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E M BUSCA DA POTÊNCIA DE AÇÃO :

Educação Ambiental e Participação na


agricultura caiçara no interior da Área de
Proteção Ambiental de Ilha Comprida, SP.

ALESSANDRA BUONAVOGLIA COSTA-PINTO

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIA AMBIENTAL (PROCAM) DA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)


COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA

OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM

CIÊNCIA AMBIENTAL

ORIENTADOR: PROF. DR. MARCOS SORRENTINO

SÃO PAULO

- 2003 -
MEU CARO SPINOZA,

VOCÊ É MESMO SINGULAR. ATRAVÉS DOS

SÉCULOS CONTINUA DESPERTANDO

ADMIRAÇÕES FERVOROSAS, OPOSIÇÕES,

LEITURAS DIFERENTES DE SEUS LIVROS, NÃO

SÓ NO MUNDO DOS FILÓSOFOS, MAS

CURIOSAMENTE, ATRAINDO PENSADORES DAS

MAIS DIVERSAS ÁREAS DO SABER, ATÉ

DESPRETENCIOSOS LEITORES QUE INSISTEM,

EMBORA SEM FORMAÇÃO FILOSÓFICA (E ESTE

É O M E U C A S O ), N O D I F Í C I L E F A S C I N A N T E

ESTUDO DA FILOSOFIA.

NISE DA SILVEIRA

EM SEU LIVRO CARTAS A SPINOSA


EDITORA FRANCISCO ALVES, RJ, 1999
A GRADECIMENTOS .
Ao PROCAM por ter acolhido esta pesquisa e possibilitado seu
desenvolvimento; aos seus funcionários, em especial Luciano e Maria José,
pela atenção;

À FAPESP por ter apoiado financeiramente este estudo;

Ao parecerista-FAPESP pelas contribuições que trouxe para o


desenvolvimento e aprofundamento da pesquisa;

Ao Marcos Sorrentino, querido orientador, pela amizade, dedicação e


compromisso que ajudaram a iluminar minhas buscas, trazendo um colorido
próprio paras as linhas e entrelinhas desta dissertação;

À Maria Rita Avanzi (Rio), companheira de olhos agudos e ouvidos atentos,


que de forma sempre criativa se fez presente nos últimos anos, permitindo
assim que nossas trocas transformassem sonhos em realidade;

Às integrantes do Grupo de Educação Ambiental: Érica Speglich, Vivian Gladys


de Oliveira, Alik Wunder, Maria Rita Avanzi, Caroline Ladeira e Rita Nonato
pelas saborosas trocas intelectuais e afetivas que contribuíram para nosso
amadurecimento pessoal e profissional, brindando sempre a diversidade de
olhares e formas;

À Alik, Érica e Rio mais uma vez obrigada pela leitura e contribuições que
vocês trouxeram para versão final deste texto;

À Isabel Carvalho, Pedro Jacobi, Bader Sawaia e Fábio de Castro pelas


valiosas contribuições advindas da atenta leitura do texto de Qualificação que
muito contribuíram para amadurecimento desta pesquisa;
Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da UNICAMP na forma de seus
pesquisadores e funcionários, em especial, Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni,
Fábio de Castro, Paulo Inácio Prado, Celso Lopes, Pedro Silveira, Allan
Monteiro e Rossano pelas diferentes trocas que tivemos e que possibilitaram a
visualização de diversas facetas da complexa realidade do Vale do Ribeira,
além de Neusa e Robson pelo apoio logístico.

À Fabiana Victor pelo carinho e cuidado com que fez a revisão deste texto.

À Helena Heloísa Ribeiro pelo abstract e também pela alegria, sempre


inspiradora, do seu jeito de ser;

Ao meu pai, Guilherme, pelo apoio, principalmente na fase final dessa


dissertação, e pelo amor que sinto por você;

Aos tios Cristina e Marcelo pelo aconchego e carinho de seu apoio sempre
generoso;

À Cidinha por sua espontaneidade; a Sá pelas degustações e Bu pelas texturas


e cores. E às três pela cumplicidade e simplicidade de nossa amizade sincera
que nos permite compartilhar vivências recheadas de muito carinho;

Ao Chico (Francisco Corrales), colega de mestrado e amigo, por tudo que


compartilhamos, construindo e/ou desobstruindo, durante essa nossa
caminhada;

À Kellen Junqueira, pelo aprendizado advindo de nossa convivência e pela


delicadeza das imagens produzidas tanto pela sua câmera fotográfica como
pela filmadora que gerou o vídeo “Madeira tombada, canoa forte, rabeca
afinada”;

À Carol pelo belíssimo livro de Nise da Silveira e pelas cantorias;

À Sandra Benedetti pelas maravilhosas indicações bibliográficas e pela


amizade que vem sendo construída;

Aos queridos amigos Lica, Leila, Alci, Karla, Cristiano, Érica, Perci, Silvia
Fonseca, Paulo Mandato, Silvia Avanzi e Seu Zézinho pelo carinho e brilho de
nossa convivência;

À Claudinha Lammoglia, Macu e Cris Bonfiglioli por conta dos deliciosos


reencontros que a vida nos proporciona;
À Susana Dias, Shaula, Caio, Teca, Élio e Marli Wunder, Ana Paula Coati, Japi,
Gi, Lúcia e Monge pela amizade e bons momentos compartilhados;

À Fátima Mota pela alegre suavidade de nossa convivência;

À Saeko, à Júlia Isvara e à Cristina Buthi pelo aprendizado e apoio nos


momentos difíceis;

Ao Sushi, à Alana e à Fulô...

E finalmente a todos os moradores de Pedrinhas que sempre me receberam e


acolheram com grande carinho, alegria e disposição por tudo que trocamos e
aprendemos juntos – obrigada!

As imagens presentes nesta dissertação foram impressas em papel 100% reciclado e o texto em papel livre de cloro.
S UMÁRIO .
ABREVIATURAS E SIGLAS............................................................................................... i

LISTA DE QUADROS........................................................................................................... ii

RESUMO................................................................................................................................. iii

ABSTRACT............................................................................................................................. iv

APRESENTAÇÃO.............................................................................................................................. v

1. CENÁRIO DA PESQUISA......................................................................................................... 1

1.1 O Grupo de Educação Ambiental..................................................................... 3

1.1.1 Um pouco mais sobre o Grupo de Educação Ambiental......................... 8

1.2 Sobre o Vale do Ribeira.................................................................................... 12

1.3 Município de Ilha Comprida.............................................................................. 14

1.4 Unidades de Conservação, legislação ambiental e população local................ 17

1.4.1 Garantias formais de direitos à participação e a fragilidade de sua........ 23


prática
1.5 A escolha de Pedrinhas.................................................................................... 26

2. REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE ............................................ 29


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E PENSAMENTO ESPINOSANO
2.1 Concepção teórico-metodológica de Educação Ambiental que orienta........... 30
esta pesquisa-intervenção
2.1.1 Buscando uma relação horizontal entre saberes.................................... 34

2.1.2 Tecendo caminhos entre a teoria e a prática.......................................... 38

2.2 Sobre o conceito de participação..................................................................... 41

2.3 Breve contextualização do pensamento espinosano....................................... 48


2.4 Sobre potência de ação.................................................................................... 53

2.4.1 Noção comum: transforma-ações........................................................... 59

2.5 Existo, logo penso: a epistemologia espinosana.............................................. 63

2.5.1 Liberdade: autonomia no sentir, pensar e agir........................................ 67

2.5.2 Pensamento político: alguns fragmentos................................................ 70

3. PEDRINHAS: SUA GENTE, SUAS HISTÓRIAS, FESTAS E MODOS DE VIDA 74

3.1 A peculiar ocupação de Pedrinhas: entre o padrão urbano e o território......... 78


caiçara
3.2 Andanças pelo bairro........................................................................................ 80

3.2.1 A igreja católica, o padre e a organização comunitária........................... 84

3.2.1.1 Andores, flores e reflexão............................................................... 85

3.3 O trabalho de hoje e dantes............................................................................. 90

3.3.1 Mutirões, ajutórios e pujuvas: o trabalho coletivo na dinâmica cultural... 94


do caiçara

4. A TRAJETÓRIA DA PESQUISA................................................................................... 99

4.1 Aprofundamento teórico-metodológico............................................................. 100

4.1.1 As fases da pesquisa-intervenção........................................................... 103

4.1.2 Outros elementos desta pesquisa-intervenção....................................... 114

4.2 Caracterização das atividades do grupo do plantio e de seus integrantes...... 121

4.2.1 Um pouco da dinâmica do Grupo do Plantio........................................... 122

4.2.2 Os participantes....................................................................................... 127

5. APRENDIZADO DA PARTICIPAÇÃO COMO PROCESSO..................................... 135

5.1 Relação entre trabalhos coletivos de ajuda mútua e participação................... 136

5.1.1 Caleidoscópio: fragmentos que compõem e decompõem encontros...... 138

5.2 Participação: o olhar dos moradores de Pedrinhas.......................................... 139

5.3 Fluxos e refluxos na apropriação das causas.................................................. 142

5.4 Noções comuns: um processo em movimento................................................. 149

5.5 A compreensão das causas e a construção da autonomia.............................. 151

5.5.1 Práticas culturais, modos de vida e critérios para decisão...................... 152

5.6 Tristes encontros.............................................................................................. 155

5.7 Participação como potência de ação................................................................ 160


5.8 Diálogo de saberes?......................................................................................... 162

6. UMA TESSITURA............................................................................................................ 166

6.1 A procura de avaliadores.................................................................................. 167

6.2 Potência de ação e a construção de uma prática educativa............................ 174

6.3 Considerações finais........................................................................................ 180

ANEXOS.................................................................................................................................. 187

A. Quadro 5: resumos dos campos realizados....................................................... 188

B. Estatuto de funcionamento do Grupo do Plantio................................................ 194

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 195

APÊNDICES........................................................................................................................... 204

I. Participação do Grupo de educação Ambiental em congressos, ....................... 205


seminários e encontros
II. Mini-cursos ministrados pelo Grupo de Educação Ambiental............................ 206

III. Publicações do Grupo de Educação Ambiental................................................ 207


i

A BREVIATURAS E S IGLAS .

APA/CIP - Área de Proteção Ambiental de Cananéia-Iguape-Peruíbe


APA/IC - Área de Proteção Ambiental de Ilha Comprida
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
EA – Educação Ambiental
EEJI – Estação Ecológica Juréia-Itatins
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FE – Faculdade de Educação
GP – Grupo do Plantio
Grupo EA – Grupo de Educação Ambiental
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IC – Ilha Comprida
IG – Instituto de Geociências
PETAR – Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira
PMIC – Prefeitura Municipal de Ilha Comprida
PROCAM – Programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da USP
RN – Recurso Natural
RP – Reunião do Plantio
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
UC – Unidade de Conservação
UNESP – Universidade Estadual Paulista
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
USP – Universidade de São Paulo
ZOC – Zona de Ocupação Controlada
ZU – Zona Urbana
ii

L ISTA DE Q UADROS .

QUADRO 1: APA ESTADUAL DE ILHA COMPRIDA - MACROZONEAMENTO 20

QUADRO 2: ATIVIDADES DO GP QUE POSSUEM REGISTRO FORMAL 111

QUADRO 3: REUNIÕES DO PLANTIO- OBJETIVOS E RESULTADOS 121

QUADRO 4: CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA 1ª FASE DO GP 129

QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS 188

QUADRO 6: CONGRESSOS, SEMINÁRIOS E ENCONTROS 205

QUADRO 7: MINI-CURSOS MINISTRADOS PELO GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL 206


iii

R ESUMO .

A presente dissertação procura incorporar o pensamento do filósofo holandês do


século XVII Baruch de Espinosa a práticas de educação ambiental, visando o
fortalecimento do sujeito, individual ou coletivo, para que ele possa contribuir com a
realização de transformações na realidade. Transformações essas concebidas a partir
da expressão dos desejos, da compreensão das causas desses desejos e dos
encontros, e do diálogo a respeito de quais transformações se deseja realizar e dos
caminhos para efetivá-las. A pesquisa desenvolveu-se no bairro caiçara de Pedrinhas,
localizado no interior de uma Unidade de Conservação, a Área de Proteção Ambiental
de Ilha Comprida – Vale do Ribeira/SP. O objetivo maior desta pesquisa é contribuir
para a decodificação de elementos que possam propiciar uma cultura participativa,
oferecendo, desta forma, subsídios para o enfrentamento de algumas das lacunas de
conhecimento existentes no campo da Educação Ambiental a respeito de seus
elementos fundantes. Portanto, referimo-nos a uma educação ambiental que tenha na
participação fundamento e perspectiva. Os trabalhos partiram de uma intervenção
educacional voltada à ressignificação de práticas culturais de ajuda mútua ligadas à
agricultura. Com base nas leituras, reflexões e experiências vividas e compartilhadas
com os moradores de Pedrinhas, trazemos alguns apontamentos e sugestões de
alguns procedimentos, para o desenvolvimento de práticas educativas preocupadas
em construir alternativas de desenvolvimento local e envolvimento das populações
residentes, em consonância com a conservação ambiental. Trazemos também
propostas de avaliadores de potência de ação, compreendida aqui como um indicador
possível da participação, seja no âmbito individual/subjetivo, seja na esfera
coletiva/política.
iv

A BSTRACT .

This text is an attempt to incorporate Baruch de Espinosa’s thoughts, the Dutch


philosopher of the 17th century, to environment educational practices, which aim at the
strengthening of the subjects, individual or collective, enabling them to contribute to
transform their own reality. These transformations are based on: the expression of the
wishes, the understanding of wishes and meetings’ causes, and the dialogue about the
kind of transformations wanted and about the ways to carry them out. This research
has been developed in the neighbourhood of Pedrinhas, which lies within a Protected
Area, in the Area of Environmental Protection of Ilha Comprida – Vale do Ribeira/São
Paulo, Brazil, focusing on the seaside native population (the so called caiçara). Our
main purpose is to shed some light onto some elements that might open the way to a
participative culture, thusly offering support to fill the lack of knowledge about the
foundations of environmental education. Participation, thus, is the foundation as well as
the likely prospects of what we mean by environmental education. The work has been
carried out by educational intervention, by finding a new significance of the cultural
practices of mutual helping linked with agriculture. Based on readings, reflexions and
experiences shared with Pedrinhas’ native people, we point out some suggestions of
proceedings to develop the educational practices that may build up alternatives for the
involvement of the dwellers and the consequent local development, according to the
precepts of environmental conservation. Furthermore, we bring about some
propositions to gauge the action potency as a possible indicator of participation, whether
in the individual/subjective area or in the collective/political sphere.
v

A PRESENTAÇÃO .

COMO TUDO COMEÇOU

T udo começou depois da minha formatura no curso de Biologia na


UNESP de Botucatu, quando me pus a procurar uma área de atuação

profissional que unisse dois campos distintos do conhecimento, as áreas de

humanas e biológicas. Naquela ocasião, sentia uma angústia profunda pois

gostava da biologia, mas percebia que apenas o conhecimento deste campo

científico não era capaz de suprir meus anseios. Iniciei-me na docência dando

aulas de ciências em uma escola municipal para o antigo ginásio, hoje

chamado de ensino fundamental, buscando ali a interface com as ciências

humanas. Sentia-me mais reconfortada então.

Algum tempo depois, morando no nordeste do país realizei estágios

junto a projetos de preservação de espécies em extinção, como o Tamar,

Centro de Mamíferos Aquáticos, na época nominado Projeto Peixe-Boi

Marinho, e IBAMA. Eu procurava não apenas os animais em extinção, mas

buscava compreender sua relação com os seres humanos e entender como

esta relação afetava a qualidade de vida de grupos sociais. Foi dessa forma

que tive meu primeiro contato com trabalhos em comunidades. Para mim havia

ficado muito claro a necessidade da realização de trabalhos educacionais com


vi

vistas à conservação da biodiversidade e da qualidade de vida de populações

humanas. A partir deste ponto a pergunta era ‘...mas como fazer?’.

Após essas experiências retornei ao estado de São Paulo com a

sensação de que havia encontrado um caminho que gostaria de seguir. Alguns

anos se passaram e atuei profissionalmente em diversas atividades: fui

monitora de estudo do meio junto a escolas, em sua maioria particulares;

lecionei a disciplina de ciências para a antigo primário em uma escola católica

marista; atuei como auxiliar de campaigner na ONG Greenpeace em uma

campanha internacional que visava a eliminação da descarga de resíduos

tóxicos poluentes por empresas, principalmente multinacionais; também

ministrei aulas particulares de ‘ciências e matemática’ e ‘biologia’ para os

antigos primeiro e segundo graus respectivamente.

Em cada uma dessas atividades, conseguia ver por diferentes ângulos,

em parte das vezes sem muita clareza, a importância da realização de

trabalhos educacionais que buscassem não apenas a transmissão de

conteúdos, mas a construção de uma relação cotidiana entre o bem estar das

pessoas e a qualidade ambiental. E a pergunta ‘como fazer?’ continuava

presente.

Foi então que em 1999 recebi um convite para integrar o corpo de

pesquisadores que estava se formando na UNICAMP em torno de um projeto

temático recém aprovado pela FAPESP, o “Floresta e Mar”. O temático era

subdividido em três componentes, sendo um deles “Intervenções e Educação

Ambiental”. Achei a idéia interessante, principalmente pela existência da

possibilidade de desenvolver trabalhos na área de Educação Ambiental, sonho

há algum tempo perseguido.


vii

No início dos trabalhos do projeto temático, as coisas eram meio

nebulosas e ao mesmo tempo instigantes dada a infinita possibilidade de

criação. Bebendo da pesquisa-ação e tendo em vista a perspectiva incremental

da pesquisa fomos, pouco a pouco e a muitas mãos, construindo os objetivos e

caminhos do componente “Intervenções e Educação Ambiental”, procurando

sempre a coerência entre a teoria e a nossa prática. Com o passar do tempo a

equipe responsável pelo componente de Educação Ambiental (EA) se

consolidou e passamos a formar um Grupo, o que segundo Michel Maffesoli,

em Elogio da Razão sensível, traz o componente afetual. Algumas pessoas,

por contingências diversas, passaram pelo Grupo de EA não se integrando a

ele, mas deixando suas marcas e fazendo parte de seus fluxos e refluxos. Foi

neste ambiente de trabalho coletivo do Grupo de EA em busca de uma prática

democrática e participativa que foi gestado e desenvolvido o projeto desta

pesquisa.

Nos últimos três anos a companhia de Espinosa me foi muito cara, pois

fez com que me revisse tão profundamente que, para minha surpresa, revisitei

salões do meu eu que julgava “resolvidos” ou ao menos “sobre controle”. Ao

examiná-los, à luz de fragmentos de sua filosofia que me impregnaram, pude

reencontrar e reelaborar pequeninas porções de mim mesma que me fazem

olhar para mim, para os outros com quem convivo nas diferentes esferas de

relacionamentos, para o mundo e conseqüentemente para as relações nele

existentes de uma outra maneira.


viii

“E assim, através dos tempos e dos lugares você [Espinosa]


foi fascinando grandes, pequenos, pequeníssimos.
E, correndo o mundo, seu livro maior – A Ética – chegou as
minhas mãos (...). Parece incrível. Eu estava vivendo um
período de muito sofrimento e contradições.
Logo às primeiras páginas fui atingida. As dez mil coisas que
me inquietavam dissiparam-se quase, enfraquecendo-se a
importância que eu lhes atribuía. Outros valores impunham-se
agora. Continuei sofrendo, mas de uma maneira diferente”.1

Apesar do recolhimento de informações e das reflexões apresentadas

nesta dissertação terem sido por mim protagonizadas, este estudo

provavelmente seria muito diferente do que aqui se apresenta se não fossem

as contribuições recebidas de outras mãos, mentes e corações ao longo do

processo. Dessa forma, entendo que esta pesquisa, muito embora tenha um

viés bastante particular, o meu olhar, é fruto de um trabalho realizado em e por

um coletivo e, em virtude disto, usarei ao longo do texto que se segue a

primeira pessoa do plural.

Gostaria ainda de fazer uma última colocação antes de apresentar os

capítulos desta dissertação. Todos os nomes aqui referenciados são fictícios

com o intuito de resguardar a privacidade e identidade daqueles que fizeram

parte deste estudo, as únicas exceções são: o consultor de Cananéia, as

integrantes do grupo de Educação Ambiental e a pesquisadora (Cf. Quadro 4),

além dos protagonistas do vídeo “Madeira tombada, canoa forte, rabeca

afinada”.

***

Passemos agora à apresentação dos capítulos deste texto que se

configura como uma tentativa de trazer, através de práticas educativas,

fragmentos do pensamento espinosano para o mundo material em que

1
Nise da Silveira em seu livro “Cartas a Spinoza”, editora Francisco Alves, RJ, 1999.
ix

vivemos. Incorporar o pensamento de Espinosa a práticas de educação

ambiental tem como objetivo a emancipação, o fortalecimento do sujeito para

que ele possa efetivar transformações de maneira consciente na realidade.

“Conhecer as limitações para então tentar superá-las, eis o


belo itinerário que você nos aponta [Espinosa]”2.

No primeiro capítulo apresentamos: a problemática em que se insere

este estudo; a dinâmica, a constituição e a proposta de trabalho do Grupo de

EA; os objetivos da pesquisa; bem como procuramos propiciar ao leitor uma

aproximação com a região do Vale do Ribeira, com o município de Ilha

Comprida, com o bairro de Pedrinhas e com a relação estabelecida entre a

população local e a legislação ambiental.

O segundo capítulo destina-se a apresentação do pensamento do

filósofo do século XVII Baruch de Espinosa, da concepção de EA balizadora

desta pesquisa, além de algumas reflexões a respeito da metodologia, métodos

e técnicas utilizadas buscando criar instrumentos adequados que garantam a

coerência entre teoria e prática.

No terceiro capítulo procuramos apresentar o bairro de Pedrinhas e o

modo de vida de sua população residente, tanto no “tempo dos antigos” como

nos dias atuais, com o intuito de arrecadar subsídios para a implementação de

uma prática educativa que dialogue com histórias, valores, angústias e alegrias

manifestas pelos moradores, uma expressão de sua inserção histórico-cultural.

O quarto capítulo traz um aprofundamento teórico-metodológico operado

por este estudo, a dinâmica das atividades realizadas com os moradores de

Pedrinhas, bem como a composição do grupo local de trabalho procurando

2
Idem ibidem.
x

fornecer ao leitor(a) uma visão processual dos acontecimentos.

No quinto capítulo apresentamos algumas reflexões que buscam

entrelaçar o referencial teórico-metodológico adotado com as informações

coletadas durante esta pesquisa, trazendo, portanto, uma análise de elementos

do processo educativo vivenciado com os moradores de Pedrinhas.

No sexto e último capítulo procuramos tecer propostas ao apontarmos

possibilidades para práticas de Educação Ambiental pautadas pela busca do

incremento da potência de ação de grupos e indivíduos. Além disso, trazemos

também sugestões de avaliadores de potência de ação, compreendida aqui

como um indicador possível da participação em processos de educação

ambiental.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 1

C APÍTULO 1 .

C ENÁRIO DA PESQUISA

E ste capítulo destina-se a ambientar o(a) leitor(a) ao cenário em que

se realizou este estudo. O tema da presente pesquisa gira em torno da

participação popular, de práticas culturais locais de ajuda mútua e das

contribuições que práticas de Educação Ambiental (EA) podem trazer para

construção de propostas que unam conservação ambiental e bem estar social.

A escolha do tema participação deve-se ao fato de que garantir

formalmente direitos é algo muito importante, mas isto não basta para que na

prática sua consolidação aconteça (Benevides, 1994), havendo portanto a

necessidade da implementação de processos educacionais que busquem a

consolidação do aprendizado da participação, ou para usar as palavras de

Maria Victória Benevides, de uma educação política.

Visto que o trabalho tem como foco a população residente em uma Área

de Proteção Ambiental no Litoral Sul de São Paulo, uma abrangente pergunta

que nos norteia é: como a EA poderia contribuir com este processo de

‘aprendizado da participação’ para que a população possa vir a atuar nas


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 2

tomadas de decisão que vão influenciar os rumos de sua vida, ou seja, no que

se refere à definição e implantação dos critérios de sustentabilidade da

Unidade de Conservação em que reside e atua?

Sem a intenção de esgotar a questão, o presente trabalho pretende

contribuir com reflexões a esse respeito, tendo essa visão mais abrangente

como norteadora. No entanto, seu foco centra-se especificamente sobre a

busca de elementos que possam fornecer subsídios para pensarmos numa EA

que tanto seja capaz de fomentar a participação, como tenha a participação

como um elemento constituinte. Para tanto, optamos por partir da

ressignificação de uma prática cultural local, os trabalhos

coletivos/comunitários originariamente relacionados à agricultura.

Desde o início da História Colonial brasileira até o início do século XX, a

população, seja do litoral sul paulista, seja da região mais ampla do litoral

sudeste brasileiro, tinha uma economia de baixo impacto ambiental, sendo

essa baseada no trabalho da família, com pequena participação no mercado,

combinando agricultura (a principal atividade) com a pesca artesanal e o

extrativismo (Carvalho,1999). A isto Diegues & Nogara (1994) acrescentam a

baixa densidade demográfica e a propriedade comum, ou formas comunais ou

comunitárias de utilização do espaço por parte destas comunidades. Sendo

esse tipo de apropriação do espaço detentor dos recursos naturais permeado

"por uma extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda mútua, de

normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intra-grupal" (Diegues

& Nogara, 1994:158).


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 3

Tendo isto em vista, e sem desconsiderar as alterações que vêm

ocorrendo no modo de vida das populações caiçaras1, a escolha de trabalhar

com agricultura deve-se a sua intrínseca relação com trabalhos coletivos -

como mutirões, ajutórios e pujuvas - além do conteúdo de depoimentos de

moradores da Ilha Comprida, coletado por diferentes pesquisadores, que

expressavam o desejo desses moradores de voltar a plantar. A união destes

dois ingredientes nos pareceu perfeita, demanda local e trabalhos coletivos.

Um bom caldo para se trabalhar a questão da participação.

Uma vez que o Grupo de Educação Ambiental do projeto temático

“Floresta e Mar” foi muito importante durante toda a gestação e

desenvolvimento desta pesquisa, reservamos a primeira seção deste capítulo a

apresentá-lo. Na segunda e terceira seções são apresentados,

respectivamente, a região do Vale do Ribeira e o município de Ilha Comprida.

Na quarta seção trazemos a caracterização da área de estudo no

tocante à legislação ambiental e à forma como os moradores locais têm se

relacionado com ela, sendo apresentados os objetivos da pesquisa. A quinta e

última parte deste capítulo destina-se a explicitar as razões da escolha de

Pedrinhas como local de trabalho.

1.1 O GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

O Grupo de Educação Ambiental (Grupo EA) foi responsável pelo

componente de “Intervenções e Educação Ambiental” do projeto temático

“Floresta & Mar: usos e conflitos no Vale do Ribeira e litoral sul, SP” (FAPESP

1
São chamadas caiçaras as comunidades formadas pela mistura étnica de Índios, Portugueses e
Negros, cujo o modo de vida é originalmente baseado na agricultura itinerante, na pesca, no
extrativismo e no artesanato. Para maior aprofundamento consultar capítulo 3 deste texto.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 4

97/14514-1)2, desenvolvido de 1999 a 2002, por pesquisadoras(es) ligadas(os)

ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da UNICAMP. O projeto

temático conta com outros dois componentes: “Uso, estratégias de uso e dieta”,

“Conflitos sociais em Unidades de Conservação”. O projeto como um todo

visou analisar a relação entre uso de recursos naturais, conflitos locais e

regionais e formas de intervenção relacionadas à conservação e manejo no

Vale do Ribeira - SP - uma das maiores áreas de remanescentes de Mata

Atlântica do Brasil - a fim de compreender os aspectos fundamentais da

implantação de Unidades de Conservação no território brasileiro. As áreas de

abrangência são três diferentes Unidades de Conservação (UCs), bem como

seu entorno: a Área de Proteção Ambiental de Cananéia/Iguape/Peruíbe (APA-

CIP), a Estação Ecológica de Juréia-Itatins (EEJI) e o Parque Estadual

Turístico do Alto Ribeira (PETAR).

O Grupo EA é formado por universitárias de diferentes níveis

acadêmicos, de diferentes instituições de ensino e pesquisa e tem como

propósito construir ações educativas com e para os moradores do interior e

entorno de algumas UCs no Vale do Ribeira, procurando aprofundar uma

proposta de trabalho que se pauta na construção de conhecimento a partir de

um exercício de diálogo entre a universidade e grupos de moradores locais.

Durante o primeiro ano de vigência do projeto temático, o Grupo EA

realizou visitas a distintas localidades no interior e entorno das UCs onde se

desenvolveu o temático com o intuito de fazer um levantamento dos atores

presentes. Pretendia-se construir uma “visão panorâmica” da região, o que

possibilitaria a escolha dos locais e temas a serem trabalhados. Iniciamos

2
Projeto coordenado por Alpina Begossi e Lúcia da Costa Ferreira.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 5

nossa incursão lançando um olhar atentamente distraído às localidades

visitadas. Foi nesse período que os diferentes projetos de mestrado foram

sendo coletivamente construídos e discutidos. As pesquisas de iniciação

científica e de doutorado foram também discutidas coletivamente, mas em

momento posterior.

Cada uma das integrantes do grupo desenvolveu seu projeto de

pesquisa ou pesquisa-intervenção educacional - iniciação científica, mestrado

ou doutorado - com um grupo no Vale do Ribeira: monitores ambientais,

escolas, agricultores, extratores de plantas nativas. Esses projetos individuais,

com seu questionamento próprio e com as reflexões e aprofundamento teóricos

que lhes dão sustento, alimentavam os questionamentos do grupo de pesquisa

e embasavam as reflexões teóricas do mesmo nos encontros chamados de

"orientação coletiva", que aconteceram quinzenalmente desde março de 1999.

“São encontros repletos de sentidos, partilham-se vivências, idéias, histórias


de vida, olhares, alimento. As leituras e discussões teóricas que acontecem
nestes encontros são animadas pela prática cotidiana dos projetos que estão
em andamento com as comunidades e escolas do Vale do Ribeira. O coletivo
passa a dar suporte à construção de um conhecimento que vai além do que a
reflexão individual possibilitaria naquele momento. Há uma dinâmica
própria que ora aproxima ora distancia os encontros. No seu dinamismo, no
entanto, há algo que permanece e que une, permitindo que estas pessoas se
reconheçam como um grupo que, de alguma forma, dá suporte para o seu
fazer cotidiano. Talvez possamos pensá-lo a partir das reflexões de
Maffesoli, quando nos diz sobre a "força de um agrupamento que se torna
'outra coisa' que possui uma qualidade que lhe é própria" (Maffesoli, 1998:
3
90)” (AVANZI et alli, 2001:9).

3
As referências de autoria de trechos extraídos das publicações do Grupo de Educação Ambiental são
apresentadas em caixa alta a fim de ajudar o(a) leitor(a) a diferenciá-las das citações bibliográficas
presentes no interior dos textos do Grupo.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 6

Essas discussões alimentaram também uma reflexão a respeito de duas

perguntas centrais deste componente:

— Qual Educação Ambiental se aplica ao Vale do Ribeira?

— Para que e para quem estamos fazendo ciência?

Além da presente pesquisa, integram o componente de “Intervenções e

Educação Ambiental” as pesquisas e pesquisadoras abaixo citadas, estando

alguns dos trabalhos em andamento e outros já concluídos:

Alik Wunder, mestre pela Faculdade de Educação da UNICAMP, onde

desenvolveu o projeto "Encontro das águas na Barra do Ribeira: imagens entre

experiências e identidades na escola” com apoio da FAPESP, sob orientação

de Antônio Carlos Amorim.

Caroline Ladeira de Oliveira desenvolveu o projeto “Sobre política em

prática de Educação Ambiental: aprendendo e ensinando uma nova lição”

como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso de Pedagogia na

Faculdade de Educação da UNICAMP, sob a orientação de Antonio Carlos

Amorim e Maria Rita Avanzi.

Érica Speglich, mestre pela Faculdade de Educação da UNICAMP, onde

desenvolveu o projeto: “Entre as ASAs da Serra”, sob a orientação de Antonio

Carlos Amorim.

Maria Rita Avanzi, coordenadora do componente "Intervenções e

Educação Ambiental", é doutoranda pela Faculdade de Educação da USP onde

desenvolve o projeto "A Trama da Rede: uma proposta de construção coletiva

de conhecimento a respeito da realidade sócio-ambiental do Vale do Ribeira -

SP", sob orientação de Moacir Gadotti.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 7

Rita de Cássia Nonato foi bolsista do PIBC/CNPq ao desenvolver o

projeto "Concepção da Educação Ambiental nos órgãos públicos responsáveis

pelos programas nas Unidades de Conservação: PETAR e EEJI", sob a

orientação de Arleude Bortolozzi e Maria Rita Avanzi.

Vivian Gladys de Oliveira, mestre pelo Departamento de Ciências

Florestais da ESALQ/USP, onde defendeu a dissertação “Educação Ambiental

e Manejo de Recursos Naturais em Área de Proteção Ambiental: o caso dos

extratores de samambaia de Ilha Comprida – São Paulo”, sob a orientação de

Dálcio Caron e Marcos Sorrentino.

O Grupo EA tem como colaboradoras:

Kellen Junqueira, que desenvolveu no Departamento de Multimeios do

Instituto de Artes da UNICAMP com apoio da FAPESP a dissertação “Meio

ambiente: uma interação em construção pelo som e imagem” e o vídeo

“Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada”, sob a orientação de Fernando

Passos.

Susana de Oliveira Dias, que desenvolve no Laboratório de Divulgação

Científica (Labjor) – UNICAMP com apoio da FAPESP o projeto “Puxando os

fios da rede tecida pelo grupo de Educação Ambiental Projeto Temático

‘Floresta e Mar’ e introduzindo outros espaços-tempos por meio da divulgação

científica” sob a orientação de Carlos Vogt.

É importante ressaltar a dinâmica e a composição do Grupo de EA uma

vez que ele foi o ambiente de formulação, reformulação, amparo e acolhimento

das propostas, reflexões e angústias no desenvolvimento desta dissertação. O

que vem a se somar com as valiosas contribuições e trocas com o orientador


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 8

deste estudo, Marcos Sorrentino, que de maneira afirmativa, otimista e

afetuosa se fez sempre presente no desenvolvimento desta dissertação.

1.1.1 UM POUCO MAIS SOBRE O GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

“Cada grupo está no eterno movimento de ir e vir no caminho da


mistura, do igualar-se até a diferenciação, a busca de criar uma
identidade onde cada um possa sentir-se reconhecido. Este
caminho pulsa temporalmente, embora no âmbito lógico, fazendo
infinitas combinações entre o eu e o outro” (Juliana Davini)4

Nesta sessão usarei a primeira pessoa do singular por se tratar de uma

reflexão individual sobre o Grupo de Educação Ambiental.

Durante os quatro anos de trabalho conjunto, o Grupo de Educação

Ambiental teve papel fundamental, tanto em minha formação acadêmica, como

no aprofundamento e embasamento de minha formação de educadora

ambiental. Creio inclusive que o Grupo desempenhou este mesmo papel para

todas as suas integrantes, mas uma vez que esta sessão foi destinada a expor

minha visão pessoal tomo o cuidado de fazer este esclarecimento.

No primeiro ano de trabalho tudo era incerto, inclusive a composição do

grupo que aos poucos foi se definindo. Iniciamos nossos trabalhos pensando

em que tipo de ações gostaríamos de desenvolver, tendo como pano de fundo

as primeiras diretrizes e um início de fundamentação teórica contida no projeto

do componente “Intervenções e Educação Ambiental” do projeto temático

“Floresta & Mar”, na época, recém aprovado pela FAPESP. Nesse ano

realizamos algumas idas conjuntas a campo, dando início ao processo coletivo

de construção de conhecimento.

4
“Movimentos da Grupalidade”. In: FREIRE, Madalena et alli. Grupo: indivíduo, saber e parceria: malhas
do conhecimento. Espaço Pedagógico,São Paulo, 1997.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 9

No segundo ano, com a aprovação de quatro projetos de mestrado, que

foram gestados conjuntamente, e tendo como principal espaço de interlocução

os encontros de ´orientação coletiva´, o aprofundamento do referencial teórico-

metodológico recebeu forte impulso. Durante esse ano foram também gerados

um projeto de doutoramento, um de iniciação científica e outro de Conclusão

de Curso (TCC). Desta forma foi dado início ao delineamento das relações

pesquisadoras-comunidades do Vale.

Cabe ressaltar que, desde o início, a postura da coordenação do

componente visava a integração e a construção conjunta de conhecimento,

pois para traçar as primeiras diretrizes sobre EA consultou algumas das

pessoas que futuramente vieram a compor o Grupo, prevendo que o

aprofundamento teórico-metodológico aconteceria coletivamente. Em nossos

encontros de discussão sempre houve um estímulo à participação de todas e

as coisas ditas sempre eram ouvidas e levadas em consideração no momento

das tomadas de decisão.

As muitas idas coletivas a campo foram de suma importância, pois esse

era mais um momento em que podíamos refletir conjuntamente, lançando no

momento em que as coisas aconteciam olhares diferenciados e, portanto,

capazes de captar diferentes facetas do ocorrido, exercitando o que Denzin &

Lincoln (1994) e Janesick (1994) chamam de triangulação, não só de dados

mas também de pesquisadoras. Esse procedimento possibilitou o

amadurecimento conjunto de nossas práticas, pois era possível uma aprender

com o trabalho da outra e assim ir dissipando as inseguranças e aflições que

sentíamos. Com o desenrolar dos trabalhos fomos nos convencendo cada vez

mais de que estávamos no caminho que gostaríamos de percorrer. Que a


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 10

horizontalização de relações é de fato disparadora de um diálogo inovador

capaz de estimular a emancipação dos sujeitos tornando-os mais

autoconfiantes e conscientes a respeito do que está a sua volta.

Com o passar do tempo houve mudanças na composição do grupo que

por sua vez alteraram sua dinâmica interna, mas não de funcionamento

propriamente dito, pois os encontros continuavam a ser em média quinzenais.

Nesses encontros eram discutidos textos com o intuito de realizar um

aprofundamento do referencial teórico-metodológico, buscar respostas às

situações de campo, realizar reflexões conjuntas sobre ambos etc.. Mas algo

mais profundo era fomentado: a internalização e a consolidação dos valores

que vínhamos delineando no plano teórico como balizadores da EA que

acreditávamos se aplicar à realidade do Vale do Ribeira e, desta forma,

buscando exercitar a coerência entre teoria e prática.

A partir do terceiro ano, esse processo se intensificou e o Grupo

apresentou e publicou dois trabalhos coletivos. Individualmente suas

integrantes também participaram de seminários e congressos que resultaram

em outras publicações. Esses momentos foram muito ricos e gratificantes, pois

estávamos colocando as idéias comuns em diálogo com outros olhares.

Nossas idéias foram bem aceitas e calorosamente discutidas nos coletivos dos

quais participamos na ocasião (apêndice I).

Isso contribuiu para o estreitamento de laços afetivos e de confiança

mútua (integrantes entre si e Grupo-integrantes, ou seja, relações pessoais

entre integrantes e a relação individual dos integrantes com o coletivo e vice-

versa), elevando nossa auto-estima e trazendo-nos confiança no trabalho que

realizávamos. A partir desse ponto, o coletivo, que já tinha um papel


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 11

importante, passou a ter importância política de maior calibre. Naquele

momento a composição do Grupo era estável, as relações de confiança entre

suas componentes estavam estabelecidas e os talentos e capacidades

individuais eram conhecidos e sempre estimulados a serem superados. Em

muitos momentos foi o coletivo que deu suporte às ações individuais e

coletivas, servindo muitas vezes de espelho, apontando contradições entre

falas e ações.

Uma situação que ilustra bem as idéias expostas acima refere-se à

preparação de um dos mini-cursos que ministramos sobre ´Metodologias

Participativas e Educação Ambiental´ (apêndice II). Naquela ocasião duas de

nós expunham idéias para a realização do mini-curso, acreditando estar em

pleno acordo, que suas idéias estavam em consonância e eram

complementares. Em dado momento, o coletivo chamou a atenção para o fato

de que as idéias expostas eram bastante diferentes e até contraditórias.

Questionadas se haviam percebido a situação, ficou claro que o equívoco não

tinha sido notado pelas interlocutoras até então.

Outro momento importante foi quando o Grupo, pressionado no sentido

de forçar sua desarticulação, vivenciou este momento de forte instabilidade

como oportunidade de reflexão sobre sua trajetória. Como o Grupo já havia se

consolidado como tal, essa situação serviu para que os mecanismos de

pressão e manipulação fossem desvendados pelo coletivo, propiciando uma

aproximação ainda maior de suas componentes na busca das causas

concretas de tal pressão. Buscava-se para esse conflito uma solução

fundamentada nos princípios que vinham sendo coletivamente traçados e


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 12

internalizados (horizontalização das relações, transparência, coerência entre

teoria e prática, fazer coletivo etc.).

Ao longo dos quatro anos de “constituição coletiva de nossa equipe temos

procurado uma coerência entre os princípios teóricos e metodológicos adotados nos

projetos e os princípios de gestão do grupo de trabalho: metodologias participativas,

não-hierarquia dos saberes e o entendimento do grupo como um espaço de reflexão e

produção coletiva do conhecimento. (...) Uma das dimensões deste processo consiste

em estimular “a capacidade de atuação, individual e coletiva, de forma a contribuir para

que o mesmo ocorra com as pessoas e grupos com os quais atuam” (Sorerntino,

2000:35). O processo de desenvolvimento das próprias capacidades compõe-se da

descoberta dos recursos internos de cada um e sua manifestação como potenciais

catalisadores de uma transformação sócio-ambiental” (COSTA-PINTO et alli,

2001:7).

1.2 SOBRE O VALE DO RIBEIRA


2
O Vale do Ribeira abrange uma área total de 24 980 km com 61% de

sua área a sudoeste do estado de São Paulo e 49% no estado do Paraná

(Instituto Sócioambiental, 1998:13). Neste trabalho estaremos nos referindo à

sua porção paulista.

A região foi economicamente ativa nos séculos XVIII e XIX, entrando em

decadência no início do século XX devido à mudança no eixo de exportação

para o porto de Santos. Atualmente apresenta complexos problemas fundiários

advindos da especulação imobiliária e da grilagem de terras, o que a configura

como zona de conflitos permanentes com conseqüente expulsão da população

local.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 13

O Vale do Ribeira apresenta características bastante singulares, tendo

os mais baixos índices de desenvolvimento do Estado de São Paulo e

aprestando sua economia baseada principalmente na agricultura (banana e

chá), mineração e extrativismo vegetal (palmito). Os parâmetros sócio-

econômicos e demográficos, tais como mortalidade infantil, abastecimento de

água, cólera e tratamento de esgotos, condições de habitação e níveis de

renda e de escolaridade, apresentam todos uma imagem contrastante com o

restante do estado. Outra característica peculiar da região é o fato de ser a

menos urbanizada do estado, com grande parcela da população vivendo em

áreas rurais e desenvolvendo atividades de subsistência (Hogan et alli, 1999).

Devido a questões históricas, dificuldade de acesso, atividades

econômicas e condições naturais adversas que garantiram a preservação de

seu patrimônio natural5, o Vale do Ribeira apresenta-se hoje como um

aglomerado de diferentes Unidades de Conservação (UCs), que muitas vezes

se sobrepõem. Essa região concentra a maior área contínua de Mata Atlântica

preservada do país.

Nas últimas décadas, projetos de desenvolvimento para a região

(turismo, agropecuária, mineração, especulação imobiliária, madeireiras, usinas

hidroelétricas, entre outros) entraram em conflito com a política ambiental e as

restrições às atividades econômicas nas áreas naturais protegidas, o que

tornou muito evidente o conflito entre desenvolvimento e preservação. Em

contraste com o desenvolvimento apresentado por outras regiões do estado, a

população do Vale do Ribeira exige agora suas próprias oportunidades de

5
O patrimônio natural do Vale do Ribeira, segundo Hogan et alli (1999), compreende mais de um milhão
de hectares de vegetação nativa, que correspondia a cerca de 64% da região até 1988.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 14

crescimento econômico, padrões de consumo e qualidade de vida (Hogan et

alli, 1999).

A vocação econômica do Vale do Ribeira é bastante diversificada, porém

pode-se constatar a falta de investimento público na região que possibilite a

exploração dessa diversidade de possibilidades por parte das chamadas

“populações tradicionais”, diferentemente do que vem acontecendo desde a

década de 1940 com empresários de vários setores que vem enriquecendo

com sua exploração (Instituto Sócioambiental, 1998).

Depoimentos de vários atores locais, dentre eles lideranças

comunitárias, coletados durante a realização de um estudo na região pelo

Instituto Sócioambiental (1998), apontam para o desejo e necessidade,

vislumbrada por comunidades locais, da inversão desta situação, uma vez que

de acordo com este mesmo trabalho “a história comprova que não é viável a

aplicação de planos de desenvolvimento pré-estabelecidos para o Vale.

Desenvolver a região significa desenvolver as várias comunidades existentes.

O que equivale dizer que é necessário, antes de mais nada, aprender com elas

mesmas quais são essas fórmulas desenvolvimentistas” (Instituto

Sócioambiental, 1998:176).

1.3 MUNICÍPIO DE ILHA COMPRIDA

Dentre os muitos municípios que compõem o ‘Vale’ está o município de

Ilha Comprida, que se localiza ao sul do litoral paulista, fazendo parte do

complexo estuarino-lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, formado por um

conjunto de baías, ilhas (Comprida, de Cananéia, do Cardoso, Superagui e das

Peças), planícies, colinas, morros, serras e desembocaduras de rios.

Formando junto ao continente um sistema de lagunas, verdadeiros mares de


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 15

águas salobras, densamente ocupadas por manguezais (Soares et

alli,1999:15).

A Ilha Comprida estende-se desde a barra de Icapara, até a barra de

Cananéia com 74km de extensão e uma largura de aproximadamente 4 km

(Carvalho, 1999:29).

A população da Ilha foi estimada pelo IBGE em 3.434 habitantes, porém

a Prefeitura Municipal contesta este número estimando, através do censo

escolar, do número de prontuários no Serviço Municipal de Saúde e no

Registro de Cartório Eleitoral, que essa população ultrapasse 8 000 habitantes

(Soares et alli, 1999:16), dos quais cerca de 23,9% são ilha compridenses

natos (Carvalho, 1999:29).

Ilha Comprida pertenceu aos municípios de Iguape (2/3 norte) e de

Cananéia (1/3 sul) até 1992, quando se emancipou e tornou-se um município

(Soares et alli,1999). Dentre os bairros que compõem o município de Ilha

Comprida sete são caiçaras: Vila Nova, Pedrinhas, Sítio Arthur, Ubatuba,

Juruvaúva, Morretinho, e Trincheira (Carvalho, 1999). O bairro de Pedrinhas

pertenceu ao município de Cananéia até a emancipação da Ilha.

Quanto à questão fundiária, de acordo com Carvalho (1999), nos

primeiros anos da década de 1950 um corretor (Claudio Manoel Trindade)

começou a propor a compra de terra dos moradores da Ilha, intermediando

negócios para terceiros, como por exemplo para a Companhia Melhoramentos

de Cananéia, mancomunado com um funcionário do cartório de Cananéia

(João Veríssimo). O corretor negociava com o morador a compra de parte das

terras, sendo que na escritura constava a compra de toda a propriedade,

prática que ficou conhecida como escritura do abraço.


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 16

Na década de 1970, com a chegada de novos empresários interessados

na compra de terras na Ilha, iniciou-se um sério conflito pela propriedade das

terras e a grilagem descontrolada das mesmas. A “mina de ouro” era a venda

de lotes, praticamente toda a Ilha foi loteada e vendida, sendo que muitos lotes

foram vendidos cerca de três vezes.

Em Pedrinhas, a Companhia Melhoramentos de Cananéia comprou

terras dos moradores sob a intermediação de Claudio Manoel Trindade, que

dizia aos moradores que seus impostos estavam atrasados. Segundo o acordo,

após terem pago os impostos, a companhia daria aos moradores uma escritura

das terras como se estes tivessem comprado da mesma a parte onde

moravam. A companhia não cumpriu o acordo e realizou uma escritura do

abraço, tentando, anos mais tarde, tomar posse das terras dos moradores.

Neste caso o confronto se deu diretamente entre os moradores e a Companhia

Melhoramentos de Cananéia pelas vias judiciais, sem ter até hoje uma solução

legal (Carvalho, 1999). Com isso os moradores locais perderam grande parte

ou em alguns casos todas as suas terras.

Retomar essa trajetória histórica a respeito da questão fundiária na Ilha

é de grande importância para contextualizar o presente trabalho, uma vez que

em depoimentos de caiçaras, coletados por Carvalho (1999:71), há o

estabelecimento de uma relação direta entre a questão fundiária e o abandono

das práticas agrícolas, quando dizem que deixaram de plantar “depois que

apareceu esse negócio de balneário6.

6
Os loteamentos são os chamados balneários.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 17

1.4 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E POPULAÇÃO


LOCAL

No contexto internacional, 1872 foi um marco para a conservação da

natureza, pois nesse ano foi criado o primeiro parque nacional do mundo, o de

Yellowstone nos EUA (Brito, 1995; Silveira, 2001). A criação desse parque foi

fruto de idéias preservacionistas, que se tornavam importantes nos EUA desde

o início do século XIX, e que estavam em consonância com os ideais de

apreciação do mundo selvagem presentes na Europa naquele período,

influenciada pelo avanço da História Natural e pelo romantismo na literatura

(Diegues, 1996).

“O pressuposto inicial que fundamentou a existência de áreas


naturais protegidas em muitos países, foi a socialização do
usufruto, por toda a população, das belezas cênicas existentes
nestes territórios” (Brito, 1995:5).

Com a criação de Yellowstone foi determinado que sua área não poderia

ser vendida, ocupada ou colonizada, originando a “idéia de parque como área

selvagem e desabitada” (Diegues, 1996:27).

A partir da década de 1950 esse modelo de conservação foi exportado

para outros lugares no mundo, com apogeu nos anos de 1970 (Brito, 1995).

Borrini-Feyerabend (1997) identifica dois modelos estratégicos de

Unidades de Conservação (UCs): as de manejo ‘excludente’ e as de manejo

‘inclusivo’. No primeiro modelo, amplamente adotado nos EUA, os planos de

manejo desenvolveram-se com a intenção de isolar os interesses dos

habitantes locais das unidades de conservação; no segundo modelo, mais

freqüentemente adotado na Europa Ocidental, os interesses das sociedades

locais foram fundamentais nas UCs (“o bem-estar daqueles que vivem e
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 18

trabalham nos Parques Nacionais deve sempre ter uma primeira consideração”

- Borrini-Feyerabend, 1997:5), a propriedade privada da terra era comum e os

administradores locais estavam sumamente envolvidos na planificação do

manejo.

No Brasil as áreas naturais protegidas já eram propostas desde 1876

pelo engenheiro André Rebouças que se baseava no modelo de Yellowstone.

Entretanto, o primeiro parque criado foi o de Itatiaia, em 1937, no governo de

Getúlio Vargas, acompanhando o início da industrialização do país (Silveira,

2001).

A partir da criação dessa primeira área natural protegida, foram criadas

no Brasil uma série de outras categorias de UCs: Florestas Nacionais,

Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental, Reservas Biológicas etc.

“O que se encontra hoje é um complexo de dezenas de


diferentes categorias de UCs, algumas que se sobrepõem às
outras, criadas isoladamente em períodos diferentes por
lobbies de diferentes grupos ambientalistas” (Silveira, 2001:16)

Conforme anunciado anteriormente esse cenário está também presente

no Vale do Ribeira, que concentra a maior área contínua de Mata Atlântica

preservada do país, inserida em diferentes Unidades de Conservação (UCs),

tais como Parque Estadual, Estação Ecológica, Área de Proteção Ambiental

(APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Área sob Proteção

Especial (ASPE), entre outras. O que as diferencia são os diferentes graus de

restrições impostas às atividades humanas pela legislação que as regulamenta.

O modelo ‘excludente’ foi o adotado quando da implantação da maioria das

UCs do Vale do Ribeira.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 19

A situação fundiária descrita para o município de Ilha Comprida segue o

padrão do restante do Vale do Ribeira, tendo parte das terras vendida e

revendida sem qualquer planejamento ou ordenamento legal. Essa confusão

fundiária dificulta a implantação de uma proposta de desenvolvimento sócio-

econômico compatível com a conservação ambiental. Como vimos, Ilha

Comprida (IC) é um exemplo desta desordem, tendo sido retalhada em cerca

de 230 mil lotes (Alves, 1999; Soares et alii, 2000).

Em 1984 foi decretada a APA federal de Cananéia-Iguape-Peruíbe

(APA-CIP) que encampava também a Ilha; em 1987 foi decretada a APA

Estadual de Ilha Comprida (APA-IC). Deste modo Ilha Comprida ficou inserida

em duas APAs sobrepostas.

De acordo com o SNUC - Sistema Nacional de Unidades de

Conservação, regulamentado em agosto de 2002, em seu artigo sétimo, as

UCs são divididas em dois grupos distintos: I. Unidades de proteção integral e

II: Unidades de uso sustentável.

A APA insere-se no segundo grupo sendo uma das unidades de

conservação menos restritivas, que visa conciliar o desenvolvimento das

atividades humanas com a conservação de recursos naturais, onde é permitida

a propriedade privada da terra.

“A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa,


com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos
abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente
importantes para a qualidade de vida e o bem estar das
populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger
a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e
assegurar a sustentabilidade dos recursos naturais” (SNUC
art. 15).
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 20

Segue abaixo o detalhamento do Macrozoneamento proposto pela APA

Estadual de Ilha Comprida, segundo Alves (1999) (Figura 1, Quadro 1):

QUADRO 1: APA ESTADUAL DE ILHA COMPRIDA - MACROZONEAMENTO

a) Zonas Urbanas
• ZU 1, 3 e 4: Lotes mínimos de 500 m2 desde que existente rede de abastecimento
de água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento.
• ZU 2: lotes mínimos de 1000 m2 desde que existente rede de abastecimento de
água e rede coletora de esgotos, dotada de tratamento.
b) Zona de Ocupação Controlada (1 e 2)
• a. lotes mínimos de 1500 m2, quando adotado sistema coletivo de tratamento
completo de esgoto ou solução equivalente.
• b. lotes mínimos de 3500 m2, quando adotado sistema individual de tratamento e
disposição de esgotos compatível com o inciso V do artigo 2o do Decreto 30.817/89.
c) Zona de Proteção Especial
• não serão permitidos parcelamento de solo, qualquer que seja a sua modalidade
d) Zona de Vida Silvestre
• regulamentada pela resolução CONAMA 10/88. Estabelece condições ou proíbe
urbanização, atividades agrícolas ou pecuárias, mineração, terraplenagem,
escavação, drenagem e outros. Pode proibir o uso da biota de tal forma a restringir o
exercício da propriedade privada - indenização (equivalente a reservas ecológicas
públicas ou privadas) ou permitir o uso moderado e auto-sustentado da biota,
regulado de modo a assegurar a manutenção dos ecossistemas.
OBS: Zonas urbanizadas até agora: ZU 1, ZU 2, ZU 3 e ZOC2.

A APA Federal, por sua vez, prevê sete unidades de gestão. Nesta

proposta Ilha Comprida ficou inserida em duas delas: Zona I. Alta proteção

através do controle e manejo sustentável e Zona IV. Conservação através do

gerenciamento e controle, com medidas de recuperação (Secretaria do Estado

do Meio Ambiente, 1996) (Figura 2, p. 22 deste texto).

O bairro de Pedrinhas está inserido na Zona Urbana 3 do

macrozoneamento da APA Estadual de Ilha Comprida, circundado pela Zona

de Vida Silvestre, e na Zona I do macrozoneamento da APA Federal de

Cananéia-Iguape-Peruíbe, inserido no interior da Zona de Vida Silvestre.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 21

Figura 1 Mapa Macrozoeneamento IC


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 22

Figura 2 Mapa Ucs Vale do Ribeira


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 23

A APA de Ilha Comprida foi criada sem a consulta dos residentes locais,

cujas famílias muitas vezes habitavam o lugar há muitas gerações, como é

caso dos quilombolas, caiçaras e ribeirinhos do Vale do Ribeira como um todo

(Carvalho,1999:6). Apesar de ser uma UC que prevê atividade humana em seu

interior e tem a participação de grupos sociais em sua gestão garantida do

ponto de vista formal, a maneira como foi implantada e tem sido gerida a APA-

IC coloca-a mais próxima de uma UC de modelo ´excludente´ do que

´inclusivo´.

1.4.1 GARANTIAS FORMAIS DE DIREITOS À PARTICIPAÇÃO E A FRAGILIDADE DE


SUA PRÁTICA

Nas diretrizes estabelecidas para a Regulamentação da APA-CIP

(Secretaria do Estado do Meio Ambiente, 1996) são previstas, em vários

momentos, tanto a participação da população na gestão da unidade de

conservação como a busca de estabilidade ou melhoria da qualidade de vida

desta população, como pode ser observado nos trechos transcritos abaixo:

• “O seu [da APA] processo de planejamento e gestão deve,

necessariamente, envolver as demais instâncias governamentais e a

população trata-se, na verdade, do estabelecimento de um acordo de

regras de manejo dos RN e de sua utilização adequada de forma a não

comprometer o meio ambiente, permitindo o exercício de atividades

econômicas sob determinadas condições técnicas” (p. 13).

• Diretrizes de âmbito nacional: “... para a eficácia do processo, as

diretrizes de descentralização administrativa e a participação dos

segmentos da sociedade colocam-se como fundamentais” (p. 37).


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 24

• Diretrizes regionais: “... a gestão ambiental deve ser participativa,

descentralizada e integrada com os municípios, as ONGs e as

associações de base capazes de continuar a gestão ambiental sem a

necessidade constante da interferência dos poderes mais centrais" (p.

38).

• Plano de Gestão: “... uma estrutura de gestão integrada, participativa e

descentralizada” (p. 39).

• A instituição da APA Federal, de acordo com o Decreto Federal

90.347/84, em seu artigo 2o, objetiva "possibilitar às comunidades

caiçaras o exercício de suas atividades dentro dos padrões

estabelecidos historicamente".

Recentemente, Soares et alli (1999), coletaram depoimentos de

moradores de comunidades caiçaras da Ilha (dentre elas, a de Pedrinhas), que

demonstram o desconhecimento por parte desta população do conteúdo da

legislação que regulamenta a Área de Proteção Ambiental. Sabem que a APA

e a lei existem, mas desconhecem as restrições que impõem e o que

contemplam, portanto desconhecem também os direitos que possuem,

associando-as a uma total restrição ao uso dos recursos naturais e,

conseqüentemente, ao exercício de suas práticas culturais, além de associá-las

a severas punições àqueles que transgridem a lei:

“Eu achava bom plantá, né. Mas agora eles não quer. A
plantação é uma coisa que ajuda, né. Eu pago a mandioca, eu
pago a farinha, tem o milho pras galinhas, pra fazer uma
mistura, né. Tem a batata, tem tudo pra mistura, né. Mas não
plantamo, né. Então tem que comprar. Tudo comprado. (...)
Por que o IBAMA não deixa mais, porque se fosse prá plantá
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 25

teria que derrubar um pedaço de mata e roçar.” (caiçara da


Ilha Comprida)

“Cada um pesca onde quer, só não pode na beira do rio que é


onde ele cria e depois sai da toca (entrevistador: vocês
pescam neste local?) Não porque é proibido a gente recebe
uma multa, vai pra prisão. Eles tão sempre aí...” (caiçara da
Ilha Comprida)

É notória a contradição entre o texto dos documentos oficiais e o

depoimento dos moradores, o que nos leva a questionar o significado do

conceito de participação, tão freqüentemente veiculado nos dias atuais.

A participação nesses textos aparece como algo essencial e legalmente

garantido, porém participar muitas vezes acaba sendo uma imposição vinda de

cima para baixo, ao invés de ser construída processualmente com a população.

Advindo daí a necessidade da implementação de processos educativos que

visem essa construção, pois “a declaração meramente retórica de direitos não

garante sua efetiva fruição, a inclusão de mecanismos de participação popular

(...) não garante, por si só, que sua implementação se dará democraticamente,

no contexto da cidadania ativa” (Benevides, 1994:10). Sendo aqui entendida a

cidadania ativa como aquela que reconhece o cidadão como portador de

direitos e deveres, mas que sobretudo o institui como criador de direitos que

possibilitam assim a abertura de novos espaços de participação política.

A necessidade da busca de processos educativos que visem a

ampliação de direitos políticos baseados na participação popular leva-nos a

refletir a respeito das contribuições que as práticas de Educação Ambiental

podem trazer para se pensar a constituição destes sujeitos participativos no

processo de implementação e gestão destas UCs que, em última instância, se


Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 26

refere à gestão de seu próprio local de vivência e, portanto, gestão de seu

destino.

A partir dessas reflexões apresentamos o objetivo maior desta pesquisa:

contribuir para a decodificação de elementos que possam propiciar uma cultura

participativa, oferecendo subsídios para o enfrentamento das lacunas de

conhecimento existentes no campo da Educação Ambiental a respeito de seus

elementos fundantes, a partir de uma intervenção educacional voltada à

ressignificação de práticas culturais de ajuda mútua.

Tendo ainda como objetivos específicos:

— Promover uma intervenção educacional que propicie o estabelecimento


da relação entre a importância dos trabalhos coletivos e a ampliação da
noção de direitos por parte dos moradores de Pedrinhas;
— Compreender quais são os valores atribuídos pela população caiçara
aos trabalhos coletivos;
— Propiciar a recuperação da memória oral dos trabalhos coletivos junto à
população caiçara;
— Estimular na comunidade caiçara a reflexão sobre suas práticas
coletivas;
— Trabalhar com a comunidade o conteúdo da legislação que regulamenta
a APA em relação aos seus direitos (o que eles podem fazer, onde eles
podem fazer e como eles podem fazer), no que diz respeito às práticas
agrícolas.

1.5 A ESCOLHA DE PEDRINHAS

Além do fato de o bairro de Pedrinhas congregar cerca de 60% da

população caiçara da Ilha Comprida7, a escolha desse bairro como foco de

7
Em 1997 a Prefeitura Municipal de Ilha Comprida estimava que a população do bairro fosse composta
por cerca de 40 famílias (Hanazaki, 1998). De acordo com dados obtidos em 30 de julho de 2002, a partir
da atualização do cadastro realizado pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde do Município, o
bairro de Pedrinhas conta atualmente com 96 famílias. Este aumento no número de famílias do bairro se
deve, segundo uma das agentes comunitárias de saúde, ao grande número de casamentos recentes.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 27

estudo deve-se também às suas peculiaridades dentre os locais visitados no

Vale do Ribeira e Litoral Sul do Estado de São Paulo em decorrência do

envolvimento com o projeto temático “Floresta & Mar”. Trata-se da organização

social e política encontrada no bairro de Pedrinhas, o que é reforçado pelo

estudo de Carvalho (1999), quando cita a participação da população na

conquista de infra-estrutura, como água, luz, transporte coletivo, entre outras.

Da análise de fontes secundárias a respeito do bairro e da Ilha

Comprida, advém a escolha de trabalhar com agricultura. As informações

contidas nos depoimentos de moradores caiçaras de diversas localidades da

Ilha Comprida, coletados por Soares et alli (1999), assim como os depoimentos

coletados por Carvalho (1999) no bairro de Pedrinhas, expressam o desejo de

moradores caiçaras de voltar a plantar. O que é reforçado pelo conteúdo de

entrevistas realizadas por Hanazaki e Peroni8 (1999 - informação pessoal) em

que os residentes caiçaras dizem que se os filhos ajudassem e outros

agricultores se animassem eles voltariam a plantar.

Daí mais um motivo para a escolha do bairro, pois esse levantamento

permitiu identificar a retomada dessas práticas como uma demanda local por

um lado, e como um ponto de conflito com a legislação ambiental por outro.

A esse conjunto de fatores somou-se o encantamento do local que, em

sua peculiar localização entre o mar, as montanhas e o canal lagunar, acolhe

moradores e moradoras que nos levam a experimentar muito da cultura

caiçara, com seu jeito a princípio desconfiado, mas que vai aos poucos

desvelando o bom humor e os conhecimentos construídos e partilhados por

muitas gerações.

8
Pesquisadores do componente “Uso, estratégias de uso e dieta”, do projeto temático.
Capítulo 1: Cenário da Pesquisa . 28

Assim sendo, este trabalho parte de uma intervenção educacional que

tem na ressignificação de uma prática cultural local, a tentativa de garantir e/ou

fortalecer o sentido de pertença do grupo, de identidade coletiva, em que os

indivíduos se percebem como sujeitos que têm direito a ter direitos (Jelin,

1994). Busca-se, durante este processo, propiciar o aprendizado de novos

repertórios que possam contribuir para a melhor compreensão e intervenção da

população caiçara de Pedrinhas na sua própria realidade.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 29

C APÍTULO 2 .

REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE EDUCAÇÃO


AMBIENTAL E PENSAMENTO ESPINOSANO

N este capítulo procuraremos compreender como as reflexões teórico-

metodológicas sobre Educação Ambiental do já citado Grupo de Educação

Ambiental aplicam-se e reformulam-se no diálogo com a pesquisa e as práticas

realizadas na APA de Ilha Comprida, bem como apresentar o pensamento

espinosano que compõe o referencial teórico deste estudo.

O texto está dividido em cinco sessões. A primeira destina-se a

apresentar a concepção teórico-metodológica de Educação Ambiental que

orienta esta pesquisa-intevenção. A segunda seção traz a concepção de

participação utilizada nesta pesquisa. Na terceira está contida uma breve

contextualização do pensamento espinosano, pois pareceu-nos conveniente

buscar tecer uma relação entre o pensamento de Espinosa e o pensamento

contemporâneo, com vistas a facilitar a compreensão das leitoras e leitores. A

quarta destina-se a apresentar o conceito de potência de ação trazendo

também as “noções comuns” e na quinta e última seção é apresentada a


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 30

concepção espinosana de produção de conhecimento, trazendo, em linhas

gerais, a maneira como o filósofo concebia a política e a liberdade.

2.1 CONCEPÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL QUE


ORIENTA ESTA PESQUISA-INTERVENÇÃO

As reflexões sobre Educação Ambiental apresentadas neste capítulo

baseiam-se nas construções coletivas realizadas a partir de discussões e

vivências do Grupo de Educação Ambiental do projeto temático “Floresta e

Mar”, estando estas últimas expressas em duas publicações1.

Uma vez que esta pesquisa integra as atividades do Grupo de Educação

Ambiental, havendo, portanto, uma co-autoria nas reflexões contidas em suas

publicações, foi reservado o direito de, neste texto, fazer citações mais longas

que o usual de trechos das publicações do Grupo.

O grupo parte do pressuposto de que a educação ambiental está

imbuída de um conteúdo político e de que a ação educativa situa-se numa

ampla e complexa relação de conflitos histórica, social e culturalmente

condicionados. Estas idéias estão em sintonia com autores como Gadotti

(2000) e Santos (1996) que compreendem que o processo educativo que se

propõe a transformar a realidade é conflitivo, pois estará necessariamente

lidando com a ruptura com algo (Avanzi et alli, 2001).

1
1. "Partilhando Saberes: reflexões sobre Educação Ambiental no Vale do Ribeira, SP". Trabalho apresentado
no EPEA - "Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental: tendências e perspectivas". UNESP, USP, UFSCar,
Rio Claro, jul. 2001 e publicado na revista Educação : teoria e prática. Rio Claro: UNESP – IB, volume 09, no 16,
2001. autoras: COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik; OLIVEIRA, Caroline Ladeira de;
SPEGLICH, Érica; JUNQUEIRA, Kellen; AVANZI, Maria Rita; NONATO, Rita de Cássia; SAMPAIO, Shaula
Maíra V. de; OLIVEIRA, Vivian Gladys de.
2. “Reflexões Metodológicas sobre Construção Coletiva de Conhecimento e Educação Ambiental”. Trabalho
apresentado no X Seminário de Educação Ambiental. UFRJ, IME, UFG, entre outros, Rio de Janeiro, nov. 2001.
Publicado no livro: Mata, Speranza et alli (org.) Educação Ambiental: Projetivas do século. Rio de janeiro, MZ
Editora, 2001. autoras: AVANZI, Maria Rita; COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik;
OLIVEIRA, Caroline Ladeira de; SPEGLICH, Érica; NONATO, Rita de Cássia; OLIVEIRA, Vivian Gladys de.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 31

Alguns dos princípios balizadores desta concepção de Educação

Ambiental aqui apresentada são: a) o reconhecimento do papel ativo do sujeito

no processo do conhecimento; b) a preocupação com a democratização de

saberes (científico e popular); c) a relação entre teoria e prática no processo do

conhecimento (Costa-Pinto et alli, 2001).

Compreendemos que para o pressuposto do ‘reconhecimento do papel

ativo do sujeito no processo do conhecimento’ ser internalizado à prática é

necessário trabalhar sob a perspectiva da "pedagogia da demanda", que visa

desencadear um processo gestor de iniciativas, propostas e soluções. Segundo

esses autores, o sentido do processo nasce do acontecer dinâmico, dos

problemas percebidos na cotidianidade e da busca de solução, pois “a

educação própria do processo da demanda deve buscar sempre a construção

de um presente capaz de projetar um futuro melhor” (Gutiérrez & Prado, 1999:

50-51).

Assim sendo, os autores acima citados nos apresentam quatro

dimensões distintas que devem estar presentes na constituição da pedagogia

da demanda: sociopolítica, técnico-científica, pedagógica e espaço-temporal.

Na dimensão sociopolítica está contida a necessidade da participação

popular na formulação das demandas (democracia participativa), uma vez que

tem por base que o sujeito, seja ele individual ou coletivo, adquire poder

político e participa da construção da sociedade, partindo de ações relacionadas

ao seu cotidiano. A segunda dimensão, a técnico-científica, nos diz que não é

possível elaborar uma demanda compatível com o desenvolvimento

sustentável sem uma base técnica e científica, e para que isto se processe é

necessário que haja a participação da população na busca de soluções e de


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 32

satisfações viáveis e possíveis, pois não se trata apenas de saber, mas sim de

‘saber fazer’, não basta ‘querer’, é preciso ‘conhecer na prática’ os

instrumentos adequados que possibilitem atingir as metas traçadas.

A dimensão pedagógica nasce do fazer cotidiano, podendo ser dividida

em quatro momentos: sentir a necessidade e perceber o problema; objetivar a

realidade para conhecê-la e atribuir-lhe significado; analisar as causas e

conseqüências; propor os elementos de satisfação. A dimensão espaço-

temporal refere-se ao fato de que não há processo sem tempo e a educação é

um processo consumidor de tempo: “saber esperar”, pois o processo educativo

implica no respeito aos diferentes ritmos; “não forçar ninguém”, uma vez que é

preciso ter clareza da diferença entre os propósitos institucionais e o fazer a

partir da cotidianidade; “não há pressa”, pois o mais importante aqui não é a

acumulação de informações ou de produtos, mas sim os processos

propiciadores de reflexão, inerentes ao imprevisível.

Essas colocações sobre a dimensão espaço-temporal reforçam a idéia

de que não se pode prever a priori os caminhos a serem seguidos, pois

somente durante o caminhar do próprio processo irão sendo delineadas as

trilhas a serem percorridas. Dessa reflexão advém a opção pelo planejamento

incremental articulado que estaremos tratando mais à frente.

Outro ponto importante a ser considerado é o ´modo de fazer´, pois não

basta partir de uma demanda da população e desconsiderar o seu ´modo de

fazer´. Cada cultura possui seus procedimentos para realizar determinadas

atividades, pois possui uma lógica própria que deve ser considerada na hora de

se efetivar ações, inclusive aquelas que foram conjuntamente delineadas, pois


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 33

só assim é possível respeitar e valorizar o conhecimento local e ter a

população como parceira autônoma.

“Com esta opção metodológica - partir das demandas locais - partilhamos


das idéias de alguns autores que consideram que não basta criar um novo
conhecimento, mas é fundamental que alguém se reconheça nele (Tassara,
1996:53) Ainda segundo esta autora, para criar alternativas de realização
pessoal e coletiva, estas devem ser apropriáveis por aqueles a quem se
destinam” (AVANZI et alli, 2001:10)2..

Não se trata, portanto, de assumir uma postura relativista em que todas

as propostas são válidas a priori porque estão inseridas em um universo

cultural. A própria prática educativa, se o que se objetiva é a transformação

social, vem desacomodar buscando provocar mudanças. No entanto, trata-se

de ir em busca de uma mudança que se construa a partir do diálogo e que os

conhecimentos produzidos venham fazer sentido para os que se envolvem com

o trabalho.

Pesquisas realizadas por Orlandi (1996) e Nonato & Avanzi (2001),

sendo esta última realizada no Vale do Ribeira, apontam que dentro do campo

da educação ambiental tem sido presente também uma visão que se contrapõe

a esta e que se baseia em proposições teóricas ecologistas e práticas

coercitivas, verticais e normativas “tomando o discurso ecologista como

doutrina a ser defendida, e conseqüentemente, aceita, sem a mediação dos

indispensáveis processos de apropriação e interiorização da mesma” (Gutiérrez

& Prado, 1999: 50).

2
Os trechos retirados das publicações do Grupo de Educação Ambiental estão em fonte de outro tipo. As
referências de autoria destes trechos são apresentadas em caixa alta a fim de ajudar o(a) leitor(a) a
diferenciá-las das citações bibliográficas presentes no interior dos textos do Grupo.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 34

“Esta associação da educação ambiental a práticas de coerção - em que a


noção de estabelecimento de direitos por parte das coletividades, tão cara à
cidadania (Benevides, 1991; Jelin, 1994), é substituída pela noção de
cumprimento de deveres - tende a polarizar a discussão entre conservação
ambiental e bem estar social. As ações de educação ambiental pautadas nesta
visão buscam enquadrar as práticas sócio-culturais locais nos princípios da
conservação ambiental, colocando-os muitas vezes como algo imposto de cima
para baixo, desconsiderando configurações específicas de cada localidade”
(COSTA-PINTO et alli, 2001:3).

Nessas práticas nota-se um esvaziamento do social e do político, pois

são fundamentadas por uma visão preservacionista que não inclui o morador

local no processo de tomada de decisão sobre conservação e fala-se em

preservação da natureza sem análise social e histórica da relação dos atores

sociais com seu meio. Os programas de Educação Ambiental das UCs

analisadas no Vale do Ribeira (Nonato & Avanzi, 2001), orientados por esta

concepção esvaziada de seu conteúdo político e social, em sua maioria,

relacionam-se a ações pontuais, como por exemplo coleta seletiva (ou não) de

lixo, plantio de árvores, trilhas interpretativas etc. Com isso desconsideram uma

abordagem da educação ambiental como potencializadora de políticas que

viabilizem a conservação ambiental. “Permanecendo assim, a cisão entre áreas

e conteúdos do conhecimento, de um lado ações de Educação Ambiental, às

vezes relacionadas ao ecoturismo, de outro ações de manejo sustentável”

(AVANZI et alli, 2001).

2.1.1 BUSCANDO UMA RELAÇÃO HORIZONTAL ENTRE SABERES

“Os critérios de conservação ambiental foram elaborados em espaços


sócio-culturais próprios e por isso estão imbuídos de valores culturais
específicos, que se diferenciam daqueles provindos de outros espaços, como por
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 35

exemplo das comunidades de moradores de UCs. A imposição cultural, que se


configura nestas práticas de educação ambiental coercitivas, é também uma
imposição epistemológica por estar legitimada pelo conhecimento empírico-
racional, visto como a única forma válida de conhecimento. Consideramos que
tal postura resulta em um empobrecimento do horizonte e das possibilidades do
conhecimento.

Em contrapartida a esta, que invalida os conhecimentos não científicos,


existem outras concepções que aceitam como verdadeira a tese de que há muitas
formas válidas de conhecimento, de onde seguem como decorrência, atitudes
que venham valorizar os conhecimentos e práticas não hegemônicas. Isto
implica a escuta de práticas marginais, desvelando-se rastros de utopias
silenciadas, para fundamentar a busca de soluções aos problemas da sociedade
contemporânea (Santos, 1989:16).

Do ponto de vista da educação para a cidadania ativa (Benevides, 1991) e


formação de sujeitos sociais (Touraine, 1997), entendemos que a postura
coercitiva pode vir a reforçar um conceito passivo e tutelar de cidadania, na
medida em que desconsidera o sujeito individual, ator de sua vida pessoal, para
referir-se a um cumpridor de papéis que lhes são atribuídos. "Por que o ator não
é aquele que age em conformidade com o lugar que ocupa na organização social,
mas aquele que modifica o ambiente material e sobretudo social no qual está
colocado, modificando as relações de trabalho, as formas de decisão, as relações
de dominação ou as orientações culturais" (Touraine, 1997: 220-21).

Com base nestas reflexões, procuramos direcionar nossas diferentes


atuações educativas neste trabalho com objetivo de “contribuir para a
conservação da biodiversidade, para a auto-realização individual e comunitária
e para a auto-gestão política e econômica, através de processos educativos que
promovam a melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida” (Sorrentino,
1998: 193)” (COSTA-PINTO et alli, 2001:3).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 36

Ao discutir o conceito de qualidade de vida para além das expressões

materiais, que embora indispensáveis "não representam a qualidade", Demo

(1995) introduz o conceito de qualidade política. Essa qualidade política

representa a arte da comunidade ou grupo de se autogerir, a capacidade de

inventar seu espaço próprio, forjando sua autodefinição, sua autodeterminação.

Como um ponto importante desta dimensão qualitativa é destacada a

identidade cultural comunitária, reconhecida como "a razão histórica e concreta

da coesão de grupo". Para o autor é neste ponto que reside "o baú da onde se

retira a fé em suas potencialidades" (Demo, 1995: 18).

Desta forma, entendemos que as colocações feitas acima “se


aproximam da educação popular comunitária, fundamentada no
reconhecimento da diversidade cultural, no desenvolvimento da autonomia das
pessoas, grupos e instituições e na promoção da cidadania. Seu motor é a
melhoria da qualidade de vida, partindo do princípio que nos educamos na
medida em que participamos ativamente dos processos sociais e sobre eles
refletimos coletivamente. A educação popular compreende o momento de
reflexão comunitária sobre a própria prática como culminante e desencadeador
do processo educativo (Gadotti & Gutiérrez, 1993; Gutiérrez Perrez, 1994).

Buscando uma aproximação entre o princípio da autonomia política da


educação popular e aqueles princípios da educação ambiental apontados por
Sorrentino (1998), começamos a visualizar alguns fios norteadores, pois a
educação ambiental que acreditamos se aplicar à realidade do Vale do Ribeira
deve problematizar a relação entre conservação ambiental e bem estar social,
partindo do desenvolvimento de capacidades e competências locais para o
enfrentamento dos problemas” (COSTA-PINTO et alli, 2001:4).

Nessa busca por construir relações horizontais entre saberes, podemos

identificar duas características que marcaram as práticas educativas e de

pesquisas desenvolvidas pelo grupo de Educação Ambiental do projeto


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 37

temático “Floresta e Mar”: a) de que diferentes espaços sociais são

potencialmente educativos e produtores de conhecimento, b) de que a relação

horizontal entre os saberes em processos educativos constitui-se,

potencialmente, em exercício de participação política (Costa-Pinto et alli, 2001).

O primeiro pressuposto parte das reflexões de Dayrell (1996:142), para

quem a educação ocorre nos mais diferentes espaços e situações sociais, num

complexo de experiências, relações e atividades, cujos limites estão fixados

pela estrutura material e simbólica da sociedade, em determinado momento

histórico. Neste campo educativo amplo, estão incluídas também as instituições

(família, escola, igreja etc), assim como o cotidiano difuso de trabalho, do

bairro, do lazer etc. A presente pesquisa de mestrado constrói-se com base

neste pressuposto e desenha-se a partir da aprendizagem relacionada à

prática social, investigando-a mais especificamente junto a um grupo formado

para o desenvolvimento deste estudo, com vistas à resignificação de práticas

culturais ligadas à agricultura.

Um caminho para que a ´relação horizontal entre os saberes´ se efetue


constitui-se em “compreender a comunidade local como parceira das
instituições de pesquisa na busca por modelos de desenvolvimento que
congreguem os objetivos da conservação e a melhoria das condições de vida
destas populações. Neste contexto delineiam-se propostas em consonância com
o que Santos (1999) chama de "comunidades interpretativas", em que
universitários (professores, estudantes e funcionários) e comunidade
estabelecem um confronto comunicativo de diferentes formas de saber”
(COSTA-PINTO et alli, 2001).

Ainda sobre a construção dessa relação horizontal entre saberes, cabe

dizer que esta pesquisa procura refletir sobre o aprendizado do processo de


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 38

participação, buscando-o a partir da construção de um conhecimento híbrido,

nascido do diálogo entre o saber popular/“tradicional” e o saber

técnico/científico, ou seja, entre “as diferentes formas de interpretação da

realidade” (AVANZI et alii, 2001).

De acordo com Santos (1999) “as comunidades interpretativas visam


revalorizar saberes não científicos e mesmo revalorizar os saberes científicos,
na medida em que o know-how técnico passa a estar subordinado ao know-
how ético e a aplicação se dá em uma situação concreta em que a comunidade
científica esteja existencial, ética e socialmente comprometida com a
aplicação”.

2.1.2 TECENDO CAMINHOS ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA

“Poderíamos então destacar mais um ponto desta nossa reflexão


metodológica: o princípio da ação-reflexão-ação, ou seja, partindo da ação
desenvolvida junto a estes grupos busca-se desencadear uma reflexão que
ressignifica a própria ação. Este princípio, uma vez que vise a transformação da
realidade vivida, é conhecido como práxis. Consideramos a noção de práxis
especialmente importante para um trabalho educativo na área ambiental por
trazer implícita a capacidade do sujeito refletir sobre si mesmo e sobre sua
própria atividade.

Esta opção metodológica permite que a própria comunidade exerça "o


poder de pesquisar-se" (Viezzer & Ovalles, 1995:54). Se a educação ambiental
que aqui se constrói procura caminhos em um contexto de conflitos sócio-
ambientais, conforme explicitado acima, entendemos que a reflexão destes
grupos sobre o que se delineia em sua cotidianidade é central para iniciar o
processo de transformação de sua condição de excluídos do processo de decisão.
Sendo assim, parece-nos bastante coerente optar por uma forma de fazer
pesquisa que incorpore a ação voltada para as necessidades básicas do indivíduo
e da comunidade, que leve em conta suas aspirações e potencialidades de
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 39

conhecer e de agir, e tenha como objetivo incentivar o desenvolvimento


autônomo, autoconfiante (Borda, 1981:43).

Podemos perceber pelo que foi trazido até o momento que os propósitos
deste trabalho encontram-se em consonância com aqueles da pesquisa
participante e da pesquisa-ação. Há, inclusive, autores que se utilizam da
expressão Pesquisa Ação Participante (Thiollent, 1986, Sawaia, 1987). Bader
Sawaia (1987) traz importantes contribuições ao debate sobre a pesquisa ação
participante, situando suas dimensões epistemológica, social e política.

A intervenção, uma de suas características principais, tem movido tanto


ações integradoras que levam à auto-regulação do objeto de estudo e a
mudanças não radicais, como à contestação das estruturas e à luta por
transformações revolucionárias (Haguette, 1987). Vale ressaltar que ela é aqui
compreendida como uma opção metodológica comprometida com uma
perspectiva de transformação sócio-ambiental, tendo a noção de práxis como
eixo norteador.

Gostaríamos de trazer mais alguns elementos sobre o desenrolar dos


trabalhos [desenvolvidos pelo Grupo de Educação Ambiental] com as
comunidades e escolas do Vale do Ribeira. A partir da identificação dos
problemas, os passos seguintes são traçados conjuntamente com a comunidade.
Há, evidentemente, um planejamento inicial pensado pelas pesquisadoras em
seus encontros de "orientação coletiva". Este planejamento, no entanto, é
redesenhado com os grupos do Vale do Ribeira, conforme se dá o andamento do
trabalho. Procuramos estimular as iniciativas que partem destes grupos,
visando construir uma autonomia para pensarem e decidirem suas ações.

À medida que se redesenham os passos junto aos grupos do Vale do


Ribeira, os passos das pesquisas individuais são repensados e, remetendo-nos
novamente à imagem da rede, isto se reflete no trabalho do grupo como um
todo. Num olhar mais apressado isto pode parecer uma nau sem rumo, no
entanto, entendemos que um processo educativo em que a participação dos
sujeitos ocorre de fato, não se limitando a uma participação que vem referendar
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 40

algo que já está pronto [ou se limitar a ser mera fonte de informação para
pesquisas ou ações de terceiros], requer uma flexibilidade de seus facilitadores
e do programa. Uma vez que a ênfase deste trabalho é o processo de
envolvimento da comunidade, partindo de algo que lhes é familiar e
incorporando novos repertórios, e que procura desconstruir uma lógica que
impõe as verdades científicas ou ambientalistas ao seu público alvo, entendemos
que este processo fluido é central para o sucesso da proposta.

Esta fluidez pode causar mal-estar já que estamos impregnados de um


modelo de pensamento repleto de certezas e verdades (Morin, 2000). Mas há
sempre autores e agentes com quem podemos nos reconfortar. Sawaia (1987)
nos lembra que a pesquisa ação participante não define um plano de ação a
priori, o que não significa dizer que desconsidera os princípios da cientificidade.
Pretende-se com isso superar os esquemas rígidos que podem vir a sufocar a
pesquisa, abrindo-se para os múltiplos elementos intervenientes no processo, o
que permite captar a dinâmica do fenômeno analisado.

A leitura de Costa (1986), que nos apresenta o planejamento incremental


articulado, também reconforta as inseguranças que podem despontar durante
este processo. Trata-se de um modo de planejar que considera a maneira
gradual pela qual se dão as mudanças. Para o autor, nenhum sistema social
pode ser transformado de uma vez, partindo de um estado inicial e chegando ao
estado desejado, assim cada mudança que ocorre no sistema pode modificar a
definição do estado desejado. As características do estado desejado devem ser
estabelecidas de modo a se constituírem em critérios que permitam a avaliação
de cada mudança incremental. Estas características fornecem uma direção geral
que articula as ações tomadas.

Isto não significa assumir uma postura de que basta chegar na


comunidade e participar para fazer pesquisa participante. Tereza Haguette
destaca algumas exigências que esta proposta requer do pesquisador: ''uma
postura de analisador, moderador, intérprete, animador" (Haguette, 1987).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 41

A dificuldade expressa em suas palavras pode nos paralisar numa


tentativa de não iniciarmos o trabalho enquanto não estivermos prontas para
atender a todas estas exigências. Mas não há como prescrever receitas a priori,
o próprio desenrolar do projeto e a resposta que damos às circunstâncias e
surpresas cotidianas vão nos preparando para estas exigências. Estar presente
junto às comunidades em outros momentos que não sejam aqueles em que
acontecem as atividades do projeto, com um olhar atentamente distraído e um
respeito às manifestações locais, ajudam a desenvolver esta postura.

Também a presença deste coletivo de pesquisadoras tem nos ajudado a


lidar com a complexidade imanente nesta postura de pesquisador-animador-
intértrepe-moderador, por ser mais de um olhar que se lança sobre dada
situação, ainda por partilharmos em nossos encontros não apenas as certezas da
metodologia e da teoria, mas também nossas inseguranças, medos, ansiedades
e, ainda, a possibilidade dos talentos aflorarem de modo diferente na construção
destes caminhos para uma prática educativa emancipatória” (AVANZI et alli,
2001).

2.2 SOBRE O CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO

As reflexões sobre participação aqui apresentadas partem de algumas

questões que nos mobilizaram durante esta pesquisa: ‘o que leva o indivíduo a

participar?’, ‘como se dá a relação entre esta dimensão individual/subjetiva da

participação e a dimensão coletiva, inserida numa prática social e política?’.

Bader Sawaia, Marilena Chauí e o próprio Espinosa foram nos ajudando a

tecer caminhos para aprofundar as reflexões sobre estas questões.

De acordo com Sawaia (2001:119) "as formas de participação variam de

intensidade, desde simples adesão até a absorção do indivíduo; de

espacialidade, participação 'face a face', anônima, virtual, local, global; de

motivo, por obrigação, por interesse, por imposição, por afeto; de


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 42

temporalidade, longa duração, imediata". A autora traz também a função social

da participação: excludente (voltada ao 'status quo') ou integrativa (visando a

revolução).

Neste mesmo trabalho, Sawaia discute o conceito de participação e os

vários significados que lhe são atribuídos. Faz uma distinção do significado

dado à participação até a década de 1980 e depois desta década3.

De acordo com essa autora, até os anos 80, participar significava ter alto

nível de conscientização política e social, realização de mobilização coletiva

(de grupos ou indivíduos) para a realização de ações cuja meta era atingir a

estrutura social tanto na busca de transformação social como de reforma

modernizadora. Essa concepção de participação era caracterizada pela ênfase

no coletivo, na objetividade e na racionalidade, independente das variações

teóricas e ideológicas. Do ponto de vista metodológico predominavam os

indicadores quantitativos. Olhando sob essa perspetiva: "participar é

arrebanhar o maior número de pessoas para diferentes objetivos coletivos

como, reivindicar direitos e benefícios, desenvolver projetos

desenvolvimentistas ou revolucionários, exercer o direito de voto, fazer greves"

(Sawaia, 2001:117).

Durante a década de 1980 o termo participação adquire um sentido mais

subjetivo e menos estrutural e a ênfase dada à objetividade e ao coletivo é

3
"Nos anos 50, os indicadores da participação são associados à teoria do desenvolvimentismo, central
nos trabalhos de modernização de comunidade na América Latina. A preocupação é com a participação
do cidadão em projetos de modernização das comunidades pobres. Aparece como conceito central na
teoria dos grupos e de liderança. Nos anos 60 aparece com dois sentidos: 1) ênfase no utilitarismo da
eficiência organizacional e social. A meta é a participação nos lucros das empresas e o aperfeiçoamento
do processo democrático e 2) como conceito chave na ciências sociais comprometida com a
transformação social, sinônimo de resistência e ação revolucionária. Seu destinatário é o trabalhador, sua
condição, a conscientização e suas formas, a mobilização em torno de reivindicações locais, trabalhistas
e sociais" (Sawaia, 2001:117).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 43

substituída pela preocupação com a individualidade e a afetividade. Valores

éticos como autonomia, emancipação e diversidade ganham destaque em

relação à liberdade e à igualdade. A autora coloca ainda que dentro dessa

concepção a temporalidade da participação social se alterou, pois deixou de

ser o tempo das ações políticas pontuais e passou a ser o tempo do cotidiano.

Contudo, Bader Sawaia (2001) faz-nos um alerta para o caráter fashion4

que a participação adquiriu na contemporaneidade, passando a integrar os

discursos dos mais diferentes setores da sociedade, como empresarial,

científico, político, senso comum, entre outros, nos quais a participação é

apresentada como elemento fundamental para aspectos vistos como positivos

na sociedade: inclusão social, cidadania, democracia, saúde mental, sucesso

profissional etc. Aponta também a existência de políticas de participação

excludentes, ou seja, aquelas que não visam a emancipação do sujeito, mas

sim a manutenção de sua situação de explorado.

Não é incomum vermos esta postura “fashion” em programas e políticas

ambientais. Para Pedro Silveira (2001), o discurso da participação tornou-se

oficial a partir da idéia de um esforço global para o desenvolvimento

sustentável.

“As experiências [de conservação] em áreas protegidas


mostravam que era muito difícil administrá-las quando havia
conflito com os moradores locais. A participação passou a ser,
então, parte do vocabulário para programas na área ambiental
(Mc Nely, 1995). (...) A visibilidade alcançada pelas
populações locais é útil para endossar a legitimidade dos
projetos. Segundo Escobar (1996), há uma diferença entre ter
visibilidade e ser ouvido” (Silveira, 2001:9).

4
Fashion ou “tirania da moda”, conceito este “usado por Jacques Bouveresse para referir-se à pressão
que faz com que os intelectuais franceses escrevam cada vez mais [sobre um determinado assunto]
tendo em vista a recepção midiática [em detrimento da precisão conceitual]” (Sawaia, 2001:116 nota 1).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 44

Quando falamos em participação, estamos falando sobre concepções de

sociedade, de cidadania, de ética, de justiça, de educação popular,

movimentos sociais, desigualdade e exclusão social, sendo portanto o cerne

desse debate de cunho ético-político.

Sawaia (2001:123) coloca que a participação é definida na sociedade e

na subjetividade, dentro e fora do indivíduo, tendo como pressuposto o

encontro, pois é na relação que a participação acontece. Além disso, afirma

que enfatizar a análise da participação pela subjetividade "é uma opção

epistemológica e ontológica, é aceitar (...) o pressuposto de que a participação

é imanente à condição humana". Essa análise subjetiva tem por objetivo

garantir que as necessidades humanas sejam priorizadas em lugar das

econômicas e políticas. No entanto, isto não significa desconsiderar as

estruturas econômicas e políticas que marcam a inserção do indivíduo como

sujeito histórico.

Neste ponto se faz importante trazer um alerta feito pela autora

supracitada referente aos perigos do uso da análise da subjetividade: “o elogio

da subjetividade corre o risco de exaltar forças antagônicas de si como o livre-

arbítrio e o individualismo, que obrigam a regressão da subjetividade ao

subjetivismo, isto é, à subjetividade despolitizada, e dessubjetivada cujo maior

perigo é o pensamento que quer tudo relativizar para tudo poder justificar”,

fazendo da participação “uma ação de foro íntimo, contrapondo-se ao coletivo,

como se o interior de cada um fosse o reduto exclusivo do exercício da

liberdade, justiça e felicidade” (p. 123).

As colocações de Sawaia ajudam-nos a compreender a afirmação de

que a ética participativa é ontológica, como nos mostra Espinosa, pois o


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 45

filósofo "desloca o político para o campo da ética e esta para o das emoções.

Para Espinosa, o ético é imanente, não é do âmbito da realidade do mundo

(onde se tem os fatos), nem do âmbito da linguagem (onde se tem idéias que

descrevem os fatos), nem do sujeito mônada, ele está no esforço de se

conservar que é o único fundamento da virtude” (Sawaia, 2001:124). “O livro IV

[da Ética]5 demonstra-nos que a capacidade de sermos afetados e o modo

como o somos, são determinantes para a constituição dos valores éticos, pois

o que faz a coisa boa ou má é o afeto de que deriva" (Ferreira,1997:474). E a

idéia de bom é comandada pelo desejo de ser feliz e o que alegra o homem é

sua disposição de ser livre, de pensar e agir por si próprio (Espinosa, 1983).

Marilena Chauí (2000:51) recoloca estas questões de uma forma

bastante esclarecedora, para a autora só se pode dizer que existe ética se

algumas condições forem realizadas: a) é necessária a existência de um

agente que se reconheça como sujeito de sua ação; b) esse agente só pode se

reconhecer como sujeito da ação se ele for livre para realizá-la; c) ele só se

sentirá livre para realizá-la se tiver consciência da ação que realiza e d) se for

capaz de responder por sua ação. Ou seja, “a ética pressupõe a existência de

um sujeito racional, consciente, livre, responsável, que é capaz de se

autodeterminar para a ação”. Mas não se pode esquecer que este sujeito é

histórico e social, e que, portanto vive em determinadas condições materiais

que não podem ser ignoradas.

As colocações de Chauí ao lado das reflexões trazidas acima

contribuem para nossa reflexão sobre o encontro das dimensões subjetiva e

político-social da participação. A concepção espinosana faz com que a

5
Uma das obras de Espinosa é denominada Ética e está dividida em cinco partes ou livros.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 46

participação deixe de ser um dever do cidadão consciente, uma obrigação,

tornando-se livre da moralidade (participar por tratar-se de atitude virtuosa) e

da renúncia, do altruísmo. Participar passa a ser necessidade, participa-se pelo

desejo de ser feliz e livre. "Participar para não ser governado, para viver em

alegria de não ser comandado e para evitar que o desejo de não ser governado

de uns, transforme-se em desejo de governar, e o poder se personalize"

(Sawaia, 2001:125).

Segundo Sawaia (2001:125) a ética participativa, na prática: "1) altera a

hierarquia capitalista classificatória das necessidades, que privilegia as de

sobrevivência e o critério biológico. Primeiro, manter o organismo funcionando,

depois vem o resto; 2) inverte a concepção de que deve se escolher uma ética

a ser imposta à participação; 3) para ser ético não é necessário superar ou

temer os próprios desejos e necessidades, dobrando-se a imperativos mais

fortes, vindos de fora. Ao contrário é ouvindo-os e sentido-os adequadamente.

Considerar isto é importante para desfazer o mito de que o pobre não tem

sutilezas psicológicas e age como um rebanho tangido por determinações

sociais e pela fome, como se os segredos da subjetividade fossem próprios das

pessoas mais abastadas e intelectualizadas".

Esta abordagem nos leva à compreensão da participação como potência

de ação e caberia aqui fazer uma breve apresentação desse último conceito,

proposto por Espinosa: "potência de ação é a capacidade de ser afetado pelo

outro, num processo de possibilidades infinitas de criação e de entrelaçamento

nos bons e maus encontros. É quando me torno causa de meus afetos e

senhor de minha percepção. A potência de padecer, ao contrário, é viver ao


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 47

acaso dos encontros, joguete dos acontecimentos, pondo nos outros o sentido

de minha potência de ação" (Sawaia, 2001:125).

Ao definirmos a participação como potência de ação, podemos afirmar

que o que move a participação é a vontade de ser feliz, cuja ação reflete, no

limite, na ação política transformadora, mas o motor dessa ação não é apenas

a consciência política, mas também a descoberta de potencialidades, talentos e

capacidades individuais, pois estas descobertas trazem o estímulo à ação e à

participação.

"Eleger a potência de ação como alvo da práxis participativa, eqüivale a

adotar como objetivo o fortalecimento do sujeito em perseverar na luta contra a

escravidão e não, apenas, o aprimoramento de sua eficácia de negociador,

defensor de seus direitos e de militância como alvo da participação, mesmo

porque estes últimos dependem do primeiro" (Sawaia, 2001:126).

Trata-se de fortalecer o sujeito através da ampliação e do

aprofundamento da consciência das capacidades, talentos e potencialidades

que possui e constrói para modificar a realidade, bem como consciência de sua

situação social. O intuito é que a partir desta clareza o sujeito passe a se

envolver com as regras sociais de maneira ativa e crítica e não apenas como

um cumpridor de papéis, mas buscando caminhos para exercer sua potência

de modo a transformar a realidade visando sua felicidade.

Retomamos aqui as reflexões de Demo (1995) sobre qualidade política,

expressas anteriormente6 e consideramos que sejam complementares, pois o

motor para a participação está na relação dinâmica entre o indivíduo e a

6
Cf. página 36 do presente texto.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 48

sociedade, entre o individual e o coletivo, entre o subjetivo e o objetivo, entre a

emoção e a razão. Se para Demo (1995:18) a coesão do grupo seria "a parteira

da participação, porque dá luz à força aglutinadora de um grupo humano que

decide se autodeterminar", como é possível pensar este grupo como sujeito

sem considerar a potência de ação de cada um de seus integrantes? Ou seja,

não se trata de identificar o que vem primeiro, mas compreender a busca das

capacidades e potencialidades individuais e coletivas como ações

complementares.

2.3 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO ESPINOSANO

“Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos,


excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos
Baruch de Espinosa... Maldito seja de dia e maldito seja de
noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se
levanta; maldito seja quando sai e maldito seja quando
regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele
comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste favor
algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou
a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou
transcrito por ele” (fragmento do texto de excomunhão de
Espinosa – Espinosa, 1983:VII).

Por conta de sua produção intelectual, Espinosa foi excomungado pela

comunidade judaica em 1656, tendo sido considerado ateu pela Sinagoga de

Amsterdam.

O filósofo Baruch7 de Espinosa nasceu em Amsterdam em 1632, tendo o

português como língua materna, em uma abastada família de comerciantes.

Originária da cidade castelhana de Espinoza de los Monteros, sua família

emigrou para Portugal por volta de 1492 onde seus integrantes se converteram

7
Baruch, ou Bento em português, ou Benedictus em latim (Espinosa, 1983 e Chaui, 1995).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 49

ao cristianismo, tornando-se, portanto, cristãos novos, embora sem abandonar

de fato a fé judaica. A família passou ainda pela França antes de chegar à

Holanda.

Com a excomunhão, Espinosa foi deserdado e afastado dos negócios da

família que não iam bem, passando a se dedicar ao polimento de lentes para

lunetas e microscópios, o que lhe garantia o sustento.

Embora o texto que o expulsara da comunidade judaica determinasse

que ninguém mantivesse qualquer tipo de contato com ele, Espinosa, segundo

indicam suas correspondências, mantinha bom relacionamento nos círculos de

cultura holandesa, assim como com representantes das altas esferas

administrativas e científicas da época, tendo após sua excomunhão ocupado o

cargo de embaixador. Em 1674 teve a publicação do seu Tratado Teológico-

Político proibido e condenado pelas autoridades cristãs holandesas que

classificaram os escritos de “veneno pernicioso”. Faleceu vítima de tuberculose

em 1677 em Haia - Holanda (Espinosa, 1983 e Chauí, 1995).

Espinosa deixou onze obras, são elas: Breve tratado sobre Deus, o

homem e sua felicidade; Tratado da correção do intelecto; Princípios da

filosofia cartesiana; Pensamentos metafísicos; Tratado teológico-político; Ética,

demonstrada à maneira dos geômetras (em cinco partes ou livros); Tratado

político; Compêndio de gramática hebraica; Tratado do cálculo algébrico do

arco-íris; Cálculo de probabilidades; Cartas (Chauí, 1995).

Para compreender o pensamento espinosano faz-se necessário um

esforço hermenêutico, pois “o vínculo entre língua e idéia é interior, de tal modo

que para exprimir a mesma idéia em outra língua não é possível recorrer à
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 50

tradução literal, mas é necessário (...) habitar a outra língua como um todo e

como maneira geral de falar e existir” (Chauí, 1999:13)8.

De acordo com Espinosa há dois tipos de texto: os inteligíveis e os

hieroglíficos. “O texto inteligível é aquele que mostra ao leitor seu próprio

sentido porque lhe mostra o modo como seus conceitos estão sendo

produzidos na e pela exposição discursiva, de sorte que o sentido das palavras

e das idéias surja no movimento expositivo. O texto hieroglífico, pelo contrário,

é aquele que encontra fora de si as condições para inteligibilidade”

(Chauí:1999:17-18). Vale ainda esclarecer que o texto inteligível é aquele que

pode ser lido e compreendido em qualquer época (um Clássico), pois, “no

modo como enfrenta as questões de seu tempo e a elas oferece respostas, [tal

obra] ensina-nos a interrogar nosso próprio tempo, (...) nos fazendo pensar

para além dela, e graças a ela” (Chauí, 1995:81) sendo, desta maneira, a

história interna ao próprio texto. Ao passo que nos textos hieroglíficos a história

lhes é externa de forma que o conhecimento histórico é pré-requisito à sua

compreensão (Chauí, 1999).

Os escritos que se seguem sobre a obra de Espinosa procuraram seguir

um princípio da hermenêutica ao estilo espinosano9, para parafrasear Chauí

(1999), uma vez que ele próprio considerava sua produção inteligível, fazendo

uma breve imersão em alguns de seus escritos, mas sobretudo buscando

compreender uma pequena parte de sua filosofia com o auxílio de autores que

8
Grifos de Chauí (1999). As obras de Espinosa foram escritas em latim e holandês.
9
De acordo com Chauí (1999:18) um princípio da hermenêutica espinosana consiste em “resolver uma
dificuldade de interpretação recorrendo a outros textos do mesmo autor ou do mesmo livro sobre o
mesmo assunto”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 51

realizaram leituras bastante mais acuradas e aprofundadas do que foi possível

nesta pesquisa de mestrado.

De acordo com Chauí (1994:11) a obra espinosana mostra que “o

projeto filosófico, científico e tecnológico hegemônico no século XVII é uma

operação ideológica para dissimular a crise constitutiva do capitalismo,

operação apoiada nas idéias de transcendência (de Deus e do Estado), de

hierarquia ontológica dos seres (e, portanto das classes sociais), de finalismo

ético-metafísico (as virtudes são modelos prévios que comandam de fora a

ação humana, segundo a vontade de Deus e do monarca absoluto que

representa a divindade na terra) e de dominação técnica da Natureza”.

Espinosa rompe com a perspectiva teológico-metafísica do século XVII

baseada na essência infinita e perfeita de Deus e na criação do mundo ou das

essências finitas (dentre elas os seres humanos) pelo intelecto e vontade

divinos afirmando que a potência infinita (Deus ou Natureza) é resultado da

potência dos seres finitos, em outras palavras, que Deus/Natureza é produto da

ação dos seres finitos e é conhecido pela ação (experiência e práxis) dos

humanos.

Desta forma, ele inaugura o “materialismo moderno” ao afirmar que a

ontologia é fundada pelo histórico-social, pela práxis; que a ação humana funda

o ser e o absoluto e não o contrário. “Deus-Natureza (...) é constituído pela

potência de existir e de agir dos seres finitos singulares imanentes à potência

infinita do ser absoluto: Natureza e/ou Deus é a ação das coisas singulares

finitas e práxis humana. (...) Ao fazê-lo Espinosa retira o solo onde se movem o

cartesianismo, o mecanicismo, a Reforma e a Contra-Reforma” (Chauí,

1994:11).
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 52

“O realismo estará em toda parte em Espinosa, onde as idéias

verdadeiras serão concebidas como o produto, no intelecto” (Chauí, 1970:44).

O objeto é conhecido pela definição e pela ordem, isto é, pela demonstração da

causa que o produz (Chauí, 1970:07 apêndice).

Para Espinosa há uma apropriação cognitiva do objeto real pelo objeto

do conhecimento que opera a liberação ideológica da necessidade da

verificação empírica do conhecimento, trazida por Descartes (Chauí, 1970 –

nota II), uma vez que para este a verdade é algo extrínseco a idéia e se

encontra no juízo, no momento de vontade, enquanto que para Espinosa a

verdade se encontra no interior da idéia - ou modo de pensar, ato de

compreender (Chauí, 1970:53-54).

“A prática teórica contém nela mesma seus próprios critérios,


seus protocolos definidos de validação, não há nenhuma
necessidade de verificação, por intermédio de outras práticas
exteriores a ela. Nenhum matemático espera que a física
´verifique´ um teorema – sua verdade vem-lhe do ´interior´, isto
é, de sua demonstração” (Chauí, 1970:07 apêndice).

De acordo com Chauí (1994) “tudo o que é hegemônico no século XVII

vê-se demolido pelo materialismo prático (ético, político, ontológico) de

Espinosa”. Abaixo é apresentada uma tabela, em que são transcritas as

colocações de Marilena Chauí no texto supracitado com seus grifos originais,

contrapondo o pensamento de Espinosa ao pensamento hegemônico no século

XVII:
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 53

Pensamento hegemônico no sec. XVII Pensamento de Espinosa

Idolatria do mercado como organização sócio- Pluralidade infinita das forças produtivas
política das relações de produção. singulares indomáveis porque são forças de
apropriação ou desejo.

Burguesia holandesa submissa à crise e às idéias Potência infinita do ser que se irradia em
da transcendência e da hierarquia. expressões singulares, necessárias e livres e cujo
poder se realiza plenamente na democracia.

Teoria hobbesiana do contrato e da autoridade Constituição do político pela multitudo cujo poder
política formada pela passagem do fato ao direito é direito e cujo o direito é poder, ambos como
como obrigação. desejo de liberdade (governar e não ser
governado).

Dualismo cartesiano do corpo e da alma. Movimento contínuo de passagem da


singularidade corporal à subjetividade psíquica,
ambas aspectos da mesma realidade individual
complexa.

Experimentações científico-tecnológicas de domínio Movimento ético-político de apropriação da


da natureza. natureza para a realização da segurança, da paz
e da liberdade.
Elaborado por Costa-Pinto, 2003

2.4 SOBRE POTÊNCIA DE AÇÃO

“Toda a Ética se apresenta como uma teoria da potência em


oposição à moral como teoria de deveres” (Deleuze,
2002:110).

Para compreendermos melhor o conceito espinosano de potência de

ação, partiremos aqui da maneira como esse filósofo concebe os encontros

éticos. Ele descreve primeiramente dois tipos de encontros: bons - aqueles que

aumentam nossa potência de ação e que, portanto, compõem conosco, são

encontros ativos; e maus - aqueles que diminuem nossa potência de ação e

que, portanto, nos decompõem, degeneram, são passivos. “Nenhuma ação,

considerada só em si mesma, é boa ou má” (Ética IV, proposição 59, outra


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 54

demonstração), “o que faz a coisa boa ou má é o afeto de que deriva” (Ferreira,

1997:474).

Os encontros passivos podem ser alegres ou tristes, compatíveis ou

incompatíveis, ou seja, podem gerar afecções10 de alegria ou de tristeza,

enquanto os encontros ativos geram afetos (sentimentos ou “um tipo particular

de idéia”) sendo sempre alegres (Deleuze,2002: 56).

Cabe aqui ressaltar que os encontros possuem infinitas possibilidades e

que estes aqui citados servem bem para efeito de explicação teórica, sendo

exemplos limites. No mundo real os encontros podem ser muito mais

complexos, havendo diferentes graus de compatibilidade e de conflito parciais,

podendo as afecções se combinarem de muitas maneiras, como por exemplo,

‘eu me alegro com a tristeza daquele que odeio’.

“Se imaginamos que uma coisa, que habitualmente nos faz


experimentar uma afecção de tristeza, tem qualquer
semelhança com outra que habitualmente nos faz
experimentar uma afecção de alegria igualmente grande, odiá-
la-emos e amá-la-emos ao mesmo tempo” (Ética III,
proposição XVII)

Faz-se importante esclarecer que ao falarmos de encontros passivos

não estamos nos referindo à ausência de ação, mas à pouca ou nenhuma

compreensão da causa dos encontros, o que se relaciona com a heteronomia,

com as paixões tristes. Estas últimas, muitas vezes, promovem ações muito

intensas, mas não na direção da autonomia, mas na direção do padecimento,

da servidão. Ao falarmos em potência de ação nos referimos à capacidade de

10
“‘Affeccitiones’, termo latino que significa, grosso modo, ‘os modos pelos quais as substâncias são
afetadas’, como um pedaço de madeira é afetado ao ser pintado de vermelho ou como uma cadeira é
afetada ao ser quebrada” (Scruton, 2000:12). Ou para usar as palavras de Chauí (1995:105) a afecção
espinosana refere-se a “toda mudança, alteração ou modificação de alguma coisa, seja produzida por ela
mesma, seja causada por outra coisa”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 55

empreender uma ação ética, libertadora, emancipatória e não simplesmente ao

ato de realizar algo.

Espinosa nos diz que o único modo de alcançar a liberdade é

conhecendo. Para ele a única maneira de conhecer algo verdadeiramente é

“conhecer pela causa” e, portanto, se faz fundamental que tenhamos

consciência da causa primeira de nossos desejos, pois, segundo ele, são estes

que impulsionam nossas ações, tendo a alegria e a tristeza o papel de

direcionar o movimento iniciado, podendo ser em direção ao incremento ou

diminuição de nossa potência de ação.

Considerando os encontros passivos e ativos, a alegria desses dois tipos

de encontro é a mesma, diferindo apenas pela sua causa. A alegria do

encontro passivo é fruto de uma causa externa ao próprio encontro (“idéia

inadequada”) sendo, portanto, contingente, circunstancial, enquanto a alegria

do encontro ativo deriva de uma causa interna (”idéia adequada”), sendo assim

permanente, necessária.

Uma idéia adequada é aquela que expressa sua causa, ao passo que

uma idéia inadequada não o faz, sendo, portanto, fonte de erros e ilusões. Por

exemplo, define-se “um círculo quando se diz que ele é produto de rotação de

um segmento em torno de um eixo ou de um ponto extremo central. Fazer isto

é conhecer o círculo (...) através da causa que o produz” (Espinosa, 1983:XIII),

“sendo a gênese do objeto definido sua definição real” (Chauí, 1999:80). Ao

passo que quando se diz que um círculo “é uma figura geométrica cujos pontos

são eqüidistantes do centro” (Chauí, 1999:80), estamos descrevendo-o.

Podemos, para citar um outro exemplo, dizer que juntamos recursos

financeiros para garantir a casa própria, mas o que move este poupar não é a
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 56

casa em si, mas a segurança e o conforto que ela representa, sendo esta a

causa primeira (interna e adequada) de nosso desejo pela casa e do ato de

poupar. Segundo Hardt (1996: 146) “o adequado é aquilo que desvela a

dinâmica produtiva do ser”.

“Por idéia adequada entendo uma idéia que, enquanto é


considerada em si mesma, sem relação com o objeto, tem
todas as propriedades ou demonstrações intrínsecas de uma
idéia verdadeira” (Ética II; definição IV).

De acordo com Chauí (1970:52) para o filósofo ´idéia´ significa “um

modo de pensar, isto é, o próprio ato de compreender”. E ter uma idéia

adequada equivale a ter uma idéia verdadeira e “ter uma idéia verdadeira

significa conhecer uma coisa perfeitamente, ou o melhor possível”. O conceito

de adequação em Espinosa está associado a uma potência lógica e não a uma

consciência psicológica, “a idéia adequada se explica por nossa potência de

compreender”, a idéia adequada “representa a ordem e a conexão das coisas”

(Deleuze, 2002:84). Chauí (1970:07 apêndice) salienta que “contra o critério

pragmático ou contra o transcendental ergue-se a adequação espinosana”.

Por sua vez, uma idéia inadequada “não se explica formalmente pela

nossa potência de compreender, não exprime materialmente sua própria

causa, e atém-se a uma ordem de encontros fortuitos em vez de alcançar a

concatenação das idéias”, valendo colocar que “a matéria da idéia não é

buscada em um conteúdo representativo mas num conteúdo expressivo”

(Deleuze, 2002:84).

O aumento da potência de agir denomina-se afeto ou sentimento de

alegria e a diminuição dessa potência, tristeza. A alegria é gerada pelo

encontro de corpos que estão em conformidade em sua natureza, ou seja, que


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 57

somam suas potências. Uma vez que os seres humanos possuem a mesma

natureza, teoricamente, seus encontros deveriam ser ´pura alegria´, mas como

são sujeitos às paixões concordam muito pouco entre si. Assim sendo, a

existência humana é repleta de encontros tristes e passivos, pois os humanos

se encontram, em sua maioria, no nível mais baixo de sua potência.

Já nossos afetos ou sentimentos advêm do encontro com outros corpos,

explicam-se pela natureza do corpo afetante, são paixões, visto que suas

causas não nos são internas e sim externas. Tanto alegrias como tristezas

podem ser paixões, pois estas são “sentimentos causados em nós por coisas

ou causas exteriores a nós e das quais somos receptores passivos” (Chauí,

1995: 108). “A alegria é uma paixão ´enquanto a potência de agir do homem

não cresceu a ponto de que ele se conceba adequadamente, a si mesmo e as

suas próprias ações´ ” (Deleuze, 2002:57).

Sawaia (1998:132) faz um alerta para a necessidade de distinguirmos as

qualidades das emoções e sentimentos, dada a existência de alegrias e medos

bons e ruins. O medo ruim é aquele que causa paralisia, degeneração,

padecimento, ao passo que o medo bom é aquele que leva à revisão, à

reflexão sobre as causas do encontro, incrementando nossa potência de ação.

De maneira análoga, a alegria momentânea, corpórea, explosiva, eufórica é

degradadora, bem diferente da alegria experimentada em um bom encontro da

ordem da potência de ação.

“a alegria é má só na medida em que impede que o homem


seja apto para agir” (Ética IV, proposição LIX).

Deleuze (2002) mostra que, segundo Espinosa, não basta que nossa

potência cresça materialmente para que se transforme de passiva em ativa,


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 58

pois se não a dominamos formalmente, continuamos separados de nossa

potência. O autor aponta como fundamental a separação entre dois tipos de

paixão: paixão alegre e paixão triste. Caso a paixão exprima diretamente a

essência ou grau de potência do corpo afetante, se for a idéia de uma afecção

interna ou de uma auto-afecção será esta uma paixão alegre, caso contrário

uma paixão triste. Cabe colocar que “toda essência11 é pois essência de

alguma coisa com a qual se está em relação recíproca” (Deleuze, 2002: 78).

Espinosa nos diz que os seres humanos são parte da natureza e, que

assim sendo, somos uma parte desmesuradamente mais fraca frente ao

conjunto de todas as outras que nos cercam e afetam.

A nossa potência de ação ou força de existir está diretamente

relacionada com a nossa capacidade de ser afetado pelo outro, podendo esta

capacidade ou habilidade ser preenchida por afecções passivas e ativas,

quando preenchida pelas ativas relaciona-se diretamente com nossa potência

de ação e quando por passivas com nossa potência de sofrer ou de padecer,

para usar as palavras de Sawaia (2001).

Neste ponto perguntamos: como podemos aumentar nossa potência de

ação? Como podemos produzir bons encontros, alegres e ativos?

As respostas a essas perguntas estão intrinsecamente ligadas ao nosso

poder de ser afetado, pois ao sermos afetados por esta ou aquela afecção

temos nossa potência de agir aumentada ou diminuída, alterando assim nosso

grau de potência. Deleuze (2002:107) nos coloca que “um mesmo indivíduo

não tem o mesmo poder de ser afetado, criança, adulto [ou] velho, com saúde

11
De acordo com Deleuze (2002:89) essência em Espinosa significa “grau de potência”.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 59

ou doente”. Outro ponto importante para pensarmos o aumento de nossa

capacidade de agir está intimamente relacionada com a vida social, como

veremos mais a frente.

2.4.1 NOÇÃO COMUM: TRANSFORMA-AÇÕES

Voltando agora nossa atenção às afecções, Espinosa diz ainda que a

alegria passiva pode ser transformada em alegria ativa, que um encontro

passivo pode ser transformado em um bom encontro através da realização de

um trabalho interpretativo de nossos afetos para descobrirmo-nos como causa

interna deles, ou seja pela produção das noções comuns.

encontro ativo encontro passivo

alegria ativa alegria passiva tristeza


(aumenta nossa (aumenta nossa (diminui nossa
potência de ação) potência de ação) potência de ação)

noção comum
Elaborado por Costa-Pinto, 2002

De acordo com Deleuze (Hardt, 1996:153) o mandato de Espinosa é

“tornar-se alegre” e para colocar isto em prática é preciso iniciar o combate à

tristeza, a desvalorização das paixões tristes e denunciar aqueles que as

cultivam e delas dependem. Segundo Ferreira (1997) uma paixão só pode ser

combatida por uma outra paixão mais forte.

O ato de conhecer nos afeta positivamente, quanto mais conhecemos

verdadeiramente mais incrementamos nossa potência. Vale aqui recolocar que

de acordo com o pensamento espinosano a razão é fundada pelos afetos,

“pensamos e agimos não contra os afetos, mas graças a eles” (Chauí,

1995:71). A razão é conselheira de nossos atos na medida que nos indica


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 60

estarmos ou não no caminho da liberdade, pois “a razão não anula o estado

servil, não combate as paixões nem organiza a vida política” (...) “a descoberta

dos valores éticos é feita por via racional” (Ferreira, 1997:469 e 475), porém a

condução do processo é feita pelos afetos. Não é pensando que chegamos às

noções de bem ou de mal, mas sim sentido (sendo afetados), tendo

consciência do que se sente.

De acordo com Hardt (1996) este é o primeiro passo em direção de uma

prática ética. “Somos capazes de favorecer encontros compatíveis (paixões

alegres) e de evitar encontros incompatíveis (paixões tristes). Quando fazemos

esta seleção estamos produzindo noções comuns”12. Podemos dizer que a

busca por elas é a busca do reconhecimento das relações comuns que existem

entre os corpos.

Cabe esclarecer que buscar o que é comum não significa buscar

unicidade, uma vez que compreendemos que a busca do que é comum não

significa descartar ou desconsiderar a diversidade, valendo relembrar as

colocações de Espinosa sobre as infinitas possibilidades de combinações de

afecções nos encontros.

A noção comum “‘é sempre uma idéia de similaridade13 de modos

existentes’” (Hardt,1996:154), é sempre uma idéia adequada, pois ela nos

12
É importante ressaltar que noção comum NÃO é o mesmo que senso comum. Este último, de acordo
com Abbagnano (1982:841) significa maneira comum de falar ou viver, é um julgamento sem reflexão,
comumente sentido por todo um povo, toda uma nação. Refere-se a um sistema de símbolos de um grupo
social, sistema este antes prático que intelectual composto pelas “tradições, ocupações, técnicas,
interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõe são efeito da linguagem
quotidiana comum, pela qual os membros do grupo se comunicam” (...), senso comum são juízos “que
não se encontram demasiado contaminados pelas teorias” (Blackburn, 1997:355).
13
Valem aqui as colocações feitas no parágrafo anterior, uma vez que compreendemos que a
similaridade não exclui a pluralidade.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 61

apresenta sua lógica interna, envolvendo e explicando sua causa. Hardt

(1996:154) traz ainda outra contribuição para compreendermos esse conceito,

dizendo que as noções comuns “são idéias que são formalmente explicadas

por nossa potência de pensar”.

Quando encontramos um corpo que está de acordo com o nosso,

experimentamos uma afecção passiva alegre, somos induzidos a formar uma

idéia do que é comum entre o nosso corpo e este outro. Essa experiência da

alegria inicia o processo de construção da noção comum e a formação desta

transforma a afecção passiva alegre em afecção ativa. Noção comum é o

processo de conhecimento da causa da afecção da alegria passiva,

propiciando sua incorporação no encontro e transformando-o, portanto, em

ativo. A noção comum é um agente constitutivo, é o mecanismo pelo qual a

mente passa de uma paixão para uma ação, da imaginação para razão14. A

formação da noção comum é a própria constituição prática da razão.

Deleuze (2002:100) apresenta a ordem de formação das noções

comuns. “As primeiras noções comuns são pois as menos gerais, as que

representam algo em comum entre o meu corpo e outro que me afeta de

alegria-paixão; 2º) dessas noções comuns decorrem por sua vez afetos de

alegria, já que não são paixões, porém alegrias ativas que vêm, por um lado

superar as primeiras paixões, e por outro, substituí-las; 3º) essas noções

comuns e os afetos ativos que delas dependem dão-nos força para formar

noções comuns mais gerais, exprimindo o que há de comum, mesmo entre o

nosso corpo e corpos que não lhe convém, que lhe são contrários ou o afetam

14
Os conceitos espinosanos de razão e imaginação serão mais desenvolvidos posteriormente neste
mesmo capítulo.
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 62

de tristeza; 4º) e dessas novas noções comuns decorrem novos afetos de

alegria ativa que vêm ultrapassar as tristezas e substituir as paixões nascidas

da tristeza”.

Encontro ético ativo Encontro ético passivo


1º MOMENTO
(noção comum
menos geral - A)
alegria ativa A alegria passiva tristeza
(aumenta nossa (aumenta nossa (diminui nossa
potência de ação) potência de ação) potência de ação)

noção comum A
2º MOMENTO
(noção comum
mais geral - B)
alegria ativa B noção comum B
(aumenta nossa
potência de ação)

Elaborado por Costa-Pinto, 2003

Retomemos a pergunta de como produzir bons encontros. Espinosa nos

diz que para produzir estes encontros alegres e ativos é necessário que a

causa da afecção passiva seja envolvida e incorporada pelo encontro,

passando então a ser causa interna (“idéia adequada”) deste encontro.

A força motriz de todo este processo é o conatus, é a tendência

espontânea e natural de autoconservação do ser, o esforço que o ser realiza

para preservar-se na existência.

O conatus está sempre em ato e podemos conceber duas maneiras

distintas de realização do ato, do esforço de autoconservação: a) ao acaso dos

encontros, ao sabor das afecções e afetos externos que nos afetam ou b)

organizando e selecionando os encontros desejados. Tanto no primeiro como


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 63

no segundo caso a busca é pelo aumento da potência de ação, por

experimentar paixões alegres.

No primeiro caso esse ato de autopreservação acontece mesmo que

seja às custas da destruição do que nos ameaça, experimentando assim uma

alegria derivada do ódio e da tristeza. No tocante aos encontros, expõe-nos ao

risco permanente de encontrarmos outros modos existentes, hostis e mais

fortes, que nos destruirão, relacionando-nos reativamente com as coisas, desta

forma, nos aprisionamos ao medo e a outras afecções derivadas da tristeza,

tais como vingança, inveja, crueldade, cólera etc. com a falsa sensação de

liberdade.

No segundo caso, ao selecionarmos e organizarmos os encontros

desejáveis, ou seja, aqueles que compõem conosco, tornamo-nos mais

fortes/potentes e menos vulneráveis, podendo empreender ações éticas e

tornarmo-nos livres de fato. Espinosa aponta ser a sociedade o espaço

privilegiado para que isto se dê, como veremos adiante.

2.5 EXISTO, LOGO PENSO: A EPISTEMOLOGIA ESPINOSANA

O amor não é senão a alegria acompanhada da idéia de uma


causa exterior, e o ódio não é senão a tristeza acompanhada
da idéia de uma causa exterior. Vemos, além disso, que
aquele que ama se esforça por ter presente e conservar a
coisa que ama; e, ao contrário, aquele que odeia esforça-se
por afastar e destruir a coisa que odeia. (Ética III, proposição
XIII, escólio).

Seguindo a mesma linha de raciocínio das noções comuns, o filósofo

traça o caminho da produção do conhecimento, fazendo-se importante aqui

colocar que Espinosa argumenta contra o “empirismo dogmático latente no

idealismo cartesiano” (Chauí,1970:06 apêndice) invertendo a ordem “duvido,


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 64

penso, portanto sou” de Descartes, para quem a existência emana dos atos de

afirmar ou negar. Já para Espinosa a existência funda os atos de afirmar ou

negar, o que exclui a dúvida, pois esta requer existência para se manifestar.

Desta forma deixa-se de ir do conhecimento ao ser, do sujeito ao objeto,

movimentando–se em direção oposta do ser ao conhecimento, do objeto ao

sujeito (Chauí, 1970).

“Espinosa parte de um saber objetivo não refletido e eleva-se


dele a um saber refletido, (...) o percurso reflexivo é a
passagem da idéia à idéia da idéia e desta para a idéia
verdadeira (...), adequada.” (Chauí, 1970:42).

De acordo com ele há três formas de conhecimento:

♦ 1o gênero de conhecimento: imaginação, opinião e revelação;

♦ 2o gênero de conhecimento: razão;

♦ 3o gênero de conhecimento: intuição.

O primeiro gênero de conhecimento é o mais baixo dos três e a grande

maioria das nossas idéias opera neste nível. O processo prático de Espinosa

de produção do conhecimento consiste em passar do primeiro gênero para o

segundo e deste para o terceiro de maneira progressiva.

Imaginação, opinião e revelação dependem de uma causa externa,

sendo estas formas de conhecimento compostas pelo encadeamento de idéias

inadequadas e dos “afetos-paixão”15 que delas derivam . A imaginação difere

das outras duas formas de conhecimento do primeiro gênero por se manifestar

no plano material e nos apresentar indicativos de sua causa, podendo assim

ser transformada em idéia verdadeira, adequada. Esta mesma transformação

não se faz possível em relação à opinião e à revelação, pelo fato das causas

15
Deleuze, 2002.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 65

de ambas permanecerem obscuras e por elas não se manifestarem

materialmente.

“das coisas singulares que os sentidos representam mutiladas,


confusas e sem ordem à inteligência (...) tomei o hábito de
chamar a essas percepções: conhecimento pela experiência
vaga;
(...) do fato de termos ouvido ou lido certas palavras, nos
recordamos das coisas e delas formamos idéias semelhantes
àquelas pelas quais imaginamos as coisas (...), chamarei
essas duas maneiras de considerar as coisas: conhecimento
do primeiro gênero” (Ética II, proposição XL, escólio II - grifos
do autor).

Assim como uma afecção passiva transforma-se em afecção ativa

através da formação de uma noção comum, a imaginação (primeiro gênero de

conhecimento) alcança a razão (segundo gênero de conhecimento) também

por meio da noção comum. “As noções comuns são os pilares que se erguem

no terreno da imaginação para construir a razão”, explicitando assim o que

Deleuze chama de “curiosa harmonia” entre a imaginação e a razão, pois desta

forma elas estão articuladas em um “continuum como diferentes estágios e

planos no processo de constituição intelectual” (Hardt, 1996: 161). Ainda

segundo Hardt (1996: 159) “a mente forja a noção comum a partir de idéias

inadequadas, tal como o corpo forja um martelo a partir do ferro. A noção

comum serve de ferramenta prática em nosso esforço para alcançar o pináculo

da sabedoria”.

De acordo com Deleuze (2002) a razão se esforça por organizar

encontros, por vezes através dos desdobramentos, outras vezes através da

substituição de afetos passivos por afetos ativos.


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 66

“do fato de termos noções comuns e idéias adequadas das


propriedades das coisas (...). A este gênero darei o nome de
Razão e conhecimento do segundo gênero” (Ética II,
proposição XL, escólio II - grifos do autor).

Para Espinosa o terceiro gênero de conhecimento ou beatitude é a

plenitude, a própria felicidade suprema, quando nos apropriamos plena e

formalmente de nossa potência, quando os “afetos-sentimentos” ativos gerados

são alegrias e amores muito especiais, quando passamos a nos relacionar de

forma ativa e não reativa com todas as coisas.

“Além destes dois gêneros de conhecimento, há ainda um


terceiro, como o mostrarei a seguir, a que chamaremos ciência
intuitiva. Este gênero de conhecimento procede da idéia
adequada da essência formal de certos atributos de Deus para
o conhecimento adequado da essência das coisas.” (Ética II,
proposição XL, escólio II – grifos do autor).

Segundo o filósofo, esse gênero de conhecimento só é atingido pelo

sábio, mas é justamente a busca pela beatitude (felicidade suprema) que move

os seres humanos e “as paixões alegres são elementos catalisadores na

marcha progressiva de auto-realização” (Ferreira,1997:475).

Embora de forma contingente e flutuante, a imaginação nos fornece uma

indicação real do estado dos corpos e das relações presentes. Enquanto a

imaginação apresenta as coisas como contingentes, a razão e a intuição as

apresentam como necessárias.


imaginação Æ noção comum Æ razão
OU
o
2 gênero de conhecimento 1o gênero de conhecimento

imaginação opinião
revelação
noção comum

Extraído de Hardt, 1996:162


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 67

Assim sendo, entendemos que a noção comum é o elo de ligação entre

a imaginação e a razão, o que desmistifica a forma de produção da razão e

constitui um diferencial da epistemologia espinosana. Não se atinge o próximo

gênero de conhecimento negando o estágio presente, mas sim realizando uma

composição a partir dele.

Esta concepção apresentada por Espinosa, em nosso entender,

populariza a produção de conhecimento, pois considera que qualquer pessoa

pode produzir conhecimento a partir do estágio em que está, considerando que

o primeiro é aquele em que a maioria se encontra. Isto tira das mãos dos

iluminados e intelectualizados o poder de pensar o mundo e,

conseqüentemente, de elaborar suas regras.

Desta forma, contingência e necessidade, razão e imaginação não são

opostos excludentes, mas sim “platôs articulados num continuum produtivo

pelo próprio processo de constituição” (Hardt, 1996: 163).

Para compreendermos a relação entre a dimensão subjetiva do conceito

de potência de ação e a dimensão política, passaremos a examinar um pouco

mais de perto a concepção espinosana de liberdade.

2.5.1 LIBERDADE: AUTONOMIA NO SENTIR, PENSAR E AGIR

Espinosa repudia a noção corrente de livre arbítrio16 apontando-a como

superstição, pois segundo ele o ser humano livre não é aquele que faz o que

quer na hora que quer, mas aquele que tem consciência de suas

necessidades, que conhece as leis imutáveis da natureza, que conhece as

16
A noção corrente de livre arbítrio a que nos referimos neste texto é um conceito criado pelo cristianismo
para explicar o pecado original e aqueles que os homem cometem. “É a liberdade da vontade para
escolher entre várias opções, (...) pressupõe que os acontecimentos do mundo são contingentes e
dependem da vontade humana para se realizarem ou não”. (Chauí, 1995:107)
Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 68

regras que regem as coisas que o cercam, que conhece as causas de seus

desejos. Vale ressaltar que, para Espinosa, a única forma de conhecer

verdadeiramente é conhecendo pela causa.

“ ...os homens enganam-se quando se julgam livres, e esta


opinião consiste apenas em que eles têm consciência das
suas ações e são ignorantes das causas pelas quais são
determinados. O que constitui, portanto, a idéia de sua
liberdade é que eles não conhecem nenhuma causa de suas
ações. Com efeito, quando dizem que as ações humanas
dependem da vontade, dizem meras palavras das quais não
têm nenhuma idéia. Efetivamente todos ignoram o que seja a
vontade e como é que ela move o corpo...” (Ética II,
proposição XXXV, escólio).

A liberdade não é estar livre da necessidade, mas sim ter consciência

dela. De acordo com Scruton (2000: 41) o ser humano livre de Espinosa “é um

tipo altaneiro e alegre”. Segundo o próprio Espinosa em sua proposição LXVII

da Ética IV “o homem livre em nada pensa menos que na morte, e sua

sabedoria não é uma meditação sobre a morte mas da vida”, não sendo levado

pelo medo da morte uma vez que vive sobre o ditame da razão. Ser livre não

significa estar libertado da realidade física, mas significa entendermos a

realidade e a nós mesmos como parte dela.

E complementa, “um homem que é guiado pela razão é mais livre num

Estado, onde vive segundo as decisões comuns, do que na solidão, em que ele

somente obedece a si mesmo, (...) a verdadeira meta do governo é a liberdade”

(Scruton, 2000:42). Nesse ponto Espinosa fala de uma liberdade que está

relacionada com a habilidade das pessoas em cuidarem de seus projetos.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 69

“De acordo com Espinosa, a liberdade não é um ato de


escolha voluntária, mas a capacidade de sermos os agentes
ou sujeitos autônomos de nossas idéias, sentimentos e ações,
de acordo com a causalidade interna de nosso conatus"
(Chauí, 1995:107).

Desta forma, a arte do bom governo é garantir um regime onde os seres

humanos possam viver em liberdade, ou seja, que garanta a expressão da

potência de ação dos indivíduos.

Parece caber aqui uma breve definição de ação. A ação é um efeito

resultante de uma idéia que é claramente concebida, ação é o desejo que é

definido pela potência do homem, ou seja, pela razão. Assim sendo, a ação

ética é sempre uma coisa boa, pois de acordo com Chauí (1995:105) são

“afetos ou sentimentos, idéias ou pensamentos, atitudes ou comportamentos

dos quais somos a causa ou os agentes”.

Espinosa aconselha-nos a estarmos constantemente aperfeiçoando

nosso intelecto, nossa razão, pois aí reside a felicidade suprema, uma vez que

a razão nos garante o entendimento adequado do mundo, permite assim que

formemos idéias adequadas das coisas. Isto nos alegra e incrementa nossa

capacidade de agir, ou por outras palavras, aumenta nossa potência de ação.

Chegamos aqui a um ponto importante da filosofia de Espinosa, pois,

para ele, falar sobre potência de ação é a conexão crucial da passagem da

teoria para a prática, pois é “o momento em que suspendemos o esforço de

pensar o mundo para começar a criá-lo” (Hardt, 1996:105). Estar potente é ter

capacidade de colocar coletivamente idéias em prática e, para tanto, é preciso

que nossa capacidade de agir, que nossa potência de ação seja aumentada, o

que se dá na sociedade. Da mesma forma que a alegria nos potencializa para


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 70

ação, o ato de agir nos alegra e desta forma nos potencializa, num processo de

alimentação recursiva.

Com base nas reflexões expostas anteriormente, podemos dizer que

somente a alegria proveniente das idéias adequadas caminha na direção da

liberdade, da autonomia do sujeito. Assim sendo, reafirmamos aqui a

colocação de Espinosa de que a adequação é contagiosa, podendo ainda dizer

que a alegria é contagiosa.

2.5.2 PENSAMENTO POLÍTICO: ALGUNS FRAGMENTOS

Tanto no terreno dos encontros como no da construção de

conhecimento iniciamos nossa investigação pelo ponto mais baixo de nossa

potência, iniciaremos então nossa apresentação do pensamento político

espinosano pelo nível mais baixo da organização social, atendendo mais uma

vez o convite do filósofo que vê o processo político construído de baixo para

cima: assim como “ninguém nasce racional, ninguém nasce cidadão” (Hardt,

1996). Não há uma ordem pré-determinada, cada elemento da sociedade é

construído de acordo com os elementos disponíveis (sujeitos constituintes -

cultos ou ignorantes; afecções existentes - sejam elas paixões ou ações). O

que, segundo Hardt (1996:168), “significa dizer que nenhuma ordem social

pode ser imposta por quaisquer elementos transcendentes, por nada de fora do

campo imanente de forças e assim qualquer concepção de dever ou moral

deve ser secundária e ser dependente da afirmação de nossa potência”.

“Se duas pessoas concordam entre si e unem suas forças,


terão mais poder conjuntamente e, conseqüentemente, um
direito superior sobre a natureza que cada uma delas possui
sozinha e, quanto mais numerosos forem os homens que
tenham posto suas forças em comum, mais direito terão todos
eles” (Tratado Político, capítulo II, parágrafo 13).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 71

O núcleo da política espinosana é orientado para a organização de

encontros sociais de modo a propiciar e a estimular encontros compatíveis,

relações úteis. Cabe aqui lembrar que é útil tudo aquilo que aumenta a

potência de ação dos seres humanos.

Para o filósofo, a teoria da potência e dos corpos (encontros) é

aproximada da prática política na forma de uma teoria do direito: “tudo o que

um corpo pode fazer (sua potência) é também seu direito natural” (Hardt,

1996:167). Aqui a lei da natureza refere-se ao desejo inicial, ao mais forte

‘apetite’, o desejo de ser feliz, que é expresso pelo próprio conatus, o esforço

que o ser realiza para se preservar. Na política o conatus é o direito natural

(Chauí, 1995).

De acordo com esta concepção, nosso direito natural é “coextensivo” ao

nosso poder de ser afetado, havendo aqui uma dinâmica entre o que eu posso

fazer e a minha potência. Sempre estendemos ao máximo aquilo que podemos

fazer, sendo esta uma atitude ética pois empreender algo nos alegra por ser útil

a nossa própria preservação. Portanto, apenas somos capazes de empreender

ações éticas a partir do incremento de nossa potência de ação.

Segundo Espinosa, o Estado e a vida civil surgem para permitir a

realização concreta do direito natural. No estado de natureza, em que cada um

exerce seu direito natural contra o outro, cada um representa uma ameaça ao

outro, havendo assim um grande desgaste e um enfraquecimento das

potências individuais, instaurando-se um temor constante do outro uma vez

que as potências individuais são menores que a potência de um coletivo.

Como já foi dito anteriormente, são os bons encontros (aqueles que

geram agregação das potências) que aumentam a potência de ação dos


Capítulo 2: Reflexões teórico-metodológicas EA e pensamento espinosano . 72

sujeitos. A partir desta agregação potencializadora, Espinosa nos aponta a

formação do multitudo, ou multidão ou massa ou ainda povo, com um conatus

coletivo detentor de uma potência incomensuravelmente maior do que as

potências individuais, sendo ela o poder soberano no Estado Civil.

Segundo Chauí (1995:78) “a liberdade política só se realiza quando o

direito civil (as leis) e o Estado (as instituições do governo) fortalecem o

conatus coletivo, em lugar de enfraquecê-lo, subjugá-lo no medo, na ilusão

supersticiosa e nas promessas de recompensas numa vida celeste futura para

os ofendidos e humilhados nesta vida”.

Para Espinosa a finalidade do governo não é garantir uma vida justa aos

cidadãos, mas sim garantir a livre expressão de agir e pensar, sendo a justiça

social uma conseqüência de uma “política adequada aos interesses e

costumes dos cidadãos que a instituíram”. (Chauí, 1995:75). E o melhor regime

político para que estas condições se realizem é a democracia, pois nela as

regras (leis) são fruto de uma construção coletiva (direta ou indiretamente via

representantes).

Porém, diante do exposto acima, o filósofo faz um alerta quando nos diz

que a forma política depende em todas as circunstâncias do próprio povo e que

impor um regime político, em que o povo não veja como exercer seu direito

natural através do direito civil, é realizar uma falsificação política, pois

teoricamente há um determinado regime implantado, mas age-se como se

fosse outro (Chauí, 1995).

Assim sendo, pode-se vislumbrar uma íntima relação entre liberdade,

felicidade, potência de ação e vida social: ser livre relaciona-se com ter

consciência das regras que regem o que cerca o sujeito, das próprias
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 73

necessidades e afetos, de modo a relacionar-se ativamente e não de forma

reativa com as coisas. Relacionar-se ativamente com as coisas pressupõe o

aumento de nossa potência de ação, o que por sua vez, está em relação direta

como nossa capacidade de ser afetado pelo outro e de selecionar bons

encontros. Esse aumento de potência só é possível na vida em sociedade, pois

nela a descoberta pelos seres humanos das vantagens de unir forças para a

vida em comum potencializa os sujeitos. Isto nos remete novamente à

liberdade, pois quanto mais potentes mais livres somos e essa liberdade é a

própria felicidade, felicidade de ser, de agir e pensar por conta própria sendo

causa dos próprios afetos.


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 74

C APÍTULO 3 .

PEDRINHAS: SUA GENTE, SUAS HISTÓRIAS, FESTAS E MODOS


DE VIDA

N este capítulo apresentamos a história do bairro de Pedrinhas

e o modo de vida da população, combinando os dados coletados durante as

idas a campo com as informações obtidas a partir de fontes secundárias.

Segundo Carvalho (1999), o Bairro de Pedrinhas teve sua fundação

datada de 1906, com a chegada de três famílias no início do século. De acordo

com os depoimentos de moradores coletados pela autora, eram três homens

com sobrenome Lisboa, sendo dois deles provenientes da Ilha de Marca

(próxima à Cananéia). Ainda baseada nesses depoimentos, Carvalho

considera que já havia famílias morando no local antes desta data.

A mesma autora apresenta Eduardo Lisboa o ‘fundador mítico’1 do

bairro, sendo considerado fundador, por ter sido “criativo”, pois ao chegar no

local onde hoje é o bairro de Pedrinhas abriu seu comércio - uma venda, cedeu

1
Denominação utilizada por Carvalho (1999). Eduardo Lisboa é fundador mítico de Pedrinhas, assim
como Pedro Álvares Cabral é o fundador mítico do Brasil. Ver também Diegues (1997) e Furlan (2000, vol
2) sobre a relação entre mitos fundadores e identidade cultural de ilhéus.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 75

um aposento de sua casa para sala de aula, e outro, segundo depoimentos de

moradores coletados por esta pesquisa, para salão de baile, tornando-se assim

este sítio um importante núcleo de sociabilidade.

Após percorrer um trajeto de aproximadamente 30 Km de distância do

Boqueirão Norte da Ilha Comprida em direção sul, chega-se à entrada de

acesso a Pedrinhas, de onde é possível chegar ao bairro depois de vencer os

cerca de 4 Km que o separam da praia, pois o bairro está assentado às

margens do canal lagunar, também conhecido como “mar pequeno” ou “mar de

dentro”. Cabe ressaltar que todo o trajeto é percorrido sobre areia, não

havendo qualquer tipo de pavimentação.

O visitante acostumado ao padrão urbano é capaz de chegar ao local e

perguntar: o que tem para fazer aqui? Isso de fato aconteceu, em meu primeiro

campo, fui abordada com essa pergunta por dois turistas jovens que acabavam

de chegar ao local. O bairro aparenta ser menor do que de fato é. A estrada

que faz ligação com a praia transforma-se em rua principal ao chegar em

Pedrinhas. Como a maioria das ruas tem um traçado irregular e esta rua

principal é a mais larga, num primeiro momento ela parece ser a única rua do

bairro. Contribui para essa impressão a existência de muitos lotes sem

construção, as cerca de 220 (Hanazaki, 1998)2 casas ali existentes se

escondem em meio à vegetação e meandros das vias de acesso.

O levantamento da Situação Sócio-Econômica dos Pescadores de Ilha

Comprida, realizado pela Prefeitura do município junto ao programa de Agentes

Comunitários de Saúde de Ilha Comprida, entre julho e agosto de 1998, revela

2
De acordo com Hanazaki (1998) 1/3 das casas existentes em Pedrinhas são de moradores caiçaras,
sendo os 2/3 restantes pertencentes a turistas.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 76

que o bairro de Pedrinhas conta com uma população total de 252 moradores

(caiçaras ou residentes no local há mais de dois anos), sendo 52% destes

mulheres e 48% homens, e a maior parte dos habitantes, de acordo com

Hanazaki (2001), se concentra abaixo da faixa de 25 anos.

Confrontando os depoimentos que temos coletado desde o início desta

pesquisa com informações obtidas junto à prefeitura municipal foi possível

constatar que, para fins administrativos, o que hoje denomina-se Pedrinhas vai

além dos limites identificados pela população local. Ou seja, o que oficialmente

se chama de Pedrinhas - área localizada entre os bairros caiçaras de

Juruvaúva e Ubatuba e que, de acordo com Carvalho (1999), engloba o bairro

vizinho do Capão - para os moradores era subdividida em diferentes

agrupamentos com ocupação familiar (pai, mãe e os filhos, que depois de

casados se estabeleciam nos arredores) distribuídos ao longo do canal

lagunar, onde cada um tinha seu próprio porto e sua trilha de acesso à praia.

Partindo do adensamento de Pedrinhas em direção à Juruvaúva, as

localidades de Vamiranga, Barranco Branco etc., hoje sem moradores, ainda

são uma forte referência para os mais velhos, que têm parte de sua história

vivida nestes sítios.

Segundo Carvalho (1999) a chegada dos primeiros turistas deu-se por

volta do final da década de 1940. Chegavam de barco e seu maior interesse

era a pesca, mas aos poucos começaram a comprar lotes e a construir casas.

A expulsão das famílias ali residentes deu-se por volta das décadas de 1960 e

1970 devido à intensa grilagem de terras ocorrida nesse período, o que de

acordo com depoimento de morador local coincidiu com a época em que foi

aberta a estrada que liga o bairro à praia, permitindo dessa forma o acesso por
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 77

terra, já que anteriormente só se chegava de barco. A partir disso o núcleo de

Pedrinhas começou a viver um adensamento populacional, fruto tanto do

reassentamento dessa população que foi expulsa daqueles agrupamentos

familiares, como da venda de terrenos para turistas. Esse reassentamento deu-

se pela compra de lotes de parentes e amigos.

Atualmente, ao longo do “mar pequeno”, pode-se perceber a presença

quase que exclusiva de casas de turistas com suas marinas particulares, sendo

poucos os moradores que ainda possuem terras nessa área. Existem apenas

dois portos públicos, que coincidem com as duas únicas ruas que chegam até

o “mar de dentro”. Um deles localiza-se próximo ao cemitério e o outro próximo

à biblioteca pública e ao posto dos correios, nominado porto Eduardo José

Lisboa (“o fundador mítico”).

Com exceção do bairro do Boqueirão Norte (centro comercial e

administrativo da Ilha), Pedrinhas é o único bairro a contar com agência do

correio, central telefônica, uma pequena biblioteca, antena parabólica com

central para redistribuição de imagem de tv para todas as casas, água tratada

pela SABESP, energia elétrica, linha de ônibus diária, em vários horários

fazendo ligação com o “centro” da Ilha e com o município vizinho de Cananéia

(Carvalho, 1999; Soares et alli, 1999). Os bairros de Pedrinhas, Boqueirão Sul

e Viarégio contam com posto de saúde (PS). Já no Balneário Adriana, vizinho

ao Boqueirão Norte, está instalada a UBS - Unidade Básica de Saúde,

constituindo o principal centro de atendimento médico do município.


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 78

3.1 A PECULIAR OCUPAÇÃO DE PEDRINHAS: ENTRE O PADRÃO URBANO E O


TERRITÓRIO CAIÇARA

Hoje o bairro está em processo de urbanização, algumas ruas foram

traçadas de acordo com o padrão urbano de ocupação (quarteirões simétricos

e ruas em linhas retas e paralelas). No entanto, caminhando pelo bairro,

notamos, nas proximidades do porto Eduardo José Lisboa, a presença de um

núcleo com padrão “desordenado” de ocupação onde as casas não têm muros,

os quintais não são divididos e aparentemente se misturaram, as casas

parecem estar todas dispostas de modo aleatório dentro de um grande terreno.

Esta forma de ocupação do espaço pode ser decorrência da introdução da

propriedade privada na vida dessa população caiçara, o que se deu em

meados do século XX, quando da venda de terras pelos moradores à

Companhia Melhoramentos de Cananéia. A partir daquele momento os

caiçaras passaram a se relacionar com esse outro modo de ocupação do solo,

dando então início à compra e venda de lotes ou posses3, como já mencionado

anteriormente neste texto.

As faixas de terras, agora de propriedade privada das famílias residentes

em Pedrinhas, foram dispostas no sentido mar a mar para que todas tivessem

acesso às margens do canal (Carvalho, 1999; informações coletadas no

Departamento de Engenharia - PMIC, 2000). A população foi aumentando, as

faixas de terra subdivididas e as casas sendo construídas cada vez mais

próximas umas das outras. Cabe aqui lembrar que tradicionalmente as casas

caiçaras não têm muros ou portões, "os caiçaras não costumam marcar suas

3
Pelo fato de estar indefinida até hoje a situação legal das terras de Pedrinhas, em virtude do processo
que corre na justiça contra a Companhia Melhoramentos de Cananéia, a negociação de terras se dá por
compra e venda de posses, não havendo escrituras.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 79

posses com cercas ou 'linhas de divisa' " (Diegues & Nogara,1994:157), sendo

distribuídas de tal forma no espaço que cada uma tem seu quintal e não tem

vizinho de parede.

No padrão historicamente estabelecido de ocupação do solo por parte

de populações caiçaras, o terreno tido como posse individual ou familiar é

aquele contíguo ao mar, onde estão a casa e o terreiro; os espaços de trabalho

e produção agrícola, localizados mais distantes do local de moradia, são

apropriados coletivamente, ainda que trabalhados em nível familiar (Winter,

Rodrigues e Maricondi, 1990 apud Diegues, 2001 e Diegues, 1994). Este

padrão contrasta com o modelo privado de ocupação urbana.

O território é definido não somente pelo espaço físico ocupado por

determinada sociedade, mas também pelo tipo de relações sociais ali

existentes. O das comunidades caiçaras é espacialmente descontínuo e de

posse coletiva, ou seja, as áreas utilizadas por seus membros são de posse da

comunidade (Diegues, 2001 e Diegues & Nogara, 1994).

No caso da agricultura, essa característica se manifesta na medida em

que as terras cultivadas por um membro de uma família da comunidade podem

ser utilizadas por outra família desde que a permissão seja pedida. A posse

dos territórios é "conservada pela lei do respeito que comanda a ética reinante

nestas comunidades" (Cordell, 1982 apud Diegues, 2001:13).

Sueli Furlan coloca que a descontinuidade do território caiçara pode ser

explicada de várias maneiras e que o uso de recursos naturais é apenas uma

delas. O território "é produto de relações materiais e simbólicas" criando assim

uma outra referência de espaço. O território como lugar vem sendo reduzido a

disputa pela propriedade privada da terra, sobretudo com a implantação e


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 80

gestão de Unidades de Conservação. "Não há como abarcar os espaços

vivenciais num perímetro único, um lote ou mesmo em glebas. Pois o território

caiçara é descontínuo" (Furlan, 2000:288).

Ao longo da história, os caiçaras foram tidos como preguiçosos,

indolentes e degradadores do meio ambiente, sendo desta forma

"desconsiderados como parceiros da conservação (...), justamente um conflito

que parte de concepções distintas tanto de natureza como de território e lugar.

Isso contribui para um progressivo rompimento dos elos simbólicos com a

natureza. Passando-se também a valorizar a propriedade privada como forma

de reconquista do lugar em detrimento ao uso coletivo do território" (Furlan,

2000:288).

3.2 ANDANÇAS PELO BAIRRO

Estivemos realizando mergulhos esporádicos no cotidiano do bairro, com

o intuito de levantar dados sobre a maneira como vive a população caiçara de

Pedrinhas atualmente. Sobrepondo esses dados com as informações

levantadas a partir da pesquisa em fontes secundárias (literatura a respeito de

modo de vida caiçara e demais pesquisas realizadas no local), buscamos dar

maiores subsídios para a implementação das intervenções educativas

objetivadas por este projeto.

Foi considerado de suma importância compreender um pouco mais de

perto como se dá a organização social do bairro, quais lideranças se destacam

e como elas são vistas pelos moradores, qual é a ocupação atual destes

moradores e como se dá sua rotina diária de trabalho, como se estabelecem os

laços de parentesco e qual contorno eles dão para as relações sociais.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 81

Em relação à organização social do bairro, podem ser apontados quatro

subgrupos distintos, tendo apenas um deles uma representação formal, a

Associação Amigos do Bairro de Pedrinhas (AABP). Os outros três subgrupos

identificados não possuem qualquer tipo de estruturação formal, estando

organizados pelas relações de parentesco, vizinhança e compadrio.

A Associação reúne a maioria dos católicos do bairro, embora não haja

nenhuma ligação direta entre ela e a religião de acordo com a fala de seus

membros, mas certamente há uma forte ligação entre a fundação da AABP e a

atuação do padre Cristiano no bairro, como veremos mais adiante.

Vale ressaltar que, ao menos nos últimos dois ou três anos, católicos e

adeptos da Igreja Batista têm realizado ceia de natal conjunta na sede da

Associação para celebrar a data. Segundo alguns membros da AABP o convite

é aberto a todos mas só católicos e batistas comparecem.

Um dos membros-fundadores da AABP apresenta uma explicação

bastante interessante para o fato: diz que esses moradores que não

comparecem às reuniões e atividades da Associação comportam-se como se

fizessem parte de uma outra comunidade só porque tem uma religião diferente.

Algumas das lideranças formais4 puderam ser identificadas, sendo elas:

um líder comunitário que é o atual diretor do Departamento de Ecologia e

Pesca da PMIC5 e atual presidente da AABP, a atual conselheira deliberativa

da AABP e a ex-presidente da AABP. Identificamos também três lideranças

4
São aqui chamadas de lideranças formais aquelas ligadas a cargos institucionais.
5
Prefeitura Municipal de Ilha Comprida
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 82

não formais6 e três lideranças potenciais.

Cabe aqui fazer uma colocação que se refere à fluidez das relações

entre as pessoas dentro do bairro, pois uma vez que, via de regra, a população

caiçara desenvolve mais de um tipo de atividade para se manter (Diegues &

Nogara, 1994; Adams, 2000), as pessoas de referência ou lideranças também

são múltiplas. Essas lideranças variam de acordo com a situação enfrentada e

tarefa a ser desenvolvida, operando assim uma descentralização pautada pela

diferença do potencial humano no cumprimento de tarefas, uma vez que as

lideranças relacionadas às atividades sazonais são definidas pela aptidão

individual de realizá-las. Por exemplo, as lideranças ou pessoas de referência

para extração de plantas nativas (musgo e samambaia) assim se configuraram

tanto pelo conhecimento dos ciclos biológicos das espécies e pelo domínio da

técnica de extração, como por sua capacidade de comunicação e negociação

com os intermediários que compram estes produtos. Desta forma, pode haver

outras lideranças no bairro além das aqui identificadas.

Tendo ainda em vista as colocações anteriores é importante destacar

que apesar da fluidez e sazonalidade das relações, e portanto das lideranças,

os subgrupos não institucionalizados recorrem ou referem-se ao líder

comunitário e diretor do Departamento de Ecologia e Pesca da PMIC e a AABP

como aqueles capazes, ou que ao menos deveriam ser, de resolver

determinados tipos de problemas.

6
Estão sendo chamados de lideranças não formais aqueles que não necessariamente pertencem a
alguma organização e/ou instituição, mas são referências para indivíduos ou grupos no momento de
tomadas de decisões e pelo fato de atuarem como mobilizadores/aglutinadores de outras pessoas em
torno de determinados assuntos ou ações e de lideranças potencias aquelas pessoas que começam a
despontar como representantes ou referência para a comunidade ou para grupos dentro dela. (Avanzi et
alli, 1999).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 83

Dentre as lideranças formais o líder acima referenciado, que exerce seu

segundo mandato não consecutivo na presidência da AABP, foi vice prefeito do

município na gestão anterior, sendo que desde 1989 vem desenvolvendo sua

carreira política institucional, que se iniciou como vereador do município de

Cananéia, quando Ilha Comprida pertencia aos municípios de Iguape e

Cananéia (Pedrinhas integrava este segundo município), além de ser um dos

fundadores da AABP em 1991.

Resgatando depoimentos coletados por Hanazaki em 1998 em

Pedrinhas, pudemos recompor a história da organização dos moradores para a

realização de trabalhos comunitários:

"mutirões de limpeza das picadas de se comunicar com o


bairro do Juruvaúva, com o bairro do Artur, tinha mato,
começou a criar mato, as crianças vinham para escola que a
escola era aqui, então a gente marcava o ajutório que a gente
chamava 15, 20 homens pra limpar, todo mundo era meio dia
de serviço limpava lá, outro dia era pra cá, então era um
serviço comunitário a gente fazia e depois além das lavouras
que a gente contou, a gente se organizava sempre em pró de
discutir os problemas que nós tinha na comunidade e isso a
gente vem vindo." (Ezequiel)

A partir do depoimento transcrito acima é possível notar que além dos

trabalhos de ajuda mútua ligados à agricultura, a população de Pedrinhas

também se organizava para solucionar problemas comuns. Esse morador

identifica os trabalhos comunitários acima citados como sendo os primeiros de

uma série que veio depois, como por exemplo a construção e a ampliação do

postinho de saúde do bairro; a construção da escola; a chegada da água

proveniente de uma cachoeira localizada no continente (do outro lado do

canal); a chegada do telefone; a compra da antena repetidora de imagem de tv

e, mais recentemente, a construção da sede da AABP. Vale ressaltar que


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 84

esses trabalhos comunitários foram realizados antes da fundação da

Associação, com exceção dos dois últimos.

3.2.1 A IGREJA CATÓLICA, O PADRE E A ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA

Essa organização em torno de trabalhos comunitários parece ter estreita

relação com a tradição católica do bairro.

Atualmente outras religiões também se fazem presentes em Pedrinhas,

tais como as evangélicas e presbiterianas. Alguns moradores inclusive citam a

entrada de novas religiões no bairro como um dos fatores desagregadores dos

laços comunitários.

A paróquia de Pedrinhas, ligada à diocese de Cananéia, é comandada

há aproximadamente 27 anos, pelo mesmo padre. De origem holandesa, padre

Cristiano se estabeleceu no Vale do Ribeira há cerca de 32 anos. Ao chegar,

dirigiu-se ao município de Iguape, fixando-se posteriormente em Cananéia.

Adepto da teologia da libertação e membro da Comissão Pastoral da Pesca de

Cananéia, busca constantemente estimular a reflexão de seus fiéis com vistas

a despertar-lhes o senso crítico e estimular-lhes a participação nos processos

cotidianos de tomada de decisão.

Um líder comunitário relata ter tido a igreja católica grande influência na

organização da comunidade, por ter estimulado os moradores a discutirem os

problemas da comunidade e a prestarem auxílio uns aos outros. Dizendo ele

mesmo ter aprendido muito sobre organização comunitária a partir de sua

participação “em tudo o que é canto” nos eventos da igreja católica. Durante as

celebrações de São Pedro e de N. S. dos Navegantes foi possível

compreender melhor esta afirmação.

São Pedro é padroeiro da antiga vila e atual bairro de Pedrinhas:


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 85

“(...) então chegou pelo ano de 1937 mais ou menos, foi eles
[os ‘antigos’] correram atrás, que... sentiram a necessidade de
os filhos estudarem, de alfabetizarem, porque já cresceu a
vila, bastante criança já com condições de ter uma escola (...).
E aí veio a professora, começou a dar aula, né, e com o andar
do tempo foi passando uma das professora descobriu que o
núcleo ninguém tinha.... Tinha religião de católico, mas não se
tinha um padroeiro, não se tinha um lugar realmente certo pra
rezar a não ser na escola ou na casa de alguém, que se
rezava só o terço. Então uma vez por mês, depois de muitos
anos, eles conseguiram trazer, uma vez ou outra, uma vez por
ano, o padre pra celebrar missa e... uma das professoras
católicas observaram que o pessoal tava crescendo
praticamente sem uma religião, todo domingo ter a onde ir.
Então ela vendo que era um núcleo de pescador, resolveu
trazer um padroeiro que era São Pedro, porque São Pedro é o
padroeiro dos pescadores, então aí que começou a ter os
culto, as rezas diante do São Pedro e depois, uma vez ou
outra, vinha o padre celebrar missa (...)” (Ezequiel,
depoimento coletado por Hanazaki, 1998).

Até hoje em Pedrinhas há rezas aos domingos na igreja católica, que

são realizadas pelos ‘católicos praticantes em Pedrinhas’. Em algumas

ocasiões o padre Cristiano reza missas e realiza celebrações religiosas no

bairro.

Acompanhemos agora as comemorações do dia de São Pedro que

contou com a presença de cerca de 32 moradores.

3.2.1.1 ANDORES, FLORES E REFLEXÃO

O bairro amanheceu ao som de rojões (código local que anuncia o

acontecimento de algum evento). A igreja foi enfeitada com muitas flores do

lado de dentro e bandeirinhas coloridas do lado de fora. A procissão que de lá

partiu ganhou alguns adeptos durante o percurso retornando à igreja para a

celebração da missa. A caminhada teve início com um canto religioso. Depois

de entoado o canto o padre trazia uma reflexão, em seguida uma oração e


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 86

mais uma reflexão. O canto então era repetido e o ciclo se reiniciava. Durante o

trajeto, a imagem do padroeiro de bairro, São Pedro em um barco, estava toda

enfeitada com flores e era carregada em um andor por quatro homens. Vale

comentar que o som de rojões acompanhou toda a procissão, não por gosto do

padre, mas por iniciativa de um dos líderes comunitários católicos que fazia

questão que todos soubessem do evento.

A reflexão trazida pelo padre Cristiano durante a caminhada era:

“Qual é o meu papel na comunidade? De que forma eu


participo da minha comunidade?” (padre Cristiano, 29/jun/01 –
anotação de caderno de campo)

Durante toda a missa o padre buscava e trazia essa reflexão sobre o

“meu papel na comunidade e como eu estou participando da minha

comunidade”. Transcrevo a seguir alguns trechos de meu caderno de campo,

em que registrei algumas partes do sermão deste frio 29 de junho de 2001.

“(...) a participação por conveniência é um jogo e que,


portanto, não é uma participação sincera, por inteiro e que por
isso não visa de fato o bem estar da comunidade, pois não é
uma participação por amor (...)”

“(...) a época mais democrática do Brasil foi no final da década


de 1960 antes da ditadura militar, mas veio a ditadura militar e
acabou com tudo (...)”

“(...) a democracia no nosso país está falida e por isso a


organização da comunidade é muito importante porque esta é
a expressão da democracia que ainda funciona e se pode
fazer valer, por isso os pequenos projetos são tão importantes
(...) as pequenas ações da comunidade são instrumentos de
participação e o mais importante é participar (...)”

“O jovem de hoje não é preparado para participar, ele é


preparado para estudar e folgar (...) o jovem e a criança
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 87

precisam trabalhar sim, o que o jovem e a criança não podem


ter é um patrão que os explore e que pague os seus salários,
mas o trabalho junto à família deve ser realizado, pois isto é
uma preparação para a participação. Pois é desde pequeno
participando do trabalho da/na família que o jovem e a criança
aprendem a participar. E esta participação tem um reflexo
político na organização da comunidade”.

“(...) é preciso se organizar para poder ser agente da


mudança. As coisas mudam e só está participando aquele que
está engajado, sendo agente da mudança, estar a mercê da
mudança não é participar”.

Em determinado momento o padre fez uma relação entre a falta de fé, a

não-democracia e a não-organização da comunidade. Falou do

desencantamento do mundo realizado pela ciência, a partir de uma crítica ao

ex-governador do Estado de São Paulo Mário Covas e sua “postura laica”, “tudo

tinha que ser laico”, sendo assim o único conhecimento válido passa a ser o

conhecimento científico. Mas nas pequenas comunidades não há cientistas, o

que, portanto desautorizaria a tomada de decisão por parte das comunidades,

pois só o conhecimento científico legitimaria a tomada de decisão. Desta forma

as pessoas passam a não mais acreditar em si mesmas e a esperar que outros

(os cientistas) tomem as decisões, abolindo desta forma a democracia.

O sermão se encerrou com um pedido do padre para que todos orassem

por aqueles que estão enfermos na comunidade, citando a todos nominalmente

independente de seu credo religioso.

Após a missa, acompanhamos padre Cristiano pelo bairro, conversando

a respeito de diversos assuntos. O padre fez duras críticas às atuais

lideranças, que hoje estão na faixa dos 50 anos e ainda estão à frente das

atividades da comunidade. A centralização do poder de decisão por parte

dessas lideranças, segundo ele, matou, sufocou, asfixiou a possibilidade de


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 88

participação dos jovens, que hoje estão entre os 25 e 35 anos de idade. Esses

últimos deveriam estar assumindo as tomadas de decisão, mas no seu

entendimento, se as atuais lideranças abrirem espaço, os jovens que têm hoje

entre 20 e 25 anos ainda podem estar assumido tais atribuições.

Isso se anunciou quando a ex-presidente da AABP assumiu seu

mandato, pois tem cerca de 21 anos e é filha da principal liderança do bairro.

Durante sua gestão, foi legitimada como uma liderança pelos moradores dos

quais coletamos depoimentos, sendo reconhecida como possível representante

política do bairro junto ao poder público municipal, mas cabe aqui questionar se

pela legitimidade de sua liderança ou se pela influência política de seu pai.

“Que os mares lá têm seus encantos ninguém duvida. Já a costa brasileira


centímetro por centímetro faz mais do que isso. Afinal, aqui Yara, Iemanjá, Nossa
Senhora dos Navegantes, todos os Santos e as Sereias fazem casa.”
(Roberto Bürgeo – em “Vida Caiçara”)7

A celebração do dia de N. S. dos Navegantes acontece em Cananéia e

coincide com o aniversário da cidade, que em 15 de agosto de 2001 completou

470 anos.

As comemorações tiveram início com uma barqueata de cerca de duas

dezenas de barcos enfeitados que desfilaram pelo mar pequeno ao longo das

margens da cidade. Um dos barcos levava a fanfarra, a imagem da Santa e o

padre Cristiano, os outros o acompanhavam.

7
“Vida Caiçara” é um CD que o músico e compositor caiçara Carrigo, nascido em Antonina- porção
panaense do Vale do Ribeira, gravou com diversos parceiros ao longo de anos, em que canta a poesia, a
música e a vida caiçara. Roberto Bürgeo é diretor artístico do Estúdio Alma Sintética, onde o CD foi
gravado.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 89

Ao término da barqueata, que era assistida de terra por centenas de

expectadores, a Santa foi desembarcada e levada em um andor em procissão

por Cananéia. Os fiéis enchiam as ruas atrás da Santa enquanto o padre

puxava orações e reflexões.

Iniciou o sermão falando do mar, da imensidão do mar, do mar que dá o

peixe e que leva e traz o pescador de volta para o seu lar. Um mar que está

carecendo de cuidados, pois a poluição e a pesca desmedida estão acabando

com o peixe que sustenta tantas famílias de Cananéia. “Todos nós temos que ser

ambientalistas, pessoas responsáveis e preocupadas com o meio ambiente”, pois

esse mesmo mar que dá o peixe está se transformando em um imenso lixão e

é preciso ter consciência de que “tudo que eu jogo na rua vai para o mar” (padre

Cristiano, 15/ago/01 – caderno de campo).

“O homem peca pela ganância, pela corrida pelo lucro” e isto destrói o meio

ambiente que Deus nos deu. É preciso ter em mente que “nada está acima da

(...) dignidade humana e da participação de todos”. Neste momento, o padre pediu

a todos que orassem para que o coração de cada um dos ali presentes os

convertesse em pessoas responsáveis e preocupadas com o meio ambiente.

Inicia-se uma seqüência de orações que terminam já na porta da Igreja.

Muitos moradores de Pedrinhas, católicos ou não, inclusive muitos dos

jovens, foram à Cananéia prestigiar a festa, pois além das celebrações

religiosas, todos os anos uma grande feira é montada, com muitas barracas

que vendem de bugigangas em geral à bebida e comida, passando por

sapatos, roupas, CDs, ferramentas e utensílios domésticos. À noite uma

queima de fogos de aproximadamente 30 minutos e vários shows de música,

incluindo aí a ‘Caiçara Jazz Band’ animaram a festa.


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 90

3.3 O TRABALHO DE HOJE E DANTES

No tocante à ocupação dos moradores faz-se evidente a presença

marcante do turismo, praticamente todas as famílias residentes em Pedrinhas

têm uma parcela de sua renda mensal ligada a atividades turísticas8, com

poucas exceções.

No entanto, acompanhando o cotidiano do bairro foi possível notar que o

turismo não veio substituir as demais atividades como pesca, roça, fabricação

da farinha de mandioca, caça e extrativismo, ao menos no que se refere à

população acima de trinta anos de idade que pudemos acompanhar. Alguns

autores ressaltam que a população caiçara sempre viveu da combinação de

várias atividades, sendo que recentemente mais uma atividade se incorpora a

estas outras, o turismo (Diegues & Nogara, 1994; Carvalho, 1999; Adams,

2000 e Diegues, 2001). O mesmo já não pode ser dito em relação à população

abaixo dos trinta anos, pois para essa faixa etária as atividades ligadas ao

turismo constituem sua ocupação principal.

A partir do Quadro 4 (p. 129 do presente texto), que mostra, entre outras

coisas, a relação das atividades que compõem a renda mensal dos moradores

que participaram de ao menos uma das Reuniões do Plantio9 (RP), pode-se ter

uma idéia da diversificação das atividades a que estamos nos referindo. As

mulheres, especialmente, têm uma rotina de trabalho bastante diversificada e

intensa. Tivemos a oportunidade de acompanhar mais de perto suas

atividades. Muitas delas ocupam seu dia com idas para "o mato" para coletas

8
Tais como caseiros(as), jardineiros(as), lavadeiras, piloteiros, pedreiros, comerciários(as), comerciantes,
faxineiros(as) entre outras.
9
Durante a presente pesquisa se organizou um grupo de moradores interessados em plantio no bairro de
Pedrinhas, os encontros deste grupo para pensar a retomada de atividades agrícolas denominou-se
Reuniões do Plantio. Para mais detalhes ver capítulos 4, 5 e 6 deste texto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 91

de musgo10 e samambaia11, 'limpeza' e acondicionamento nos caixotes de

madeira, no caso do musgo (fofão), e em 'malas', no caso da samambaia12,

para serem encaminhados à Prefeitura Municipal de Ilha Comprida (PMIC) para

posterior comercialização13.

A maioria das mulheres trabalha como caseira e em alta temporada

dedica mais tempo às atividades ligadas ao turismo, como faxinas, lavagem de

roupas, arrumação das casas, sendo que algumas também são cozinheiras.

Em suas residências, elas são responsáveis pela manutenção da casa, o que

implica fazer faxina, lavar e passar roupa, cozinhar, costurar e também cuidar

dos filhos. Cabe aqui ressaltar que mesmo algumas das que possuem

empregos públicos (e uma comerciante) também se dedicam à extração

vegetal.

Na realização de práticas agrícolas como, por exemplo, as roças de

mandioca, a mulher possui um papel importante, pois os tratos culturais das

roças e o fabrico da farinha ficam a seu encargo.

"(...) de mutirão mesmo eu não participava porque tinha todos


meus filhos pequenos, tinha que tratar dos filhos, depois que
meus filhos ficaram mais grande aí eu (...) fui homem-mulher
pra fazer essas coisas, aí nóis ia lá coisa, roçava nóis mesmo.
Eu, [cita o nome de outras 3 mulheres da comunidade] nóis ia
(...) de manhã cedo a gente se levantava vamo, vamo, se
arrumava e ia pra roça, só vinha hora do almoço, pra fazer
almoço, pra almoçar. E a gente deixava a rocinha tudo já
roçado, depois quando... aquele sol quente, né, aí convidava
novamente (...) nóis ia queimar, depois chovia a gente ia

10
Várias espécies de briófitas são coletadas incluindo Schlotheimia rugifolia, Campylopus lamellinervis, C.
trachyblepharon, Syrrhopodon leprieuirii, Sphagnum recurvum e S. capillifolium (Hanazaki, 2001). Sendo
estes classificados pelos extratores em diversas categorias, entre elas veludo e fofão.
11
Rumohra adiantiformis (Oliveira, 2002).
12
Uma mala corresponde a um maço contendo 60 folhas, organizadas em 6 macinhos de 10 folhas cada,
esses macinhos são nominados malinhas.
13
A prefeitura municipal da Ilha era uma parceira da Associação de Manejadores de Plantas Nativas de
Ilha Comprida – AMPIC. Esta parceria foi rompida em outubro de 2001. Para saber mais cf. Oliveira,
2002.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 92

covariar tudo, com tempo, tudo alegre depois cantava música


(...) enxada, né, pro trabalho e cantar a gente mesmo ia
cortando as rama e já ia semeando e já ia plantando, nós
mesmo... não tinha, não era homem. Quando era o dia de
fazer farinha, nós passava o dia inteiro pra ralar e outro dia pra
fornear, era o dia inteiro. Pegava um saco de farinha e levava
pra casa." (Mariinha, 2ª reunião do plantio)

Em nossas caminhanças nos arredores do bairro de Pedrinhas na

companhia de moradores locais, visitamos algumas de suas roças. O intuito

dessas visitas era identificar moradores que ainda estavam envolvidos com

práticas agrícolas, saber se os trabalhos coletivos de ajuda mútua ainda

aconteciam, conhecer suas roças e averiguar seu interesse em participar das

Reuniões de Plantio.

Cabe aqui ressaltar que as atividades ligadas à agricultura itinerante ou

de coivara, tradicionalmente praticadas por populações caiçaras (Schmidt,

1958; Adams, 2000) são hoje residuais, não só no bairro de Pedrinhas como na

Ilha Comprida como um todo (Hanazaki, 2001). Aqueles que ainda cultivam a

mandioca e/ou o aipim14 o fazem com muita insegurança devido às proibições

advindas da legislação ambiental, vivendo "fora da lei" em seu lugar15.

A dinâmica da atividade agrícola caiçara historicamente estabelecida é

de derrubada e queima, plantio e colheita, sendo que o principal item da roça é

a mandioca, que geralmente é consorciada com outras culturas, tais como

feijão, cana, abóbora, batata doce, café, entre outros. A unidade de produção é

familiar e o trabalho é executado sem qualquer tipo de mecanização, sendo a

foice, o machado e a enxada os instrumentos utilizados para a execução do

14
Chamam de “mandioca” a mandioca brava, que se destina à produção da farinha e seus derivados, e
de “aipim” a mandioca de mesa.
15
Da mesma forma como descreve Furlan (2000) para os caiçaras residentes no interior e entorno do
Parque Estadual de Ilhabela, SP.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 93

plantio; os cestos e balaios, destinados ao transporte da colheita. A fabricação

de farinha realizava-se na casa de farinha, onde também podem ser

encontrados a moenda de madeira para a cana da qual se obtinha o caldo

adoçante, e o pilão utilizado para beneficiar e moer o café e o arroz (Adams,

2000).

Embora desativadas, em sua maioria, são ainda encontradas no bairro

casas de farinha ou "tráficos", conforme denominação local. Mas vale lembrar

que a farinha disponível no comércio local é, vez por outra, proveniente da Ilha,

mas não do Bairro de Pedrinhas.

Foram visitadas cinco áreas de roça, três em atividade e duas em

pousio. As duas áreas em pousio e uma das áreas em atividade localizam-se

sobre sambaquis, ou "casqueiras" como são localmente chamados. Pudemos

perceber que as "casqueiras" são áreas preferenciais para o desenvolvimento

de atividades agrícolas devido à fertilidade do solo ali presente. Além dos

produtos típicos de roça como mandioca, cará, batata, abóbora, cana, etc. as

"casqueiras" também eram utilizadas para o plantio de algumas hortaliças

como alface, cebolinha e cenoura.

Gaspar (2000:28) aponta o freqüente uso de sambaquis no litoral

brasileiro ao longo do tempo como local de cultivos agrícolas, entre outras

atividades. "Após o abandono pelos sambaquieiros, os sítios passaram por

inúmeras intervenções de outros grupos culturais: horticultores fizeram ali suas

roças aproveitando a concentração de matéria orgânica; os colonizadores

portugueses erigiram algumas de suas igrejas e de seus faróis sobre tais

locais, pontos estratégicos para o domínio da paisagem natural e social."


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 94

3.3.1 MUTIRÕES, AJUTÓRIOS E PUJUVAS: O TRABALHO COLETIVO NA


DINÂMICA CULTURAL DO CAIÇARA

Apenas três famílias têm se dedicado ao trabalho nas roças e os

trabalhos coletivos não vinham acontecendo, no entanto, várias pessoas se

mostraram receptivas à proposta de retomada de atividades agrícolas.

A Associação de Amigos do Bairro de Pedrinhas (AABP) está

construindo sua sede social no bairro em terreno próprio. A intenção era de que

a sede fosse construída com a realização de ajutórios, mas devido à baixa

participação dos moradores nessas atividades, optou-se pela contratação de

mão de obra.

Essa pouca participação dos moradores na construção da AABP parece

estar intimamente relacionada com uma crítica do padre Cristiano à

associação, dizendo que esta “se preocupa mais com o turista do que com o

turismo”, apontando que a ação da mesma está mais voltada ao atendimento

das demandas dos turistas em relação ao bairro do que das demandas da

população do bairro em relação ao turismo na sua vida cotidiana.

Faz-se aqui relevante lembrar as colocações de um dos membros-

fundadores da AABP citadas anteriormente neste mesmo capítulo (p. 81),

quando analisa a falta de participação dos moradores que não são nem

católicos e nem batistas nas atividades da Associação, pois indica um outro

fator importante a ser levado em consideração ao se pensar o assunto. Diz

parecer que essas pessoas não se sentem parte da comunidade, como se o

bairro de Pedrinhas em que eles moram fosse diferente do bairro de Pedrinhas

em que moram os membros da AABP, como se “... o pessoal não fizesse parte da

comunidade, como se o mundo deles fosse outro ...”.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 95

Durante a pesquisa foi possível identificar três tipos trabalhos coletivos

de ajuda mútua: mutirões, ajutórios e pujuvas:

"(...) mutirão é trabalhar durante o dia, almoço e depois de


noite baile" (Sirílo – 2a reunião do plantio)

"(...) mas quando tinha mutirão a gente vinha junto, vinha


cavar roça de escorrer água assim pra testa assim, pinga em
cima ainda junto. É, bebia pinga e enxada na areia, enxada na
areia (...) e a tarde vinha que era só cinza da roça, só cinza da
roça, cheio de... nariz entupido de cinza tudo. Aí tomava um
banho e vinha pra cá pegava uma janta e baile de mutirão a
noite inteira. É, mas comia, naquele tempo tinha panela de
carne seca que sobrava até (...)" (Dagoberto – 2a reunião do
plantio)

"(...) além de mutirão tem a palavra pujuva, também é o


mesmo sentido (...) só que mutirão era o dia todo,(...) pujuva
quando era do meio dia pra tarde só, era meio do dia só, então
chamava pujuva (...) tinha festa do mesmo jeito." (Ezequiel –
2ª reunião do plantio)

O ajutório, diferente do mutirão e da pujuva, não tem baile ao final do

dia. Outro depoimento coletado por Hanazaki (1998) aponta que muitas

pessoas faziam ajutório por não possuírem poder aquisitivo para oferecer uma

festa aos que trabalharam. Ainda nesse depoimento, notamos que o dono da

casa que estava promovendo o mutirão oferecia café da manhã; carne seca

com feijão e cachaça no almoço; um lanche à tarde com biju e cuscuz de arroz,

"o arroz com café que o caiçara usa muito, é mistura pra ele" (Ezequiel); e, à noite, o

jantar.

O baile era animado pelo fandango, sendo que uma das ‘marcas’ ou

‘modas’ citada pelos moradores de Pedrinhas foi o "batido" ou "bate pé":


Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 96

"vinha viola caipira pra sala da casa da família e agora vamos


dançar. Aí juntava-se 30/40 homens e 20/30/40 mulheres,
começava 8/9h e ia até 7 horas do dia dançando, trabalhava o
dia todo pra servir o amigo e o amigo em gratidão, a
recompensa dava aquilo" (Ezequiel - Hanazaki, 1998).

Os trabalhos coletivos estão vinculados a uma necessidade de ajuda

mútua imposta pela própria técnica agrícola adotada na agricultura de

subsistência, estando imbuídos de um caráter de solidariedade que determina

a formação de uma rede ampla de relações, que liga os moradores de um

grupo de vizinhança e contribui para sua unidade estrutural e funcional

(Candido, 1964). Representando, portanto, um ponto de união da comunidade,

podendo assim ser utilizado para a identificação coletiva de problemas comuns

e para o encaminhamento de demandas coletivas, atuando, desta forma, na

direção da consolidação de seus direitos (Avanzi, 1998).

Um exemplo disso são os mutirões e ajutórios comunitários, como o

caso da construção do posto de saúde do bairro:

"(...) então nóis sempre costumava fazer ajutório, (...) que nem
ali na parte que é o postinho hoje. Ali era uma bola de mato,
era um... fala a verdade, era um brejão (...) e ai nóis fizemos
nosso ajutório, nós roçamos, derrubamos, limpamos o pátio
todo, tudo em ajutório. Pessoal aqui mesmo da comunidade,
prá depois nóis aterrá e construir o prédio do postinho de
saúde. Tudo nóis reunido, cada um trabalhava um pouco,
cada dia ia um pouco e até que enfim nós conseguimos
chegar onde nóis queria (...) então postinho servindo pra todo
mundo (...)" (Sirílo – 2ª reunião do plantio)

O significado do termo mutirão vem se alterando, passando a substituir o

antigo ajutório. Com isso o valor simbólico dessa prática vem se perdendo,

principalmente pelo seu desconhecimento por parte das gerações mais novas
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 97

(abaixo dos trinta anos de idade), como nos mostra o depoimento de um

morador de 55 anos de idade, que viveu os ‘tempos de mutirão’:

“(...) nossa boa vontade nóis trabalharia em ajutório, como


fala, né, ajutório, mutirão com povo mesmo daqui do lugar, do
bairro (...) e que eu sempre também eu participo de vários que
nem nas festas, festa de junho, que faz o ajutório, sei lá,
mutirão (...) eu sempre, sempre tô nessas desde o começo eu
tô participando até agora e tô pra participar a qualquer hora
(...)” (Sirílo – 2a reunião do plantio).

Mas para os mais velhos falar em mutirão significa falar da festa, do

baile, do prazer de tocar e/ou dançar a noite toda, do momento do encontro, da

fartura de comida sempre presente nesta ocasião. Sendo assim um momento

de contraste com a vida de antigamente, quando a comida era escassa e não

havia luz elétrica ou aparelhos de som. Para que houvesse música alguém

obrigatoriamente teria que tocar. O mutirão era um momento de celebração e

de encontro que acontecia ao som do fandango16. Configurava-se como

importante espaço de sociabilidade das comunidades.

Para além da possibilidade de transformação material da realidade,

nesse caso o trabalho está associado ao lazer, ao prazer de um encontro

festivo.

“Esse negócio de mutirão comecei a trabalhar com 10 anos de


idade cavação de roça, plantio nosso mesmo, nossa...nosso
alimento. Cavando, plantando rama pra tirar mandioca da
terra, feijão, tudo mais, né (...).Se tivesse mutirão hoje em dia
eu ia comer mais carne seca ainda cozida (...)” (Dagoberto –
2ª reunião do plantio).

16
Nesta região utiliza-se a expressão fandango para denominar tanto o baile ou a festa como o tipo de
música que anima diferentes tipos de bailado. De acordo com Cascudo (1972) fandango é conhecido no
Norte e Nordeste do país como marujada ou barca.
Capítulo 3: Pedrinhas, sua gente, suas histórias, festas e modos de vida . 98

“Ezequiel: Nós fomos fazer um mutirão pra terminar um


postinho de saúde, que nem nós temos aqui, tava difícil as
coisas, a prefeitura parada né, (...) tinham material, ai a
comunidade precisava desta ajuda ai, e ai todas as
comunidades... foi dois/três de cada comunidade né, do
município de Cananéia, ai nóis cada um que pode deu uma
ajuda e fizeram a carne seca com feijão como foi contado e
trabalhamos durante o dia todo, né.

Ofélia: Então, enquanto os homens trabalhavam pra lá nós


mulher ficava na cozinha, nossa mas foi um dia gostoso.

Ezequiel: E de noite (...) [vozes falando: forró] fandango, (...)

Ofélia: E não acabava mais o que de comida (...) peixe,


carne(...)

Dagoberto: (...) Tempos de mutirão!

Ofélia: Esse mutirão (...) pela aventura, pela distância né, o


caminho era uma trilha cheio de barro, andava um pouquinho
se suracava todo levantava e ia, foi muita dificuldade pra
chegar até lá. (...)

Matilde: (...) olha eu nunca vi olha, gente sofria mas ói...”.

(2ª reunião do plantio)

O sentido de pertença de que se fala neste trabalho refere-se a ter como

ponto de partida alguma coisa que faz sentido para as pessoas, mas trata-se

de algo que vai além do significado material. É algo simbólico que se soma ao

material e que mobiliza ou deixa de mobilizar as pessoas para participar.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 99

C APÍTULO 4 .

A TRAJETÓRIA DA PESQUISA

D efinir o recorte teórico-metodológico a ser utilizado para a realização

dos trabalhos de campo significa traçar os primeiros rumos a serem seguidos,

dando os contornos iniciais da pesquisa. Momento difícil que nos obriga a fazer

escolhas, pois passar da teoria à prática não é algo corriqueiro. As incertezas

são muitas: Como chegar na comunidade? Como e quando apresentar a

proposta do trabalho? A quais pessoas contatar primeiro? As escolhas feitas

estão sendo coerentes com o referencial teórico adotado? Porém, esse

questionamento não significa que tudo será traçado a priori tendo em vista o

caráter incremental do processo educativo que alimenta esta pesquisa-

intervenção.

Este capítulo destina-se a apresentar a trajetória da pesquisa, trazendo

os encaminhamentos que foram sendo dados a essas e a outras questões.

Partimos do referencial que vem sendo construído pelo Grupo de Educação

Ambiental, buscando aprofundá-lo à medida que o colocamos em diálogo com

as práticas educativas desenvolvidas junto aos moradores de Pedrinhas,

reconstruindo e recompondo assim o próprio referencial.


Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 100

O capítulo apresenta esse aprofundamento teórico-metodológico da

pesquisa, visando expor as etapas do trabalho de campo realizado, sua

dinâmica e finalmente caracterizar os sujeitos desta pesquisa–intervenção-

educacional.

4.1 APROFUNDAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO

A partir do exposto no capítulo anterior, cabe ressaltar que entendemos

ser mais coerente com a proposta deste trabalho a escolha, dentre as

metodologias qualitativas de pesquisa, daquelas que possuem como eixo

central a participação popular e vislumbram a ampliação da consciência por

parte da comunidade a respeito da sua própria realidade.

Thiollent (1986:7) diz que a pesquisa-ação é uma "linha de pesquisa

associada a diversas formas de ação social coletiva que é orientada em função

da resolução de problemas ou de objetivos de transformação". Ele discute

ainda diferenças sobre as expressões pesquisa-ação e pesquisa participante,

que freqüentemente são dadas como sinônimos, dizendo: "Pesquisa-ação,

além da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social,

educacional, técnico ou outro, que nem sempre se encontra em propostas de

Pesquisa Participante".

Em contrapartida, Borda (1990) apresenta a Pesquisa Participante como

sendo uma pesquisa que busca auxiliar grupos populares na resolução de

problemas enfrentados procurando sempre contribuir com a ampliação da

consciência das bases sociais a respeito de sua realidade, bem como valorizar

o conhecimento popular, tendo na reflexão das ações realizadas um importante

instrumento. Viezzer & Ovalles (1995:52) descrevem a Pesquisa Ambiental

Participante (PAP) como sendo capaz de "gerar na comunidade afetada um


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 101

processo de autodiagnóstico ou autoconhecimento, afim de que seus membros

não só fiquem conscientes do problema, mas que conheçam as causas

responsáveis e procurem soluções".

Este trabalho desenvolve-se como uma pesquisa-intervenção1 junto à

comunidade de Pedrinhas, sendo que o que estamos chamando de

intervenções são ações planejadas com vistas a desencadear uma reflexão.

Tassara (1996) nos fala que estudos de intervenções caracterizam-se pela

descrição, análise e avaliação do desempenho da intervenção sobre o sistema

social de modo a dar suporte crítico às ações realizadas. Tais ações visam

solucionar um determinado problema social identificado, o que por sua vez,

permite esquadrinhar um futuro diferente.

“Suas expectativas, como estudos científicos, são a de vir a


contribuir para uma maior compreensão dos processos
subjacentes às ações de planejar, ações essas inseridas ou
não no bojo da pesquisa-ação, desenvolvidas no contexto
social e pensadas como um meio de perscrutar o futuro”
(Tassara, 1996:57-58).

Outro ponto importante a ser comentado refere-se ao fato de que uma

pesquisa-intervenção busca gerar conhecimento sobre o processo deflagrado e

que tanto este como o pesquisador que o estuda estão inscritos em um

processo histórico-social que não pode ser desconsiderado.

A intencionalidade e planejamento das ações empreendidas na direção

da modificação de uma determinada situação social são elementos

fundamentais de uma intervenção, porém é importante destacar que a

subjetividade humana influencia fortemente todo o processo.

1
O termo pesquisa-intervenção que aqui utilizamos baseia-se nas colocações de Tassara (1996) quando
apresenta problematização sobre projetos de “pesquisa de e em intervenção social”.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 102

“as configurações assumidas pelos programas de intervenção


são condicionadas também por outros fatores da esfera
subjetiva que, através de mecanismos difusos, influenciam as
elaborações desenvolvidas sobre os problemas de
desempenho a se enfrentar, a impostação das questões, a
ênfase crítica e outras” (Tassara, 1996: 59).

O trabalho foi realizado a partir da combinação de diversos métodos

qualitativos de pesquisa que apresentam como características: o fato de ter o

ambiente como sua fonte direta de dados e o(a) pesquisador(a) como principal

instrumento; os dados serem predominantemente descritivos; o “significado”

que as pessoas dão as coisas e à sua vida são focos de atenção especiais

para o(a) pesquisador(a), o que não implica a inexistência de um quadro

teórico que oriente a coleta e análise dos dados e nem a exclusão de análises

quantitativas, quando estas forem pertinentes (André & Lüdke, 1986).

Outra característica da pesquisa qualitativa é sua ênfase no processo,

de acordo com André & Lüdke (1986), o interesse do pesquisador ao estudar

determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos

procedimentos e nas interações cotidianas. Em virtude disso, esta pesquisa

realizou-se sob a perspectiva do planejamento incremental articulado, uma vez

que este considera que as alterações acontecem passo a passo e que os

objetivos só são atingidos através de um processo de aprendizado

participativo, em que as ações das partes envolvidas sofram mudanças no

sentido da colaboração e se organizem em torno de objetivos comuns (Costa,

1986).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 103

4.1.1 AS FASES DA PESQUISA-INTERVENÇÃO

Ao todo foram realizadas 13 (treze) idas a campo, com uma duração de

aproximadamente seis dias cada, 19 (dezenove) contatos telefônicos2, exibição

pública de dois filmes no bairro e um seminário de apresentação das pesquisas

realizadas por pesquisadores e pesquisadoras dos componentes “Intervenções

e Educação Ambiental” e “Usos” do projeto “Floresta e Mar”, totalizando 22

(vinte e dois) meses3 de trabalho de campo. Nesse período foi feito o

aprofundamento do pré-diagnóstico realizado para a elaboração da proposta

inicial deste projeto, a formação do grupo local de trabalho e o início das

intervenções com as exibições públicas de filmes, realização de "Reuniões de

Plantio", ajutórios com e sem a presença da pesquisadora, telefonemas feitos e

recebidos pela pesquisadora, além do seminário supracitado.

O aprofundamento do pré-diagnóstico durou cerca de cinco meses e

contou com observação de costumes, problemas ambientais existentes,

organização social do bairro, levantamento dos moradores caiçaras que

atualmente desenvolvem práticas agrícolas, identificação dos moradores

caiçaras que deixaram de praticar agricultura e verificação de como e onde

estão ocorrendo trabalhos coletivos no bairro. Essa etapa teve início com um

mergulho etnográfico que possuía o objetivo de conhecer a comunidade de

Pedrinhas captando seus signos, sorvendo suas regras, desejos e desavenças,

procurando conhecer melhor sua cultura e sua realidade, lançando sobre ela

2
Destes 19 telefonemas 4 foram recebidos pela pesquisadora e os 14 restantes realizados por ela.
3
É importante destacar que ao longo destes 22 meses o trabalho da pesquisadora junto ao GP não foi
contínuo. O mergulho etnográfico deu-se nos 5 primeiros meses, seguidos de 7 meses de intervenções.
Houve 4 meses de interrupção das idas a campo. Na retomada foram realizadas entrevistas de avaliação,
seguidas de mais 6 meses de intervalo. Como atividades finais do trabalho de campo houve a realização
do “seminário de Pedrinhas” e da sétima reunião do Plantio - verificar Quadro 2 (p.111 deste texto) e
Quadro 5 (nos Anexos).
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 104

um olhar atentamente distraído, estando em sintonia com Geertz (1989) para

quem fazer etnografia significa enfrentar:

"uma multiplicidade de estruturas conceituais complexas,


muitas delas sobrepostas ou amarradas uma às outras, que
são simplesmente estranhas, irregulares e inexplícitas e que
(...) [quem a pratica] tem de alguma forma, primeiro apreender
e depois apresentar. (...) É como tentar ler (no sentido de
'construir uma leitura de') um manuscrito estranho e
desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas
e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais
convencionais do som, mas com exemplos transitórios de
comportamento modelado". (Geertz, 1989:20).

Com base nas colocações expostas acima, iniciamos uma imersão nas

atividades cotidianas de vários moradores do bairro. Esse acompanhamento se

deu em andanças pelo "mato", para usar a expressão local; em refeições

compartilhadas nas casas dos moradores ou no "alojamento da pesquisadora";

no acompanhamento de atividades de extração vegetal; em encontros casuais

pelas ruas, na padaria, no bar, na praia, no posto de saúde; em visitas as

casas de moradores ou recebidas pela pesquisadora; convites para cafés, na

reunião de moradores e turistas durante a exibição pública de dois filmes, entre

outros.

A fim de realizar o mergulho de cunho etnográfico proposto foi utilizada a

´observação participante´. O uso dessa técnica requer alguns cuidados,

enunciados por Lüdke & André (1986) e Haguette (1987).

Lüdke & André (1986:30) colocam que "(...) o observador coleta dados

buscando sempre manter uma perspectiva de totalidade, sem se desviar

demasiado de seu foco de interesse. Para isso, é particularmente útil que ele

oriente a sua observação em torno de alguns aspectos, de modo que ele nem
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 105

termine com um amontoado de informações irrelevantes nem deixe de obter

certos dados que vão possibilitar uma análise mais completa do problema". As

autoras citam ainda Bogdan & Biklen (1982)4 ao colocar que as anotações de

campo devem conter uma parte descritiva e outra reflexiva.

Tomando como base a definição de Schwartz & Schwartz (1955)5,

considerada por Haguette (1987:73) a mais completa das que analisou, a

autora destaca que a) “(...) a observação participante tem por finalidade a

coleta de dados; b) o papel do observador (...) pode ser revelado ou encoberto,

formal ou informal, parte integral ou periférica quanto a estrutura social; c) (...) o

tempo necessário para que a observação se realize [é variável, podendo] (..)

acontecer tanto em um espaço de tempo curto como longo; d) chamam a

atenção para o papel ativo do observador enquanto modificador do contexto e,

ao mesmo tempo, como receptáculo de influências do mesmo contexto

observado".

A observação participante que realizamos procurou desde o início dos

trabalhos esclarecer o papel da pesquisadora junto aos moradores, como

sendo de facilitadora/animadora do processo relacionado ao Grupo do Plantio.

Outra técnica que auxiliou o desenvolvimento do mergulho etnográfico

foi a de ´histórias de vida´. Utilizada com a finalidade de incrementar a coleta

de dados, esta técnica facilitou a compreensão do histórico de ocupação e

transformação do bairro, dos valores atribuídos pelos moradores de Pedrinhas

aos trabalhos coletivos, da dinâmica do bairro etc. As histórias de vida podem

ser enfocadas de pelo menos duas diferentes maneiras, segundo Haguette

4
Bogdan, R. & Biklen, S. K.. Qalitative Research of Education. Boston, Allyn and Bacon, 1982.
5
Schwartz, M. & Schwartz, C. G.. Problens in Participant Observation. In: McCall, G. J. & Simmons, J. C.
(orgs). Issue in Participant Observation, a text and Reader. Massashusetts, Addilson-Wesley Publishing
Company, 1969.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 106

(1987:79-82), como documento ou técnica de captação de dados. Essa técnica,

de acordo com a mesma autora, é muito eficiente para fornecer sentido à

noção de processo, sendo capaz de captar o "processo em movimento",

estando “preocupada com a fidelidade das experiências e interpretações do

ator [social] sobre seu mundo”.

Cabe aqui ressaltar a importância da chegada ao campo ter sido

acompanhada de outros dois pesquisadores, que também desenvolviam

trabalhos no local, pois, uma vez que esses pesquisadores já haviam

construído relações de confiança com os moradores, nossa chegada foi

imensamente facilitada.

O próximo passo foi a formação de um "grupo de trabalho dos

interessados em plantio". Foi possível constatar que a roça era uma demanda

de muitos no local, dessa forma o que se tratava de uma informação coletada

em fontes secundárias (pesquisas realizadas no local), passou a ser a

possibilidade concreta de um trabalho a ser realizado. Essa etapa durou cerca

de sete meses e teve início na fase de aprofundamento do pré-diagnóstico,

mais precisamente logo no primeiro campo, quando duas mulheres abraçaram

a idéia de estarmos pensando conjuntamente em uma forma de realizar

atividades de plantio.

O primeiro contato com essas mulheres, como já mencionado

anteriormente, foi realizado por meio de pesquisadores que já desenvolviam

estudos no bairro. A reação primeira de uma delas foi de desconfiança frente a

presença da pesquisadora. Durante as conversas naquele encontro perguntou

várias vezes, no meio da prosa, se os pesquisadores ali presentes eram do


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 107

IBAMA ou se eram “florestal”6, tendo sempre como resposta bem humorada

que não tinham vínculo com nenhum desses dois órgãos, mas sim com a

universidade. Nos dias que se seguiram, aquelas perguntas voltaram a ser

pronunciadas, entremeio às atividades que desenvolvíamos no bairro, embora

com uma freqüência muito menor. A confiança foi sendo tecida aos poucos.

Desde o início das idas a campo, a proposta foi estarmos reunindo

pessoas que estivessem interessadas na realização de atividades agrícolas

para formarmos um grupo e a partir disso, plantar. Iniciamos assim

(pesquisadora e moradores) um levantamento no bairro de quem gostaria de

integrar este "Grupo de Plantio" (GP). A mesma mulher, que inicialmente

demonstrou desconfiança, assumiu um papel de articuladora do ´grupo´, dando

início a uma enquete com os moradores que encontrávamos:

"Você plantava né? Não planta mais? E se fosse pra nóis voltá
a plantá, você achava bom?" (Matilde, caderno de campo,
out/2000).

A partir disso, a notícia de que havia alguém de fora, procurando reunir

pessoas que tivessem interesse em plantar para iniciar um trabalho de

retomada de atividades agrícolas, foi sendo divulgada por essas mulheres às

pessoas mais próximas, causando um misto de curiosidade movida por um

interesse na proposta e, ao mesmo tempo, desconfiança. Com o convívio, a

desconfiança de alguns foi sendo diluída e a idéia ganhando novos adeptos.

Nessa fase de formação do grupo foi fundamental a aprovação da

proposta por parte do poder público municipal, representado pelo prefeito do

município, e o apoio do líder comunitário do bairro e diretor do Departamento

6
Fazendo alusão à polícia ambiental, na época nominada polícia florestal.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 108

de Ecologia e Pesca da PMIC. Relações de confiança mútua foram sendo

tecidas ao longo de todo o processo, tendo especial importância na fase de

formação do GP. Aos poucos fomos sendo apresentadas às roças de alguns

moradores, eram duas roças ativas e duas áreas em pousio.

Durante a etapa de aprofundamento do pré-diagnóstico, sempre que

possível, apresentávamos a proposta do trabalho e fazíamos aos moradores

um convite para que participassem de um grupo que planejaria a retomada de

atividades agrícolas de acordo com o interesse de cada um e com as

possibilidades conjuntamente vislumbradas. Vale ressaltar que os moradores

passaram a se entender como um grupo, o ‘Grupo do Plantio’, depois do

primeiro ajutório de limpeza do terreno, ou seja, após o início das atividades

concretamente ligadas à agricultura. Esse primeiro ajutório aconteceu após a

realização da terceira reunião, portanto, estamos considerando que as duas

primeiras reuniões do plantio fazem parte desse período de formação do grupo

de trabalho.

Durante esse período de formação foram também realizadas duas

exibições públicas de filmes no bairro, uma em janeiro e outra em fevereiro de

2001, ambas aconteceram com o envolvimento de uma colaboradora do Grupo

de EA7. Os filmes traziam a temática histórico-sócio-cultural-ambiental de duas

regiões distintas do país, Vale do Ribeira8 e Vale do Jequitinhonha9,

respectivamente. Após as exibições promovemos debates a respeito dos

filmes, buscando despertar uma discussão a respeito das condições de vida

local e provocar uma reflexão a respeito dos desejos dos moradores de

7
Junqueira, 2002.
8
O Rio Ribeira de Iguape (vídeo). Direção de Mario Kuperman. 2000. 30 min..
9
Eva-Vicente (filme). 16 mm. Direção de Fernando Passos. 1988. 10 min..
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 109

Pedrinhas sobre o futuro do bairro e das condições de vida futura de cada um.

A segunda exibição de filme ocorreu alguns dias antes da primeira

Reunião do Plantio. Antes que a exibição se iniciasse foi feita uma

apresentação pública dos objetivos deste projeto e um convite também público

a todos os moradores do bairro, que de alguma forma se interessassem ‘em

plantio’, a participar da reunião que iria acontecer dali a três dias.

As intervenções tiveram início com a exibição do filme “O Rio Ribeira

de Iguape”. Como dito anteriormente, o que chamamos aqui de intervenções

são ações planejadas com vistas a desencadear a reflexão, tendo como

premissa a práxis (ação-refelexão-ação).

A práxis é compreendida por Gadotti & Gutiérrrez (1993) como a

combinação do trabalho manual com o trabalho intelectual, de instrumentos

produtivos com a comunicação e a organização políticas, visando despertar

nas comunidades sua capacidade de enfrentamento de problemas comuns.

Essas colocações somam-se às de Gutiérrez Perez (1994:125) quando diz que

“a reflexão comunitária da própria prática se constitui no momento clímax e

desencadeador do processo educativo”, o que vem a reforçar as colocações de

Vázquez (1968:198) quando este diz que a práxis se dá quando a ação

humana transformadora está associada ao aprendizado: "(...) na práxis

produtiva o homem se produz, forma ou transforma a si mesmo".

Os trabalhos do GP foram compostos por três atividades básicas:

reuniões (com e sem a presença da pesquisadora), ajutórios semanais e dia de

trabalho das duplas, não havendo nenhum tipo de registro dessa última

atividade. Foi acordado em reunião que as duplas se revezariam para realizar

os tratos culturais necessários à manutenção da horta.


Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 110

Podemos dividir o processo vivido pelo GP em duas fases: a 1ª fase foi

aquela acompanhada pela pesquisadora ao longo deste estudo, tendo sido por

ela animada nesse período. Nessa fase os registros foram feitos pela

pesquisadora em caderno de campo, em cartazes elaborados durante as

reuniões, em entrevistas de avaliação do processo vivido e através de

gravações em fita cassete das reuniões do plantio. A 2ª fase foi aquela

acontecida após o término dos trabalhos de campo, compreendida portanto

como um desdobramento das atividades realizadas nesta pesquisa.

No total foram realizadas 7 (sete) reuniões do Grupo do Plantio e 17

(dezessete) ajutórios, sendo dois deles com a presença da pesquisadora (um

primeiro ‘de limpeza do terreno’ – capinação e um segundo com a participação

de um consultor/agricultor de Cananéia, que possui experiência de cinco anos

de cultivo orgânico de hortaliças e sistemas agroflorestais). Dos 19 (dezenove)

contatos telefônicos ocorridos no período, quatro foram recebidos pela

pesquisadora de um dos membros da ´comissão do plantio´. Houve também

um evento de apresentação de pesquisas ligadas ao projeto temático ”Floresta

e Mar” nominado Seminário de Pedrinhas. As reuniões aconteceram na escola

do bairro em data e horário determinados pelo grupo, com exceção da primeira,

cuja data e horário foram definidos pela pesquisadora a partir de consultas

realizadas a alguns dos já declarados interessados em plantio.

O Quadro 2 abaixo apresenta resumidamente todas as atividades

realizadas pelo GP, desde o início desta pesquisa, que foram formalmente

registradas: descrição de atividades, lista de presença, cartazes elaborados

durantes as ‘reuniões do plantio’ - desenhos ou anotações, transcrição de fitas

ou registro fotográfico. Existiram outras atividades realizadas pelo GP que, no


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 111

entanto, não têm registro formal. De acordo com depoimentos de seus

integrantes, desde o início das atividades foram realizados ajutórios semanais

regulares, salvo os dias de muita chuva.

QUADRO 2: ATIVIDADES DO GP QUE TÊM REGISTRO FORMAL

Presença (P) ou ausência (A) Nº de


Nº de famílias
Data Atividade da pesquisadora durante a moradores
participantes*
atividade participantes*
Fev/01 1a reunião do plantio P 5 5
a
Abr/01 2 reunião do plantio P 14 11
a
3 reunião do plantio P 11 8
Mai/01 I ajutório de limpeza do terreno P 13 10
II ajutório A ? ?
Reunião realizada pelos
integrantes do GP para realizar
A ? ?
divisão de tarefas referentes ao
cercamento da área da horta

Jun/01 III ajutório – confecção de leiras


A ? ?
e corte de madeira para a cerca
Primeira semeadura A 2 2
IV ajutório – colocação da cerca A ? ?
V ajutório – nova capina A ? ?
a
Jul/01 4 reunião do plantio P 9 8
a
Ago/01 5 reunião do plantio P 7 6
a
6 reunião do plantio –
consultoria do agricultor de P 15 13
Cananéia
VI ajutório – consultoria do
Set/01
agricultor de Cananéia
P 7 7
(algumas plantas foram
semeadas)
VII e VIII ajutórios A 8e8 7e7
IX, X, XI, XII, XIII ajutórios A 3, 7, 5, 8, 4 3, 7, 5, 7, 4
Out/01
Segunda semeadura A 5 5
Nov/01 XIV, XV, XVI, XVII ajutórios A 4, 3, 5, 5 4, 3, 5, 5
Entrevistas individuais de
Jan/02 P 4 4
avaliação
Seminário de Pedrinhas P 150** ?
Jul/02 a
7 reunião do plantio P 10 10
* os pontos de interrogação (?) indicam informações incompletas. ** estimativa feita a partir de contagem dos presentes
realizada durante o evento.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 112

Para a realização dessas atividades, foi de suma importância o

envolvimento direto (no campo) de outras pesquisadoras do Grupo de

Educação Ambiental - Alik Wunder, Maria Rita Avanzi, Vivian Gladys de

Oliveira e Rita de Cássia Nonato - e o envolvimento indireto (reflexões teóricas

e metodológicas) de Érica Speglich e Caroline Ladeira de Oliveira e das

pesquisadoras supracitadas que integram o componente "Intervenções e

Educação Ambiental" do Projeto Temático "Floresta e Mar".

As muitas idas coletivas a campo foram de grande relevância, pois

nesses momentos exercitávamos o que Denzin & Lincoln (1994) e Janesick

(1994) chamam de triangulação, não só de dados mas também de

pesquisadoras, uma vez que era possível refletir coletivamente sobre os

acontecimentos, compartilhando diferentes olhares capazes de captar outros

ângulos do ocorrido.

Denzin10 (1970 apud André & Lüdke, 1986: 52 e Diniz,1999: 72-74)

propõe esta técnica da triangulação para a validação de dados qualitativos e

descreve várias formas de triangulação, tais como: a triangulação de métodos,

a triangulação de teorias, a triangulação de dados, a triangulação de

pesquisadores e a triangulação múltipla. Denzin & Lincoln (1994:2) retomam o

tema para esclarecer que o uso da triangulação ou de múltiplos métodos

constitui-se em um caminho para assegurar em profundidade o entendimento

do fenômeno em questão, embora a realidade objetiva nunca possa ser

capturada.

Janesick (1994) cita as formas de triangulação propostas por Denzin e

propõe mais uma outra, a triangulação multidisciplinar.

10
Sociological methods: a sourcebook. Chicago: Aldine, 1970.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 113

Patton11 (1990 apud Diniz, 1999) define a triangulação como a

combinação de metodologias no estudo do mesmo fenômeno; podendo ser

usados vários tipos de métodos ou dados, incluindo abordagens qualitativas e

quantitativas quando estas forem pertinentes aos objetivos da pesquisa.

Durante as ´reuniões do plantio´, bem como nas entrevistas semi-

estruturadas de avaliação, foi usada a técnica denominada “debates

organizados”. Segundo Demo (1995:26) o objetivo da organização do diálogo é

a auto-avaliação, pois “a avaliação que não é em essência auto-avaliação não

atingiu densidade qualitativa, no sentido de expressar a qualidade da

participação”. Considerando três procedimentos possíveis ao pensar sobre

avaliação qualitativa de processos participativos: a) conversar, bater papo,

estar junto (conivência); b) participar da vida comunitária (vivência) e c) assumir

o projeto político da comunidade (identificação ideológica), Demo aponta para a

possibilidade de aprofundamento de cada um desses procedimentos através

dos diferentes níveis de diálogo, provindo do aprofundamento de discussões

críticas e autocríticas, em nível individual ou coletivo. Ainda segundo o autor,

“momentos de auto-avaliação podem ser muito aprofundados através de

debates comunitários, nos quais todos se expressam sob a validade da

associação” (p.26).

Vale ressaltar que as entrevistas de avaliação realizadas com

integrantes do GP ocorreram depois de transcorridos 12 (doze) meses do início

das intervenções, e objetivavam avaliar o processo vivido individual e

coletivamente, bem como compreender o olhar que lançavam sobre o

processo. As ´reuniões do plantio´ aconteceram com um intervalo de tempo de

11
Qualitative evaluation and research methods. London:SAGE, 1990.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 114

cerca de 40 (quarenta) dias uma da outra, sendo a única exceção a sétima, e

última, que teve um intervalo de aproximadamente 10 (dez) meses.

4.1.2 OUTROS ELEMENTOS DESTA PESQUISA-INTERVENÇÃO

Ao discorrer sobre a Pesquisa Participante, Borda (1990) aponta seis de

seus princípios metodológicos. Aqui gostaríamos de destacar o que o autor

chama de “restituição sistemática” que entendemos estar presente, em parte,

nas reuniões do plantio e nos ajutórios realizados com a pesquisadora e com o

consultor/agricultor orgânico. Nas reuniões, vimos a restituição sistemática pois

elas sempre se iniciavam com uma recapitulação do ocorrido na reunião

anterior e também pelo uso de diferentes técnicas que visavam construir o

processo com base nas experiências dos moradores do bairro12, buscando sua

reflexão sobre esse processo. Cabe colocar que a cada nova ida a campo

cenas da comunidade eram fotografadas, bem como as reuniões e ajutórios, e

que na ida seguinte as fotos eram exibidas àqueles que eram visitados e/ou

encontrados pela pesquisadora com o intuito de gerar uma reflexão sobre os

momentos ali registrados imageticamente.

Podemos dizer que no Seminário de Pedrinhas houve também uma

restituição de elementos históricos e culturais à população, embora não de

forma sistemática, a partir da decoração realizada exclusivamente com

artefatos da cultura local, como canoa à vela, pilão, arapuca, covo, fogão a

lenha, rede de pesca tecida com fibra vegetal, maquete de mundéu etc. Os

convidados circularam entre objetos que um dia foram utilitários para todas as

12
Um exemplo disso foi a elaboração do ´Estatuto do Plantio´, cujas regras foram pensadas pelos
moradores com base em suas próprias experiências. Contudo, cabe colocar a existência de lacunas neste
mesmo estatuto, que mereceria ter sido revisitado e aprofundado/detalhado.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 115

famílias do bairro. Os mais velhos mostravam e explicavam aos mais novos

(filhos e/ou netos) como e para que eram usados.

Os “comes” compuseram-se de duas iguarias da cultura caiçara: bolo de

roda e cuscuz de arroz. Uma exposição de fotos trouxe elementos culturais do

bairro e do processo vivido junto ao GP e, finalmente, a exibição de um filme13

protagonizado por moradores mais velhos contando e mostrando partes da

´vida no tempo dos antigos´.Durante a exibição do vídeo netos reconheciam os

avós na tela e estes contavam a todos como era a ‘vida de antigamente’, antes

da luz elétrica, da estrada, do telefone, do turismo. Falavam sobre a vida que

se desenrolava em sintonia com os ciclos naturais, pois deles dependiam

quase que exclusivamente. Apresentavam parte das técnicas e tecnologias

disponíveis na época, que foram construídas ao longo dos tempos e que eram

transmitidas de geração para geração, contavam como se relacionavam com o

ambiente e mostravam seu grande conhecimento a este respeito. Os temas

eram variados, pois cada um dos protagonistas era um especialista: Sr. Artur

falava da pesca, Sr. Juvenal da construção de canoas, Sr. Sebastião das festas

e músicas populares da região com o som de sua rabeca, e a Sra. Josefina dos

inúmeros partos que realizou e como cuidava das mulheres depois do

nascimento dos bebês.

Após a exibição do filme, o evento passou a ser animado pela rabeca do

Sr. Sebastião que tocava diferentes modas de fandango (músicas e danças

típicas da região) acompanhado por dois filhos e outros dois músicos do bairro.

13
Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada (vídeo). Direção e roteiro de Kellen Junqueira.
Campinas, Instituto de Artes da UNICAMP, 2002. 20 min..
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 116

Alguns dançavam e relembravam os tempos dos grandes bailes na

comunidade e na região, outros se revezavam para tocar pandeiro e triângulo.

Naquele momento, estavam reunidas quatro gerações da comunidade

caiçara de Pedrinhas, que têm vivências de momentos históricos distintos.

Dialogavam deixando claro, ao menos para os olhos mais atentos, quais eram

seus valores constituintes e de que maneira eles se expressam. É inegável a

presença de valores urbanos, sobretudo nos mais jovens, mas também se faz

bastante evidente que outras formas de ler o mundo estão vivas, configurando

uma hibridização das relações entre passado e futuro no presente.

Com esses procedimentos, buscávamos dialogar com algumas das

propostas trazidas por Borda (1990) quando aponta para a importância de uma

restituição enriquecida do conhecimento da população local (especialmente da

história local e dos acontecimentos históricos) para própria população, uma vez

que isto pode possibilitar-lhes “novos níveis de consciência política” porém

“esse retorno da cultura não pode ser feito de qualquer modo: deve ser

sistemático e organizado, e sem arrogância intelectual” (p. 51). Para tanto o

autor destaca quatro regras específicas: 1. Comunicação diferencial; 2.

Simplicidade de comunicação; 3. Auto-investigação e controle e 4.

Popularização da técnica.

A primeira regra dessa técnica consiste em devolver/restituir os materiais

históricos e outros “de forma adequada e adaptados de acordo com o nível de

desenvolvimento político e educacional dos grupos de base que forneceram a

informação, ou com quem o estudo foi realizado”, mas sem que essa

adequação seja feita exclusivamente ao nível das lideranças que geralmente

possuem um nível mais avançado. Assim sendo, Borda sugere que o material
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 117

seja primeiramente publicado em “nível 1 de comunicação”, ou seja, histórias

em quadrinhos bem ilustrados, fotos, slides, gravações ou tapes, música,

teatro, curtas-metragens com atores autóctones etc. O próximo passo seria a

publicação de materiais em ”nível 2“ (com acréscimo de pequenos textos) e

finalmente em “nível 3”, em que os mesmos temas seriam abordados de forma

teórica mais geral levando em conta os contextos nacional e regional, o que

possibilitaria um envolvimento da população de forma geral na discussão da

problemática em questão.

A segunda regra, Simplicidade de comunicação, refere-se à divulgação

dos resultados da pesquisa em linguagem simples, acessível a um público

mais amplo que o acadêmico, o que pode levar a algum tipo de

experimentação uma vez que pede um novo formato de apresentação.

Auto-investigação e controle, a terceira regra, diz respeito ao estímulo ao

“autopesquisar-se” da população e a divisão do controle da investigação com

os grupos de base, pois deve-se levar em conta os anseios e necessidades

dos grupos sociais no desenrolar da pesquisa e não apenas os do(a)

pesquisador(a), rompendo assim a assimetria existente entre objeto e sujeito

da pesquisa.

O quatro item, Popularização da técnica, refere-se ao reconhecimento

das técnicas mais simples de pesquisa e torná-las acessíveis aos grupos de

base, procurando romper sua dependência dos intelectuais e possibilitar que

realizem suas próprias pesquisas.

O aparelho telefônico configurou-se como importante instrumento para

realização da pesquisa. Vale lembrar que foram realizados 19 contatos por

esse meio e que quatro desses telefonemas foram recebidos pela


Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 118

pesquisadora. O telefone é algo relativamente novo em Pedrinhas, sendo

inclusive apontado por alguns moradores como elemento ‘distanciador de

relações’ uma vez que as pessoas passaram a se telefonar ao invés de irem as

casas umas das outras, o que, conseqüentemente, diminuiu a possibilidades

de encontros casuais pelas ruas e caminhos do bairro.

Por outro lado, o contato telefônico nos permite estar distantemente

presentes. No caso desta pesquisa, o telefonema foi utilizado como técnica que

permite monitorar acontecimentos à distância. Pensando nas transições

apontadas por Espinosa, acreditamos que este tipo de contato ‘virtual’, pode se

constituir de importante técnica de auxílio destas transições (imaginação Æ

razão; encontros passivos Æ encontros ativos), uma vez que permite um

distanciamento do agente externo e ao mesmo tempo uma possibilidade rápida

e pontual de contato entre este agente e o grupo envolvido, visando facilitar a

transição da causalidade externa para causalidade interna.

Outro ponto que merece ser aqui comentado refere-se às dificuldades

enfrentadas por aqueles que optam por realizar avaliações qualitativas são

várias, sobretudo quando se trata da avaliação qualitativa de processos

participativos em uma dissertação de mestrado. Demo (1995:34) aponta três

destas dificuldades: 1) "o fenômeno participativo não é de curto prazo, já que

sua profundidade exige um conveniente processo de formação”, 2) "a vivência

participativa do avaliador, também não cai do céu por descuido, mas exige para

além de conhecimento teórico exaustivo, prática persistente, paciente, crítica e

cuidadosa" e 3) não transformar o avaliando em objeto, mas torná-lo

consorciado desta mesma tarefa política.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 119

Contudo o autor admite que "cuidados qualitativos", para usar sua

própria expressão, são obtidos com maior facilidade quando o pesquisador se

esforça por tratar a comunidade com respeito, devolvendo-lhe os dados

colhidos, convivendo certo tempo com ela, facilitando o processo de formação

política, entre outros. Vale lembrar que fomentar o processo de formação

política não significa que o pesquisador precise adotar o projeto político da

comunidade. E é importante que o posicionamento do pesquisador a este

respeito fique claro desde o princípio.

Cabe ressaltar que as dificuldades acima apontadas, de acordo com o

mesmo autor, não podem ser enfrentadas apenas com boas intenções, com

pressa, com vôos rasantes, pois não é difícil criar um arremedo de

participação, onde o próprio pesquisador assume a condução da comunidade,

"decidindo de cima para baixo, recriando mais do que nunca a condição de

objeto (...). Participação não se produz por atacado ou se multiplica como

grama. Existe nisso tanto um raio importante de sua postura alternativa, quanto

também uma limitação metodológica. Assim, quem deseja uma avaliação

qualitativa não busca um fenômeno de grande porte em termos extensivos,

mas prefere a aplicação a grupos menores, a comunidades pequenas, a

instituições com tamanho facilmente contornável" (Demo, 1995:35-36).

Em consonância com estas colocações, Silveira (2001:9) faz uma

importante ressalva ao uso de metodologias participativas em projetos da área

ambiental, pois “implicam geralmente um jogo de cartas marcadas, as decisões

a serem tomadas participativamente restritas a um pequeno leque de

possibilidades, em geral relacionadas à inclusão dos moradores na economia

de mercado de modo sustentável, sob a égide da geração da renda”.


Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 120

Uma vez que as reuniões do plantio tinham o intuito de se constituir

como um espaço de locução tendo em vista o aprendizado da participação e

não o uso do discurso participativo como estratégia de cooptação dos

moradores, a realização desses encontros do GP contou sempre com cuidados

metodológicos, tendo em vista justamente evitar a armadilha apontada acima

por Silveira (2001) e Demo (1995). Foram eles:

a) Iniciar todas as reuniões com uma recapitulação dos


encaminhamentos e dúvidas surgidas na reunião anterior;
b) fechar a pauta de cada reunião no início de cada encontro para
acolher os assuntos considerados importantes pelos participantes e
pela pesquisadora;
c) garantir que todos tivessem acesso ao uso da palavra;
d) estimular que todos se colocassem durante as reuniões;
e) anotar em cartaz todas as colocações feitas durante as discussões
sem fazer uma seleção;
f) procurar estimular sempre a capacidade argumentativa dos
membros do GP, animando o processo de maneira a trazer, sempre
que possível, os prós e os contras para as discussões;
g) deixar que os participantes do GP tomassem as decisões, embora a
pesquisadora não omitisse sua opinião;
h) respeitar o ritmo do grupo.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 121

4.2 CARACTERIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO GRUPO DO PLANTIO E DE SEUS


INTEGRANTES

A tabela abaixo traz os objetivos de cada uma das reuniões e uma

síntese dos resultados obtidos em cada uma delas:

QUADRO 3: REUNIÕES - OBJETIVOS E RESULTADOS*.

Reunião Objetivos Resultados

1ª Realizar um primeiro levantamento dos Realizou-se um primeiro levantamento dos


desejos/expectativas e problemas vislumbrados desejos/expectativas e dos problemas vislumbrados
relacionados ao plantio, bem como soluções apontadas relacionados ao plantio, bem como soluções
para os mesmos. apontadas para os mesmos pelos moradores
presentes.

2ª Levantamento da história oral dos trabalhos coletivos e Início do planejamento do plantio. Avaliação das
início do planejamento da atividade agrícola a ser possibilidades de realização das propostas
desenvolvida. apresentadas na reunião anterior, acolhimento de novas
propostas. Resgate da história oral dos trabalhos
coletivos executados no bairro. GP ganha terreno para
plantar.

3ª Construir a ´folinha do agricultor´, construir tabela de Planejamento das ações necessárias ao início das
rotinas diárias (em grupos) com vistas a realizar divisão atividades agrícolas conjuntamente delineadas pelo
de tarefas de maneira realista, formar comissão do grupo. Formulação do Estatuto base do GP. GP perde o
Plantio, dar início ao Estatuto do Plantio. terreno cedido mas consegue outro (AABP). Formação
da ´Comissão do Plantio’.

4ª Estimular os presentes a realizar uma auto-avaliação de Avaliação do processo do GP como um todo


sua participação nos trabalhos (processo) do GP até (aparecimento dos conflitos).
agora e ajudar nos encaminhamentos necessários à Continuação/aprofundamento do planejamento e
continuidade das atividades de plantio. Estimular o uso encaminhamentos relativos à continuidade das
de técnicas de agricultura orgânica na horta e atividades do plantio. Breve apresentação de material
apresentar brevemente os sistemas agroflorestais. didático sobre agricultura orgânica e agrofloresta.

5ª Mediação de conflitos via facilitação/animação de Reflexão sobre o real cumprimento das regras
encaminhamento de tarefas a serem executadas e elaboradas no ´Estatuto do Plantio´. Mudança da
discussão de pontos polêmicos relativos a continuidade ´Comissão do Plantio´, encaminhamentos de ordem
do desenvolvimento das atividades agrícolas. prática. Votada e marcada palestra e dia de campo com
agricultor orgânico e agroflorestal de Cananéia.

6ª I. Palestra com agricultor orgânico e agroflorestal da Dividida em dois momentos: I. Palestra com agricultor
região com vistas a introdução de técnicas e conceitos orgânico e agroflorestal da região e II. Discussão de
da agricultura orgânica e breve apresentação dos pendências do GP e encaminhamentos necessários à
sistemas agroflorestais. continuidade das atividades agrícolas.
II. Mediação de conflitos via facilitação/animação de
encaminhamento de tarefas a serem executadas e
discussão de pontos polêmicos relativos a continuidade
do desenvolvimento das atividades agrícolas.

7ª Realizar avaliação do processo, levantamento das Foi feita uma avaliação do processo, houve negociação
expectativas/desejos dos integrantes do GP quanto à de uso do terreno e formação de um Novo-GP (venda
continuidade ou não das atividades do plantio, de verduras), foi estabelecido prazo de 30 dias para
mediação de conflitos e animação/facilitação de início das atividades. Divisão do dinheiro do caixinha do
discussão sobre os encaminhamentos apontados. GP por todos os seus integrantes.

* Este quadro é complementar ao Quadro 2 apresentado neste texto.


Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 122

4.2.1 UM POUCO DA DINÂNICA DO GRUPO DO PLANTIO

A definição do tipo de atividade agrícola a ser desenvolvida pelo GP foi

fruto de uma discussão que durou duas reuniões. Logo na primeira reunião do

plantio foram apontadas duas formas distintas de práticas agrícolas: horta e

roça. A horta foi eleita pela maioria dos presentes. Apontaram a roça de

mandioca para fazer farinha como muito trabalhosa para obtenção de pouco

resultado:

"mandioca para farinha nem pensar (...), coisas de comer: aipi,


batata sim. Verdura, maxixe, abóbora, cheiro verde" (Cleide,
1ª reunião do plantio, 08/02/2001).

Ao se pensar em uma horta, dois modelos distintos foram cogitados:

uma grande horta comunitária ou várias pequenas hortas em um mesmo

terreno. Contudo, um participante dessa mesma reunião apontou, a roça como

atividade agrícola desejada, tendo esse mesmo morador sugerido a volta do

"ajutório para roçar e cavar", além da construção de "uma casinha perto da roça para

ficar olhando as plantas", e assim tomar conta da plantação, como se fazia no

tempo ´dos antigos´ e, desta forma, garantir que apenas aqueles que

trabalharam pudessem usufruir da colheita.

Uma vez que a intenção desse primeiro encontro era levantar os desejos

e expectativas dos moradores em relação ao desenvolvimento de práticas

agrícolas, como já explicitado anteriormente, e não houvera acordo a respeito

de que modelo adotar, na segunda reunião a discussão sobre horta ou roça foi

retomada, a partir de trabalhos de planejamento desenvolvidos em sub-grupos,

agora utilizando o desenho como forma de expressão dos desejos dos

participantes.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 123

Tendo em vista o objetivo de estimular que os moradores ali reunidos se

apossassem do processo de planejamento e tomada de decisão, as propostas

elaboradas por cada sub-grupo foram apresentadas por um morador

representante a todos os presentes.

Ao fim desse encontro optou-se por iniciar o trabalho do plantio por uma

horta, sendo uma espécie de “piloto”, procurando avaliar o envolvimento e

desempenho do grupo em trabalhar coletivamente no terreno.

Cabe ressaltar que apenas um dos participantes manifestou o desejo de

realizar um plantio comercial, os outros manifestaram-se a favor do plantio para

consumo próprio, mais ou menos como nos tempos 'dantes', plantar para

subsistência.

Algo que chamou atenção foi o fato de muitos dos vegetais apontados

nesse planejamento para cultivo não serem usuais na ´agricultura caiçara´14. O

“Programa Médico de Família”, desenvolvido pela PMIC, incentivava o

consumo de uma variedade de hortaliças e de ervas medicinais no tratamento

médico do bairro15. Até que ponto isto não se reflete na variedade apontada

pelo grupo? Outro ponto que pode ter influência sobre esta variedade é o fato

de alguns integrantes do grupo terem morado em outras localidades, como São

Paulo e São Roque, onde eram caseiros e cuidavam de hortas.

Uma das dificuldades apontadas pelos membros do GP ao se pensar na

retomadas de atividades agrícolas foi a falta de terreno em que se pudesse

plantar, pois com a mudança da forma de ocupação do solo, que passou de

14
Cf. Capítulo 3 desta dissertação.
15
Cerca de quatro meses após a realização das ´entrevistas de avaliação´ houve alteração no grupo
médico que realiza atendimento no bairro de Pedrinhas, tendo sido substituída a médica que incentivava
o consumo de hortaliças nos tratamentos de saúde.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 124

uso comunitário para propriedade privada, ninguém possuía uma área de terra

capaz de comportar qualquer tipo de produção agrícola.

A Associação de Amigos do Bairro de Pedrinhas possuía um terreno que

estava precisando ser capinado e mantido limpo e o Grupo do Plantio

precisava de um terreno para plantar. Ao saber disto, Omar, um dos sócios-

fundadores da associação, lançou a idéia do grupo plantar naquele terreno. A

diretoria da AABP se reuniu e votou favoravelmente a esta proposta que foi

muito bem aceita pelo GP.

Esse fato, a nosso ver, possibilitou uma aproximação entre o Grupo de

Plantio e a diretoria da associação. A presidente da associação naquele

momento, presente nessa reunião, passou a integrar o GP.

O empréstimo do terreno e parte do modo de funcionamento do "Grupo

do Plantio" foram devidamente "regulamentados" por um estatuto elaborado

coletivamente. O estatuto surgiu de uma sistematização feita a partir de regras

que foram sendo apontadas durante as discussões, partindo da vivência dos

participantes em outras situações de trabalhos coletivos, tendo sido ratificado

pelo grupo16.

Após a terceira reunião foi marcado o primeiro ajutório do GP com o

objetivo de limpar o terreno cedido pela associação do bairro e dar o primeiro

passo para a concretização da horta.

O terreno não possuía árvores, apenas capim. Um dia inteiro de trabalho

foi preciso para uma primeira limpeza da área que media aproximadamente

400 m2. Fizemos um acero em volta da área, pois o grupo optou pela queima

16
Cf. Estatuto em anexo.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 125

do capim roçado, opção que talvez se relacione com o padrão historicamente

estabelecido de queima da agricultura de coivara praticada pelas populações

caiçaras, como já citado anteriormente. Esses momentos de trabalho foram

intensos, não só de troca de experiência, mas de aproximação entre as

pessoas ali presentes.

Outro ponto que foi alvo de muita discussão diz respeito à normatização

de quais critérios seriam adotados para admissão de outros moradores ao GP

após o primeiro ajutório. Surgiram, na quarta reunião, as propostas: a) quem

quiser entrar tem que doar uma parte de seu trabalho para que os demais não

se sintam prejudicados, então há a necessidade de limpar uma área ao lado da

horta, para que depois esta área venha a integrar a horta já existente, sendo

cercada conjuntamente; b) o ingresso de novos integrantes será feito no

momento em que o GP for limpar a área ao lado para ampliar a horta. Sobre

este ponto também não houve um acordo possível. Uma vez que o grupo não

conseguiu tomar uma decisão a respeito, não foi regulamentada no estatuto a

entrada de novos integrantes, o que foi foco de alguns atritos durante toda a

primeira fase do GP. Foi decidido em reunião que aqueles que tinham deixado

o grupo receberiam a sua parte da colheita.

Ao retornar a Pedrinhas, depois de um intervalo de quatro meses e da

segunda semeadura realizada pelo GP, notamos que na horta havia uma

variedade maior de vegetais em relação à última ida a campo, no geral pouca

quantidade de cada. Algumas das espécies ali presentes não tinham se

desenvolvido bem, estando a horta carecendo de cuidados.

Fato interessante foi a constatação da presença de espécies como

abóbora e melancia, dando a impressão de que a roça estava sendo


Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 126

incorporada à horta, configurando o que poderíamos chamar de “horta-roça”,

pois estes vegetais, que precisam de poucos tratos culturais, compõem parte

do cultivo das tradicionais roças caiçaras.

Após cerca de sete meses de paralisação dos trabalhos do GP foi

realizada a sétima reunião do plantio, na qual se efetuou a divisão do dinheiro

da ´caixinha´ do GP – dinheiro arrecadado com a venda das verduras

produzidas na horta. Foram feitos os cálculos de quanto cada um tinha direito a

receber e quando e onde retirar o dinheiro. Nesse mesmo encontro decidiu-se

que as atividades do GP teriam continuidade, porém com maiores alterações

em sua composição após negociação com representantes da AABP, que

determinou um prazo máximo de 30 dias para que as atividades

recomeçassem.

Cabe aqui comentar as alterações ocorridas na composição do Grupo do

Plantio desde sua formação. Na 1ª fase dois integrantes da composição

original saíram e três novos integrantes se juntaram ao GP.

Na 2ª fase, o GP foi composto por três integrantes que já participavam

da primeira etapa e outros três novos membros. O intuito era dar continuidade

às atividades agrícolas. Esse segundo momento do Grupo do Plantio tinha por

objetivo, desde o início, produzir verduras para serem comercializadas no

bairro. Essa nova formação articulou-se por iniciativa dos remanescentes do 1º

GP. Neste momento reaparecera a alegria do encontro que fora ofuscada pelos

vários desentendimentos ocorridos anteriormente. Este novo GP estava se

estruturando, começou a plantar, comprou esterco bovino para adubar o solo e

impulsionar a produção, porém cerca de três meses após o início dos trabalhos

o grupo se desarticulou. O adubo recém comprado sumira sem nenhum tipo de


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 127

explicação. Os integrantes deste novo grupo, com quem conversamos,

suspeitavam de um dos membros do primeiro GP que viera a integrar também

esta segunda versão e que fora alvo de muita reclamação. Cabe colocar que

as reclamações eram feitas à pesquisadora e não eram colocadas em reunião,

mesmo nas oportunidades em que a pesquisadora procurou abrir espaço nos

encontros do GP para que o assunto fosse colocado em pauta.

Vale aqui mencionar que na cultura caiçara, assim como entre os

caboclos da Amazônia ou mesmo entre os caipiras, há uma postura de não se

indispor com vizinhos e parentes, pois são eles importantes elos das relações

de compadrio e vizinhança que dão suporte ao fazer cotidiano de cada um. O

que pôde ser observado em Pedrinhas, nos dois momentos do GP, foi uma

atitude de deixar a situação esvaziar para não gerar um conflito explícito. Essa

postura mostrou-se recorrente tanto no trato de assuntos pontuais, corriqueiros,

como por exemplo um desentendimento com um vizinho, como também no

trato de questões mais centrais para o grupo, como a própria horta.

Após este período de tensão e quebra de confiança, alguns moradores

ainda pensavam em se rearticular para reativar a horta, mas sem que a

pessoa, sobre a qual recaem muitas desconfianças, faça parte.

4.2.2 OS PARTICIPANTES

Foi possível identificar três diferentes categorias de participantes na 1ª

fase dos trabalhos do Grupo do Plantio:

a) Membros ou integrantes do GP: são aqueles que estão efetivamente

plantando;
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 128

b) Colaboradores: são aquelas pessoas que participam das reuniões

trazendo idéias e ajudando a discutir questões importantes do grupo, mas não

participam diretamente das atividades de plantio;

c) Eventuais: são aquelas pessoas que eventualmente participam de

qualquer uma das atividades do GP;

No Quadro 4 podemos acompanhar o perfil dos participantes do GP em

sua 1ª fase. O quadro apresenta a ocupação geradora de renda para estes

participantes, sua idade, sua categoria de acordo com os critérios acima

estabelecidos, bem como o registro de sua participação nas atividades

propostas. Uma observação importante a ser refeita é que os nomes dos

moradores presentes neste texto são todos fictícios para evitar que os conflitos

aqui descritos possam vir a prejudicar qualquer um deles.

No total 16 (dezesseis) famílias, representadas por 23 (vinte e três)

pessoas, participaram de pelo menos uma das atividades de plantio realizadas.

Destas, nove famílias, representadas por 12 (doze) pessoas, declararam a

intenção de efetuar o plantio e outras duas famílias, representadas por duas

pessoas, mostraram-se indecisas. A faixa etária do grupo chegou a variar de

09 a 74 anos de idade.

Até a realização da sétima reunião do plantio, oito famílias,

representadas por oito pessoas, estavam diretamente envolvidas com o

manejo da horta, sendo que a faixa etária do grupo variava de 18 a 62 anos.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 129

QUADRO 4: CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA 1ª FASE DO GP-


atividades que compõem a renda dos moradores que participaram de pelo menos uma das
‘atividades do plantio’, sua relação com o GP e atividades de que participaram. (os nomes dos
moradores de Pedrinhas aqui apresentados são todos fictícios, os únicos nomes verdadeiros
são o do agricultor/consultor de Cananéia, o da pesquisadora e os das outras integrantes do
Grupo EA).

PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO


PANTE ATIVIDA-
DES
PARTICI-
POU *
Luciano Filho de Membro desde a 2a Nascido em Pedrinhas. Tem 18 anos. Foi 5 R + 11A
comerciantes reunião (16/abr/01) eleito tesoureiro do GP. + 1E
locais, terminou
recentemente
colegial, trabalha
meio período em
negócio da família
Sirílo Pescador, caseiro Membro desde a 2a Nascido em Pedrinhas. Tem 55 anos e é 6 R + 12A
e ex-funcionário reunião (16/abr/01). quem encabeça a Comissão de GP. A partir + 1E
PMIC – trabalha de setembro de 2001 começou a passar lista
no viveiro de de presença nos ajutórios semanais.
essências nativas;
de vez em
quando presta
serviços
relacionados à
pesca para
turistas
Antônio Pedreiro, ex- Membro desde a 2a Nascido em Registro. Está em Pedrinhas há 5 R + 5A +
agricultor reunião (16/abr/01) 09 anos. Mora na IC há 32 anos, primeiro 1E
Foi decidido em reunião morava na Ponta da Praia, onde plantava
realizada em ajutório arroz com o pai. Tem filhos que moram em
que ele passaria a Iguape. Mora em um barraco sem luz elétrica
trabalhar na horta aos e água encanada que construiu numa sobra
2
sábados e domingos, de terreno de +/- 180 m que comprou. Tem
devido a seu problema 51 anos.
de horário (não pode
recusar dia de serviço
remunerado – é pedreiro
autônomo)
a
Fernanda Costureira Membro desde a 2 Nascida no NE. Mudou-se para Pedrinhas no 5 R + 11A
reunião (16/abr/01) início de 2001, proveniente de SP. Mora na
casa de veraneio que possui (turista
residente). Chegou ao GP por freqüentar a
a
mesma igreja que um dos participantes da 1
reunião. Membro da comissão do Plantio
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 130

O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA-
DES
PARTICI-
POU *
Matilde Extratora de Membro desde a 1a Nascida em Cananéia – Estero do Morro. 5 R + 10A
plantas nativas, reunião Veio para Pedrinhas para casar, onde mora +1E
caseira há mais de 30 anos. Tem 62 anos.
Foi uma das pilastras da formação do GP.
a
Adriana Recém formada Membro desde a 3 Depois de 16/ago/01 passou a integrar a 3 R + 10A
no colegial reunião (07/mai/01) Comissão do Plantio. Tem +/- 21 anos. Filha
técnico da escola de liderança local.
agrícola de
Iguape, ex-
presidente da
AABP e
comerciante local.
Anastácia Caseira Membro desde 12/set/01 Uma de suas filhas é agente comunitária de 2 R + 9A
(ajutório com consultor saúde.
de Cananéia) a
Recebeu um convite para 6 reunião e
compareceu. Nesta reunião todos os
presentes foram convidados a participar do
ajutório com o consultor de Cananéia. Ela foi,
trabalhou bastante e neste mesmo dia
passou a ser considerada membro do GP.
Mariinha Extratora de Ex-membro. Nascida em Paranaguá-PR, ainda bebê foi 6 R + 4A
plantas nativas, Participou das duas para Iguape, onde morou até +/- 10 anos,
artesã, caseira, primeiras reuniões quando então foi morar Pedrinhas com o pai
grande (08/02/01 e 16/04/01) e e irmãos (foi criada por uma parenta. Casou-
conhecedora de quebrou o pé. Voltou a se com 14 anos). Tem hoje +/- 65 anos.
ervas medicinais participar das reuniões Foi uma das pilastras da formação do GP.
em 02/jul/01 e iniciou Trabalhou na horta cerca de 2 meses.
seu trabalho na horta
18/ago/01. Deixou o
grupo após dia
10/out/01.
o
Augusto Estudante – 2 Ex-membro. Foi membro da Comissão do Plantio de 2R + 1A
ciclo do ensino Início da participação: 07/mai/01 a 02/jul/01, quando mandou
fundamental - 07/mai/01; término: recado por um dos membros que não queria
escola no depois de 02/jul/01 mais participar da comissão, desde então
Boqueirão Norte, não participou de mais nenhuma atividade do
pedreiro. Integrou o GP por cerca a
GP. Estuda no período da noite (8 série).
de 2 meses. Tem +/- 18 anos. (Não há muitos registros
dos trabalhos do GP neste período. Todos os
integrantes do GP dizem que ele estava
sempre presente, que trabalhou muito, todos
eram a favor de sua permanência no Grupo,
gostavam de trabalhar com ele)
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 131

O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA-
DES
PARTICI-
POU *
Carlota Comerciante Ex-membro. Nascida em Antonina-PR. Está em 2R + A (no
local, extratora de Ingressou no GP na 2
a Pedrinhas há +/- 18 anos. Tem cerca de 50 período em
plantas nativas e reunião (16/abr/01) e anos. Fala de Pedrinhas como “Lá nas que
costureira saiu do GP em +/- Pedrinhas...” trabalhou
14/jun/01 (permaneceu não há
no GP +/- 2 meses). registro de
presença
nos
ajutórios)
Doralice Comerciante local Colaboradora desde a 2a Nascida em Pedrinhas, criada em SP a partir 5R
e conselheira reunião (16/abr/01). de 10 anos, voltou para Pedrinhas há +/- 15
deliberativa da anos. Atual conselheira deliberativa da
AABP AABP. Tem 57 anos.
Ezequiel Comerciante Colaborador desde o Nascido em Pedrinhas. Neto do “fundador 6R
local, funcionário início dos trabalhos de mítico” da comunidade e líder comunitário.
da PMIC – Diretor campo (desde antes da Tem cerca de 50 anos.
do Departamento 1a reunião-08/fev//01)
de Ecologia e
Pesca e atual
presidente da
AABP
Margarida Extratora de Participante eventual. No dia do ajutório de limpeza do terreno 3 R + 1A
plantas nativas a a
Participou da 3 , da 4 e (09/mai/01) - levou lanche da manhã e da (lanche)
da 5a reunião do GP tarde para aqueles que trabalhavam.
(07/mai/01, 02/jul/01 e Nascida no município de Cananéia, foi criada
16/ago/01). pelos padrinhos que são de Pedrinhas e têm
hoje cerca de 70 anos. Seu padrinho foi líder
comunitário e foi sucedido por um primo de
o
1 grau.
Ofélia Agente Participante eventual. Nascida em Pedrinhas. Apóia a realização 2R
comunitária de das reuniões e das atividades do GP – (16/abr/01
saúde há 19 incentiva o consumo e plantação de verduras e
anos. durante as visitas de saúde do “Programa 11/set/01).
Médico da Família”, além de emitir opiniões e
fornecer idéias aos moradores de Pedrinhas
e para a pesquisadora e integrantes do
Grupo EA. Tem +/- 50 anos.
Cleide Extratora de Participante eventual. Não quis mais participar de nenhuma outra 1R
plantas nativas e a
Participou da 1 reunião atividade do plantio.
caseira (08/fev/01) Tem cerca de 40 anos.
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 132

O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA-
DES
PARTICI-
POU *
Tatiana Extratora de Participante eventual Nascida na Ilha de Cananéia (na direção de 2R
plantas nativas, das reuniões do GP (de Juruvaúva). Está em Pedrinhas há +/- 30 (16/abr/01
caseira e vez em quando cogita a anos. e
funcionária PMIC possibilidade de entrar 11/set/01)
– responsável no GP).
pela biblioteca
pública local
Omar Caseiro; Membro Participante eventual. Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 50 ¼A
AABP, já foi Participou como membro anos. (09/mai/01)
candidato a da AABP durante ½ Foi dele a idéia de fazer a horta no terreno
vereador. manhã da capina no 1o da Associação
ajutório de limpeza do
terreno.
Dagoberto Pescador, Participante eventual. Nascido no Ariri. Veio para IC ainda bebê, 1R
artesão, ex- a
Participou da 2 reunião morava com o(s) pai(s) no Vamiranga, (16/abr/01)
construtor de GP (16/abr/01) próximo ao Barranco Branco. Tem 74 anos.
canoas e violeiro
o
Moisés “doador do 1 Participante eventual. Nascido na região de Barretos, mora no 1R
terreno do GP” – O terreno “doado” foi interior paulista, sua esposa é nascida em (16/abr/01)
veranista. vendido antes da Pedrinhas.
próxima reunião
(07/05/01)
impossibilitando o GP de
utilizá-lo
o
Renata “doadora do 1 Participante eventual. Nascida em Pedrinhas (prima de um dos 1R
terreno do GP” O terreno “doado” foi membros do GP), mora no interior paulista, (16/abr/01)
vendido antes da com seu marido que é nascido na região de
próxima reunião Barretos. Disse na reunião não saber se
(07/05/01) suas lembranças sobre mutirão eram reais
ou um sonho.
o
Pedro Estudante – 1 Participante eventual. Tem +/- 9 anos. Sua mãe i um irmão fizeram 1R + 1A
ciclo do ensino a
Participou da 3 reunião parte do GP.
fundamental – do Plantio (07/mai/01) e
escola de do ajutório de limpeza do
Pedrinhas terreno (09/mai/01)
Josoé Membro da Participante eventual. Nascido em Juruvaúva (?) *** 1R
AABP; pedreiro a
Participou da 3 reunião
(?) e caseiro (07/mai/01) como
(?)*** membro da AABP (para
discutir empréstimo do
terreno).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 133

O
PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES N
PANTE ATIVIDA
-DES
PARTICI
-POU *
Izadora Caseira Participante eventual. Tem vinte e poucos anos. Sua mãe é 1R + 3A
Começou a participar das membro do GP. Mora com o irmão, a
atividades do GP em cunhada e dois sobrinhos pequenos.
11/set/01 (6a reunião). Parece que parou de participar dos
Participou de 3 ajutórios e ajutórios por conta de desentendimentos
não tem ido mais trabalhar pessoais.
na horta.
Marilú Caseira Participante eventual. Sua sogra é membro do GP, tem dois 1R
a
Participou da 6 reunião do filhos pequenos.
plantio (11/set/01)
Silvia Estudante Participante eventual. Ela foi representando a avó na reunião. 1R
a
Participou da 1 reunião do Tem cerca de 12 anos.
plantio (08/fev/01)
Jorge Administrador Participante eventual. Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 50 ¼A
do bairro de Fez a regulagem da anos. (09/mai/0
Pedrinhas junto roçadeira que foi usada na 1)
à PMIC segunda metade da manhã
o
do 1 ajutório de limpeza do
terreno.
Gilberto Filho de Participante eventual. Nascido em Pedrinhas. Tem cerca de 18 ¼A
comerciante e Participou durante ½ manhã anos. Sua irmã é membro do GP. (09/mai/0
político local o
da capina no 1 ajutório de 1)
limpeza do terreno.
a
Cristiane Estudante – 4 Participante eventual. Tem 15 anos e mora com um tio (irmão de 2R
série da escola a
Participou da 5 e da 6 a sua mãe – que é vereador) e uma tia
de Pedrinhas. reunião do plantio (16/ago/01 (esposa deste tio), que é filha do líder
Tem problemas e 11/set/01) comunitário do bairro vizinho denominado
de Sítio Artur. O casal recentemente adotou
desenvolviment uma neném, o que deixou-a bastante
o físico e enciumada.
mental.
Clodoaldo Consultor – Consultor É agricultor residente no bairro do Rio 1R + 1A
Estevan agricultura Reunião 11/set/01 e ajutório Branco de Cananéia. Possui experiência
Bernardo orgânica e 12/set/01 de 5 anos com cultivo de agricultura
agrofloresta orgânica e agrofloresta.
Rita de Facilitadora Facilitadora Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R
Cássia (02/07/01)
Nonato
Alik Wunder Facilitadora Facilitadora Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R
(16/04/01)
Maria Rita Facilitadora Facilitadora Coordenadora do Grupo de Educação 4R
Avanzi (08/jan; 16/abr; 07/mai e Ambiental
02/jul de 2001)
Capítulo 4: A trajetória da pesquisa . 134

PARTICI- OCUPAÇÃO SITUAÇÃO NO GP OBSERVAÇÕES NO


PANTE ATIVIDA
-DES
PARTICI
-POU *
Vivian G. de Facilitadora Facilitadora Membro do Grupo de Educação Ambiental 1R + 1A
Oliveira (07 e 09/mai/01)
Alessandra Pesquisadora/ Facilitadora Membro do Grupo de Educação Ambiental 7 R + 2A
Buonavoglia Facilitadora + 4E
Costa-Pinto
Total de atividades realizadas: 7R + 14A
+ 1E + 1r**+ 3a **
* atividades que possuem registro formal: R= reuniões do Grupo do Plantio, A= ajutórios e E= entrevista de avaliação
** reuniões (r) e ajutórios (a) realizadas pelo GP sem a presença da pesquisadora e não possuem lista de presença;
*** (?) indica informação incompleta.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 135

C APÍTULO 5 .

APRENDIZADO DA PARTICIPAÇÃO COMO PROCESSO

O momento de analisar os dados à luz de um determinado

pensamento é sempre angustiante, pois estamos realizando um recorte na

realidade ao olhá-la e um outro recorte no pensamento orientador da análise ao

escolhermos conceitos, que recortam, mais uma vez, o observado.

O que aqui apresentamos é o resultado de uma análise bordada sobre

estes diferentes recortes, ou seja, uma combinação dos registros escritos,

gravados e fotografados com o pensamento dos autores que compõem o

referencial teórico desta pesquisa.

Este capítulo está dividido em oito seções, iniciando-se com a

apresentação de algumas das relações encontradas por este estudo entre

trabalhos coletivos e participação. Dando continuidade às reflexões sobre

participação, a segunda seção traz diferentes significados que a mesma parece

assumir para os moradores de Pedrinhas.

As próximas três seções focam a apropriação das causas dos encontros.

Na terceira discutimos a coexistência de pequenos avanços e retrocessos

nesta apropriação durante o processo educativo vivido junto ao Grupo do

Plantio (GP). A quarta seção destina-se a apresentar a gradual transformação


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .136

dos encontros, promovida pela formação de noções comuns. E a quinta busca

traçar relações entre a apropriação das causas dos encontros e a construção

da autonomia pelo Grupo do Plantio.

A sexta parte deste texto destina-se a apresentar tanto conflitos internos

ao GP, quanto alguns conflitos familiares existentes no bairro de Pedrinhas. Na

sétima sessão são tecidas considerações sobre o entendimento deste estudo a

respeito da participação como potência de ação. Finalmente, a oitava e última

seção traz considerações e questionamentos a respeito do diálogo entre

saberes.

5.1 RELAÇÃO ENTRE TRABALHOS COLETIVOS DE AJUDA MÚTUA E PARTICIPAÇÃO

As reuniões do plantio foram planejadas com o intuito de deflagrar um

processo participativo atendendo aos objetivos delineados por esta pesquisa.

Para executar a proposta aqui apresentada não partimos do pressuposto

de que a comunidade de Pedrinhas, ao menos os interessados em atividades

agrícolas que se reuniram no Grupo do Plantio, estava pronta para participar de

projetos coletivos. Considerava-se que havia na comunidade algo como um

embrião de uma cultura participativa que se evidenciava na realização de

trabalhos de ajuda mútua, como mutirões, ajutórios e pujuvas já mencionados.

No modo ´tradicional´ de vida das populações caiçaras fazem-se muito

presentes os trabalhos coletivos, porém cabe destacar que tais trabalhos são

geralmente realizados em prol de um único beneficiário e não de uma

coletividade.

Como descrito anteriormente, há em Pedrinhas registros de trabalhos de

ajuda mútua realizados em favor do coletivo do bairro, porém cabe salientar

que tanto nesse caso como naquele realizado em prol de um único beneficiário
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 137

o tipo de trabalho de ajuda mútua executado possui uma característica pontual.

Todos reúnem-se e executam um determinado trabalho, não havendo

continuidade da atividade conjunta, cada qual retorna a sua rotina cotidiana

que em geral independe da manutenção daquele coletivo, como por exemplo

construir o posto de saúde que passa a ser gerido pelo poder público municipal

ou fazer uma roça que passa a ser gerida pelo beneficiário do ajutório ou

mutirão.

O intuito da pesquisa-intervenção aqui apresentada foi de desencadear

um processo de reflexão - conjunta e individualizada - sobre as práticas

coletivas desenvolvidas no bairro, visando sua ressignificação e incremento.

Pretendia-se assim trazer uma maior consciência deste fazer conjunto e

ampliar o tempo coletivo destes trabalhos, construir juntamente com os

moradores valores mais solidários e o desenvolvimento de práticas agrícolas

ecologicamente mais amigáveis e capazes de gerar emprego e renda para a

população de forma autônoma, sem que ela dependa de um patrão.

Com o funcionamento da horta foi constatado, pelas agentes

comunitárias de saúde do bairro, uma melhora qualitativa na alimentação da

população com um aumento do consumo de vegetais:

“A horta tem sido um exemplo pra comunidade, tem


estimulado outras hortas [nos quintais] e nas visitas de saúde
a gente tem orientado pessoal a plantar” (agente comunitária
de saúde, 11/09/2001 – 6ª reunião do plantio).

Vale destacar que o aparecimento dessas hortas e o consumo de

vegetais pela população do bairro foram temas de um levantamento realizado,

por iniciativa própria, por uma das agentes comunitárias de saúde de

Pedrinhas. Todas as casas foram visitadas. Foi constatado o aparecimento de


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .138

14 (catorze) novas hortas nos quintais do bairro simultaneamente à do GP, não

tendo sido ainda tabuladas, pela agente de saúde, as informações referentes

ao consumo de vegetais.

5.1.1 CALEIDOSCÓPIO: FRAGMENTOS QUE COMPÔEM E DECOMPÕEM


ENCONTROS

“Mesmo parado ainda deu lucro. Esse é o fruto da


cooperativa” (Ezequiel, 7ª reunião do plantio, comentário feito
quando da divisão do dinheiro arrecadado pelo caixinha do
GP).

Os trabalhos desenvolvidos na horta do GP foram conjuntamente

planejados, executados e geridos de modo que os tropeços e sucessos do

processo foram compartilhados. Seguem abaixo falas de integrantes do GP

durante a primeira fase das atividades do Grupo do Plantio, evidenciando o

exposto acima:

“Mesmo com toda essa encrenca, com as fofoca, se o pessoal


continuasse eu continuava, porque é gostoso, a gente sempre
aprende coisas. Pra mim foi uma lição que pra trabalhar em
grupo é preciso muita paciência, relevar umas coisas porque
olha...” (Anastácia, caderno de campo, 23/11/2002).

“Trabalhar junto [no GP] ajudou a pegar experiência de plantar


e de trocar conhecimentos [com os mais velhos] que sabem
bastante” (Adriana, caderno de campo, 06/07/2002).

“Trabalhar com o grupo foi bom até os desentendimento


começarem, valeu muito ter aprendido coisas com o Clodoaldo
[consultor de Cananéia], principalmente fazer o adubo” (Sirílo,
caderno de campo, 06/07/2002).

“Desentendimento no grupo sempre teve, mas o grupo era


encaixado, até que desencaixou” (Sirílo, caderno de campo,
06/07/2002).

“Ninguém pode recramá, todo mundo provou do que jogou na


terra” (Sirílo, telefonema 07/03/2002).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 139

“Prantemo, tivemo... assim só dano risada numa parte. (...) nós


trabalhando ali, dando risada, tirando sarro de outro. É assim
que tem que sê” (Matilde – entrevista de avaliação)

“... tudo o que você aprende é bom. Eu fico feliz por aprendê
mais alguma coisa assim” (Luciano – entrevista de avaliação).

“... saiu umas par de verdura, essas coisa, mas tinha de saí
memo, porque a gente fez as coisa todo, quer dizer que é
alegria da gente, lógico” (Antônio - entrevista de avaliação).

Cabe aqui problematizar a causa que move esta alegria dos integrantes

do Grupo do Plantio. Seria sua causa interna ou externa, promotora de

encontros ativos ou passivos? Este é um dos focos de análise dos dados

apresentados: buscar a causalidade dos encontros, refletir sobre esta alegria,

sobre a relação desta causalidade e a autonomia do grupo.

Vimos também, a partir do referencial teórico, que a consciência da

causa dos desejos, das regras que regem as coisas que cercam o sujeito

(individual ou coletivo) e sua capacidade de relacionar-se com o outro

constituem-se em elementos centrais para se consolidar a potência de ação.

Cabe pensar como se dá a manifestação desses elementos no processo

deflagrado junto ao GP.

5.2 PARTICIPAÇÃO: O OLHAR DOS MORADORES DE PEDRINHAS

De acordo com depoimentos de moradores do bairro, coletados durante

a realização desta pesquisa, participação é sinônimo de cooperação, pois

participar significa “fazer junto”, “colaborar”, “ajudar”. Para esses moradores

participação e trabalhos coletivos de ajuda mútua (mutirão, ajutório e pujuva)

estão estreitamente relacionados, sendo freqüentemente associados para

explicar os significados de um ou de outro termo.


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .140

É possível apreender em suas falas que participar dos mutirões de

antigamente, ou mesmo dos ajutórios de hoje, relaciona-se com um fazer

coletivo, com um trabalhar junto, pois nessas ocasiões o objetivo é a

transformação material do mundo executada coletivamente (fazer roça, fazer

horta, fazer colheita, construir postinho de saúde para comunidade, etc.). Já

participar de reuniões em que o objetivo não é algo palpável e, de imediato,

concreto parece ter um outro significado.

No início do processo do GP, as reuniões objetivavam primeiro planejar

e depois executar. Isto incomodou uma das participantes que se queixou logo

na segunda reunião “dessa coisa de querer fazer tudo na ponta da caneta”, o

que foi imediatamente rebatido pelo colaborador que é atualmente presidente

da AABP, quando colocou que achava importante primeiro fazer um

planejamento com os interessados para depois executar, “porque assim fica

mais organizado”. Outra fala que denuncia essa diferença e talvez até

estranhamento para com o planejamento conjunto, que é um exercício de

abstração, provém de uma integrante do GP em uma conversa informal com

um membro do Grupo de EA:

“Menina, não é que aquela conversarada toda virou uma horta


mesmo!” (Mariinha, caderno de campo set/01)

Desta forma, fica evidente que para esses moradores de Pedrinhas

participação tem uma face bastante concreta, não sendo todos que

compreendem o participar de reuniões de planejamento como algo importante.

Mesmo a participação nos bailes dos antigos mutirões está relacionada com

um fazer concreto, pois só ia para o baile a família daqueles que tivessem

trabalhado durante o dia.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 141

“Depois [de ter trabalhado o dia todo na roça em mutirão, eles]


iam embora, todo mundo se arrumava, tomava banho (...) e a
família deles todos iam participar de um grande baile daí no
salão, né. Também só ia famílias de quem estava durante o
dia, na festa, quem não fosse nem adiantava ir porque não
entrava, né, (...) então era assim, e era muito bonito” (Carlota,
segunda reunião do plantio)

Outros dois momentos em que a participação está associada a

transformação material do mundo são apresentados a seguir. Um deles refere-

se a um fato explicitado no capítulo 4, o de os integrantes do GP passarem a

se entender como um grupo após o primeiro ajutório, reforçando a necessidade

do fazer concreto – participam, fazem parte do Grupo do Plantio aqueles que

trabalharam durante o primeiro mutirão de limpeza do terreno.

Um outro momento refere-se a visita realizada por alguns membros do

Grupo do Plantio, em companhia da pesquisadora e de um membro do Grupo

EA, a um primeiro terreno cedido ao GP, que não chegou a ser cultivado, pois

era uma área particular que foi rapidamente vendida. Ao visitar este terreno a

proposta de retomada de atividades agrícolas ganhou uma face mais palpável

para o grupo, pois ao realizar esta visita os participantes do GP davam a

impressão de estar vislumbrando a plantação feita. O que parece ter de alguma

forma contribuído para que o planejar, o ´fazer abstrato´, começasse a ser

encarado como um tipo de trabalho e não como ócio, por alguns dos membros

do GP. Mais adiante veremos que com o tempo o grupo foi se apropriando

deste ´fazer abstrato´ para realizar reuniões de planejamento e decidir rumos a

serem seguidos.

Outra forma de participação identificada no bairro diz respeito aos

eventos promovidos pela AABP, os quais ultimamente visam levantar fundos


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .142

para terminar a construção da sede. Neste sentido, o participar significa

trabalhar durante os eventos em prol da Associação.

Transcrevemos abaixo uma fala anotada em caderno de campo que

evidencia a relação da participação com uma ação prática.

“Por exemplo, se tá todo mundo fazendo um ajutório para


você, tá todo mundo participando, se eu tô cobrindo minha
casa e você vem trabalhá junto, você tá participando disso”
(Anastácia, 26/07/02)

5.3 FLUXOS E REFLUXOS NA APROPRIAÇÃO DAS CAUSAS

Apesar de termos constatado um desejo latente da população residente

em Pedrinhas de retomar o desenvolvimento de práticas agrícolas, como já

mencionado anteriormente, identificamos nossa proposta como causa, a

princípio, externa da formação do GP, tendo isso sido reforçado por

depoimentos de participantes das ‘atividades do plantio’:

“(...) nós não ia mexê com aquilo sem a expricação de uma


pessoa que vem de fora dá expricação pra nós (...)” (Matilde,
entrevista de avaliação).

Poderíamos então pensar que, sendo uma causa externa, ela é

promotora de um encontro passivo, mas não, existem indícios de um processo

de internalização dessas causas. Cabe aqui ressaltar que a mudança é

processual, existindo portanto um gradiente de internalização ou não das

causas dos encontros. Assim, se olharmos para um momento isoladamente,

corremos o risco de não flagrar a complexidade dessa dinâmica e realizar uma

análise equivocada, uma vez que a internalização e a externalidade da causa

coexistem durante o processo.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 143

Cabe também comentar que apesar da causa da formação do GP ser

identificada como externa, podemos dizer que já havia primórdios de

internalidade desta causa antes do início do processo deflagrado pela presente

pesquisa, uma vez que o que mobilizou a pesquisadora a empreender suas

ações foi justamente a declaração dos moradores de seu desejo de retomar

atividades agrícolas, tanto em leituras realizadas e conversas com outros

pesquisadores, como nos 5 meses que antecederam o início das intervenções.

Vale aqui reforçar a importância que a igreja católica assumiu em Pedrinhas no

sentido de estimular uma reflexão crítica da realidade vivida por parte dos

moradores, contribuindo para a consciência da causa dos encontros, atuando

na direção da internalização das mesmas e, desta forma, fomentando a

ocorrência de bons encontros, potencializando assim, ao menos uma parte da

comunidade. De acordo com o depoimento de um dos sócios-fundadores da

AABP e atual membro de sua diretoria, a associação existe hoje graças ao

constante incentivo do Padre.

“A gente aprendeu a fazer trabalho comunitário na igreja


católica, porque sempre tinha espaço para os problemas da
comunidade, de tanto fazer isso a gente hoje tem a
associação, padre Cristiano sempre estimulou” (Omar –
caderno de campo 29/07/2002).

Durante os meses em que foram realizadas atividades de plantio, o GP

contou com a presença do que estamos chamando de participantes eventuais

(Cf. Quadro 4, p. 129), moradores que estiveram presentes em alguns

momentos pontuais junto ao GP sem dar continuidade a sua participação,

demonstrando assim que, em alguns casos, o fato das pessoas terem se

mobilizado e comparecido a mais de uma reunião e/ou ajutório é indício de um


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .144

encontro, a princípio alegre, porém passivo, pois a alegria mobilizadora deste

encontro foi fugaz.

Nesse ponto, faz-se importante dizer que nem todos os moradores que

não deram continuidade à sua atuação junto ao GP o fizeram por desconhecer

sua real motivação para integrar ou não o grupo. Alguns deles o fizeram

conscientes de que não desejavam desenvolver práticas agrícolas, pois sua

rotina diária já se encontrava repleta de atividades, não havendo tempo e/ou

interesse em plantar. Esta participação deu-se algumas vezes por curiosidade,

em outras por solidariedade, para ajudar/estimular o GP.

Um bom exemplo disso foi o dia do primeiro ajutório realizado pelo grupo

para limpeza do terreno cedido pela associação de bairro em que Omar, um

participante eventual e sócio-fundador da AABP, esteve presente, trabalhando

cerca de duas horas e meia na limpeza do terreno, segundo ele “para animar o

pessoal”. A administração do bairro cedeu uma roçadeira com combustível

para facilitar e agilizar a carpição. Outro exemplo foi a participação da agente

comunitária de saúde, que quando presente nas reuniões dava sua

contribuição para as questões em discussão, chegando a elogiar o trabalho do

grupo e a produção da horta publicamente durante uma reunião.

Outra demonstração de apoio ao GP por moradores do bairro refere-se a

distribuição de convites, para uma das reuniões, pelas agentes comunitárias de

saúde do bairro, tanto no posto de saúde como nas visitas domiciliares.

Cabendo aqui dizer que nos apropriamos de uma regra local para o convite de

moradores a eventos, os ‘bilhetinhos’.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 145

Vale ressaltar que, em outros casos, uma falta de clareza sobre quais as

implicações e vantagens de integrar o GP, bem como desafetos pessoais

motivaram a descontinuidade da presença de alguns.

“O pessoal daqui é assim mesmo ´fogo de palha´. No começo


todo mundo quer, aí um desanima, esse desanima outro e até
que todo mundo para” (Anastácia, caderno de campo
26/07/2002)

A fala de Anastácia denuncia a fragilidade de alguns dos encontros que

acontecem em Pedrinhas, apontando que a não internalização de suas causas

é algo recorrente, o que contribui para a desmobilização de parte da

comunidade em algumas ocasiões. Um bom exemplo disso é a necessidade de

contratação de mão de obra para construir a sede da associação, pois a

adesão aos ajutórios para sua construção foi baixa.

“o pessoal tem um orgulho bobo, não participa, não se


mistura, não quer trabalhar de graça, mas depois usufrui do
benefício do trabalho daqueles que se uniram e trabalharam –
posto de saúde, escola, água que veio da cachoeira [do
continente], telefone” (Omar, caderno de campo 29/07/2002).

Da fala de um outro morador podemos apreender a não identificação, o

sentimento de não-pertencimento de parte da população com a associação de

bairro:

“A gente até que trabalha a troco de nada, mas porque é pra


gente mesmo, pros outros aí complica” (morador de
Pedrinhas, caderno de campo set/2001)

Nos encontros vividos ao longo de 22 meses, os integrantes do GP

demonstraram momentos de apropriação da causa destes encontros, quando

realizaram reunião por iniciativa própria sem a presença da pesquisadora para

decidir sobre a divisão de tarefas em relação às atividades do plantio - no


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .146

momento de cercar o terreno, fazer a divisão das duplas para a realização dos

tratos culturais da horta e a escala de trabalho de cada dupla.

Outros momentos de apropriação foram identificados quando a

Comissão do Plantio assume-se como articuladora do GP; quando mantiveram

a freqüência semanal dos ajutórios; tomaram decisões que viabilizavam a

continuidade das atividades na horta, tais como a escolha do que semear e a

alteração dos dias de trabalho de um dos integrantes, quando este estava

impossibilitado de realizar as atividades nos dias pré-estabelecidos.

O investimento, na própria horta, de parte do dinheiro arrecadado com a

venda das verduras, como por exemplo a compra de esterco bovino para

adubação e de mangueira para rega, também são entendidos como

apropriação, assim como a eleição de um tesoureiro para administrar o dinheiro

arrecadado. Identificamos ainda, no momento da segunda semeadura, a opção

por experimentar uma variedade maior de vegetais a serem cultivados e

também a iniciativa, de um dos membros da comissão, de iniciar o registro das

atividades realizadas partindo de uma lista que, além dos nomes dos

presentes, conta com observações de algumas ações empreendidas.

Esses momentos de apropriação apontam para um incremento da

potência de ação do grupo uma vez que a caminhada deu-se na direção de sua

autonomia.

“Matilde: ...E nós imo levá o barco pra frente até ... porque
aquilo ali serve pra nós, né?! Pra nós, quarqué um. Ói que foi
tirado um bom dinhero ali, vendero, compremo negócio pra
mulhá as pranta, né?! Regador de pranta, tudo dinhero nosso.
Pesquisadora: Pô, que bacana, né?!
Matilde: É, aquilo lá tudo que tem ali foi tudo nosso dinhero. E
nós ainda temo mais coisa pra comprá, temo, mas nosso
dinhero
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 147

Tudo quanto era de turista vinha precurá arface. Mas aquele


arface fico bão! Meu Deus!” (entrevista de avaliação,
jan/2002).

“Matilde: Não. Não, nós imo se virando aqui. Vocês não estão
aqui, mas nosso grupo, a gente...
Fernanda: É, agora que a gente já tem umas dicas aqui, dá
pra gente seguir em frente, até vocês chegá.” (4ª reunião do
plantio, 02/07/2002).

No entanto, uma vez ocorrido o processo de internalização não significa

o desaparecimento da causalidade externa, tendo havido momentos de refluxo,

em que a causa externa voltava a comandar as ações. A externalidade

reaparece quando, em algumas reuniões, o GP delegava para o agente

externo1 a resolução de conflitos e a própria decisão de como seriam

encaminhados os trabalhos na horta.

A própria formação da Comissão do GP retrata esse movimento

dinâmico, pois ainda que ela tenha sido sugerida em reunião por um

colaborador do grupo, foi o agente externo, no caso a pesquisadora, quem

tomou a iniciativa perguntando quem gostaria de fazer parte da Comissão,

já que percebia que a chance da reunião terminar sem sua formação era

grande. Cabe aqui ressaltar que o que está sendo identificado como

casualidade externa é o momento de formação da Comissão, pois os

momentos em que ela funciona como aglutinadora do grupo são exemplos de

causalidade interna, indicando um aumento de potência de ação do grupo.

Outros momentos em que identificamos a coexistência da internalidade

e da externalidade da causa presentes são, por exemplo, o fato de a divisão

dos recursos arrecadados com a venda de verduras precisar da presença da

1
Representado pela pesquisadora.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .148

pesquisadora para acontecer, assim como a decisão da continuidade das

atividades da horta com a formação de um “novo GP”. Essas eram coisas

desejadas pelos moradores, porém esperaram pela volta da pesquisadora

estando incapazes de resolver tais pendências, embora já tivessem realizado

uma série de ações por conta própria como mencionado anteriormente.

Os colaboradores do Grupo do Plantio podem também ser entendidos

como agentes externos, uma vez que eles não faziam parte da dinâmica de

trabalho do grupo e somente participavam das tomadas de decisão, realizadas

durante as reuniões organizadas pela pesquisadora. Cabe ressaltar que os

colaboradores trouxeram importantes contribuições para a organização do GP.

Em dado momento do processo, um dos colaboradores cobrou do grupo

a normatização do número de faltas que cada um poderia dar, com o intuito de

aumentar assiduidade dos integrantes do GP aos dias de trabalho acordados

em reunião. Esse ponto havia ficado em aberto quando da elaboração do

estatuto pois, uma vez que não houve entendimento sobre o assunto, passou a

se configurar como um ponto de atrito interno do grupo.

Outra dificuldade encontrada refere-se a retirada de verdura da horta.

Foi acordado, em reunião não organizada pela pesquisadora, que o dia de

retirada de verdura para consumo próprio seria o dia do ajutório, pois estariam

todos presentes. Regra essa que não foi cumprida por todos, o que trouxe mais

um dissabor para os encontros do GP. Alguns membros do grupo, em reunião-

ajutório puseram o assunto em pauta e segundo eles o infrator foi justamente a

primeira pessoa a concordar e ratificar perante o grupo essa posição, o que

deixou os demais sem ação.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 149

5.4 NOÇÕES COMUNS: UM PROCESSO EM MOVIMENTO

“O sorriso, a alegria é a coisa mais importante da vida. Um


desanimado desanima uns três ou quatro, mas o sorriso não,
o sorriso anima todo mundo” (Dagoberto, caderno de campo,
30/06/2001).

Durante as reuniões, ao estimularmos a reflexão sobre os prós e

contras, causas e efeitos de determinada situação, podemos dizer que

estimulamos a formação de noções comuns. É possível entendê-las como um

processo de transformação dos encontros através do ato de conhecer,

conhecer a causa dos encontros, tornarmo-nos conscientes de nossos desejos

e motivações e vislumbrarmos possibilidades de atuação.

Esse processo é responsável pela produção de um conhecimento

refletido, pois é a partir da reflexão da situação presente que podemos elaborar

soluções e alternativas capazes de promover a transformação da realidade na

direção da construção de um futuro desejado, o que nos potencializa e está em

consonância com a “pedagogia da demanda”.

Sendo assim, podemos dizer que o processo de transformação dos

encontros é o mesmo processo de produção de conhecimento.

Durante os trabalhos com o GP pudemos identificar a formação de

noções comuns. Se em alguns momentos o estímulo à reflexão do que se

desejava fazer e o que deveria ser feito para realizá-lo gerava longas

discussões sem chegar a uma definição em uma única reunião, em outros

momentos, o resultado era uma definição auto-confiante do grupo do que fazer

e quais os responsáveis, evidenciando assim, tanto a transformação do

encontro como o incremento da potência de ação do grupo e de seus

integrantes.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .150

Esse exercício argumentativo, em determinados momentos, fortalecia

individualmente os componentes do GP sem que instantaneamente o grupo

fosse fortalecido. Já em outros casos, o grupo imediatamente se beneficiava

desse incremento. Espinosa demonstra-nos que o incremento (ou diminuição)

da potência de ação dos sujeitos dá-se em um continuum e não aos saltos, o

que explica que em determinados momentos não possamos detectar a

mudança, pois ela está em curso, não avançou ainda a ponto de poder ser

identificada.

São transcritas abaixo algumas falas de integrantes do GP, durante a

sétima e última reunião do plantio, que denunciam um aumento da potência de

ação de alguns moradores, beneficiando todos os interessados em dar

continuidade às atividades agrícolas na horta, iniciadas há cerca de 14 meses

da data dessa reunião. Trata-se de uma negociação pelo uso do terreno em

que a horta está assentada com a presidência da AABP e seu conselho

deliberativo. A sugestão era que área da horta fosse dividida e cada um tivesse

o seu pedaço para trabalhar individualmente, como as roças do ´tempo dos

antigos´:

“Se tem 3 ou 4 que queiram, divide a horta (...) faz uma divisão
e cada um cuida da sua horta (...) cada um tem um
compromisso e um jeito de proceder. Faz mutirão para ajudar
mas cada um cuida do seu” (Ezequiel, 7ª reunião do plantio,
29/07/2002).
(...)
”A prioridade é para nós que começamos naquele terreno
fechado ali, agora se vier alguém e ficar um pedacinho de
nada que a gente não vai plantar nada então fica com tudo (...)
pq se vier e vai me apertando, me apertando que não der pra
plantar o que eu quero, o que eu gosto então fique com tudo
(...)” (Fernanda, 7ª reunião do plantio, 29/07/2002).
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 151

“Nada disso! Não pode ser assim (...) é a irmandade, tem que
ter irmandade, uma a outro vamos trabalhar? Vamos. Vamos
fazer uma equipe? Vamos. Esse negócio de um pra lá outro
pra cá (...) ai sim, ai pra mim acaba” (Matilde, 7ª reunião do
plantio, 29/07/2002).

Ao final da reunião ficou decidido que todos os interessados

trabalhariam juntos em uma horta comunitária como na primeira fase, ao

contrario do que colocava Ezequiel, o atual presidente da associação.

5.5 A COMPREENSÃO DAS CAUSAS E A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA

Podemos entender que a formação da comissão local para organizar o

andamento das atividades aponta na direção de uma conquista de autonomia

do grupo em relação à presença da pesquisadora. Neste ponto, a discussão

sobre a causalidade interna ou externa nos encontros pode nos ajudar a refletir

sobre o conceito de qualidade política trazido por Demo (1995), que, conforme

explicitado anteriormente, representa a arte da comunidade ou grupo se

autogerir, a capacidade de inventar seu espaço próprio, forjando sua

autodefinição, sua autodeterminação.

No entanto, a construção dessa autonomia não se dá de maneira

homogênea, o gradiente de internalização da causa e seus refluxos repetem-se

ao olharmos para o movimento no interior do próprio GP, quando é possível

notar episódios em que o grupo exercita a autogestão e outros em que se

ausenta da tomada de decisão, esperando que a comissão o faça. Um dos

representantes dessa comissão, após algum período de ausência da

pesquisadora no bairro, realizou, em dois momentos distintos, telefonemas

dando notícias do encaminhamento das ações que haviam sido programadas,

solicitando sua presença para realização de uma reunião. Entendemos que


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .152

estes episódios estão na interface entre a internalização e a externalidade da

causa. Por ocasião do primeiro telefonema, o GP não havia se paralisado

devido à ausência da pesquisadora, empreendia a sua ação, adaptando a

proposta aos seus códigos próprios de relações interpessoais, de

desenvolvimento de trabalhos na terra, de tomada de decisão. No entanto, ao

se deparar com um obstáculo de difícil resolução, segundo explicitado pela voz

ao telefone, precisavam de seu agente externo.

Algo semelhante ocorrera com o segundo telefonema recebido. Quando

o mesmo membro da comissão solicitava a presença da pesquisadora por

declarar que havia tentado algumas vezes fazer uma reunião com o GP e não

tinha conseguido, alegou que a presença da pesquisadora conferiria

legitimidade ao encontro. Aqui se faz importante comentar que as tentativas

ocorreram já em alta temporada turística, estando a grande maioria dos

moradores com muitos afazeres, e que este membro, apesar de também

realizar trabalhos voltados para o turismo, na época possuía estabilidade no

emprego, pois era funcionário público e, portanto, possuía salário fixo ao longo

do ano, bem como décimo terceiro e férias remuneradas, coisa rara no bairro.

5.5.1 PRÁTICAS CULTURAIS, MODOS DE VIDA E CRITÉRIOS PARA DECISÃO

Sem perder de vista os fluxos e refluxos da internalidade (ou

externalidade) da causa dos encontros, caberia procurar dentro do GP as

compreensões diferenciadas a respeito não só das práticas agrícolas, mas

também dos ‘ciclos da vida’.

Antigamente, a vida dos moradores de Pedrinhas era regida pelos ciclos

da natureza - época de caça, época de plantio, época de extração vegetal,

época da pesca, período de chuvas, período de muito sol, período de mutuca e


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 153

assim por diante. Atualmente, muitos moradores se distanciaram desses ciclos

naturais e passaram a ter suas vidas regidas pelo ciclo do turismo, o que

significa ter uma proximidade maior em relação aos dias da semana e do mês

expressos no calendário, assim como com a regência de suas atividades pelas

horas do relógio.

Essa aproximação com o estilo de vida urbano promovido pela presença

dos próprios turistas, tanto os visitantes como aqueles que possuem casas de

veraneio no bairro, oriundos de cidades como São Paulo, trouxeram para

Pedrinhas outros hábitos, valores e desejos. Esses novos hábitos e valores

acarretaram mudanças nas relações sociais do bairro, as quais podem ser

notadas com clareza na fala de alguns moradores com menos de trinta anos

com quem pudemos conversar:

“Dessa parte [agricultura, artesanato] eu não entendo e nem


quero entender, quero é saber de andar de lancha, de sair pra
pescar de lancha com meu patrão” (jovem morador de
Pedrinhas, caderno de campo, 30/06/2001).

Dentro do GP foi possível identificar uma maior ou menor proximidade

do calendário e do relógio de acordo com o tipo de atividade desenvolvida pelo

morador para adquirir seu sustento. Dois diferentes pontos de vista afloraram:

aqueles que achavam que as atividades do GP deveriam continuar durante o

pico da temporada turística e aqueles que achavam que as atividades não

deveriam ter continuidade durante este período. Há diferentes motivos que

explicam as duas posturas. Vale aqui apontar as colocações de Chauí (2000),

que nos lembra que o sujeito é histórico e social, vivendo portanto em

condições materiais determinadas.


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .154

Para aqueles que são funcionários públicos assalariados, as atividades

não deveriam parar, pois mesmo que prestassem algum tipo de serviço aos

turistas, a ocupação do seu tempo não era integral, possibilitando assim a

continuidade dos trabalhos na horta. Aqueles que são trabalhadores

autônomos da construção civil compartilham da opinião de que as atividades

deveriam prosseguir, tendo também tempo disponível para realizá-las. Nos dois

últimos casos a produção da horta representa também fonte de alimento e,

com a interrupção das atividades agrícolas, a falta desses itens alimentares

seria sentida.

Para aqueles que trabalham diretamente com o comércio, as atividades

deveriam ser interrompidas, pois eles não teriam tempo disponível para

dedicar-se ao trabalho na horta, já que é nesta época do ano que se ganha

mais dinheiro, graças ao fluxo turístico que é bastante intenso. Além do fato de

a produção da horta não significar um incremento que faria falta à mesa.

Já para aqueles que continuam a ter suas vidas em íntimo contato com

os ciclos naturais, como é o caso dos que extraem plantas nativas, como

samambaias e musgos, as atividades agrícolas deveriam parar, pois essa

época do ano, que coincide com a alta temporada turística, é a época de muito

sol e não é boa para plantação.

“M: (...) Só não tamo trabalhano porque ocê vê que o sor acabô
com as pranta, mas a gente vai levá em frente. Tem que levá,
né?! Levá em frente ... esse mês de ... (pausa longa) março, nós
imo começá de novo, porque aí chove (...). E nós imo prantá,
tudo que tivé nos imo levar pra lá e prantá. Tudo com pé de
semente.
Pesquisadora: Por que aí o calor já diminuiu?
M: Ah é, o calor já foi embora. Aí já vai pá abril, maio, junho,
julho, agosto. Aí esse mês tudo nós imo trabalhá, que aí é mês
fria, aí dá pra prantá as coisa (...)”. (Matilde – entrevista de
avaliação jan/02)
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 155

Para esse último grupo a prestação de serviços para os turistas também

é um argumento que conta. Para esses integrantes, as verduras fazem falta na

hora das refeições e por isso, em alguns casos, já foram semeados nos

quintais ou na própria horta outros itens alimentares que se desenvolvem bem

nesta época do ano e que não requerem muitos tratos culturais, como o aipim

(mandioca de mesa), a abóbora e a melancia. Daí termos encontrado estas

espécies na “horta-roça” nesta ocasião de alta temporada turística.

5.6 TRISTES ENCONTROS

Ao analisarmos as causas dos encontros deparamo-nos novamente com

o referencial espinosano - encontros alegres (passivos ou ativos) e tristes

(necessariamente passivos). Encontros passivos e tristes são gerados por

idéias inadequadas e são mobilizadores de paixões negativas, de tristezas de

forma geral.

Com esta análise não pretendemos ignorar conflitos familiares e/ou

pessoais históricos e relações de poder entre os moradores de Pedrinhas, pois

alguns deles foram identificados. Verificamos que não foram esses conflitos os

únicos responsáveis pela saída de integrantes do GP e/ou da não entrada de

outros moradores, mas foram eles mais uma tristeza, mais um elemento

constituinte dos conflitos vivenciados nesse processo.

Um exemplo do acima colocado refere-se a Carlota. Logo no início de

sua participação nas reuniões do GP, um integrante do grupo comentou que

era difícil trabalhar com ela, pois sempre ocorriam atritos. No 1o ajutório de

limpeza do terreno da horta, ao ser questionada pela pesquisadora do porquê


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .156

estava empreendendo determinada ação que se chocava com uma decisão

que o grupo tomara minutos antes, mostrou-se contrariada e disse que sairia

do GP por causa disso. No entanto, continuou participando por cerca de mais

dois meses das atividades. Sua saída se deu por mais de um motivo. Um deles

foi a dificuldade de relacionamento com outros membros, chegando a ter “uma

briga feia” (depoimento de integrante do GP) com um outro membro do grupo.

Outro motivo foi um problema de saúde que a impossibilitou de trabalhar por

mais de um mês, depois disso não mais retornou às atividades do plantio.

Além desses episódios no GP, há um conflito de anos entre a família de

Carlota e algumas outras famílias de Pedrinhas aparentadas entre si, por causa

da disputa judicial de um terreno com casa no ‘centro do bairro’, a qual Carlota

perdeu. Esse atrito é incrementado pelo fato de se tratar de uma migrante.

Em depoimento de outro migrante ficou clara a existência de segregação

dos pedrinhenses para com os ‘de fora’, que vão morar no bairro. O que reforça

as colocações de Diegues (1996) quando ressalta a existência de regras que

acabam por excluir aqueles não nascidos na comunidade ou bairro.

“Existem [nas comunidades ditas tradicionais] normas de


exclusão de acesso aos recursos naturais pelos não
comunitários. Estes por sua vez, podem ganhar acesso a
espaços e recursos de uso comum, desde que, de alguma
forma, passem a fazer parte da comunidade (mediante
casamento, compadrio etc.)” (Diegues, 1996:66).

Este outro migrante comentava sua necessidade de realizar tratamento

dentário, e das dificuldades para efetivá-lo, foi-lhe então perguntado sobre o

tratamento dentário que há pouco fora oferecido gratuitamente aos moradores

do bairro no Posto de Saúde com o envio de um dentista do Rotary Club.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 157

“Ah, a gente que é de fora é o último a saber das coisas por


aqui” (morador de Pedrinhas-migrante, caderno de campo,
jan/2002).

Outro depoimento colhido em entrevista individual de avaliação reforça

as colocações acima. O trecho abaixo transcrito refere-se a um momento da

entrevista em que se falava de uma situação de conflito que envolvia um

migrante.
“A gente não conhece as pessoa, não são daqui do lugar. (...)
ela chegô onte aqui no lugar e nós já samo de antonte.
Compreende como que é?!” (entrevista de avaliação,
jan/2002)

Outro exemplo de conflito envolveu a mudança na composição da

comissão, que era formada por três integrantes do GP – um homem, um jovem

também do sexo masculino e uma mulher. Após aproximadamente um mês de

trabalho na horta, despontou a necessidade de alteração. Durante a 4a reunião,

o membro que desejava deixar a comissão, Augusto, saiu mais cedo deixando

um recado, com outro integrante, expressando seu desejo. Questionou-se

tomar esta decisão na ausência do interessado, e sobretudo sem quorum

suficiente na reunião. Vale explicitar que a adesão de Augusto à comissão não

havia sido espontânea, mas sim induzida, o que sugere a não internalização da

causa do encontro, a formação da comissão.

Um outro ponto discutido nessa reunião foi a entrada de duas mulheres

no GP, pois elas já tinham um histórico de relacionamento com o grupo.

Mariinha foi uma das pessoas que desde o início abraçou a idéia de retomada

de atividades agrícolas ajudando, dessa forma, na formação do GP. Ela deixou

de participar das atividades do plantio devido a uma fratura no pé e, uma vez

que seu marido e filhos não se interessaram em participar, ficou sem ter quem

a representasse nos dias de trabalho. Margarida, no início das atividades


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .158

concretas ligadas à horta, trabalhava como acompanhante noturna de uma

senhora idosa, participando portanto apenas do início das reuniões, pois havia

choque de horários entre as reuniões e seu trabalho. Além disso, ela se

envolveu espontaneamente com o preparo de lanche da manhã e da tarde para

os que trabalhavam no primeiro ajutório, tendo inclusive um de seus filhos

trabalhando na horta.

No entender dos presentes à 4a reunião, ambas deveriam compor o GP.

Assim que os presentes votaram ‘sim’ à participação das duas, faltando apenas

a confirmação dos ausentes, Margarida declarou que uma vez que seu filho

Augusto deixaria a comissão, ela sairia também. Imediatamente o grupo todo

se mobilizou para explicar-lhe que ele havia manifestado seu desejo de sair da

comissão, mas que continuaria fazendo parte do GP. Ela, no entanto, disse que

de qualquer forma não participaria mais. Alguns moradores do bairro fizeram

relação dessa atitude assumida por Margarida com outros episódios em que

ela se posicionou de forma dúbia frente a um acordo estabelecido, não dando

continuidade às tarefas acordadas. Podemos interpretar o acontecido no GP

como um desejo dela de participar das reuniões, destes momentos de encontro

do grupo, e um não-desejo de trabalhar efetivamente na horta, uma vez que

Margarida declarou, em mais de uma oportunidade, gostar de participar das

reuniões, das conversas sobre o plantio. Ela compareceu a mais uma reunião,

mas seu filho não. Posteriormente, um outro membro do grupo declarou que a

ausência dele se devia a um impedimento imposto por Margarida, alegando

que o GP havia dito que ele “não fazia nada”, em contraposição às colocações

do grupo que dizia que ele “trabalha bem”. Vale colocar que, em momento

anterior a esta 4a reunião, o jovem dizia estar gostando de fazer parte do GP.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 159

Nesta mesma 4a reunião, Margarida questionou se um outro integrante

tem de fato participado das atividades da horta. Era justamente o integrante

que estava sendo apontado para substituir seu filho na comissão. Vale

esclarecer a existência aí também de um conflito familiar: Margarida foi criada

pelo líder comunitário que antecedeu e se opõe ao atual, este último parte da

família do novo integrante da comissão. Desta forma faz-se aqui evidente que o

conflito preexistente não foi a única causa da saída de Augusto do GP, mas

como enunciado anteriormente configura-se como mais uma tristeza, mais um

elemento que somado à externalidade da causa de sua adesão à comissão,

culminou na sua desistência da participação no grupo como um todo e não

apenas na comissão.

Ainda no tocante à comissão descrevemos aqui mais um conflito. Um

terceiro membro da comissão, que é migrante, parece ter compreendido que

seu papel legitimava um ´poder de mando´ sobre os outros membros do GP.

Vários episódios de desentendimentos foram descritos por vários membros do

grupo e invariavelmente a reclamação era: ‘ela é muito mandona, quer fazer

tudo do jeito dela’. Aqui se evidencia a passividade desse encontro, pois o

papel da comissão era de articular e ajudar na coordenação das atividades do

GP e não determinar o que e como seria feito. A situação de conflito aqui

demonstra a não compreensão da natureza do encontro e a conseqüente não

internalização de sua causa.

Seriam esses aqueles encontros tristes apontados por Sawaia (2001)

como relacionados à potência de padecer em que o indivíduo se torna joguete

dos acontecimentos?
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .160

Como poderiam ser transformados esses encontros tristes em encontros

alegres e, desta forma, incrementar a potência de ação destes moradores? De

que maneira podemos ser mais facilmente afetados de forma positiva pelo

outro?

5.7 PARTICIPAÇÃO COMO POTÊNCIA DE AÇÃO

“Vocês [pesquisadora e grupo EA] conquistaram espaço na


comunidade. O trabalho de vocês ajuda o nosso [da
associação], porque vai cutucando o pessoal pra participar.
(...) devagarinho a gente vai envolvendo o pessoal pra
participar” (Omar, caderno de campo, 29/07/2002).

De acordo com as colocações feitas no capítulo 2 podemos dizer que

participação e ação coletiva estão diretamente relacionadas, e que nossa

potência de ação está intimamente ligada com nossa capacidade de ser

afetado pelo outro. Logo podemos dizer que estamos potentes para agir

quando estamos capazes de empreender uma ação coletiva.

Dessas colocações podemos compreender que nossa capacidade de

ser afetado pelo outro relaciona-se com nossa capacidade de nos comunicar

com o outro das mais diversas formas e não apenas verbalmente. Referimo-

nos aqui a um sentido mais amplo de comunicação, de modo a compreender o

que outro deseja dizer seja por gestos, atitudes, expressões, palavras, meias-

palavras, textos, sorrisos, poemas etc. E de maneira análoga fazer com que o

outro compreenda a mensagem que desejamos transmitir.

Nesse sentido, podemos dizer que as reuniões do plantio visaram o

incremento da potência de ação do GP e dos indivíduos que o compõem, na

medida que sempre procurou estimular o diálogo entre os participantes.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 161

Entendemos como primordial este estímulo à capacidade de comunicação dos

membros do grupo, pois dessa maneira criava-se a possibilidade de que

futuramente os planejamentos pudessem acontecer sem a presença de

agentes externos, para que o GP fosse autônomo, capaz de traçar seus

próprios objetivos e articular ações para alcançá-los.

As reuniões foram planejadas para constituírem-se como espaço de

locução em que a capacidade argumentativa dos integrantes do GP fosse

exercitada, buscando fomentar o processo reflexivo necessário à produção de

conhecimento, como nos disse Espinosa2. O que não significa desqualificar os

códigos locais e suas formas de produção de conhecimento, pois sempre foi

estimulado que os participantes expusessem sua lógica, sua visão de mundo e,

portanto, essa era a base das reflexões realizadas com vistas a encontrar

soluções aos obstáculos conforme eles iam se apresentando.

Procurou-se respeitar também, além da forma argumentativa, outras

linguagens presentes na cultura caiçara: as piadas e histórias contadas nos

encontros, a conversa informal pelas ruas do bairro, etc.

Tanto a recomposição da trajetória pessoal, como a de cenas em que os

participantes haviam se envolvido com mutirões foram momentos muito

importantes de uma das reuniões do plantio que, no nosso entender,

contribuíram para fomentar e/ou fortalecer a coesão no grupo, rememorando

uma cumplicidade vivida em outros tempos e possibilitando aos mais jovens e

aos migrantes tanto partilhar das histórias que aconteceram no local como

trazer também histórias de outros lugares. Este momento de contar a história

2
Cf. Capítulo 2, pp. 63-67 do presente texto, sobre a produção de conhecimento em Espinosa.
Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .162

de vida pode representar uma releitura do passado no presente, possibilitando

uma reflexão crítica a respeito da própria realidade.

Na reunião em que promovemos a recomposição dessas experiências

todos os participantes envolveram-se bastante, criando uma atmosfera de

descontração e boas lembranças. Junto da evidente organização da

comunidade para resolver seus problemas de maneira coletiva, foram revividos

os momentos dos bailes, das trilhas difíceis para se chegar a outras localidades

que chamavam o pessoal de Pedrinhas para participar de mutirões. Tudo

repleto do bom humor que caracterizou as reuniões do plantio, mas sem deixar

de estar presente um clima de nostalgia, o que levou um participante a

comentar, quase num suspiro: "Tempos de mutirão!"

5.8 DIÁLOGO DE SABERES?

As dificuldades surgidas foram enfrentadas com base nos

conhecimentos disponíveis na comunidade e naqueles trazidos pela

pesquisadora e pelo Grupo de EA, o que possibilitou, em alguns momentos, um

diálogo entre os diferentes saberes. Cabe aqui ressaltar que entendemos o

diálogo como fruto da práxis, sendo, portanto, a reflexão geradora de

consciência sobre a situação atual vista como fundamental para sua alteração

na direção desejada, ou, como dito anteriormente por Gutierrez & Prado (1999)

neste texto, deve-se “buscar (...) a construção de um presente capaz de

projetar um futuro melhor”.

Trazemos abaixo algumas situações vividas no GP em que podemos

sugerir e questionar a ocorrência de um diálogo entre diferentes modos de

conhecimento.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 163

Após o GP ter realizado a primeira limpeza do terreno, iniciando assim

os trabalhos da horta, o grupo optou pela queima o capim dali retirado. Ao final

da reunião seguinte, iniciou-se uma conversa sobre técnicas de controle de

“pragas” sem o uso de insumos químicos industriais e sobre consorciamento de

hortaliças, a partir da apresentação de um material levado pela pesquisadora e

disponibilizado para estudos posteriores.

Os presentes receberam com bastante interesse a proposta. Aqueles

que sabiam ler, duas pessoas naquele momento da reunião, comprometeram-

se a estar “passando para os outros”, para usar a linguagem local, o que foi

apreendido da leitura realizada, tendo um dos membros da comissão ficado

responsável pelo material.

No encontro seguinte, a pesquisadora sugeriu que se convidasse um

agricultor da região, com conhecimentos sobre agricultura orgânica e

agrofloresta para uma conversa e um dia de trabalho em ajutório para que o

GP pudesse conhecer a experiência de cinco anos por ele acumulada, tendo

em vista impulsionar a produção da horta. A proposta foi votada e aprovada

pelo grupo.

Em momento nenhum a pesquisadora reprimiu ou se opôs à queima do

capim, embora tenha negociado com o grupo a confeccção de um acero para

evitar que o fogo se espalhasse e tenha argumentado que a incorporação

daquele capim ao solo aumentaria sua fertilidade, pois estaria servindo com

adubo para a futura plantação.

Tendo em vista um dos princípios balizadores da concepção de

Educação Ambiental que rege esta pesquisa, o da “horizontalização entre os

diferentes saberes em processos educativos constituir-se, potencialmente, em


Capítulo 5: Aprendizado da participação como processo . .164

exercício de participação política”, no lugar de simplesmente desaprovar a

decisão do grupo a opção foi a de oferecer-lhe elementos concretos que

servissem de estímulo à adoção de prática agrícola com maior consonância

com a conservação ambiental, que necessitasse de menos investimento

financeiro para se viabilizar e que ainda contribuísse com uma melhora

qualitativa da alimentação dos moradores. Buscando assim a implementação

de uma prática educativa não impositiva e que “reconhecesse o papel ativo do

sujeito no processo de conhecimento”, respeitando assim outro pressuposto

balizador deste trabalho (Costa-Pinto et alli, 2001:4).

Essa estratégia mostrou-se bastante eficaz na medida em que foram

sendo gradativamente adotadas pelo grupo elementos da agricultura orgânica

para produção de alimentos, inclusive na sua segunda fase do Grupo do

Plantio.

Uma liderança dessa segunda fase do GP declarou estar fazendo uso

do material sobre agricultura orgânica, deixado pela pesquisadora na biblioteca

pública do bairro, e explicita uma relação dialógica entre o conteúdo deste

material e as técnicas utilizadas na agricultura ´tradicional´ caiçara, trazidas

pelos mais velhos para o cotidiano de trabalho na horta.

“Às vezes o pessoal mais velho não aceita muito, mas a gente
vai conversando. Às vezes a gente cede um pouco pra depois
eles cederem pra gente. Isso dá pra levar” (Gustavo, caderno
de campo, 25/11/2002).

A consciência dos desejos e das regras, por parte do GP, despontou aos

nossos olhos nos momentos em que houve a sistematização dos mesmos e

apresentação para o GP por parte do agente externo. Nesses momentos

percebíamos que os integrantes do grupo reconheciam-se na síntese


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 165

apresentada. No entanto, podemos questionar a ocorrência desta identificação,

pois uma vez que o conhecimento está vinculado às práticas sociais e às

culturas, corremos o risco de não reconhecer a expressão da consciência dos

seus desejos e regras por diferir da nossa maneira de construir conhecimento.

Como nos lembra Boaventura de Souza Santos é fundamental atentarmos para

esta imposição de uma epistemologia científica como a única forma legítima de

se construir conhecimento, o que o autor chama de “epistemicídio” (Santos,

1999: 328-30).

Corremos sempre o risco, portanto, de nos contradizer na proposta de

estabelecer um diálogo de saberes, pois a nossa linguagem, a maneira como

organizamos nossas idéias estão imbuídas de uma cultura própria, diversa da

daqueles sujeitos com os quais trabalhamos nesta pesquisa. Estar muito atento

é essencial, pois sabemos da enorme legitimidade do conhecimento científico e

da relação de poder intrínseca que há na sua troca com outros saberes.

Como se manifesta esta consciência de desejos e de regras entre os

moradores envolvidos com o ‘plantio’ em sua prática cotidiana? Nos

depoimentos de alguns deles é possível identificar um descontentamento em

relação àqueles que não cumprem as regras por eles estabelecidas. Até que

ponto são consideradas legítimas as regras traçadas nas `reuniões do plantio’,

que trazem em si embutida uma estrutura diferenciada da forma que lhes é

usual? Percebemos que o próprio ajutório é um momento de estabelecimento e

revisão de regras e tomada de decisão. Ali, entre uma leira e outra.


Capítulo 6: Uma tessitura 166

C APÍTULO 6 .

UMA TESSITURA

Tece o tecido a tecelã,


talvez tosco, tímido,
talvez teso, tenso, intenso.

Tinindo o tear,
trançando nos fios tesos
a ternura de seu cantar,
assim a tecedeira tece1.

E ste capítulo apresenta a tessitura final deste estudo que, com base no

referencial teórico-metodológico e nas experiências vivenciadas junto aos

moradores do bairro de Pedrinhas no interior da APA-IC, procura tecer propostas

ao apontar possibilidades para práticas de Educação Ambiental pautadas pela

busca do incremento da potência de ação de grupos e indivíduos. Este texto traz

também sugestões de avaliadores de potência de ação, compreendida aqui como

um indicador possível da participação em processos de educação ambiental.

1
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 167

6.1 A PROCURA DE AVALIADORES

Avaliar é uma tentativa de objetivar a realidade, sistematizando dados e

informações que produzam conhecimentos na perspectiva de melhor compreendê-

la. Esta tarefa não é trivial uma vez que não é possível um espelhamento

completo da realidade, é preciso fragmentá-la, recortá-la para que se possa emitir

juízos a respeito de terem sido ou não alcançados os propósitos de uma

determinada ação (Tassara, 2002). Assim sendo, podemos dizer que ao

realizarmos avaliações obtemos “retratos instantâneos” da situação em questão.

“Objetivar, articular uma idéia sobre um projeto que está inscrito


no tempo e, portanto, em uma continuidade, com uma medida
qualquer, que é algo recortado, picado, circunscrito, é
extremamente complexo. Trata-se de buscar uma
representatividade dos fatos em seus recortes mensurativos. Para
encontrar essa representatividade, é preciso saber muito bem o
que se quer produzir” (Tassara, 2002:12).

Segundo Tassara (2002), ao pensarmos em avaliação, o primeiro ponto a

ser averiguado é saber se o projeto conseguiu produzir as transformações

pretendidas. Para tanto, há algumas perguntas orientadoras a serem feitas para o

projeto que se pretende avaliar, tais como: O que se pretende? Quem defende a

proposta? Para que público se destina? Qual é a desejabilidade pretendida?

Quando falamos em desejabilidade, de acordo com esta autora, estamos

nos referimos aos desejos de quem o projeto almeja garantir a expressão (Do

financiador? Do proponente? Do público alvo?).

A proposta da pesquisa apresentada neste texto possui como objetivo

maior “contribuir para a decodificação de elementos que possam propiciar uma


Capítulo 6: Uma tessitura 168

cultura participativa, oferecendo subsídios para o enfrentamento das lacunas de

conhecimento existentes no campo da Educação Ambiental a respeito de seus

elementos fundantes, a partir de uma intervenção educacional voltada à

ressignificação de práticas culturais de ajuda mútua”, conforme expresso

anteriormente (p. 26 deste texto).

Esta pesquisa-intervenção esteve preocupada, desde o início da concepção

da proposta, com a desejabilidade dos moradores de Pedrinhas e as ações

realizadas buscaram sempre trazer esses desejos à tona, propiciar e estimular

que os moradores refletissem sobre eles para que a partir deles tomassem

decisões. Estando em consonância com as colocações de Espinosa, para quem a

consciência da causa dos desejos é fundamental para a promoção de um

incremento de potência de ação dos indivíduos e grupos para que, desta forma,

possam ser desenvolvidas atitudes éticas.

Assim sendo, durante todo o processo vivido junto ao Grupo do Plantio a

desejabilidade de seus integrantes foi tratada como uma estratégia política de

planejamento, tendo na participação fundamento e perspectiva, visando o

despertar e/ou incrementar a potência de ação dos sujeitos.

Podemos depreender deste estudo que potência de ação é algo que está

dentro do indivíduo (e/ou de um coletivo) e relaciona-se com o que está fora dele

(no mundo) uma vez que pressupõe o encontro; tem estreita relação com alegria;

com o aprendizado de novos repertórios; com o conhecimento das regras e

normas que circundam o sujeito; com a realização de ações desejadas e com a


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 169

realização coletiva de trabalhos. Faz também parte de seu cerne a união do grupo

que trabalha junto e a autonomia – liberdade de pensar e agir por conta própria.

Vale aqui ressaltar que, para Espinosa, tanto a produção de conhecimento

como a transformação dos encontros se dá via conhecimento da causa, via

reflexão, portanto em consonância com a proposta teórico-metodológica

balizadora desta pesquisa baseada na práxis.

Segundo Tassara (2002), a junção de abordagens trazidas pela pedagogia

e pela psicologia social para o estudo de comunidades com as estratégias

participativas de planejamento, permitiu que estas últimas passassem a ser

incorporadas aos projetos no sentido de desvelar os desejos do público alvo em

questão além de agregar-lhes o valor da ética democrática da decisão.

Dentro dessa perspectiva, a autora aponta duas dimensões do

planejamento: a técnica e a política. A dimensão técnica refere-se a como

alcançar os objetivos traçados, como ter eficiência nos procedimentos escolhidos.

E a dimensão política refere-se ao respeito ao outro, através do respeito aos seus

desejos. Estas duas dimensões articulam-se, de modo a colocar o envolvimento

do público alvo das ações pretendidas como algo necessário ao longo de todo o

projeto, inclusive durante seu delineamento.

“Colocado desta forma, o respeito ao outro extrapola as fronteiras


do problema ético para se transformar em um problema político e,
em muitas circunstâncias, a participação passa a ser vista como a
possibilidade de aumento do impacto do projeto social,
intensificando o controle democrático do Estado pela sociedade
civil. E aí, a participação torna-se estratégia política” (Tassara,
2002:10).
Capítulo 6: Uma tessitura 170

Esta mesma autora nos diz ainda que para pensarmos a avaliação de

projetos que procuram interferir na realidade social, modificando-a de alguma

forma, é preciso tocar o cerne da questão, olhar para o desenvolvimento histórico

como uma construção e não como algo dado que acontece espontaneamente

independente do desejo e ação das pessoas (Tassara, 2002:2). Se o objetivo do

projeto é a transformação da realidade faz-se necessário saber “qual é a cultura

daquelas pessoas, como elas se expressam tecnicamente, como elas encaram ou

se aplicam no trabalho, como elas se integram na organização do ambiente”

(Tassara, 2002:8).

Além destes dois níveis que se busca avaliar, o técnico e o político, há

ainda um terceiro a ser considerado: “a busca do protagonismo existencial e

político do indivíduo” que de acordo com Tassara (2002:13) é a eficácia máxima, o

que, nas palavras da autora, significa que um projeto será auto-sustentável

quando:

“os sujeitos nele envolvidos passarem a ter a possibilidade de


auto-regerem a sua subsistência, buscando elementos para
sobreviver em condições outras que não aquelas oferecidas pelo
projeto, e se incluindo no esquema de poder que relaciona o
Estado com a sociedade” (Tassara, 2002:13).

Podemos entender a busca pelo incremento da potência de ação do sujeito

como a busca do protagonismo existencial e político enunciado por Tassara

(2002).

Tendo em mente o exposto acima podemos apontar duas dimensões da

participação: uma interior/subjetiva/individual e outra coletiva/política. Cabe dizer

que essas duas dimensões não são estanques, nem seu desenvolvimento é
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 171

linear, não se pode esperar que primeiro se desenvolva a individual/subjetiva e

depois a coletiva/política, elas se permeiam e alternam continuamente de maneira

complexa em uma relação de recursividade. Assim sendo, acreditamos poder

delimitar avaliadores que nos possibilitem avaliar a presença e/ou incremento da

potência de ação dos sujeitos (individuais e/ou coletivos) ao longo do processo.

A avaliação quantitativa das ações realizadas pode constituir-se em

indicador objetivo de participação, porém acreditamos que não seja suficiente,

pois as tarefas cumpridas podem ser resultados de encontros passivos e no limite

tristes, ou seja, de motivação externa, tais como ganhos monetários ou políticos,

não relacionados ao aprendizado da participação. Temos indicações de que, no

balanço, o processo vivido pelo GP pode ser caracterizado como alegre, porém

buscamos apontar outros indícios que possam permitir-nos uma análise sobre a

transição do passivo para ativo, que também acreditamos presente. No entanto,

conforme já apontado no referencial teórico e no capítulo 5 desta dissertação, a

transição é concebida como um continuum que necessita ser compreendida no

seu gradiente de incremento ou diminuição.

Vale aqui relembrar que Espinosa nos diz que uma coletividade possui um

conatus próprio, coletivo e, portanto, uma potência de ação desmesuradamente

maior que as potências individuais (p. 71-72 deste texto).

Tendo em vista o acima exposto, passaremos agora à apresentação das

sugestões de avaliadores elaboradas a partir das vivências, leituras e reflexões

desta pesquisa.
Capítulo 6: Uma tessitura 172

A dimensão subjetiva/individual/interna da participação tem relação com a

existência do indivíduo no mundo e sua inserção no coletivo, quando o indivíduo

se percebe no grupo, se percebe no encontro. Podemos aqui elencar algumas

colocações que dialogam com as proposições de Sorrentino (2002) e que

poderiam configurar-se como avaliadores do indicador de potência de ação desta

dimensão:

a) Capacidade do indivíduo de refletir sobre seus desejos e aspirações e


ter clareza do que realmente o mobiliza;
b) Capacidade do indivíduo de enunciar seus desejos para um coletivo;
c) Capacidade do indivíduo de ouvir o outro e respeitá-lo, respeitando seus
desejos;
d) Capacidade do indivíduo perceber-se criticamente em um coletivo;
e) Capacidade do indivíduo de discutir/negociar seus desejos com os
desejos dos outros (grupos ou indivíduos);
f) Capacidade do indivíduo de realizar ações coletivamente, estando
comprometido com a coletividade em questão;
g) Capacidade do indivíduo de analisar criticamente o que o distancia da
realização de seus desejos;
h) Capacidade do indivíduo de avaliar as ações realizadas e os resultados
obtidos;
i) Capacidade do indivíduo de debater alternativas e planejar soluções
para os problemas que o distanciam de seus desejos;
j) Capacidade do indivíduo de se manifestar satisfeito ou insatisfeito com o
rumo das ações empreendidas.

A dimensão coletiva/política da participação nos remete à qualidade da

relação do grupo com outros grupos, com o Estado e/ou com o mercado. A

potência de agir do grupo também pode constituir-se em um indicador relevante


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 173

da participação. É importante lembrar que outros indicadores precisam a ele ser

agregados para podermos avaliar se a participação tem ou não um sentido

emancipatório, voltada ao bem comum.

Seguem abaixo algumas colocações que podem configurar-se como

avaliadores do indicador de potência de ação desta dimensão coletiva, que estão

em diálogo com as proposições de Tassara (2002) e Demo (1995):

a) Capacidade do grupo de ouvir outros grupos e/ou indivíduos e


respeitá-lo(s), respeitando seus desejos;
b) Capacidade do grupo de compreender os fundamentos estratégicos
dos processos participativos;
c) Possibilidade da autogestão coletiva da própria subsistência;
d) Clareza coletiva na relação com o Estado e com grupos
hegemônicos, buscando identificar formas de assistencialismo e
paternalismo;
e) Clareza do grupo sobre a construção de espaço próprio junto às
políticas públicas, o que leva a reivindicar direitos e não pedir
favores;
f) Legitimidade da liderança;
g) Capacidade do grupo se pensar criticamente;
h) Capacidade do grupo de oferecer soluções próprias;
i) Capacidade do grupo de negociar com outros grupos, com o Estado
e/ou com o mercado;
j) Capacidade de avaliar as ações realizadas e os resultados obtidos;
k) Capacidade de debater alternativas e planejar soluções para
resoluções de problemas que distancia o grupo de seus desejos;

Durante o processo vivido pelo GP a maior parte das ações destinava-se a

trabalhar a dimensão individual/subjetiva da participação, mas não é possível

separá-la da dimensão coletiva/política, que foi também fomentada na medida em


Capítulo 6: Uma tessitura 174

que se exercitou um diálogo entre o GP, associação de moradores e lideranças do

bairro.

Contudo cabe colocar não ter sido possível levar a cabo a decodificação da

legislação ambiental referente a APA-IC, como inicialmente previsto pelo projeto

de pesquisa (p. 26 deste texto) como forma de iniciar uma reflexão mais profunda

da relação do GP e dos moradores de Pedrinhas com o Estado, em virtude da

falta de tempo para evoluir-se na maturidade organizacional do próprio grupo,

conforme apontado no capítulo anterior. Questões ligadas à organização interna

do GP colocaram-se como prioritárias. O momento que se anunciou como

possibilidade de trabalhar a legislação teve como empecilho o tempo institucional

da pesquisa de mestrado.

O anúncio da possibilidade de trabalhar a legislação, mencionado acima,

refere-se ao momento em que o fazer abstrato, o planejar e as discussões mais

estruturais começavam a ser valorizadas e internalizadas pelos membros do GP.

Conforme já trazido no capítulo anterior, no início dos trabalhos as ações do

Grupo do Plantio estavam muito voltadas ao fazer concreto, mostrando-se difícil a

execução de atividades que exigissem muita abstração, sendo estas inclusive alvo

de críticas conforme já mencionado neste texto (p. 140).

6.2 POTÊNCIA DE AÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA EDUCATIVA

Com base nas reflexões expostas anteriormente compreendemos que o

processo educativo visa o despertar e/ou o fortalecer das potências de ação de

educandos e educadores, pois como nos lembra Demo (1995:20) "educação é

essencialmente auto-educação, ou seja, não é tanto obra do educador, mas do


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 175

educando. Por outro lado a obra e arte do educador não será jamais fabricar o

educando, o discípulo, o assecla, mas motivar magicamente as capacidades do

educando, para que ele também seja um educador".

Há alguns pontos que poderíamos destacar das reflexões espinosanas

pensando em uma Educação Ambiental que se paute pela potência de ação:

Primeiramente focalizando os encontros, poderíamos aqui fazer a pergunta

’como propiciar bons encontros através de práticas de Educação Ambiental?’.

Espinosa nos diz ser isto possível a partir da internalização das causas dos

encontros. Uma Educação Ambiental que busque estabelecer um diálogo entre

saberes parece indicar este caminho, pois uma prática dialógica nos remete a uma

situação em que as partes envolvidas estão em “confronto comunicativo” (Santos,

1999), o que implica a adoção de uma pedagogia não impositiva, buscando

fortalecer a possibilidade dos sujeitos se reconhecerem no que está em

construção.

No nosso entender, as reflexões sobre potência de ação sugerem que se

parta de repertórios próprios, pré-existentes, que os sujeitos envolvidos já

conhecem, conferindo assim sentido ao processo de construção de um novo

conhecimento, pois, como nos disse Espinosa, para que um novo conhecimento

seja produzido é essencial reconhecer as condições existentes e não negá-las,

pois é com base nessas condições que o processo se iniciará. A construção desse

conhecimento passa justamente pela formação de noções comuns. Sendo o

processo dialógico a própria formação das noções comuns.


Capítulo 6: Uma tessitura 176

Compreendemos que a noção comum é passível de ser detectada na vida

prática, no momento em que as pessoas tomam iniciativas próprias na direção da

continuidade das ações provenientes dos encontros, indicando assim a

apropriação da(s) causa(s).

Se pensarmos em uma Educação Ambiental que tem por objetivo a

formação de sujeitos sociais, fazedores de seus direitos, parece-nos bastante

pertinente pensar a construção da noção comum de Espinosa.

Podemos também enunciar este processo sob a óptica da aprendizagem,

isto é, o aprendizado de repertórios que propicia a construção de um

conhecimento capaz de criar soluções inovadoras e apropriadas para problemas

cotidianos, podendo dessa forma apontar para alternativas de desenvolvimento

local e envolvimento das populações residentes em consonância com a

conservação ambiental.

Em busca de delinear alguns contornos de uma prática educativa inspirada

no referencial teórico-metodológico desta pesquisa-intervenção em diálogo com as

experiências vividas e compartilhadas com os moradores de Pedrinhas, foi

possível pensar sugestões de procedimentos para seu desenvolvimento. Neste

ponto parece pertinente fazer duas ressalvas. A primeira delas refere-se ao fato de

o educador/facilitador não necessariamente precisar ser alguém externo a

comunidade a que se destina o projeto de educação ambiental.

A segunda diz respeito a não linearidade dos procedimentos apresentados.

Ainda que eles estejam organizados em tópicos, estes procedimentos permeiam-

se continuamente em uma relação recursiva, não sendo portanto apresentados


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 177

como uma seqüência a ser percorrida linearmente em que o tópico anunciado

primeiro é pré-requisito para que o outro possa ser desenvolvido. São aqui

expostos separadamente e na forma de itens com o intuito de facilitar a

compreensão do(a) leitor(a), exceção feita ao pré-diagnóstico, que, como a própria

denominação indica, deve ocorrer previamente. São eles:

Tópico 1. Pré-diagnóstico. Levantamento prévio da realidade local através

de fontes secundárias e de visitas a campo que o educador/facilitador deve

realizar. Sugerimos o levantamento preliminar de:

a) Interesses da comunidade em questão;


b) Situação sócio-ambiental da comunidade;
c) Estrutura política da comunidade: presença ou ausência de lideranças e
grupos organizados, institucionalizados ou não, e a relação entre eles;
d) Tamanho da comunidade (nº de indivíduos e /ou famílias);
e) Atividades econômicas desenvolvidas;

Tópico 2. Aprofundamento dos conhecimentos sobre a realidade local em

suas várias dimensões (política, econômica, social, cultural e ambiental), pois sem

o aprofundamento desse conhecimento torna-se difícil animar processos

educacionais participativos afinados com a conservação ambiental, com a cultura

e com a desejabilidade dos atores envolvidos.

Para tanto propomos que esse aprofundamento seja realizado

coletivamente (educador/facilitador e o coletivo da comunidade que se mobilizou).

Contudo vale ressaltar que, por vezes, não é possível levantar tudo conjuntamente

e neste caso sugerimos que os pontos levantados fora do coletivo sejam a ele

trazidos. Entendemos ser importante mencionar que esse tópico procura propiciar,
Capítulo 6: Uma tessitura 178

de forma organizada e intencional, a reflexão da comunidade sobre os itens

apontados no tópico anterior e neste, através da criação de espaços capazes de

gerar bons encontros.

a) Conhecer as atividades econômicas desenvolvidas na comunidade


(mulheres, homens, jovens e idosos);
b) Conhecer as atividades de lazer desenvolvidas/desfrutadas pela
comunidade;
c) Conhecer as atividades religiosas desenvolvidas na comunidade;

d) Conhecer o significado que as pessoas atribuem às coisas (religião,


trabalho, lazer, ambiente, natureza etc.);
e) Conhecer os valores que as pessoas atribuem às coisas que as cercam
(histórias da localidade, mitos, lendas, piadas, costumes, tradições,
alimentos, festas etc.);
f) Conhecer a organização social e política da comunidade;
g) Conhecer os desejos das pessoas para seu próprio futuro e para o
futuro da comunidade;
h) Conhecer os problemas sociais e ambientais existentes, sendo eles
reconhecidos ou não pela comunidade como relevantes.

Tópico 3. Busca da explicitação dos desejos dos atores envolvidos e da

negociação dos objetivos comuns e dos caminhos para conquistá-los, tendo em

vista a superação dos obstáculos detectados nesse processo. Para tanto

sugerimos:

a) Conhecimento das regras que regem o que circunda os atores


interessados, ou seja, seu espaço de vida;
b) Conhecimento do processo de estabelecimento dessas regras –
recomposição do caminho que faz que regras interfiram nas práticas
sociais;
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 179

c) Estabelecimento de metas, ações e seus respectivos responsáveis,


visando caminhar na direção da realização dos sonhos/desejos dos
atores em questão;
d) Reflexão continuada a respeito dos desejos que mobilizam os atores
sociais interessados e sobre as ações empreendidas (práxis) - ter na
transformação material do mundo um estímulo à reflexão e vice-versa.

Cabe ainda fazer duas colocações que servem para os três tópicos acima

descritos que estão em consonância com as colocações de Gutiérrez & Prado

(1999). A primeira refere-se ao tempo: não se deve subestimar o tempo

necessário ao desenrolar de processos educativos. Os processos educacionais

são consumidores de tempo uma vez que requerem o respeito aos diferentes

ritmos dos indivíduos e grupos.

A segunda refere-se ao conhecimento técnico-científico: deve-se levar em

conta também o conhecimento técnico-científico na hora de planejar as ações a

serem empreendidas na direção da realização dos desejos dos atores envolvidos,

pois este se faz importante no delineamento de ações que estejam em

consonância com a conservação ambiental, pois segundo Demo (1995:42) “o que

a comunidade coloca também é discutível” e desta forma evita-se a “cegueira

científica como se a comunidade tivesse sempre razão”.

Outro ponto relevante a ser comentado refere-se à necessidade e à

pertinência da valorização das pequenas conquistas marginais ao longo do

processo educativo para atingir seu objetivo central - o movimento de fluxo e

refluxo na apropriação das causas de que falávamos no capítulo 5. Com isso

valorizamos os pequenos incrementos de potência de ação, conquistados durante


Capítulo 6: Uma tessitura 180

o processo vivido, até que possamos detectar um gradiente significativo de

aumento da potência de agir dos sujeitos.

Ainda para a realização dos tópicos supracitados entendemos como

necessário que o animador do processo educativo acima enunciado tenha uma

formação adequada ao desenvolvimento desse processo. Neste ponto parece-nos

pertinente fazer um esclarecimento, chamamos de formação adequada de um

educador ambiental, entre outras coisas, sua vivência em processos participativos,

pois como nos coloca Demo (1995) a vivência participativa não “cai do céu” por

descuido e, para além de leitura minuciosa e boa vontade, requer prática

cuidadosa e persistente. À medida que vivenciamos processos participativos nos

capacitamos para conduzí-los e diminuímos o risco de fomentarmos processos

pseudamente participativos, que no lugar de estimular um incremento na potência

de ação dos sujeitos crie/recrie/reforce sua condição de objeto.

Pensar na atuação de educadores e educadoras ambientais requer,

portanto, trazer uma reflexão sobre as concepções que embasam sua prática

educativa. Acreditamos que todos podem ser educadores ambientais, desde que

se capacitem para tanto, o que não se dá necessariamente através de um curso

superior. O que frisamos aqui é a necessidade de sua formação para conduzir

processos participativos.

6.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conciliar populações humanas (“tradicionais”) e Unidades de Conservação

exige um salto qualitativo que vai além das respostas imediatas que têm sido

dadas para o manejo do palmito, manejo da samambaia etc. Exige uma leitura
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 181

sobre a pertinência e a essencialidade de se fazer esse diálogo entre o

conhecimento erudito e o conhecimento popular, para que desse conhecimento

híbrido emerja um novo sentimento de identificação com a área como Unidade de

Conservação. Não se questiona a importância desse ideal, que apresentamos

como nosso, o de conservar a biodiversidade, mas este só passará a ser um ideal

do morador de uma UC quando se levar em consideração questões como: o

diálogo entre os saberes, portanto, a não imposição do saber científico como único

válido; a mobilização das pessoas a partir dos seus desejos; propiciar às pessoas,

que se mobilizam através dos seus desejos, um mergulho na causa destes

desejos; possibilitar aos atores envolvidos (“populações tradicionais”) acessar e

compreender os códigos da cultura hegemônica em que se baseia o

estabelecimento das regras que regem o que os cercam; a inclusão da cultura e

da técnica dos moradores locais na planificação do manejo da UC; propiciar que o

sujeito se reconheça como produtor de conhecimento.

Desenvolver processos educativos que se preocupem com as questões

acima descritas mostram-se importantes na medida em que propiciam a geração

de uma identificação positiva das populações que moram no interior de UCs de

uso sustentável com as próprias Unidades de Conservação, assim como

propiciam uma apropriação crítica dessas UCs pelas populações residentes.

Atualmente, no Vale do Ribeira, as UCs (mesmo as de uso sustentável) são

vistas pelos moradores como algo ruim que chegou para cercear-lhes o direito de

reprodução social ao impedí-los de realizar suas práticas cotidianas, haja visto os

depoimentos coletados durante o desenvolvimento desta pesquisa que


Capítulo 6: Uma tessitura 182

colecionaram frases como “desde que o meio ambiente chegou não pode fazer

mais nada” expressando o sentimento gerado nos moradores pela implantação

impositiva das Unidades de Conservação na região, pois freqüentemente as

decisões são tomadas de cima para baixo e de forma unilateral, geralmente na

esfera governamental, que se embasa apenas em um certo saber científico que

desconsidera muitas vezes outras formas de conhecimento.

Cada vez mais se faz evidente, nos dias atuais, a ineficácia desse modo

impositivo de implantação de UCs para conservação da biodiversidade, o que

recoloca a necessidade do envolvimento direto de populações humanas na

conservação ambiental. O que estamos questionando não é a necessidade do

envolvimento dessas populações, mas sim como este se dá.

Da relação que esta pesquisa teve com a memória do que representam

práticas culturais de ajuda mútua para a população caiçara do bairro de Pedrinhas

pudemos apreender que esse sentimento de identificação com a APA-IC é algo

que vai além do material. É algo simbólico que se soma ao material, podendo

mobilizar ou não as pessoas para participar.

A opção de trabalhar com estas práticas culturais não se deveu a um

desejo de retornar ao passado, de necessariamente desenvolver a agricultura

como no “tempo de dantes”, mas ao desejo de buscar e de resgatar o significado

de tais práticas transpondo-o e adaptando-o ao momento presente, portanto, de

ressiginificar significados de coletivos que, em tempos passados, proporcionaram

encontros alegres aos caiçaras de Pedrinhas.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 183

Durante o Seminário de Pedrinhas, descrito no capítulo 4, tornou-se

evidente as marcas deixadas nos moradores pelos elementos culturais, sejam eles

materiais ou simbólicos, como por exemplo, o fogão à lenha, o mundéo, o pilão

onde se socava o arroz, a rede de pesca tecida com fibra vegetal, a moenda

manual para tirar a garapa da cana e adoçar o café, o “ralo” utilizado para ralar

mandioca para fazer farinha, a lembrança de ir “lenhar” e andar pelo mato

carregando feixe de lenha na cabeça, a lembrança dos trabalhos realizados em

conjunto na roça ou no fabrico da farinha, lembranças dos bailes, as piadas, as

histórias, mitos e lendas do lugar.

Nas primeiras reuniões do plantio falava-se em plantar nas “casqueiras”

(sambaquis), pois “no tempo dos antigos” plantava-se lá, o que tem um significado

material e simbólico muito forte, pois além da concentração de matéria orgânica ali

presente eram naqueles espaços que se davam encontros para realização de

pujuvas, mutirões e ajutórios. Para além da possibilidade da colheita, da provisão

de alimentos por um determinado período, as pujuvas e mutirões significavam

também festa, fartura de comida, música, diversão, baile até amanhecer o dia.

Esses momentos se desdobravam nos encontros e nas histórias por eles gerados,

histórias de acontecidos durante os bailes e trabalhos realizados, histórias do

trajeto de ida ou vinda a esses encontros, histórias de emoções vividas, de

cumplicidades criadas ou desfeitas. Todos esses elementos vêm no bojo de um

trabalho que busca a ressignificação de práticas culturais locais.

Esses elementos fizeram parte da construção da subjetividade da

população caiçara de Pedrinhas e têm reflexo nas opções por ela realizadas e nos
Capítulo 6: Uma tessitura 184

desejos por ela elaborados. Elementos estes que guardam em si uma riqueza

cultural imensurável e que ao ser valorizada fortalece a identidade da população

local e pode ser capaz de fornecer elementos de fundamental importância para se

pensar em um desenvolvimento local compatível com a permanência e até

incremento da biodiversidade.

O que está sendo proposto é que se ponha em diálogo o conhecimento

historicamente produzido por estas populações com o conhecimento

historicamente produzido pela ciência em igualdade de condições.

Outro ponto de fundamental importância é o fomento de políticas públicas,

que garantam legalmente o desenvolvimento desses processos educacionais com

vistas a fomentar a potência de ação dos sujeitos de forma a construir essa

identificação positiva das populações locais com as UCs. Tais políticas deveriam

garantir também a elaboração de uma proposta para a área em questão que conte

com a participação engajada dos moradores locais, para que eles não apenas

escolham participativamente entre algumas opções pré-selecionadas, mas que

sejam incluídos como pares no processo de formulação dos caminhos.

Mais um ponto importante a ser considerado quando da formulação das

políticas públicas refere-se ao modo de apropriação e uso do espaço pelas

populações ditas tradicionais. Conforme apontado anteriormente2, populações

caiçaras têm uma apropriação comunal do seu espaço de vida, muito embora o

uso seja individual ou familiar, tendo sido dentro deste contexto que se

desenvolveu historicamente grande parte de suas práticas culturais. Entendemos

2
Capítulos 3 e 5 deste texto.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 185

que levar em consideração esta forma de utilização do espaço pode ser um

exemplo de respeito e valorização das culturas “tradicionais”, pois nos parece

contraditório que, por exemplo, a legislação da APA/CIP enuncie "possibilitar às

comunidades caiçaras o exercício de suas atividades dentro dos padrões

estabelecidos historicamente" (p. 24 deste texto) sendo que, no entanto, a forma

de apropriação do espaço imposto aos moradores de Pedrinhas, e a muitas outras

comunidades caiçaras e pescadoras do litoral brasileiro, seja o da propriedade

privada no lugar da propriedade comunal, como se fosse possível reduzir o

território dessas populações e seu modo de vida a um lote.

Levando em consideração essas colocações, e tendo em vista a busca por

uma educação ambiental preocupada com o fortalecimento da potência de ação

dos sujeitos, compreendemos que a planificação de tais áreas deva ser realizada

conjuntamente com as populações “tradicionais”. Desta forma não lhes seria

imposto um modo de apropriação e utilização do espaço, pelo contrário, permitir-

se-ia que sua maneira de fazer fosse manifestada e valorizada durante as

negociações. No nosso entender, tal procedimento aponta para a possibilidade de

fomento de uma identificação positiva destas populações com as áreas em

questão, seja na planificação do macrozoneamento de UCs de uso sustentável já

implementadas, seja na planificação de novas UCs a serem implantadas. Para

tanto é preciso ter em mente que este processo demanda tempo, sendo que este

tempo é o do diálogo entre as diferentes culturas, que são regidas por tempos

distintos.
Capítulo 6: Uma tessitura 186

Tais posturas confeririam às Unidades de Conservação maior eficiência na

conservação da biodiversidade e concomitantemente proporcionaria melhores

condições de vida para as populações residentes no interior e entorno de tais

áreas protegidas.

Portanto, parece-nos que, para a construção de estratégias eficazes que

viabilizem a permanência das populações no interior e no entorno das UCs, faz-se

necessário, além do conhecimento técnico, a garantia legal do desenvolvimento

de estratégias educacionais pautadas na participação, na mobilização pelos

desejos (de técnicos e moradores), na consciência do sujeito da causa de seus

desejos e encontros. Isto nos remete à necessidade do sujeito se reconhecer

como produtor de conhecimento e à necessidade do fomento de possibilidades de

acesso e compreensão dos códigos da cultura hegemônica, tendo em vista o

incremento da capacidade argumentativa do sujeito.

Também se mostra fundamental que estas práticas educativas levem em

consideração a cultura e técnica utilizadas pelas populações locais, bem como se

pautem na necessidade da capacitação (de técnicos e moradores locais) para o

diálogo intercultural, de modo a propiciar o despertar de capacidades e

potencialidades (individuais e coletivas), possibilitando assim a construção

conjunta de um conhecimento híbrido.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 187

ANEXOS
Anexos . 188

A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS:

No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções


- levantamento e reconhecimento dos - contato com atores locais;
atores locais; - conversa com moradores caiçaras que
- aprofundamento do pré-diagnóstico desenvolvem práticas agrícolas;
(observação de costumes, problemas - conversa com moradores caiçaras que
ambientais existentes, organização deixaram de desenvolver práticas
Alessandra B. Costa-Pinto social do bairro, levantamento dos agrícolas;
moradores caiçaras que atualmente - verificação de alterações de práticas
Maria Rita Avanzi out/00
1 desenvolvem práticas agrícolas, culturais locais e sua possível relação
Natália Hanazaki
identificação dos moradores caiçaras com três fatores: a chegada do turismo,
Nivaldo Peroni
que deixaram de realizar trabalhos a implantação da APA e a questão
ligados à agricultura e verificação de fundiária.
como e onde estão ocorrendo
- levantamento de moradores caiçaras
trabalhos coletivos ligados à
que desejam voltar a desenvolver
agricultura no bairro);
práticas agrícolas.
- visita a algumas roças.
- aprofundamento do pré-diagnóstico; - verificação de apoio ao
- conversa com poder público desenvolvimento do projeto por parte
(Prefeitura de Ilha Comprida); do poder público municipal;
- conversa com uma das lideranças do - verificação de apoio ao
bairro de Pedrinhas (que é também desenvolvimento do projeto por parte
vice-prefeito do município); de lideranças locais;
Alessandra B. Costa-Pinto nov- - conversa com a presidente da - aprofundamento de laços com atores
2
Vivian Gladys de Oliveira dez/00 associação dos moradores do bairro locais.
de Pedrinhas;
- visita a alguns atores locais
contatados no campo anterior;
- contato com novos atores;
- acompanhamento de atividades
rotineiras.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 189

A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)

No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções


- aprofundamento do pré-diagnóstico; - aprofundamento do pré-diagnóstico
- visita ao bairro de Sítio Artur; com vistas a iniciar reuniões com os
- visita ao bairro de Ubatuba; interessados em plantio;
Alessandra B. Costa-Pinto -contato com moradores do bairro de
- acompanhamento de atividades
Maria Rita Avanzi rotineiras. Sítio Artur;
Vivian Gladys de Oliveira
- conversa com a médica do Programa -contato com moradores do bairro de
Médico de Família que atende o Ubatuba;
-busca de possível parceria com o
3 jan/01 bairro de Pedrinhas
Programa Médico de Família
- exibição pública do filme "O Rio - discussão do filme após sua exibição
Ribeira de Iguape"
Alessandra B. Costa-Pinto
Kellen Maria Junqueira - convite a todos os presentes para a
realização de uma discussão do filme
Maria Rita Avanzi
com vistas a despertar uma reflexão
Vivian Gladys de Oliveira
a respeito da vida dos moradores no
bairro.
- aprofundamento do pré-diagnóstico; -aprofundamento do pré-diagnóstico;
- acompanhamento de atividades - verificação da disposição dos
Alessandra B. Costa-Pinto rotineiras participantes para pensar/executar
Maria Rita Avanzi a atividades agrícolas;
- realização da "1 Reunião do
Plantio". marcada a data da segunda reunião do
plantio
4 fev/01 - exibição pública do filme "Eva & - discussão do filme após sua exibição.
Alessandra B. Costa-Pinto Vicente";
Fernandp Passos - - convite a todos os presentes para
Kellen Maria Junqueira a realização de uma discussão do
Maria Rita Avanzi filme com vistas a despertar uma
Vivian Gladys de Oliveira reflexão a respeito da vida dos
moradores no bairro.
- visita a algumas roças.
-acompanhamento de atividades
Alessandra B. Costa-Pinto - distribuição dos convites para a "2a
rotineiras;
5 Alik Wunder abr/01 Reunião do Plantio";
-marcada a data da terceira reunião do
Maria Rita Avanzi - realização da "2a Reunião do
plantio
Plantio".
- distribuição dos convites para a "3a - acompanhamento de atividades
Reunião do Plantio"; rotineiras;
a
- realização da "3 Reunião do - apresentação ao poder público
Alessandra B. Costa-Pinto
Plantio"; municipal dos objetivos do trabalho;
6 Maria Rita Avanzi mai/01
- realização do "1o mutirão do grupo marcada a data da quinta reunião do
Vivian Gladys de Oliveira
do plantio"; plantio e respectivos encaminhamentos
- conversa com poder público
(Prefeitura de Ilha Comprida).
Anexos . 190

A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)

No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções


- telefonema recebido pela - acompanhamento à distância das
pesquisadora de um dos integrantes atividades relacionadas à horta
da Comissão do GP comunitária e conhecimento da visão
deste integrante sobre o andamento
07 Alessandra B. Costa-Pinto jun/01 das atividades;
- marcada a data para a próxima
a
reunião do plantio (4 reunião)
conforme solicitado pelo membro da
comissão do plantio.
- comemoração do dia de São Pedro; - acompanhamento das festividades
- distribuição dos convites para a "4a relacionadas ao dia de São Pedro;
Reunião do Plantio"; - estreitamento de laços com moradores
a locais e contato com outros
Alessandra B. Costa-Pinto - realização da "4 Reunião do
jun- moradores;
08 Maria Rita Avanzi Plantio".
jul/01
Rita de Cássia Nonato - acompanhamento de atividades
rotineiras;
- marcada a data da quinta reunião do
plantio e respectivos encaminhamentos.
- comemoração do dia de Nossa - acompanhamento das festividades
Senhora dos Navegantes; relacionadas ao dia Nossa Senhora dos
a Navegantes;
- distribuição dos convites para a "5
Reunião do Plantio"; - estreitamento de laços com moradores
09 Alessandra B. Costa-Pinto ago/01 - realização da "5a Reunião do locais e contato com outros moradores;
Plantio". - acompanhamento de atividades
rotineiras;
- marcada a data da sexta reunião do
plantio e respectivos encaminhamentos.
- conversa telefônica com um dos - acompanhamento à distância das
integrantes do grupo do plantio. atividades relacionadas à horta
10 Alessandra B. Costa-Pinto ago/01 comunitária e conhecimento da visão
deste integrante sobre o andamento
das atividades.
- conversa telefônica com dois dos - acompanhamento à distância das
integrantes do grupo do plantio. atividades relacionadas à horta
11 Alessandra B. Costa-Pinto set/01 comunitária e conhecimento da visão
destes integrantes sobre o andamento
das atividades.
- distribuição dos convites para a "6a - apresentação de princípios de
Reunião do Plantio"; agricultura orgânica e agrofloresta, bem
realização da “6a Reunião do Plantio” como técnicas correlatas aos moradores
set/01 do bairro de Pedrinhas.
12 Alessandra B. Costa-Pinto com participação/consultoria de
agricultor de Cananéia;
- mutirão com participação/ consultoria
de agricultor de Cananéia.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 191

A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)

No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções


- conversa telefônica com um dos - acompanhamento à distância das
integrantes do grupo do plantio e um atividades relacionadas à horta
13 Alessandra B. Costa-Pinto nov/01 morador colaborador do grupo do comunitária e conhecimento da visão
plantio. deste integrante sobre o andamento
das atividades.
- conversa telefônica com um morador - acompanhamento à distância das
colaborador do grupo do plantio. atividades relacionadas à horta
comunitária, conhecimento da visão
14 Alessandra B. Costa-Pinto nov/01 deste colaborador sobre o andamento
das atividades e conhecimentos de
fatos ocorridos no bairro sob o ponto de
vista deste colaborador.
- breve avaliação com integrantes do - entrevistas de avaliação dos trabalhos
Grupo do Plantio das atividades realizados até agora pelo Grupo do
relacionadas ao plantio e do Plantio;
dez/01 processo deflagrado pela pesquisa - acompanhamento de festividades
Alessandra B. Costa-Pinto
15 – intervenção educacional no bairro de relacionadas com a passagem do ano;
jan/02 Pedrinhas no que diz respeito a horta - observação de atividades
comunitária. desenvolvidas pelos moradores do
bairro durante este período de altíssima
temporada turística.
- conversa telefônica com um - acompanhamento à distância das
membro da comissão do grupo do atividades relacionadas à horta
plantio. comunitária e conhecimento da visão
deste integrante sobre o andamento das
16 Alessandra B. Costa-Pinto fev/02 atividades;
a
- conversa sobre possível data para a 7
reunião do plantio solicitada em jan/02
por este mesmo membro da comissão e
ratificada por outros integrantes do GP.
- telefonema recebido pela - - acompanhamento à distância das
pesquisadora de um dos membros atividades relacionadas à horta
da Comissão do GP comunitária e conhecimento da visão
deste integrante sobre o andamento das
17 Alessandra B. Costa-Pinto mar/02 atividades;
a
- conversa sobre possível data para a 7
reunião do plantio solicitada em jan/02
por este mesmo membro da comissão e
ratificada por outros integrantes do GP.
Anexos . 192

A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)

No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções


- conversa telefônica com um - - acompanhamento à distância das
membro da comissão do grupo do atividades relacionadas à horta
plantio. comunitária e conhecimento da visão
deste integrante sobre o andamento das
Alessandra B. Costa-Pinto mar/02 atividades;
18
a
- conversa sobre possível data para a 7
reunião do plantio solicitada em jan/02
por este mesmo membro da comissão e
ratificada por outros integrantes do GP.

- conversas telefônicas com um - acompanhamento à distância das


membro do grupo do plantio e outros atividades relacionadas à horta
Alessandra Buonavoglia 06 moradores do bairro. comunitária e conhecimento da visão
19 mai/02
Costa-Pinto destes integrantes e de outros
moradores sobre o andamento das
atividades e sobre o cotidiano do bairro
- conversas com membros do GP - analise de estratégias de organização
com o intuito de analisar as do grupo em relação às atividades
estratégias de organização do grupo relacionadas à horta;
Alessandra Buonavoglia jun- em relação às atividades relacionadas
20
Costa-Pinto jul/02 à horta. - observação e acompanhamento de
atividades desenvolvidas por moradores
- Visitas informais a moradores do
do bairro.
bairro.

Alessandra Buonavoglia - Seminário de Pedrinhas. - Evento de apresentação das


Costa-Pinto pesquisas realizadas no bairro pelos
Maria Rita Avanzi pesquisadores dos componentes
“Intervenções e Educação Ambiental” e
21 Kellen Junqueira jul/02 de “usos”.
Nivaldo Peroni
(componente “usos”)
Natália Hanazaki (“usos”)

- 7a Reunião do Plantio - avaliação do interesse dos membros


do GP de dar ou não continuidade às
atividades da horta;
- breve avaliação dos membros do GP
sobre o processo vivido junto a horta;
- divisão do dinheiro arrecadado pela
Alessandra Buonavoglia venda de verduras proveniente da
22 jul/02
Costa-Pinto horta do GP;
- negociação de alguns integrantes do GP
com a AABP para continuidade do uso
do terreno com vistas a dar
prosseguimento às atividades de plantio;
- planejamento inicial da continuidade das
atividades na horta.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 193

A. QUADRO 5: RESUMO DOS CAMPOS REALIZADOS (CONTINUAÇÃO)

No Pesquisadora(s) Mês Atuações Resultados/resoluções

- conversa telefônica com agente - acompanhamento à distância das


comunitária de saúde do bairro atividades relacionadas à horta
comunitária e conhecimento da visão
desta agente de saúde sobre o
Alessandra Buonavoglia andamento das atividades;
23 ago/02
Costa-Pinto - acompanhamento à distâncias das
atividades desenvolvidas pela agente
de saúde e conhecimento de sua
visão sobre estas e sobre o cotidiano
do bairro.
- conversas com membros do GP com - analise de estratégias de organização
o intuito de analisar as estratégias de do grupo em relação às atividades
organização do grupo em relação às relacionadas à horta;
Alessandra Buonavoglia atividades relacionadas à horta.
24 Costa-Pinto nov/02 - breve avaliação dos membros do GP
- Visitas informais a moradores do sobre o processo vivido junto a horta
Susana de Oliveira Dias bairro.
- observação e acompanhamento de
atividades desenvolvidas por moradores
do bairro.
Anexos . 194

B. ESTATUTO DE FUNCIONAMENTO DO GRUPO DO PLANTIO:

1) Sobre o terreno:

9 Associação de Amigos do Bairro de Pedrinhas (AABP) cede uma parte de seu


terreno para o uso do Grupo do Plantio (horta);
9 A produção da horta é de uso do Grupo de Plantio;
9 AABP precisando do terreno avisará três meses antes de utilizar.

2) Divisão do trabalho:

9 Para limpar o terreno, para cercar e semear Æ todos juntos;


9 Para molhar, cuidar, tirar mato, controlar praga Æ fazer calendário, rodízio com
quantidade igual de horas de trabalho para todos;
9 Imprevisto: Não posso ir trabalhar!
• No início, até a semeadura: manda alguém da família para fazer a
sua vez,
• No rodízio, depois da semeadura: troca de dia com alguém do
próprio Grupo do Plantio.

3) Quem chegar depois do primeiro "mutirão"?

9 Forma outro grupo e inicia o trabalho em uma outra área

4) Divisão da produção:

9 Sai a mesma quantidade para todos do grupo


9 Excedente Æ vende e com o dinheiro da venda faz um caixinha para o próprio
grupo (este ponto ainda é polêmico e o Grupo resolveu esperar o momento de
colheita para pensar melhor a este respeito).

5) O que tiver que ser resolvido:

9 Chama uma reunião do Grupo.

Elaborado dia 07/05/01 pelo Grupo do Plantio.


Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 195

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WUNDER, Alik. Encontro das águas na Barra do Ribeira: imagens entre


experiências e identidades na escola. Dissertação de mestrado, Faculdade
de Educação, UNICAMP, Campinas, 2002.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 203

VÍDEO E FILMOGRAFIA

Eva-Vicente (filme). 16 mm. Direção de Fernando Passos. 1988. 30 min..

Madeira tombada, canoa forte, rabeca afinada (vídeo). Direção e roteiro de


Kellen Junqueira. Campinas, Instituto de Artes da UNICAMP, 2002. 20 min..

O Rio Ribeira de Iguape (vídeo). Direção de Mario Kuperman. 2000. 30 min..


Apêndices . 204

APÊNDICES
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 205

I. QUADRO 6: PARTICIPAÇÃO DO GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM


CONGRESSOS, SEMINÁRIOS E ENCONTROS

Eventos Instituição promotora, local, data


“Pedagogia 2001: Encuentro por la Unidad de los Havana, Cuba.
educadores latioamericanos".
05 a 09 de fevereiro/2001.

"Paisagem e Cultura Caiçara: seminários NUPAUB/USP, São Paulo


interdisciplinares" 28/05 a 01/06 de 2001.

"I EPEA - Encontro de Pesquisa em Educação UNESP – Rio Claro, UFSCar; USP.
Ambiental: tendências e perspectivas". Rio Claro, SP, 29 a 31 de julho de 2001.

“II EPEA - Encontro de Pesquisa em Educação UNESP – Rio Claro, UFSCar; USP.
Ambiental: abordagens epistemológicas e São Carlos, SP, 27 a 30 de julho de 2003.
metodológicas”.
"Encontro Intercultural Povos do Vale do Ribeira: PMIC; AAA; LASTROP/USP, NUPAUB/USP
Paisagem e Cultura". Ilha Comprida, 05 a 09 de setembro de 2001.

“IX Congresso interno de Iniciação Científica da Unicamp


UNICAMP” 27 e 28 de setembro de 2001.

"IV Jornada Científica da AUGM sobre Meio AUGM – Assoc. Universidades Grupo Montevideo
Ambiente" Campinas, 28 a 31/ out/2001.

“X Seminário de Educação Ambiental: projetivas IME, UFRJ, UGF, FRF, CREA-RJ, CEP, UNIRIO, GSI
do século” Rio de Janeiro; 21 a 23/ 11 de 2001.

“Seminário de Dissertações e Teses "Ciência e Associação de Pós-graduandos/ Faculdade de


Soberania" Educação - UNICAMP
19 a 21/11 de 2001.

“XXV Reunião da Associação Nacional de Pós- ANPED


Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)” Caxambu, outubro, 2002.

“XXVI Reunião da Associação Nacional de Pós- ANPED


Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)” Poços de Caldas, outubro, 2003.

“Reunião da ANPED - Região Sudeste” ANPED Sudeste, Água de Lindóia, 21 a 23 nov 2002.

“Seminário Internacional de Educação UFSC, Florianópolis, 08 a 11 abril de 2003.


Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais:
Identidade, diferença, mediações”

“II Seminário internacional as redes de UERJ e ANPED, Rio de Janeiro, junho de 2003.
conhecimentos e a tecnologia”

“Semana da Educação da Faculdade de FE/USP


Educação da USP” São Paulo, maio de 2003.
Apêndices . 206

II. QUADRO 7: MINI-CURSOS MINISTRADOS PELO GRUPO EA

Título Eventos Instituição promotora, local, data


“Metodologias Participativas em Semana de Estudos da UNESP - Rio Claro, setembro de 2000.
Educação Ambiental” Ecologia

“Educação Ambiental e Palestra para o curso de Universidade São Marcos, Paulínia,


trabalhos coletivos” Pedagogia junho de 2001.

“Vivenciando metodologias Encontro Educação Ambiental Instituto Agronômico de Campinas (IAC),


participativas em Educação na Agricultura Campinas, 20 e 21/set de 2001.
Ambiental”

“Metodologias Participativas em II Simpósio do Programa Programa Biota/FAPESP, São Pedro, 06


Educação Ambiental” Biota/Fapesp e 07/dez de 2001.

“Metodologias Participativas em I Mostra de Projetos Ambientais Diretoria de ensino, Jundiaí, 13/dez de


Educação Ambiental” da Diretoria de Ensino da 2001.
Região de Jundiaí

“Metodologias Participativas Semana de Estudos da Biologia Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo
e(m) Educação Ambiental” 06/set de 2002.

“Profissão: biólogo e/ou Semana da Biologia Universidade São Francisco


educador ambiental ???” Bragança Paulista, a ser realizada em
setembro de 2003.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 207

III. PUBLICAÇÕES DO GRUPO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

1. AVANZI, Maria Rita; WUNDER, Alik; COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia;


OLIVEIRA, Caroline Ladeira de; SPEGLICH, Érica; NONATO, Rita de Cássia;
OLIVEIRA, Vivian G. de. Reflexões Metodológicas sobre Construção Coletiva
de Conhecimento e Educação Ambiental. In: Mata, Speranza et alli (org.).
Educação Ambiental: projetivas do século. Rio de Janeiro, MZ Editora, 2001.

2. AVANZI, Maria Rita. “A Trama da Rede: uma proposta teórico-metodológica em


educação ambiental a partir de pesquisa participante sobre processo vivenciado
por um grupo de pesquisadoras junto a comunidades do Vale do Ribeira – SP”
(CD ROM). In: V Encontro de Pesquisa e pós graduação em Educação da região
sudeste – ANPED sudeste, nov. 2002.

3. AVANZI, Maria Rita “Construindo a muitas mãos: reflexões sobre diálogo de


saberes a partir de uma pesquisa participativa em educação Ambiental”. Revista
Série Estudos e documentos. USP – Faculdade de Educação, 2003. (no prelo)

4. COSTA-PINTO, Alessandra Buonavoglia; WUNDER, Alik; OLIVEIRA, Caroline


Ladeira de; SPEGLICH, Érica; JUNQUEIRA, Kellen; AVANZI, Maria Rita;
NONATO, Rita de Cássia; SAMPAIO, Shaula Maíra Vicentini; OLIVEIRA, Vivian
G. de. "Partilhando Saberes: reflexões sobre educação ambiental no Vale do
Ribeira, SP". Educação: teoria e prática. Rio Claro. UNESP – IB, vol 09, nos 16 e
17, 2001.

5. COSTA-PINTO, Alessandra B. & SORRENTINO, Marcos. Trabalhos Coletivos e


Educação Ambiental para a Participação: uma parceria com moradores de
Pedrinhas, Ilha Comprida/SP. Revista Eletrônica Mestrado em Educação
Ambiental – ISSN 1517-1256, vol 08, 2002. http://www.sf.dfis.furg.br/mea/remea

6. COSTA-PINTO, Alessandra B. & SORRENTINO, Marcos. Potência de Ação como


Força Motriz da Participação: uma proposta de Educação Ambiental no Vale do
Ribeira, SP. In: Mata, Speranza et alli (org.). Educação Ambiental: projetivas do
século. Rio de Janeiro, MZ Editora, 2001.
Apêndices . 208

7. COSTA-PINTO, Alessandra B. & SORRENTINO, Marcos. “Educação Ambiental e


Participação no bairro caiçara de Pedrinhas, Vale do Ribeira/SP-Brasil” (CD ROM).
In: V Encontro de Pesquisa e pós graduação em Educação da região sudeste –
ANPED sudeste, nov. 2002.

8. NONATO, Rita de Cássia & AVANZI, Maria Rita. Educação Ambiental no PETAR e
EEJI. In: Mata, Speranza et alli (org.). Educação Ambiental: projetivas do século.
Rio de Janeiro, MZ Editora, 2001.

9. SPEGLICH, Érica. Alquimia entre educação ambiental, tradições e identificações:


um projeto de “resgate histórico-cultural” do Bairro da Serra, Iporanga, SP. In:
XXVI Reunião da ANPED – Associação Nacional de pós-graduação e Pesquisa
em Educação, Poços de Caldas/MG, outubro, 2003. (no prelo)

10. WUNDER, Alik, OLIVEIRA, Caroline L. de & AMAI (Associação dos Monitores
Ambientais de Iguape). “Criança Natureza: um futuro promissor: escola,
associação de monitores ambientais e universidade: parcerias possíveis". Revista
Eletrônica Mestrado em Educação Ambiental - ISSN 1517-1256, vol 09, 2002.
http://www.sf.dfis.furg.br/mea/remea

11. WUNDER, Alik. "SOS caiçara": relações entre saberes da experiência e


identidades em encontros na Barra do Ribeira, Iguape, SP. (CD ROM). In: XXV
Reunião da ANPED – Associação Nacional de pós-graduação e Pesquisa em
Educação, Caxambu/MG, outubro, 2002.

12. WUNDER, Alik. “Saberes errantes, identidades errantes”: encontros entre


pesquisadora, associação local e escola na Barra do Ribeira. In: II Seminário
Internacional de Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais: identidade,
diferença, mediações. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, abril,
2003. http:// www.rizoma.ufsc.br

13. WUNDER, Alik. “Uma experiência de pesquisa participante na escola da Barra do


Ribeira: encontros de saberes, narrativas e imagens”. In: II Seminário internacional
as redes de conhecimentos e a tecnologia. Universidade Estadual do Rio de
Janeiro e ANPED, Rio de Janeiro, junho, 2003.
Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto 209

14. WUNDER, Alik; SPEGLICH, Érica: CARVALHO, Fabiana Aparecida de; AMORIM,
Antonio Carlos R. de. “A educação Ambiental: entornos pós-modernos”. In: II
EPEA – Encontro de pesquisa em educação ambiental. (CD ROM). UFSCar,
UNESP-Rio Claro, USP-Ribeirão Preto, julho, 2003.

15. WUNDER, Alik. “Registros em narrativas: experiências e identidades flutuantes de


uma pesquisa”. In: XXVI Reunião da ANPED – Associação Nacional de pós-
graduação e Pesquisa em Educação, Poços de Caldas/MG, outubro, 2003. (no
prelo)

Defesas: Dissertações, Especialização, TCC, Iniciação Científica

1. DIAS, Susana de Oliveira. Puxando os fios da rede tecida pelo grupo de Educação
Ambiental Projeto Temático ‘Floresta e Mar’ e introduzindo outros espaços-tempos
por meio da divulgação científica. Especialização em jornalismo científico.
Campinas, UNICAMP, Laboratório de Divulgação Científica (Labjor), 2003.

2. JUNQUEIRA, Kellen Maria. Meio Ambiente: uma interação em construção pelo som e
imagem Dissertação de mestrado. Campinas, UNICAMP, Instituto de Artes, Depto de
Multimeios, 2002.

3. NONATO, Rita de Cássia. Concepção de Educação nos órgão públicos responsáveis


pelos programas nas Unidades de Conservação: Estação Ecológica de Juréia-Itatins
(EEJI) e Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR). Relatório de Iniciação
Científica PIBC-CNPQ, 2001.

4. OLIVEIRA, Caroline Ladeira de. Sobre política em prática de educação Ambiental:


aprendendo e ensinando uma nova lição. Trabalho de Conclusão do Curso de
Pedagogia. Campinas, UNICAMP, Faculdade de Educação, 2001.

5. OLIVEIRA, Vivian Gladys de. Educação Ambiental e manejo de recursos naturais em


Área de Proteção Ambiental: o caso dos extratores de samambaia de Ilha Comprida-
SP. Dissertação de mestrado. Piracicaba, ESALQ/USP, Depto Ciências Florestais,
2002.

6. SPEGLICH, Érica. Entre as ASAs da Serra. Dissertação de mestrado, Faculdade de


Educação, UNICAMP, Campinas, 2003.

7. WUNDER, Alik. Encontro de Águas na Barra do Ribeira: imagens entre experiências e


identidades na escola. Dissertação de mestrado, Campinas, UNICAMP, Faculdade de
Educação, 2002.
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Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto


CENAS DE

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Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto


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UM POUCO DA

DINÂMICA DO

GRUPO DE

E D U C AÇ Ã O

Foto: Alik Wunder


A M B I EN T AL

Foto: Kellen Junqueira

Foto: Vivian G. Oliveira


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As diversas fases da horta

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jan/02
Fotos: Alessandra B. Costa-Pinto
Fotos:Maria Rita Avanzi

PROCISSÃO DE S
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PROCISSÃO & BARQUEATA DE

NOSSA
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Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto
CENAS DO SEMINÁRIO

DE PEDRINHAS

Fotos: Alessandra Buonavoglia Costa-Pinto

Foto: Nivaldo Peroni


Fotos: Alessandra B. Costa-Pinto

Reuniões do Plantio

Fotos: Alessandra B. Costa-Pinto


Foto: Alik Wunder

Foto: Maria Rita Avanzi

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