da mesma forma como descreve Furlan (2000) para os caiçaras residentes no interior e entorno do
Parque Estadual de Ilhabela, SP.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 93
2000).
que a farinha disponível no comércio local é, vez por outra, proveniente da Ilha,
produtos típicos de roça como mandioca, cará, batata, abóbora, cana, etc. as
construindo sua sede social no bairro em terreno próprio. A intenção era de que
mão de obra.
associação, dizendo que esta “se preocupa mais com o turista do que com o
quando analisa a falta de participação dos moradores que não são nem
em que moram os membros da AABP, como se “... o pessoal não fizesse parte da
dia. Outro depoimento coletado por Hanazaki (1998) aponta que muitas
pessoas faziam ajutório por não possuírem poder aquisitivo para oferecer uma
festa aos que trabalharam. Ainda nesse depoimento, notamos que o dono da
casa que estava promovendo o mutirão oferecia café da manhã; carne seca
com feijão e cachaça no almoço; um lanche à tarde com biju e cuscuz de arroz,
"o arroz com café que o caiçara usa muito, é mistura pra ele" (Ezequiel); e, à noite, o
jantar.
O baile era animado pelo fandango, sendo que uma das ‘marcas’ ou
"(...) então nóis sempre costumava fazer ajutório, (...) que nem
ali na parte que é o postinho hoje. Ali era uma bola de mato,
era um... fala a verdade, era um brejão (...) e ai nóis fizemos
nosso ajutório, nós roçamos, derrubamos, limpamos o pátio
todo, tudo em ajutório. Pessoal aqui mesmo da comunidade,
prá depois nóis aterrá e construir o prédio do postinho de
saúde. Tudo nóis reunido, cada um trabalhava um pouco,
cada dia ia um pouco e até que enfim nós conseguimos
chegar onde nóis queria (...) então postinho servindo pra todo
mundo (...)" (Sirílo – 2ª reunião do plantio)
antigo ajutório. Com isso o valor simbólico dessa prática vem se perdendo,
principalmente pelo seu desconhecimento por parte das gerações mais novas
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 97
havia luz elétrica ou aparelhos de som. Para que houvesse música alguém
festivo.
16
Nesta região utiliza-se a expressão fandango para denominar tanto o baile ou a festa como o tipo de
música que anima diferentes tipos de bailado. De acordo com Cascudo (1972) fandango é conhecido no
Norte e Nordeste do país como marujada ou barca.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 98
ponto de partida alguma coisa que faz sentido para as pessoas, mas trata-se
de algo que vai além do significado material. É algo simbólico que se soma ao
C APÍTULO 4 .
A TRAJETÓRIA DA PESQUISA
dando os contornos iniciais da pesquisa. Momento difícil que nos obriga a fazer
questionamento não significa que tudo será traçado a priori tendo em vista o
intervenção.
educacional.
Pesquisa Participante".
consciência das bases sociais a respeito de sua realidade, bem como valorizar
social de modo a dar suporte crítico às ações realizadas. Tais ações visam
1
O termo pesquisa-intervenção que aqui utilizamos baseia-se nas colocações de Tassara (1996) quando
apresenta problematização sobre projetos de “pesquisa de e em intervenção social”.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 102
ambiente como sua fonte direta de dados e o(a) pesquisador(a) como principal
que as pessoas dão as coisas e à sua vida são focos de atenção especiais
teórico que oriente a coleta e análise dos dados e nem a exclusão de análises
1986).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 103
estão ocorrendo trabalhos coletivos no bairro. Essa etapa teve início com um
procurando conhecer melhor sua cultura e sua realidade, lançando sobre ela
2
Destes 19 telefonemas 4 foram recebidos pela pesquisadora e os 14 restantes realizados por ela.
3
É importante destacar que ao longo destes 22 meses o trabalho da pesquisadora junto ao GP não foi
contínuo. O mergulho etnográfico deu-se nos 5 primeiros meses, seguidos de 7 meses de intervenções.
Houve 4 meses de interrupção das idas a campo. Na retomada foram realizadas entrevistas de avaliação,
seguidas de mais 6 meses de intervalo. Como atividades finais do trabalho de campo houve a realização
do “seminário de Pedrinhas” e da sétima reunião do Plantio - verificar Quadro 2 (p.111 deste texto) e
Quadro 5 (nos Anexos).
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 104
Com base nas colocações expostas acima, iniciamos uma imersão nas
outros.
Lüdke & André (1986:30) colocam que "(...) o observador coleta dados
demasiado de seu foco de interesse. Para isso, é particularmente útil que ele
oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo que ele nem
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 105
certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema". As
autoras citam ainda Bogdan & Biklen (1982)4 ao colocar que as anotações de
observado".
4
Bogdan, R. & Biklen, S. K.. Qalitative Research of Education. Boston, Allyn and Bacon, 1982.
5
Schwartz, M. & Schwartz, C. G.. Problens in Participant Observation. In: McCall, G. J. & Simmons, J. C.
(orgs). Issue in Participant Observation, a text and Reader. Massashusetts, Addilson-Wesley Publishing
Company, 1969.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 106
imensamente facilitada.
interessados em plantio". Foi possível constatar que a roça era uma demanda
atividades de plantio.
que não tinham vínculo com nenhum desses dois órgãos, mas sim com a
com uma freqüência muito menor. A confiança foi sendo tecida aos poucos.
"Você plantava né? Não planta mais? E se fosse pra nóis voltá
a plantá, você achava bom?" (Matilde, caderno de campo,
out/2000).
6
Fazendo alusão à polícia ambiental, na época nominada polícia florestal.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 108
de trabalho.
7
Junqueira, 2002.
8
O Rio Ribeira de Iguape (vídeo). Direção de Mario Kuperman. 2000. 30 min..
9
Eva-Vicente (filme). 16 mm. Direção de Fernando Passos. 1988. 10 min..
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 109
Pedrinhas sobre o futuro do bairro e das condições de vida futura de cada um.
trabalho das duplas, não havendo nenhum tipo de registro dessa última
aquela acompanhada pela pesquisadora ao longo deste estudo, tendo sido por
ela animada nesse período. Nessa fase os registros foram feitos pela
realizadas pelo GP, desde o início desta pesquisa, que foram formalmente
ângulos do ocorrido.
capturada.
10
Sociological methods: a sourcebook. Chicago: Aldine, 1970.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 113
associação” (p.26).
11
Qualitative evaluation and research methods. London:SAGE, 1990.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 114
processo com base nas experiências dos moradores do bairro12, buscando sua
reflexão sobre esse processo. Cabe colocar que a cada nova ida a campo
que na ida seguinte as fotos eram exibidas àqueles que eram visitados e/ou
artefatos da cultura local, como canoa à vela, pilão, arapuca, covo, fogão a
lenha, rede de pesca tecida com fibra vegetal, maquete de mundéu etc. Os
convidados circularam entre objetos que um dia foram utilitários para todas as
12
Um exemplo disso foi a elaboração do ´Estatuto do Plantio´, cujas regras foram pensadas pelos
moradores com base em suas próprias experiências. Contudo, cabe colocar a existência de lacunas neste
mesmo estatuto, que mereceria ter sido revisitado e aprofundado/detalhado.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 115
avós na tela e estes contavam a todos como era a ‘vida de antigamente’, antes
disponíveis na época, que foram construídas ao longo dos tempos e que eram
eram variados, pois cada um dos protagonistas era um especialista: Sr. Artur
falava da pesca, Sr. Juvenal da construção de canoas, Sr. Sebastião das festas
e músicas populares da região com o som de sua rabeca, e a Sra. Josefina dos
típicas da região) acompanhado por dois filhos e outros dois músicos do bairro.
13
Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada (vídeo). Direção e roteiro de Kellen Junqueira.
Campinas, Instituto de Artes da UNICAMP, 2002. 20 min..
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 116
Dialogavam deixando claro, ao menos para os olhos mais atentos, quais eram
presença de valores urbanos, sobretudo nos mais jovens, mas também se faz
bastante evidente que outras formas de ler o mundo estão vivas, configurando
propostas trazidas por Borda (1990) quando aponta para a importância de uma
história local e dos acontecimentos históricos) para própria população, uma vez
“esse retorno da cultura não pode ser feito de qualquer modo: deve ser
Popularização da técnica.
informação, ou com quem o estudo foi realizado”, mas sem que essa
possuem um nível mais avançado. Assim sendo, Borda sugere que o material
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 117
problemática em questão.
da pesquisa.
presentes. No caso desta pesquisa, o telefonema foi utilizado como técnica que
apontadas por Espinosa, acreditamos que este tipo de contato ‘virtual’, pode se
enfrentadas por aqueles que optam por realizar avaliações qualitativas são
participativa do avaliador, também não cai do céu por descuido, mas exige para
mesmo autor, não podem ser enfrentadas apenas com boas intenções, com
grama. Existe nisso tanto um raio importante de sua postura alternativa, quanto
2ª Levantamento da história oral dos trabalhos coletivos e Início do planejamento do plantio. Avaliação das
início do planejamento da atividade agrícola a ser possibilidades de realização das propostas
desenvolvida. apresentadas na reunião anterior, acolhimento de novas
propostas. Resgate da história oral dos trabalhos
coletivos executados no bairro. GP ganha terreno para
plantar.
3ª Construir a ´folinha do agricultor´, construir tabela de Planejamento das ações necessárias ao início das
rotinas diárias (em grupos) com vistas a realizar divisão atividades agrícolas conjuntamente delineadas pelo
de tarefas de maneira realista, formar comissão do grupo. Formulação do Estatuto base do GP. GP perde o
Plantio, dar início ao Estatuto do Plantio. terreno cedido mas consegue outro (AABP). Formação
da ´Comissão do Plantio’.
5ª Mediação de conflitos via facilitação/animação de Reflexão sobre o real cumprimento das regras
encaminhamento de tarefas a serem executadas e elaboradas no ´Estatuto do Plantio´. Mudança da
discussão de pontos polêmicos relativos a continuidade ´Comissão do Plantio´, encaminhamentos de ordem
do desenvolvimento das atividades agrícolas. prática. Votada e marcada palestra e dia de campo com
agricultor orgânico e agroflorestal de Cananéia.
6ª I. Palestra com agricultor orgânico e agroflorestal da Dividida em dois momentos: I. Palestra com agricultor
região com vistas a introdução de técnicas e conceitos orgânico e agroflorestal da região e II. Discussão de
da agricultura orgânica e breve apresentação dos pendências do GP e encaminhamentos necessários à
sistemas agroflorestais. continuidade das atividades agrícolas.
II. Mediação de conflitos via facilitação/animação de
encaminhamento de tarefas a serem executadas e
discussão de pontos polêmicos relativos a continuidade
do desenvolvimento das atividades agrícolas.
7ª Realizar avaliação do processo, levantamento das Foi feita uma avaliação do processo, houve negociação
expectativas/desejos dos integrantes do GP quanto à de uso do terreno e formação de um Novo-GP (venda
continuidade ou não das atividades do plantio, de verduras), foi estabelecido prazo de 30 dias para
mediação de conflitos e animação/facilitação de início das atividades. Divisão do dinheiro do caixinha do
discussão sobre os encaminhamentos apontados. GP por todos os seus integrantes.
fruto de uma discussão que durou duas reuniões. Logo na primeira reunião do
roça. A horta foi eleita pela maioria dos presentes. Apontaram a roça de
mandioca para fazer farinha como muito trabalhosa para obtenção de pouco
resultado:
"ajutório para roçar e cavar", além da construção de "uma casinha perto da roça para
tempo ´dos antigos´ e, desta forma, garantir que apenas aqueles que
Uma vez que a intenção desse primeiro encontro era levantar os desejos
de que modelo adotar, na segunda reunião a discussão sobre horta ou roça foi
participantes.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 123
Ao fim desse encontro optou-se por iniciar o trabalho do plantio por uma
consumo próprio, mais ou menos como nos tempos 'dantes', plantar para
subsistência.
Algo que chamou atenção foi o fato de muitos dos vegetais apontados
médico do bairro15. Até que ponto isto não se reflete na variedade apontada
pelo grupo? Outro ponto que pode ter influência sobre esta variedade é o fato
14
Cf. Capítulo 3 desta dissertação.
15
Cerca de quatro meses após a realização das ´entrevistas de avaliação´ houve alteração no grupo
médico que realiza atendimento no bairro de Pedrinhas, tendo sido substituída a médica que incentivava
o consumo de hortaliças nos tratamentos de saúde.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 124
uso comunitário para propriedade privada, ninguém possuía uma área de terra
pelo grupo16.
foi preciso para uma primeira limpeza da área que media aproximadamente
400 m2. Fizemos um acero em volta da área, pois o grupo optou pela queima
16
Cf. Estatuto em anexo.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 125
Outro ponto que foi alvo de muita discussão diz respeito à normatização
quiser entrar tem que doar uma parte de seu trabalho para que os demais não
horta, para que depois esta área venha a integrar a horta já existente, sendo
momento em que o GP for limpar a área ao lado para ampliar a horta. Sobre
este ponto também não houve um acordo possível. Uma vez que o grupo não
entrada de novos integrantes, o que foi foco de alguns atritos durante toda a
primeira fase do GP. Foi decidido em reunião que aqueles que tinham deixado
segunda semeadura realizada pelo GP, notamos que na horta havia uma
pois estes vegetais, que precisam de poucos tratos culturais, compõem parte
recomeçassem.
da primeira etapa e outros três novos membros. O intuito era dar continuidade
GP. Neste momento reaparecera a alegria do encontro que fora ofuscada pelos
impulsionar a produção, porém cerca de três meses após o início dos trabalhos
esta segunda versão e que fora alvo de muita reclamação. Cabe colocar que
indispor com vizinhos e parentes, pois são eles importantes elos das relações
que pôde ser observado em Pedrinhas, nos dois momentos do GP, foi uma
atitude de deixar a situação esvaziar para não gerar um conflito explícito. Essa
4.2.2 OS PARTICIPANTES
plantando;
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 128
moradores presentes neste texto são todos fictícios para evitar que os conflitos
09 a 74 anos de idade.
O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA-
DES
PARTICI-
POU *
Matilde Extratora de Membro desde a 1a Nascida em Cananéia – Estero do Morro. 5 R + 10A
plantas nativas, reunião Veio para Pedrinhas para casar, onde mora +1E
caseira há mais de 30 anos. Tem 62 anos.
Foi uma das pilastras da formação do GP.
a
Adriana Recém formada Membro desde a 3 Depois de 16/ago/01 passou a integrar a 3 R + 10A
no colegial reunião (07/mai/01) Comissão do Plantio. Tem +/- 21 anos. Filha
técnico da escola de liderança local.
agrícola de
Iguape, ex-
presidente da
AABP e
comerciante local.
Anastácia Caseira Membro desde 12/set/01 Uma de suas filhas é agente comunitária de 2 R + 9A
(ajutório com consultor saúde.
de Cananéia) a
Recebeu um convite para 6 reunião e
compareceu. Nesta reunião todos os
presentes foram convidados a participar do
ajutório com o consultor de Cananéia. Ela foi,
trabalhou bastante e neste mesmo dia
passou a ser considerada membro do GP.
Mariinha Extratora de Ex-membro. Nascida em Paranaguá-PR, ainda bebê foi 6 R + 4A
plantas nativas, Participou das duas para Iguape, onde morou até +/- 10 anos,
artesã, caseira, primeiras reuniões quando então foi morar Pedrinhas com o pai
grande (08/02/01 e 16/04/01) e e irmãos (foi criada por uma parenta. Casou-
conhecedora de quebrou o pé. Voltou a se com 14 anos). Tem hoje +/- 65 anos.
ervas medicinais participar das reuniões Foi uma das pilastras da formação do GP.
em 02/jul/01 e iniciou Trabalhou na horta cerca de 2 meses.
seu trabalho na horta
18/ago/01. Deixou o
grupo após dia
10/out/01.
o
Augusto Estudante – 2 Ex-membro. Foi membro da Comissão do Plantio de 2R + 1A
ciclo do ensino Início da participação: 07/mai/01 a 02/jul/01, quando mandou
fundamental - 07/mai/01; término: recado por um dos membros que não queria
escola no depois de 02/jul/01 mais participar da comissão, desde então
Boqueirão Norte, não participou de mais nenhuma atividade do
pedreiro. Integrou o GP por cerca a
GP. Estuda no período da noite (8 série).
de 2 meses. Tem +/- 18 anos. (Não há muitos registros
dos trabalhos do GP neste período. Todos os
integrantes do GP dizem que ele estava
sempre presente, que trabalhou muito, todos
eram a favor de sua permanência no Grupo,
gostavam de trabalhar com ele)
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 131
O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA-
DES
PARTICI-
POU *
Carlota Comerciante Ex-membro. Nascida em Antonina-PR. Está em 2R + A (no
local, extratora de Ingressou no GP na 2
a Pedrinhas há +/- 18 anos. Tem cerca de 50 período em
plantas nativas e reunião (16/abr/01) e anos. Fala de Pedrinhas como “Lá nas que
costureira saiu do GP em +/- Pedrinhas...” trabalhou
14/jun/01 (permaneceu não há
no GP +/- 2 meses). registro de
presença
nos
ajutórios)
Doralice Comerciante local Colaboradora desde a 2a Nascida em Pedrinhas, criada em SP a partir 5R
e conselheira reunião (16/abr/01). de 10 anos, voltou para Pedrinhas há +/- 15
deliberativa da anos. Atual conselheira deliberativa da
AABP AABP. Tem 57 anos.
Ezequiel Comerciante Colaborador desde o Nascido em Pedrinhas. Neto do “fundador 6R
local, funcionário início dos trabalhos de mítico” da comunidade e líder comunitário.
da PMIC – Diretor campo (desde antes da Tem cerca de 50 anos.
do Departamento 1a reunião-08/fev//01)
de Ecologia e
Pesca e atual
presidente da
AABP
Margarida Extratora de Participante eventual. No dia do ajutório de limpeza do terreno 3 R + 1A
plantas nativas a a
Participou da 3 , da 4 e (09/mai/01) - levou lanche da manhã e da (lanche)
da 5a reunião do GP tarde para aqueles que trabalhavam.
(07/mai/01, 02/jul/01 e Nascida no município de Cananéia, foi criada
16/ago/01). pelos padrinhos que são de Pedrinhas e têm
hoje cerca de 70 anos. Seu padrinho foi líder
comunitário e foi sucedido por um primo de
o
1 grau.
Ofélia Agente Participante eventual. Nascida em Pedrinhas. Apóia a realização 2R
comunitária de das reuniões e das atividades do GP – (16/abr/01
saúde há 19 incentiva o consumo e plantação de verduras e
anos. durante as visitas de saúde do “Programa 11/set/01).
Médico da Família”, além de emitir opiniões e
fornecer idéias aos moradores de Pedrinhas
e para a pesquisadora e integrantes do
Grupo EA. Tem +/- 50 anos.
Cleide Extratora de Participante eventual. Não quis mais participar de nenhuma outra 1R
plantas nativas e a
Participou da 1 reunião atividade do plantio.
caseira (08/fev/01) Tem cerca de 40 anos.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 132
O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA-
DES
PARTICI-
POU *
Tatiana Extratora de Participante eventual Nascida na Ilha de Cananéia (na direção de 2R
plantas nativas, das reuniões do GP (de Juruvaúva). Está em Pedrinhas há +/- 30 (16/abr/01
caseira e vez em quando cogita a anos. e
funcionária PMIC possibilidade de entrar 11/set/01)
– responsável no GP).
pela biblioteca
pública local
Omar Caseiro; Membro Participante eventual. Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 50 ¼A
AABP, já foi Participou como membro anos. (09/mai/01)
candidato a da AABP durante ½ Foi dele a idéia de fazer a horta no terreno
vereador. manhã da capina no 1o da Associação
ajutório de limpeza do
terreno.
Dagoberto Pescador, Participante eventual. Nascido no Ariri. Veio para IC ainda bebê, 1R
artesão, ex- a
Participou da 2 reunião morava com o(s) pai(s) no Vamiranga, (16/abr/01)
construtor de GP (16/abr/01) próximo ao Barranco Branco. Tem 74 anos.
canoas e violeiro
o
Moisés “doador do 1 Participante eventual. Nascido na região de Barretos, mora no 1R
terreno do GP” – O terreno “doado” foi interior paulista, sua esposa é nascida em (16/abr/01)
veranista. vendido antes da Pedrinhas.
próxima reunião
(07/05/01)
impossibilitando o GP de
utilizá-lo
o
Renata “doadora do 1 Participante eventual. Nascida em Pedrinhas (prima de um dos 1R
terreno do GP” O terreno “doado” foi membros do GP), mora no interior paulista, (16/abr/01)
vendido antes da com seu marido que é nascido na região de
próxima reunião Barretos. Disse na reunião não saber se
(07/05/01) suas lembranças sobre mutirão eram reais
ou um sonho.
o
Pedro Estudante – 1 Participante eventual. Tem +/- 9 anos. Sua mãe i um irmão fizeram 1R + 1A
ciclo do ensino a
Participou da 3 reunião parte do GP.
fundamental – do Plantio (07/mai/01) e
escola de do ajutório de limpeza do
Pedrinhas terreno (09/mai/01)
Josoé Membro da Participante eventual. Nascido em Juruvaúva (?) *** 1R
AABP; pedreiro a
Participou da 3 reunião
(?) e caseiro (07/mai/01) como
(?)*** membro da AABP (para
discutir empréstimo do
terreno).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 133
O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA
-DES
PARTICI
-POU *
Izadora Caseira Participante eventual. Tem vinte e poucos anos. Sua mãe é 1R + 3A
Começou a participar das membro do GP. Mora com o irmão, a
atividades do GP em cunhada e dois sobrinhos pequenos.
11/set/01 (6a reunião). Parece que parou de participar dos
Participou de 3 ajutórios e ajutórios por conta de desentendimentos
não tem ido mais trabalhar pessoais.
na horta.
Marilú Caseira Participante eventual. Sua sogra é membro do GP, tem dois 1R
a
Participou da 6 reunião do filhos pequenos.
plantio (11/set/01)
Silvia Estudante Participante eventual. Ela foi representando a avó na reunião. 1R
a
Participou da 1 reunião do Tem cerca de 12 anos.
plantio (08/fev/01)
Jorge Administrador Participante eventual. Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 50 ¼A
do bairro de Fez a regulagem da anos. (09/mai/0
Pedrinhas junto roçadeira que foi usada na 1)
à PMIC segunda metade da manhã
o
do 1 ajutório de limpeza do
terreno.
Gilberto Filho de Participante eventual. Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 18 ¼A
comerciante e Participou durante ½ manhã anos. Sua irmã é membro do GP. (09/mai/0
político local o
da capina no 1 ajutório de 1)
limpeza do terreno.
a
Cristiane Estudante – 4 Participante eventual. Tem 15 anos e mora com um tio (irmão de 2R
série da escola a
Participou da 5 e da 6 a sua mãe – que é vereador) e uma tia
de Pedrinhas. reunião do plantio (16/ago/01 (esposa deste tio), que é filha do líder
Tem problemas e 11/set/01) comunitário do bairro vizinho denominado
de Sítio Artur. O casal recentemente adotou
desenvolviment uma neném, o que deixou-a bastante
o físico e enciumada.
mental.
Clodoaldo Consultor – Consultor É agricultor residente no bairro do Rio 1R + 1A
Estevan agricultura Reunião 11/set/01 e ajutório Branco de Cananéia. Possui experiência
Bernardo orgânica e 12/set/01 de 5 anos com cultivo de agricultura
agrofloresta orgânica e agrofloresta.
Rita de Facilitadora Facilitadora Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R
Cássia (02/07/01)
Nonato
Alik Wunder Facilitadora Facilitadora Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R
(16/04/01)
Maria Rita Facilitadora Facilitadora Coordenadora do Grupo de Educação 4R
Avanzi (08/jan; 16/abr; 07/mai e Ambiental
02/jul de 2001)
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 134
C APÍTULO 5 .
saberes.
presentes os trabalhos coletivos, porém cabe destacar que tais trabalhos são
coletividade.
que tanto nesse caso como naquele realizado em prol de um único beneficiário
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 137
construir o posto de saúde que passa a ser gerido pelo poder público municipal
ou fazer uma roça que passa a ser gerida pelo beneficiário do ajutório ou
mutirão.
ao consumo de vegetais.
exposto acima:
“... tudo o que você aprende é bom. Eu fico feliz por aprendê
mais alguma coisa assim” (Luciano – entrevista de avaliação).
“... saiu umas par de verdura, essas coisa, mas tinha de saí
memo, porque a gente fez as coisa todo, quer dizer que é
alegria da gente, lógico” (Antônio - entrevista de avaliação).
Cabe aqui problematizar a causa que move esta alegria dos integrantes
causa dos desejos, das regras que regem as coisas que cercam o sujeito
e depois executar. Isto incomodou uma das participantes que se queixou logo
mais organizado”. Outra fala que denuncia essa diferença e talvez até
participação tem uma face bastante concreta, não sendo todos que
Mesmo a participação nos bailes dos antigos mutirões está relacionada com
EA, a um primeiro terreno cedido ao GP, que não chegou a ser cultivado, pois
era uma área particular que foi rapidamente vendida. Ao visitar este terreno a
encarado como um tipo de trabalho e não como ócio, por alguns dos membros
do GP. Mais adiante veremos que com o tempo o grupo foi se apropriando
serem seguidos.
sentido de estimular uma reflexão crítica da realidade vivida por parte dos
Nesse ponto, faz-se importante dizer que nem todos os moradores que
sua real motivação para integrar ou não o grupo. Alguns deles o fizeram
Um bom exemplo disso foi o dia do primeiro ajutório realizado pelo grupo
cerca de duas horas e meia na limpeza do terreno, segundo ele “para animar o
Cabendo aqui dizer que nos apropriamos de uma regra local para o convite de
Vale ressaltar que, em outros casos, uma falta de clareza sobre quais as
bairro:
momento de cercar o terreno, fazer a divisão das duplas para a realização dos
venda das verduras, como por exemplo a compra de esterco bovino para
atividades realizadas partindo de uma lista que, além dos nomes dos
potência de ação do grupo uma vez que a caminhada deu-se na direção de sua
autonomia.
“Matilde: ...E nós imo levá o barco pra frente até ... porque
aquilo ali serve pra nós, né?! Pra nós, quarqué um. Ói que foi
tirado um bom dinhero ali, vendero, compremo negócio pra
mulhá as pranta, né?! Regador de pranta, tudo dinhero nosso.
Pesquisadora: Pô, que bacana, né?!
Matilde: É, aquilo lá tudo que tem ali foi tudo nosso dinhero. E
nós ainda temo mais coisa pra comprá, temo, mas nosso
dinhero
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 147
“Matilde: Não. Não, nós imo se virando aqui. Vocês não estão
aqui, mas nosso grupo, a gente...
Fernanda: É, agora que a gente já tem umas dicas aqui, dá
pra gente seguir em frente, até vocês chegá.” (4ª reunião do
plantio, 02/07/2002).
dinâmico, pois ainda que ela tenha sido sugerida em reunião por um
já que percebia que a chance da reunião terminar sem sua formação era
grande. Cabe aqui ressaltar que o que está sendo identificado como
1
Representado pela pesquisadora.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .148
como agentes externos, uma vez que eles não faziam parte da dinâmica de
estatuto pois, uma vez que não houve entendimento sobre o assunto, passou a
retirada de verdura para consumo próprio seria o dia do ajutório, pois estariam
todos presentes. Regra essa que não foi cumprida por todos, o que trouxe mais
desejava fazer e o que deveria ser feito para realizá-lo gerava longas
integrantes.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .150
mudança, pois ela está em curso, não avançou ainda a ponto de poder ser
identificada.
deliberativo. A sugestão era que área da horta fosse dividida e cada um tivesse
antigos´:
“Se tem 3 ou 4 que queiram, divide a horta (...) faz uma divisão
e cada um cuida da sua horta (...) cada um tem um
compromisso e um jeito de proceder. Faz mutirão para ajudar
mas cada um cuida do seu” (Ezequiel, 7ª reunião do plantio,
29/07/2002).
(...)
”A prioridade é para nós que começamos naquele terreno
fechado ali, agora se vier alguém e ficar um pedacinho de
nada que a gente não vai plantar nada então fica com tudo (...)
pq se vier e vai me apertando, me apertando que não der pra
plantar o que eu quero, o que eu gosto então fique com tudo
(...)” (Fernanda, 7ª reunião do plantio, 29/07/2002).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 151
“Nada disso! Não pode ser assim (...) é a irmandade, tem que
ter irmandade, uma a outro vamos trabalhar? Vamos. Vamos
fazer uma equipe? Vamos. Esse negócio de um pra lá outro
pra cá (...) ai sim, ai pra mim acaba” (Matilde, 7ª reunião do
plantio, 29/07/2002).
sobre a causalidade interna ou externa nos encontros pode nos ajudar a refletir
sobre o conceito de qualidade política trazido por Demo (1995), que, conforme
declarar que havia tentado algumas vezes fazer uma reunião com o GP e não
emprego, pois era funcionário público e, portanto, possuía salário fixo ao longo
do ano, bem como décimo terceiro e férias remuneradas, coisa rara no bairro.
naturais e passaram a ter suas vidas regidas pelo ciclo do turismo, o que
significa ter uma proximidade maior em relação aos dias da semana e do mês
horas do relógio.
dos próprios turistas, tanto os visitantes como aqueles que possuem casas de
notadas com clareza na fala de alguns moradores com menos de trinta anos
morador para adquirir seu sustento. Dois diferentes pontos de vista afloraram:
não deveriam parar, pois mesmo que prestassem algum tipo de serviço aos
deveriam prosseguir, tendo também tempo disponível para realizá-las. Nos dois
seria sentida.
deveriam ser interrompidas, pois eles não teriam tempo disponível para
mais dinheiro, graças ao fluxo turístico que é bastante intenso. Além do fato de
Já para aqueles que continuam a ter suas vidas em íntimo contato com
os ciclos naturais, como é o caso dos que extraem plantas nativas, como
época do ano, que coincide com a alta temporada turística, é a época de muito
“M: (...) Só não tamo trabalhano porque ocê vê que o sor acabô
com as pranta, mas a gente vai levá em frente. Tem que levá,
né?! Levá em frente ... esse mês de ... (pausa longa) março, nós
imo começá de novo, porque aí chove (...). E nós imo prantá,
tudo que tivé nos imo levar pra lá e prantá. Tudo com pé de
semente.
Pesquisadora: Por que aí o calor já diminuiu?
M: Ah é, o calor já foi embora. Aí já vai pá abril, maio, junho,
julho, agosto. Aí esse mês tudo nós imo trabalhá, que aí é mês
fria, aí dá pra prantá as coisa (...)”. (Matilde – entrevista de
avaliação jan/02)
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 155
hora das refeições e por isso, em alguns casos, já foram semeados nos
nesta época do ano e que não requerem muitos tratos culturais, como o aipim
forma geral.
alguns deles foram identificados. Verificamos que não foram esses conflitos os
outros moradores, mas foram eles mais uma tristeza, mais um elemento
era difícil trabalhar com ela, pois sempre ocorriam atritos. No 1o ajutório de
que o grupo tomara minutos antes, mostrou-se contrariada e disse que sairia
dois meses das atividades. Sua saída se deu por mais de um motivo. Um deles
Carlota e algumas outras famílias de Pedrinhas aparentadas entre si, por causa
dos pedrinhenses para com os ‘de fora’, que vão morar no bairro. O que reforça
migrante.
“A gente não conhece as pessoa, não são daqui do lugar. (...)
ela chegô onte aqui no lugar e nós já samo de antonte.
Compreende como que é?!” (entrevista de avaliação,
jan/2002)
o membro que desejava deixar a comissão, Augusto, saiu mais cedo deixando
havia sido espontânea, mas sim induzida, o que sugere a não internalização da
Mariinha foi uma das pessoas que desde o início abraçou a idéia de retomada
que seu marido e filhos não se interessaram em participar, ficou sem ter quem
senhora idosa, participando portanto apenas do início das reuniões, pois havia
trabalhando na horta.
Assim que os presentes votaram ‘sim’ à participação das duas, faltando apenas
a confirmação dos ausentes, Margarida declarou que uma vez que seu filho
se mobilizou para explicar-lhe que ele havia manifestado seu desejo de sair da
comissão, mas que continuaria fazendo parte do GP. Ela, no entanto, disse que
relação dessa atitude assumida por Margarida com outros episódios em que
reuniões, das conversas sobre o plantio. Ela compareceu a mais uma reunião,
mas seu filho não. Posteriormente, um outro membro do grupo declarou que a
que o GP havia dito que ele “não fazia nada”, em contraposição às colocações
do grupo que dizia que ele “trabalha bem”. Vale colocar que, em momento
anterior a esta 4a reunião, o jovem dizia estar gostando de fazer parte do GP.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 159
que estava sendo apontado para substituir seu filho na comissão. Vale
pelo líder comunitário que antecedeu e se opõe ao atual, este último parte da
família do novo integrante da comissão. Desta forma faz-se aqui evidente que o
conflito preexistente não foi a única causa da saída de Augusto do GP, mas
apenas na comissão.
dos acontecimentos?
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .160
que maneira podemos ser mais facilmente afetados de forma positiva pelo
outro?
afetado pelo outro. Logo podemos dizer que estamos potentes para agir
ser afetado pelo outro relaciona-se com nossa capacidade de nos comunicar
com o outro das mais diversas formas e não apenas verbalmente. Referimo-
que outro deseja dizer seja por gestos, atitudes, expressões, palavras, meias-
palavras, textos, sorrisos, poemas etc. E de maneira análoga fazer com que o
portanto, essa era a base das reflexões realizadas com vistas a encontrar
aos migrantes tanto partilhar das histórias que aconteceram no local como
2
Cf. Capítulo 2, pp. 63-67 do presente texto, sobre a produção de conhecimento em Espinosa.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .162
os momentos dos bailes, das trilhas difíceis para se chegar a outras localidades
repleto do bom humor que caracterizou as reuniões do plantio, mas sem deixar
consciência sobre a situação atual vista como fundamental para sua alteração
na direção desejada, ou, como dito anteriormente por Gutierrez & Prado (1999)
conhecimento.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 163
os trabalhos da horta, o grupo optou pela queima o capim dali retirado. Ao final
se a estar “passando para os outros”, para usar a linguagem local, o que foi
pelo grupo.
daquele capim ao solo aumentaria sua fertilidade, pois estaria servindo com
Plantio.
“Às vezes o pessoal mais velho não aceita muito, mas a gente
vai conversando. Às vezes a gente cede um pouco pra depois
eles cederem pra gente. Isso dá pra levar” (Gustavo, caderno
de campo, 25/11/2002).
A consciência dos desejos e das regras, por parte do GP, despontou aos
1999: 328-30).
daqueles sujeitos com os quais trabalhamos nesta pesquisa. Estar muito atento
relação àqueles que não cumprem as regras por eles estabelecidas. Até que
C APÍTULO 6 .
UMA TESSITURA
Tinindo o tear,
trançando nos fios tesos
a ternura de seu cantar,
assim a tecedeira tece1.
E ste capítulo apresenta a tessitura final deste estudo que, com base no
1
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 167
la. Esta tarefa não é trivial uma vez que não é possível um espelhamento
projeto que se pretende avaliar, tais como: O que se pretende? Quem defende a
nos referimos aos desejos de quem o projeto almeja garantir a expressão (Do
que os moradores refletissem sobre eles para que a partir deles tomassem
incremento de potência de ação dos indivíduos e grupos para que, desta forma,
Podemos depreender deste estudo que potência de ação é algo que está
dentro do indivíduo (e/ou de um coletivo) e relaciona-se com o que está fora dele
(no mundo) uma vez que pressupõe o encontro; tem estreita relação com alegria;
realização coletiva de trabalhos. Faz também parte de seu cerne a união do grupo
que trabalha junto e a autonomia – liberdade de pensar e agir por conta própria.
do público alvo das ações pretendidas como algo necessário ao longo de todo o
Esta mesma autora nos diz ainda que para pensarmos a avaliação de
como uma construção e não como algo dado que acontece espontaneamente
(Tassara, 2002:8).
quando:
(2002).
que essas duas dimensões não são estanques, nem seu desenvolvimento é
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 171
balanço, o processo vivido pelo GP pode ser caracterizado como alegre, porém
buscamos apontar outros indícios que possam permitir-nos uma análise sobre a
Vale aqui relembrar que Espinosa nos diz que uma coletividade possui um
desta pesquisa.
Capítulo 6: Uma tessitura 172
dimensão:
relação do grupo com outros grupos, com o Estado e/ou com o mercado. A
bairro.
Contudo cabe colocar não ter sido possível levar a cabo a decodificação da
de pesquisa (p. 26 deste texto) como forma de iniciar uma reflexão mais profunda
da pesquisa de mestrado.
execução de atividades que exigissem muita abstração, sendo estas inclusive alvo
educando. Por outro lado a obra e arte do educador não será jamais fabricar o
Espinosa nos diz ser isto possível a partir da internalização das causas dos
saberes parece indicar este caminho, pois uma prática dialógica nos remete a uma
construção.
conhecimento, pois, como nos disse Espinosa, para que um novo conhecimento
pois é com base nessas condições que o processo se iniciará. A construção desse
conservação ambiental.
ponto parece pertinente fazer duas ressalvas. A primeira delas refere-se ao fato de
primeiro é pré-requisito para que o outro possa ser desenvolvido. São aqui
suas várias dimensões (política, econômica, social, cultural e ambiental), pois sem
Contudo vale ressaltar que, por vezes, não é possível levantar tudo conjuntamente
e neste caso sugerimos que os pontos levantados fora do coletivo sejam a ele
trazidos. Entendemos ser importante mencionar que esse tópico procura propiciar,
Capítulo 6: Uma tessitura 178
sugerimos:
Cabe ainda fazer duas colocações que servem para os três tópicos acima
são consumidores de tempo uma vez que requerem o respeito aos diferentes
pois como nos coloca Demo (1995) a vivência participativa não “cai do céu” por
portanto, trazer uma reflexão sobre as concepções que embasam sua prática
educativa. Acreditamos que todos podem ser educadores ambientais, desde que
processos participativos.
exige um salto qualitativo que vai além das respostas imediatas que têm sido
dadas para o manejo do palmito, manejo da samambaia etc. Exige uma leitura
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 181
diálogo entre os saberes, portanto, a não imposição do saber científico como único
válido; a mobilização das pessoas a partir dos seus desejos; propiciar às pessoas,
vistas pelos moradores como algo ruim que chegou para cercear-lhes o direito de
colecionaram frases como “desde que o meio ambiente chegou não pode fazer
Cada vez mais se faz evidente, nos dias atuais, a ineficácia desse modo
que vai além do material. É algo simbólico que se soma ao material, podendo
evidente as marcas deixadas nos moradores pelos elementos culturais, sejam eles
onde se socava o arroz, a rede de pesca tecida com fibra vegetal, a moenda
manual para tirar a garapa da cana e adoçar o café, o “ralo” utilizado para ralar
(sambaquis), pois “no tempo dos antigos” plantava-se lá, o que tem um significado
material e simbólico muito forte, pois além da concentração de matéria orgânica ali
também festa, fartura de comida, música, diversão, baile até amanhecer o dia.
Esses momentos se desdobravam nos encontros e nas histórias por eles gerados,
população caiçara de Pedrinhas e têm reflexo nas opções por ela realizadas e nos
Capítulo 6: Uma tessitura 184
desejos por ela elaborados. Elementos estes que guardam em si uma riqueza
incremento da biodiversidade.
identificação positiva das populações locais com as UCs. Tais políticas deveriam
garantir também a elaboração de uma proposta para a área em questão que conte
com a participação engajada dos moradores locais, para que eles não apenas
caiçaras têm uma apropriação comunal do seu espaço de vida, muito embora o
uso seja individual ou familiar, tendo sido dentro deste contexto que se
2
Capítulos 3 e 5 deste texto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 185
dos sujeitos, compreendemos que a planificação de tais áreas deva ser realizada
tanto é preciso ter em mente que este processo demanda tempo, sendo que este
tempo é o do diálogo entre as diferentes culturas, que são regidas por tempos
distintos.
Capítulo 6: Uma tessitura 186
áreas protegidas.
ANEXOS
Anexos . 188
1) Sobre o terreno:
2) Divisão do trabalho:
4) Divisão da produção:
R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS .
ALVES, Ana Alice A. Ilha Comprida: uma APA com Zoneamento em revisão.
Trabalho de Graduação Individual. FFLCH, USP, São Paulo, 1999.
DIEGUES, Antonio Carlos & Nogara, Paulo José. O nosso lugar virou parque.
São Paulo, NUPAUB/USP, 1994.
JANESICK, Valerie J.. The dance of qualitative research desing. In: DENZIN,
Norman K. & LINCOLN, Yvonna S. (editors). Handbook of Qualitative
Research. London, SEGE, 1994.
JELIN, Elizabeth. “Construir a Cidadania: Uma visão desde baixo”. Lua Nova –
Revista de cultura e política, n33, São Paulo, CEDEC, 1994.
SILVEIRA, Nise da. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro, Ed. Francisco Alves,
1999.
VÍDEO E FILMOGRAFIA
APÊNDICES
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 205
"I EPEA - Encontro de Pesquisa em Educação UNESP – Rio Claro, UFSCar; USP.
Ambiental: tendências e perspectivas". Rio Claro, SP, 29 a 31 de julho de 2001.
“II EPEA - Encontro de Pesquisa em Educação UNESP – Rio Claro, UFSCar; USP.
Ambiental: abordagens epistemológicas e São Carlos, SP, 27 a 30 de julho de 2003.
metodológicas”.
"Encontro Intercultural Povos do Vale do Ribeira: PMIC; AAA; LASTROP/USP, NUPAUB/USP
Paisagem e Cultura". Ilha Comprida, 05 a 09 de setembro de 2001.
"IV Jornada Científica da AUGM sobre Meio AUGM – Assoc. Universidades Grupo Montevideo
Ambiente" Campinas, 28 a 31/ out/2001.
“X Seminário de Educação Ambiental: projetivas IME, UFRJ, UGF, FRF, CREA-RJ, CEP, UNIRIO, GSI
do século” Rio de Janeiro; 21 a 23/ 11 de 2001.
“Reunião da ANPED - Região Sudeste” ANPED Sudeste, Água de Lindóia, 21 a 23 nov 2002.
“II Seminário internacional as redes de UERJ e ANPED, Rio de Janeiro, junho de 2003.
conhecimentos e a tecnologia”
“Metodologias Participativas Semana de Estudos da Biologia Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo
e(m) Educação Ambiental” 06/set de 2002.
8. NONATO, Rita de Cássia & AVANZI, Maria Rita. Educação Ambiental no PETAR e
EEJI. In: Mata, Speranza et alli (org.). Educação Ambiental: projetivas do século.
Rio de Janeiro, MZ Editora, 2001.
10. WUNDER, Alik, OLIVEIRA, Caroline L. de & AMAI (Associação dos Monitores
Ambientais de Iguape). “Criança Natureza: um futuro promissor: escola,
associação de monitores ambientais e universidade: parcerias possíveis". Revista
Eletrônica Mestrado em Educação Ambiental - ISSN 1517-1256, vol 09, 2002.
http://www.sf.dfis.furg.br/mea/remea
14. WUNDER, Alik; SPEGLICH, Érica: CARVALHO, Fabiana Aparecida de; AMORIM,
Antonio Carlos R. de. “A educação Ambiental: entornos pós-modernos”. In: II
EPEA – Encontro de pesquisa em educação ambiental. (CD ROM). UFSCar,
UNESP-Rio Claro, USP-Ribeirão Preto, julho, 2003.
1. DIAS, Susana de Oliveira. Puxando os fios da rede tecida pelo grupo de Educação
Ambiental Projeto Temático ‘Floresta e Mar’ e introduzindo outros espaços-tempos
por meio da divulgação científica. Especialização em jornalismo científico.
Campinas, UNICAMP, Laboratório de Divulgação Científica (Labjor), 2003.
2. JUNQUEIRA, Kellen Maria. Meio Ambiente: uma interação em construção pelo som e
imagem Dissertação de mestrado. Campinas, UNICAMP, Instituto de Artes, Depto de
Multimeios, 2002.
P
E
D
R
I
N
H
A
S
Foto:
Foto:Alik
AlikWunder
Wunder
UM POUCO DA
DINÂMICA DO
GRUPO DE
E D U C AÇ Ã O
jun/01
set/01
jan/02
jan/02
Fotos: Alessandra B. Costa-Pinto
Fotos:Maria Rita Avanzi
PROCISSÃO DE S
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SENHORA D
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Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
CENAS DO SEMINÁRIO
DE PEDRINHAS
Reuniões do Plantio