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VIEIRA, Alberto (1996), A Rota do açúcar na Madeira, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível
em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1996-hm-rotasugar.pdf, data da visita: / /
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A rota do açúcar na Madeira
1996
Funchal Madeira
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O PODER DA ÁGUA. A tudo isto há que referir, ainda, que as ilhas Canárias
onde se implantou a cultura dos canaviais apresentavam um eco sistema distinto
do madeirense. Assim na Madeira os cronistas, excepção feita ao Porto Santo,
não se cansam de enunciar duas riquezas fundamentais para fazer medrar os
canaviais e a industria subsequente. A ilha é abundante em água e lenhas pelo
que a cana de açúcar tem condições para ser promissora. Em face disto as
doações de terra não fazem expressa referencia à repartição da água. Esta, no
primeiro momento dá e sobra os problemas com a sua falta, e a necessidade de
regulamentar o seu uso e posse, surgem num segundo momento. Tendo em
conta a importância que a água assume para a cultura a safra do açúcar é
necessário não esquecer a forma da sua distribuição e posse.
Ao homem estava atribuída a dura tarefa de desviar o curso das ribeiras fazendo
com que as suas movessem engenhos, moinhos e irrigar os canaviais e demais
culturas. Para isso, traçaram quilómetros de canais para a sua condução, que
ficaram conhecidos, na ilha, como levadas. O sistema permitiu um maior
aproveitamento dos socalcos e o alívio do homem em algumas tarefas, como
sejam, o moer do grão e da cana e o serrar das madeiras. Moinhos, engenhos e
serras convivem pacificamente usufruindo da água que corre na mesma levada.
A orografia da ilha ao mesmo tempo que dificultava a condução da água
favorecia este aproveitamento, pela força motriz atribuída pelos declives
acentuados.
Com D. João II que ficaram definidos os direitos sobre a água que perduraram
até ao século XIX. Por cartas de 7 e 8 de Maio ficou estabelecido, de uma vez por
todas que as águas eram património comum, sendo distribuídas pelo capitão e
oficiais da câmara, entre todos os proprietários, pois que "sem as agoas as terras
se não podiam aproveitar". A partir daqui ficou estabelecido a água como
propriedade pública, sendo o seu usufruto para aqueles que possuissem terras e
delas necessitassem. Todavia, desde finais do século quinze, a água passou a ser
negociada, a exemplo do que sucedia com a terra. É com o regimento de D.
Sebastião, em 1562, que se procede a uma alteração no sistema primitivo. As
águas podem ser vendidas ou arrendadas, o que permitiu que aumentasse o
fosso entre a propriedade da terra e da água.
O plano de levadas da ilha não ficou concluído no século XVII foi apenas adiado
pela afirmação da vinha, uma cultura de sequeiro, e, por isso mesmo, quando a
cana retornou à ilha, no século XIX, de novo se pôs a questão das levadas para
irrigar os canaviais e mover os engenhos. A água adquire de novo uma dimensão
económica importante, levando as autoridades a nova intervenção no sentido da
sua regulamentação e do traçar de novas levadas para alargar a área de regadio
e, por consequência, dos canaviais. É de salientar que o regime jurídico das
águas, estabelecido em 1493 por D. João II, perdurou até 1867, altura em que foi
aprovado um novo Código Civil. A partir de então água e terra são duas
realidades distintas, vindo a agravar a situação, por ser favorável à especulação,
situação que foi atacada por leis de 1914 e 1931. Seis anos após o governo
avançou com uma política específica da água que chegou à Madeira em 1939. A
criação da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da
Madeira(1943)foi o ponto de partida para esta mudança na política da água e das
áreas de regadio na ilha.
Para 1494 os valores mais elevados são de James Timor (2270 arrobas) e João de
França (2500). No período imediato, do século XVI, duplicam, como sucede com
Pedro Gonçalves de Bairros da Ribeira Brava que, em 1509, produziu 5 376
arrobas de açúcar, isto é 28% da comarca e 8% da capitania. Com uma produção
superior a 2000 arrobas temos, no período de 1509 a 1537 quinze proprietários
maioritariamente oriundos da Calheta e Ribeira Brava, com um valor global de
37% da capitania, enquanto em 1494 eram apenas três, produzindo 9%. Perante
esta evidência será legítimo afirmar que na Madeira dominou o sistema de
pequena e média propriedade com a cultura do açúcar? Se a conclusão se torna
legítima para finais do século XV o mesmo já não poderá dizer-se para a primeira
metade do seguinte. Estamos perante a principal modificação na estrutura
açucareira neste lapso de tempo de 43 anos.
Segundo Virgina Rau e Jorge de Macedo, "a produção do açúcar beneficiava
camadas amplas da população, encontrando-se entre os produtores, além do
pequeno e médio lavrador, sapateiros, carpinteiros, barbeiros, mercadores,
cirurgiões, moleiros, ao lado de fidalgos funcionários, concelhios e outros,
participando por migalhas nos benefícios desta rica produção, [...]. Toda esta
miuçalha de pequenos produtores se aproveitava de um organismo montado na
ilha, para tornar rentável a sua pequeníssima produção". Vitorino Magalhães
Godinho, por seu turno, reforça esta caracterização da realidade social
madeirense apontando a tendência para a concentração dos canaviais num
número reduzido de insulares.
Esta diferenciação das duas capitanias torna-se mais visível quando analisamos
os dados da produção. Assim, em 1494, do açúcar produzido na ilha apenas 20%
é proveniente da capitania de Machico e o sobrante da capitania do Funchal. Em
1520 a primeira atinge 25% e a segunda os 75%. Fernando Jasmins Pereira, numa
análise comparada da produção das duas capitanias entre 1498 e 1537, discorda
da relação até então estabelecida (3:1) pois, de acordo com a sua análise, a razão
situa-se em 4:1 para os primeiros decénios do século XVI, descendo entre 1521-
1524 para 3:1 e recuperando na segunda metade do decénio para 4:1.
A fase ascendente, que poderá situar-se entre 1450 e 1506, não obstante a situação
deprecionária de 1497-1499, é marcada por um crescimento acelerado que, entre
1454-1472, se situava na ordem dos 240% e no período subsequente até 1493 em
1430%, isto é uma média anual de 13% no primeiro caso e de 68% no segundo.
No período seguinte após o colapso de 1497-1499 a recuperação é rápida de tal
modo que em 1500-1501 o aumento é de 110% e entre 1502-1503 de 205%. Esta
forte aceleração do ritmo de crescimento nos primeiros anos do século XVI irá
marcar o máximo, atingindo em 1506, bem como o rápido declínio nos anos
imediatos. Note-se que apenas em 4 anos atinge-se valor inferior ao do início do
século. A situação agrava-se nas duas centúrias seguintes, baixando a produção
na capitania de Funchal, entre 1516-1537, em 60%. Na capitania de Machico a
quebra é lenta, sendo sinónimo do depauperamento do solo e da crescente
desafeição do mesmo à cultura. Mas, a partir de 1521 a tendência descendente é
global e marcante, de modo que a produção do fim do primeiro quartel do século
situava-se a um nível pouco superior ao registado em 1470. Na década de 30
consumava-se em pleno a crise da economia açucareira e o ilhéu viu-se aos
poucos na necessidade de abandonar os canaviais e de os substituir pelos
vinhedos. Mesmo assim Giulio Landi, que na década de trinta visitou a ilha,
refere que os madeirenses, levados pela ambição da riqueza dedicam-se "apenas
ao fabrico do açúcar, pois deste tiram maiores proventos".
Até 1640 o movimento descendente havia-se agravado com a presença, cada vez
mais assídua de açúcar brasileiro no porto do Funchal. Em 1616 para garantir o
escoamento da produção local e que à saída se fizesse uma distribuição
equitativa de ambos os açúcares. Mas a partir daqui com a ocupação holandesa
das terras a cultura renasceu na ilha para responder à sua solicitação na Europa e
pela necessidade resultante das indústrias de conserva e casquinha. Em 1643 o
número de engenhos existentes era insuficiente para dar vazão à produção dos
canaviais. A coroa, de acordo com a provisão régia de 1 de Julho de 1642,
pretendia promover de novo o cultivo da cana-de-açúcar por meio de incentivos
à reparação dos engenhos, com a isenção do quinto por cinco anos ou a metade
por dez anos7.ANTT, PJRFF, nº.965a, fls. 7 de Novembro de 1654, ordem para
reposição do quinto pago por António Correia Betencourt; ibidem, fls. 181-182,
21 de Agosto de 1654, fiança do capitão Diogo Guerreiro; ibidem, fl. 222, 24 de
Maio de 1657, empréstimo ao capitão Pero de Betencourt Henriques; ibidem,
nº.966, fl8vº, 4 de Novembro de 1680, alvará de privilégio a inácio de
Vasconcelos. Confronte-se F. MAURO, ibidem, pp. 248-250.. Esta situação
favoreceu a cultura, afirmando Diogo Fernandes Branco em 10 de Fevereiro de
1649 que as canas estavam "fermozas", prevendo-se uma grande colheita. Em
Outubro goraram-se as suas expectativas, pois o açúcar lavrado era de má
qualidade. O progresso continuou no ano imediato, sendo testemunho disso a
construção de dois novos engenhos. Esta foi no entanto uma recuperação
passageira uma vez que na década seguinte o reaparecimento do açúcar
brasileiro no porto do Funchal trouxe de volta a anterior situação. O açúcar
madeirense estava, mais uma vez, irremediavelmente perdido, mercê da sua
concorrência. Ainda, em 1658 procurou-se apoiar os canaviais ao reduzir-se os
direitos sobre a produção para um oitavo, mas a crise era inevitável.
Por todo o século XVIII a aposta preferencial foi apenas na vinha, que retirou
espaço aos canaviais. Mesmo assim estes tiveram continuidade, uma vez que
existem dados que documentam a existência de canaviais e sabe-se que o
engenho dos Socorridos manteve-se em funcionamento por todo o século XVIII.
%%%
CALHETA 20 7 13
FUNCHAL 25 53 34
PONTA DO SOL 15 14 18
R. BRAVA 15 4 15
MACHICO 25 29 20
Os dados referentes à produção dão conta que se atingiu níveis mais elevados na
primeira metade da presente centúria: expandiu-se a área da cana, que em 1939
abrangia os 6500 ha. Todavia esta expansão da cultura não propiciou o mesmo
progresso económico propiciado nos séculos XV e XVI. As condições de
rentabilidade económica eram outras, como distinto era o principal destinatário.
Aqui ao contrário do que sucedeu há cinco séculos atrás a produção tinha como
objectivo assegurar as necessidades da ilha e não o comércio com o exterior: as
limitações estabelecidas na década de trinta à expansão da cultura conduziram a
que baixassem os níveis de produção, levando à necessária importação, desde a
década de quarenta. Se estabelecermos um confronto entre a população e o
número de toneladas de açúcar arrecadados veremos que na primeira (séculos
XV e XVI) a capitação era muito mais elevada.
toneladas média ha
Ha Ha
1915 1800
para estas duas áreas poderemos enunciar que no século quinze, mais
propriamente em 1497 as 1098,6 toneladas deveriam resultar de uma área de 686
hectares de canavial, enquanto em 1510 com a produção de 1584,7 toneladas, os
canaviais deveriam ocupar cerca de 990,4 hectares.
Por outro lado a área dos canaviais assumida por cada proprietário era também
elevada, pois 64% destes possuíam canaviais cuja extensão ia de 40 a 121
hectares, situação que estava muito aquém da assumida pelos produtores
madeirenses. Na Madeira apenas um produtor se aproxima desse valor (Pedro
Gonçalves com uma área de 36,9 hectares)), sendo os demais com valores
inferiores: os lavradores com mais de 22 toneladas de produção e com mais de 14
hectares de terreno representam em 1494 apenas 1,3% e 5% para o período de
1509 a 1537.
ARROBAS Ha
Uma das questões que mais tem gerado polémica prende-se com a evolução da
tecnologia do fabrico do açúcar, concretamente a passagem do trapiche ao
engenho de cilindros. O primitivo Trapettum era já usado na Roma antiga para
triturar azeitonas e sumagre, sendo, segundo Plínio, inventado por Aristreu,
Deus dos Pastores. Mas este tornou-se um meio pouco eficaz nas grandes
plantações, tendo-lhe sucedido o engenho de eixo e cilindros. É aqui que as
opiniões divergem. Existe uma versão que aponta esta evolução como uma
descoberta mediterrânica: Noel Derr e F. O. Von Lippmann atribuíram a
descoberta a Pietro Speciale, prefeito da Sicília; a Historiografia castelhana encara
isso como um invento de Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La Palma, que
teria apresentado o seu invento em 1515 na ilha de S. Domingos; David Ferreira
Gouveia apresenta esta evolução como resultado do invento do madeirense
Diogo de Teive, patenteado em 1452. Outros apontam para a sua origem chinesa.
O engenho de três eixos surge mais tarde no Brasil sendo considerado também
uma invenção portuguesa, inegavelmente ligada aos madeirenses aí radicados.
Note-se que a primeira referência aos eixos para o engenho datam já do último
quartel do século XV. Note-se que em 1477 Álvaro Lopes tem autorização do
capitão do Funchal para que "faça hum enjenho de fazer açúcar que seja de moo
ou d'alçapremas, ou doutra arte...o qual enjenho será d'augoa com sua casa e casa
de caldeiras...". Depois, em 1485, D. Manuel isentava da dizima "quaesquer
teyxos que forem necesarios para eyxos esteos cassas latadas dos enjenhos e
tapumes...". Em 1505 Valentim Fernandes refere que o pau branco era usado no
fabrico de "eixos e prafusos pera os enjenhos de açúcar". A isto associa-se o
inventário do engenho de António Teixeira, no Porto da Cruz em que são
referidos como aprestos: rodas eixos, prensas, fornalhas espeques (...).
Não é fácil estabelecer o número exacto de engenhos que laboraram nas ilhas. As
informações disponíveis são, em muitos dos casos, díspares. Assim, para a
Madeira em 1494 são referenciados apenas 14 engenhos, quando noutro
documento de 1493 se dava conta da existência de 80 mestres de açúcar. Note-se
ainda que Edmund von Lippermann refere existirem no Funchal 150 engenhos
no início do século XVI, número que não se coaduna com os valores razoáveis
para a extensão arável da ilha e a produção dos canaviais. Depois, em finais do
século XVI, Gaspar Frutuoso refere-nos 34 engenhos, sendo nove na capitania de
Machico e os restantes na do Funchal. A sua localização geográfica permite aferir
das áreas de maior incidência da cultura no século XVI.
[MAPA]
O uso de máquina a vapor teve lugar em Jamaica em 1768 mas foi só a partir de
meados do século XIX que a mesma se generalizou. Esta inovação técnica é
favorecida pela concentração destas estruturas industriais, resultado de uma
política governamental que tem na década de vinte da presente centúria a sua
máxima expressão. No Brasil deu origem aos chamados engenhos centrais,
enquanto na Madeira foi o princípio da total afirmação do engenho Hinton.
A situação arcaica das fabricas de moer cana era intolerável perante o incessante
aumento da produção, por isso foi necessário a aposta num estabelecimento
moderno, capaz de minorar os custos de laboração e de corresponder à oferta de
cana. Enquadra-se neste objectivo a novel Companhia de Açúcar Madeirense,
criada em 1868.
De acordo com inventário industrial feito em 1863 é possível fazer uma ideia das
infra estruturas existentes e do seu valor:
VALOR DO
DATA LOCAL PROPRIETÁRIO EQUIPAMENTO E
EDIFÍCIOS
Ponte Severiano Alberto
1856 2.500$000
Nova(Funchal) Ferraz
1856 Torreão(Funchal) W. Hinton 30.000$000
Pico do Funcho Vitorino Ferreira
1856 18.000$000
(Funchal) Nogueira
Ponte Deão
1859 Joaquim da Silva 5.760$000
(Funchal)
Romero Ornelas
1858 Santa Cruz 22.400$000
Frazão
Manuel Antonio
1858 Machico 3.500$000
Jardim
João Escorcio da
1858 Machico 3.500$000
Câmara
Candido Velosa de
1858 Porto da Cruz 7.000$000
Castello Branco
Mauricio Castelo
1859 Arco de S. Jorge 850$000
Branco & Co
Manuel Fernandes
1858 S. Jorge 1.000$000
Nóbrega
1858 Ponta Delgada Conde de Carvalhal 3.000$00
Candido Lusitano de
França Andrade e
1861 Ponta Delgada 3.000$000
António Fernandes
Teles
Caetano António de
1860 S. Vicente 1.200$000
Freitas
Diogo de Ornellas
1867 Arco da Calheta 14.300$000
Frazão
1858 Paul do Mar Conde de Carvalhal 8.800$000
1853 Ponta de Sol Nuno Freitas Pestana 920$000
Luiz de Bettencourt
1855 Canhas 1.000$000
Esmeraldo
1858 Madalena Freitas abreu & Cº 11.000$000
1853 Ribeira Brava José Maria Barreto 7.200$000
Câmara de Tiburcio justino
1854 4.500$000
Lobos Henriques
Câmara de
1857 JoãoFigueiredo Quintal 1.900$000
Lobos
Câmara de
1858 Joaquim Figueira 6 Cº 2.900$000
Lobos
Câmara de Manuel martins e João
1847 1.800$000
Lobos da Silva
O ENGENHO E A PRODUÇÃO. Os valores de produção dos engenhos insulares
são muito distintos dos americanos. Para a Madeira em finais do século XV são
referenciados apenas 12 engenhos para um total de 233 proprietários de
canaviais. Estes situam-se todos nas partes do Fundo, não havendo qualquer
referência para os que funcionavam na área do Caniço a Câmara de Lobos.
Por outro lado é de salientar que grandes proprietários de canaviais não são
sinónimo de engenho. No caso do século dezasseis alguns situam-se entre os
principais produtores, mas a maioria surge com valores de produção muito
inferiores, como é o caso de João de Ornelas que em 1530 declara apenas 70
arrobas de açúcar no Funchal. Deste modo podemos afirmar que estamos
perante duas realidades distintas que geram uma dinâmica particular na
estrutura produtiva em torno da cana de açúcar.
No caso americano os canaviais avançaram a partir do engenho e estão, quase sempre, ligados indissociavelmente. Isto
não sucede na Madeira. Aqui, são muitos os proprietários de canaviais mas poucos os de engenho. Outra peculiaridade
da Madeira é a concentração dos engenhos em áreas de maior facilidade de contactos com o exterior, nomeadamente no
Funchal, o que nem sempre correspondia às de maior importância no cultivo dos canaviais. Esta diferente estrutura da
faina açucareira condicionou outro posicionamento do escravo.
Ainda, na exploração agrícola insular torna-se necessário distinguir dois grupos de proprietários: aqueles que haviam
entregue as terras a foreiros ou arrendatários e os proprietários plenos. Esta forma de dupla posse da terra marcou de
modo evidente a actividade agrícola e favoreceu na Madeira o aparecimento e afirmação do contrato de colonia, a partir
do século XVI. Por outro lado, a extensão reduzida dos canaviais não obrigava à existência de um engenho para a
transformação da cana, tão pouco de um grupo numeroso de escravos. Por tudo isto, a posição dos escravos na estrutura
agrária madeirense deverá ser equacionada de acordo com esta dinâmica do sistema de propriedade na ilha. Se é certo
que na exploração directa ou no arrendamento se estabelece uma posição clara para o escravo, o mesmo não se poderá
dizer com o contrato de colonia. É o proprietário quem estabelece a forma de intervenção do escravo na sociedade e
economia e, como tal, adquire uma posição chave na definição e expressão da escravatura. Nos registos paroquiais, ao
nome do escravo e origem étnica, associa-se sempre o nome do proprietário. A distribuição geográfica destes adequa-se à
mancha da expressão da escravatura no arquipélago madeirense. Assim, a capitania do Funchal tem a supremacia com
86% dos proprietários e 87% dos escravos, adquirindo maior expressão no século XVI. No global da circunscrição definida
pela capitania do Funchal, temos, mais uma vez, o recinto do Funchal numa posição cimeira com 74% do número de
proprietários. A par disso a cidade, com as duas freguesias principais de que existe documentação - Sé e São Pedro -
apresentam 64% do número de proprietários, distribuindo-se os restantes pelas outras da capitania do Funchal (23%),
Machico (11%) e Porto Santo (2%). Esta elevada concentração dos escravos no espaço urbano revela, mais uma vez, que
estamos perante uma escravatura essencialmente doméstica, com pouca ou nenhuma relação com a vida rural.
Quando estabelecemos uma comparação entre o número de proprietários de escravos e o de canaviais verificamos que em
todas as áreas o primeiro grupo é superior ao segundo. Este facto poderá ser considerado um indicativo seguro de que
nem todos os proprietários de escravos se dedicavam à safra açucareira e que nem todos os escravos existiam para isso. A
diferença entre os dois grupos é mais acentuada no Funchal, onde o número de proprietários de escravos é três vezes
superior ao de canaviais. Nas "Partes do Fundo" ela não ultrapassa o dobro, no século XVI, e nas comarcas da Calheta,
Ponta do Sol e capitania de Machico apresentava valor inferior.
A mesma situação surge quando cruzamos o número de escravos com o dos proprietários de canaviais e engenhos de
açúcar. No século XV esta proporção é diminuta, na centúria seguinte, excepto em Ponta do Sol e Machico, atinge valores
elevados, sendo a média no Funchal de dez escravos por proprietário, quatro na Ribeira Brava e três na Calheta. Estes
valores estão muito aquém da média estabelecida para as Antilhas e Brasil. Será isto demonstrativo de que não é tão
evidente na Madeira a relação entre o escravo e o açúcar?
A mesma conclusão é possível quando comparamos os escravos com o número de engenhos na ilha. Enquanto nas
Antilhas e América do Sul o valor por engenho oscila entre os 800 e 100, aqui, no global, não ultrapassaria os 30, sendo a
média mais elevada no Funchal (com 77 escravos) e Ribeira Brava (com 24 escravos). É de salientar, ainda, que, no total de
46 proprietários de engenhos dezasseis são do Funchal. Os dados disponibilizados pela investigação levam-nos a concluir
o seguinte: num total 502 produtores de açúcar apenas 78 (16%) são possuidores de escravos. Para o século dezassete é
maior o número (39%) de proprietários de canaviais com escravos, mas aumenta sem existir qualquer relação de causa e
efeito entre ambas as realidades. A comparação do número de escravos destes com o número de arrobas de açúcar dos
canaviais apresenta, igualmente, valores dispares, pelo que estaremos perante uma prova evidente da intervenção do
trabalho livre: a média do século dezasseis oscila entre 10 e 1329,5 arrobas por escravo. Por outro lado os proprietários
com maior número de escravos, como Francisco Betencor, Pedro Gonçalves e António Correia, não são, de modo algum,
os maiores produtores de açúcar. Apenas João Esmeraldo, Simão Acioli e João Rodrigues Castelhano se apresentam como
excepção.
Outro dos aspectos definidores da escravatura resulta do número de escravos disponíveis para cada proprietário.
Também aqui a Madeira afasta-se do Novo Mundo. Não encontrámos proprietários com duzentos ou mais escravos. O
número mais elevado destes não ultrapassava os 14 apresentados por João Esmeraldo na fazenda da Lombada da Ponta
do Sol. Na maioria (63%) os valores ficam-se por 5 escravos, por isso, tendo em conta o mínimo de mão-de-obra
imprescindível para a laboração de um engenho, seremos obrigados a afirmar que a grande força de trabalho que
animava os engenhos não era escrava, mas sim livre. O máximo que conseguimos reunir foi de vinte escravos de Ayres de
Ornelas e Vasconcelos (1556-1587),mas para pai e filho. Na Madeira a tendência era para a existência de um reduzido
número de escravos por proprietário. Com um ou dois escravos temos 58% e com mais de cinco a percentagem não
ultrapassa os 11%. O grupo daqueles que possuem mais de dez escravos não suplanta os 2%. Estes destacados
proprietários surgem, mais uma vez, no Funchal, entendido como o conjunto das duas freguesias e comarca.
O perfil deste proprietário de escravos define-se pelo reduzido número, pois 89% possuem entre um e cinco escravos.
Não havia lugar para uma excessiva valorização da sua força de trabalho, no campo e cidade. A dimensão das oficinas e
das arroteias não o permitia. Isto torna-se mais evidente quando estabelecemos uma relação entre o escravo e o
património do proprietário. De acordo com os dados disponíveis, apenas, foi possível estabelece-la para dez proprietários.
Eles situam-se, maioritariamente, no século XVII pelo que as fazendas são dominadas pelas vinhas. Apenas com João
Rodrigues Mondragão está expressa a trilogia rural madeirense. Nas suas fazendas era possível ver-se searas, vinhas e
canaviais. A tudo isto acresce o facto de haver por parte do proprietário rural pouco empenho em aumentar o
investimento em mão-de-obra escrava. Ele nunca ultrapassa os 5% do valor total do capital. Esta situação contrasta mais
uma vez com o sucedido do outro lado do Atlântico, onde sobe até os 28%. Caso existisse uma relação directa entre a
presença do escravo e as tarefas agrícolas era natural que o proprietário procura-se desviar parte do seu investimento de
capital para a aquisição deles. Ao nível do valor do capital investido pelos proprietários madeirenses na mão-de-obra
escrava também se verifica uma disparidade em relação ao que sucede no continente americano. Na Madeira o valor
oscilava entre os 2 e os 5%, enquanto, do outro lado do Atlântico a percentagem poderia atingir os 28%. A par disso, se
enquadrarmos os escravos na estrutura fundiária dos proprietários, concluiremos pela fraca vinculação à cultura do
açúcar: em 104 detentores em simultâneo de escravos e bens fundiários, apenas 9 são possuidores de canaviais. Os
restantes, na sua maioria, detêm searas e vinhedos. Depois nos signatários de canaviais merece apenas referência
Bartolomeu Machado, no Funchal, com 10 escravos.
O escravo aparece ligado à cultura dos canaviais mas sem atingir a mesma proporção de S. Tomé ou do Brasil: em 1496 a
coroa dava conta da simbiose ao estabelecer a proibição de venda, por dívidas, de bens de raiz "nem escravos nem
espravas", animais e aparelhos de engenho, permitindo apenas a troca nas "novidades" arrecadadas. Noutro documento
de 1502, acerca das águas de regadio, o monarca refere que era hábito os proprietários mandarem "os espravos e homes
de soldada que tem de reger seus canaveaes". À ligação do escravo à fase de cultivo e amanho dos canaviais também se
pode atestar a presença dele nas diversas tarefas ligadas à laboração do engenho.
A estes testemunhos, denunciadores da participação do escravo, como serventes, na cultura e fabrico do açúcar também
se poderão juntar outros que demonstram terem eles actuado na qualidade de oficiais de engenho: primeiro tivemos os
escravos canários que se apresentaram na ilha como exímios mestres de açúcar, como se poderá verificar pela cautela
posta em 1490 e 1505, quanto à sua expulsão. Desta época há apenas notícia de dois escravos que foram mestres de
engenho, e não sabemos se eram ou não guanches: em 1486 Rodrigo Anes, o Coxo, da Ponta do Sol, estabeleceu em
testamento a alforria de Fernando, mestre de engenho, e em 1500 no testamento de João Vaz, escudeiro, refere-se um
escravo seu, Gomes Jesus, como mestre de açúcar. Mais tarde, em 1605, é Jorge Rodrigues, homem baço, forro, quem
reclama de Pedro Agrela de Ornelas três mil réis de serviço que fizera no seu engenho em 1604. Em 1601 Jean Moquet dá
conta de que os escravos tinham uma activa intervenção na faina dos engenhos, uma vez que o mesmo terá visto um
"grand nombre d'esclaves noirs qui travaillent aux sucres dehors la ville".
Certamente que a única particularidade do serviço dos escravos nos engenhos madeirenses residia no facto de eles
trabalharem de parceria com homens livres ou libertos, destacando-se aqui os trabalhadores de soldada: em 1578 António
Rodrigues, trabalhador, declara em testamento que havia trabalhado sob as ordens de Manuel Rodrigues, feitor do
engenho de D. Maria.
O panorama da geografia açucareira na segunda metade do século XIX é distinto. A abolição da escravatura provocou
uma transformação da estrutura social e conduziu inevitavelmente a inovações técnicas. O fim da escravatura conduziu a
uma desenfreada busca de mão de obra livre através de contratos, sendo os novos colonos recrutados entre os chineses,
indianos e madeirenses. O sistema e forma decorrente não estão longe da escravatura, razão porque ficou conhecido na
imprensa madeirense da época com "escravatura branca". Este sistema vigorou até 1927. Neste momento o grande suporte
da estrutura produtiva madeirense que deu suporte à nova vaga dos canaviais é o contrato de colonia, responsável nos
séculos anteriores pelo total parcelamento do solo em minúsculos poios.
5. OS PREÇOS Do açúcar. Não é fácil estabelecer com clareza a evolução dos preços do açúcar no mercado insular porque
não existem núcleos documentais que permitam a reconstituição de séries. Os dados disponíveis são avulsos e
desconexos. Se no caso da Madeira foi possível reunir o maior número de informações para a década de trinta do século
XVI. Além disso dever-se-ão juntar outras condicionantes que influem de forma decisiva nos preços. Em primeiro lugar
está a falta crónica de moeda e o recurso ao açúcar como meio de troca, a que se associa nos séculos XV e XVI a sua
insistente desvalorização.
É necessário ter ainda em conta que a lei da oferta e da procura condicionava de forma evidente a evolução do preço do
açúcar ao longo do ano. Deste modo, é de notar uma variação mensal de acordo com o período da safra do açúcar e da
presença de embarcações interessadas no seu trato. Daqui resulta que os preços mais elevados surjam nos meses de Junho
e Julho, precisamente no momento em que se disponibilizava o primeiro açúcar do ano e, por isso, a afluência de
mercadores era maior. A par disso é de notar outras variações sazonais no próprio mês de acordo, como é óbvio, com a lei
da oferta e da procura.
O açúcar branco apresentava dois preços, consoante fosse de uma ou duas cozeduras. O último preço correspondia em
1496 a quase o dobro do primeiro. Se tivermos em conta, que em 15 000 arrobas da primeira cozedura ficava apenas 10
000 na segunda, nota-se uma forte valorização do produto final. Esta insistência no açúcar de segunda cozedura é
considerada uma condição necessária para a valorização do produto, impedindo que chegue ao mercado europeu em más
condições, mas acima de tudo era uma medida benéfica que reduzia para metade a oferta do açúcar, o que favorecia a
competitividade do produto numa altura que o mercado se pautava por excedentes.
A partir da década de setenta o preço do açúcar entra em quebra acentuada. Esta ideia está testemunhada nas
intervenções do senhorio a partir de 1469 que insiste na solução do monopólio para o seu comércio. A negação dos
madeirenses a semelhante solução levou o Duque D. Manuel a avançar com novas medidas. Assim em 1496 fixa os preços
em 350 réis para o açúcar da primeira cozedura e 600 ao da segunda, e passados dois anos opta por estabelecer uma cota
máxima de exportação que se cifrava em 120.000 arrobas. Os dados disponíveis revelam este movimento de quebra do
açúcar. O primeiro açúcar feito em Machico vendeu-se a 2000 réis arroba. Já em 1469 o seu preço estava em 500 arrobas
para o de uma cozedura e 750 para o de duas, Em 1472 temos a notícia que subiu para 1000 réis a arroba, mas esta deverá
ser uma situação particular resultante da quebra acentuada da moeda, pois que em 1478 regressou à normalidade. O
movimento de queda foi uma constante até princípios do século XVI e só a revolução dos preços inverteu a situação.
Todavia é evidente uma inversão de marcha a partir da década de trinta que pode ser entendida com a presença
concorrencial de açúcar de outras áreas, nomeadamente do continente americano.
Para o segundo período, que começa na centúria oitocentista, os preços do açúcar articulam-se directamente com a
evolução dos níveis de produção da ilha, das facilidades ou proteccionismos sacarino e da conjuntura do instável
mercado mundial. De acordo com os dados disponíveis para 1884 evidenciam a disparidade de preços entre o açúcar
madeirense e brasileiro e inglês:
Preços do açúcar
Para esta fase temos valores sobre o pagamento da cana de açúcar ao produtor, o que não acontece na primeira fase. Aqui
temos de distinguir a situação que decorre a partir de 1895, em que o preço de pagamento ao agricultor foi estabelecido
por decreto. Assim as fábricas matriculadas estavam obrigadas a adquirir a cana ao preço de 400 a 450 réis por trinta kg,
tendo como compensação uma redução de 50% no imposto do melaço importado. Até esta data os preços eram
estabelecidos livremente pelas fábricas, de acordo com os graus Beaumé. A concorrência entre a fábrica de S. João, Hinton
e demais levou a uma inflação do seu preço na década de setenta do século XIX, mas a falência da primeira, a tendência
monopolista conduziram inevitavelmente à quebra abrupta do seu preço, o que levou à intervenção das autoridades.
6. O CONSUMO DO AÇÚCAR. O princípio fundamental que regeu o
movimento de circulação do açúcar foi a necessidade de suprir as carências de
alguns mercados europeus, em substituição do oriental, cada vez mais de difícil
acesso. Esta conjuntura impôs a nova cultura no espaço atlântico e ditou as
regras do seu mercado. Deste modo o consumo interno de açúcar é uma
exigência tardia, gerada por novos hábitos alimentares ou das contingências do
mercado do produto. Neste último caso assume importância o dispêndio de
açúcar na industria de conservas e casca como resultado da solicitação dos
veleiros que demandavam o Funchal.
Este açúcar arrecadado pela coroa, tal como nos elucida F. J. Pereira, era gasto em
despesas ordinárias, na carregação directa e nas vendas feitas aos mercadores
e/ou sociedades comerciais. Na primeira despesa estavam incluídos, a redízima
dos capitães, os gastos pessoais do monarca, da Casa Real, as esmolas, para além
das despesas com os soldos dos funcionários, do transporte e embalagem do
açúcar. Esta despesa variou entre as 1.070 e 2.114 arrobas, sendo a média anual
no período de 1501 a 1537 de 1622 arrobas. No caso das esmolas é de realçar as
que se faziam às Misericórdias - Funchal (1512), Ponta Delgada em S. Miguel
(1515), Todos os Santos em Lisboa (1506 -, Conventos - Santa Maria de
Guadalupe (1485), Jesus de Aveiro (1502), Conceição de Évora. A par disso
também se regista a utilização temporária destes lucros arrecadados pela Coroa
no custeamento das despesas com os socorros às praças africanas ou no
provimento das armadas. A contrapartida estará na política de ofertas
estabelecida por D. Manuel I, que em muito contribuiu para o enriquecimento do
património artístico da Madeira.
Esta indústria manteve-se por todo o século XVII, suportada com o pouco açúcar
da produção local ou com as importações dele do Brasil. Neste último caso sabe-
se que em 1680 foram importadas 2.575 arrobas para o fabrico de casca. Aliás, de
acordo com uma informação dada ao governador da ilha, D. António Jorge de
Melo referia-se que "é a casquinha negócio muito grande porque há anno que se
carregão com aquella terra mais de 20 embarcações de hu so doce para o qual he
necesareo comprar assucar da terra ou mandalo vir do Brasil". A
correspondência de William Bolton refere-nos que a conserva de citrinos estava
em grande prosperidade na década de noventa do século XVII, sendo usada para
o abastecimento das embarcações que demandavam a ilha, ou exportadas para
Lisboa, Holanda e França.
A Madeira foi no começo o mais importante entreposto. Os descobrimentos aliam-se ao comércio e, por isso, desde
meados do século XV, manteve-se um trato assíduo com o reino, activado com as madeiras, urzela, trigo e, depois, com o
açúcar e o vinho. Este movimento alargou-se às cidades nórdicas e mediterrânicas, com o aparecimento de estrangeiros
interessados no comércio do açúcar. Aliás, o mesmo produto contribuiu para o arranque decisivo da economia
madeirense, e para a consequente inserção na economia europeia. O acelerado ritmo de crescimento da ilha condicionou a
atracção de diversas correntes migratórias. Tal situação é definida em 1508 pelo monarca D. Manuel ao justificar a
elevação do Funchal a cidade: "teem creçido em mui gramde povoraçam e como nella vivem muytos fidalgos cavaleyros e
pessoaes homrradas e de gramdes fazendas pollas quaaes e pello grande trauto da dyta ylha...". Esta piccola lixbona,
segundo, Torriani inseria-se de modo evidente na economia europeia atlântica, participando do trato com o Velho e o
Novo Mundo, servindo de entreposto. Na Madeira ele assumiu uma posição dominante na produção e comércio entre
1450 e 1550, enquanto que nas restantes praças surge apenas em princípios do século XVI, tendo assumido idêntica
posição na década de trinta.
O COMÉRCIO . O comércio do açúcar destaca-se no mercado madeirense dos séculos XV e XVI como o principal
animador das trocas com o mercado europeu. Durante mais de um século a riqueza das gentes da ilha e o fornecimento
de bens alimentares e artefactos dependeu do comércio do produto. O mesmo sucedeu nas Canárias, a partir do século
XVI. Todavia, neste período a sua venda e valor sofreram diversas oscilações, mercê da conjuntura do mercado
consumidor e da concorrência dos mercados insulares e americanos.
AS FORMAS DE TROCA . O dispendio do açúcar do lavrador fazia-se de uma forma diversificada. As vendas directas
aos mercadores, muitas vezes de antemão, associam-se os pagamentos de dívidas ou por trocas de produtos e serviços. Os
livros do quarto e do quinto, como forma de controlo dos direitos em jogo, contabilizam o modo como os lavradores
despendiam o seu açúcar. A partir daqui poderá saber-se quem eram os principais compradores, como testemunhar do
seu uso no pagamento de serviços. Apenas na primeira metade do século dezassete é possível estabelecer com clareza
essa forma de dispêndio do açúcar conseguido por proprietários de canaviais e engenhos. No global tivemos cerca de
81.280 arrobas distribuídas por 2.492 compradores. A tendência é para a disseminação pelos pequenos compradores,
acabando com os interesses monopolistas de algumas casas comerciais, que haviam dominado o comércio na época de
apogeu.
O lavrador e o proprietário do engenho serviam-se usualmente do produto da sua safra para o pagamento da mão de
obra assalariada que necessitavam. Por fim, registe-se que esta distribuição diversificadora dos lucros acumulados por
proprietários de canaviais e mercadores de açúcar contribuiu para um manifesto progresso da sociedade madeirense no
século dezasseis, com evidentes reflexos no quotidiano e panorama artístico e arquitectónico.
ROTAS E MERCADOS. O açúcar foi, durante mais de um século, o principal activador das trocas da Madeira com o
exterior. As dificuldades sentidas com a penetração no mercado europeu levaram a coroa a intervir no sentido de manter
um comércio controlado, que a partir de 1469 passou a ser feito sob o permanente olhar do senhorio e coroa. A situação
manteve-se até 1508, altura em que a coroa aboliu o regime de contrato. A partir de uma das medidas tomadas pela coroa
(o contingentamento de 1498) para defesa do mercado do açúcar madeirense poder-se-á fazer uma ideia dos principais
mercados consumidores. As praças do mar do norte dominavam o comércio, recebendo mais de metade das escápulas
estabelecidas: aqui a Flandres adquire uma posição dominante, o mesmo sucedendo com os portos italianos para o espaço
mediterrânico. Se compararmos estas escápulas com o açúcar consignado às diversas praças europeias no período de 1490
e 1550, verifica-se que o roteiro não estava muito aquém da realidade. As únicas diferenças relevantes surgem nas Praças
da Turquia, França e Itália, sendo de salientar na última um reforço acentuado de posição, que poderá resultar da
actuação das cidades italianas como centros de redistribuição no mercado levantino e francês.
Os dados disponíveis para o comércio do açúcar na Madeira evidenciam a constância dos mercados flamengo e italiano.
O reino, circunscrito aos portos de Lisboa e Viana do Castelo surge em terceiro lugar com apenas 10%. Observe-se que o
porto de Viana do Castelo adquiriu, desde 1511, grande importância neste circuito e daí com Espanha e Europa nórdica.
Aliás, no período de 1581 a 1587 Viana é o único porto do reino mencionado nas exportações de açúcar, mantendo,
todavia, uma posição inferior à 1490-1550. Esta função redistribuidora dos portos a norte do Douro ficara, já evidenciada
entre 1535 e 1550, pois das cinquenta e seis embarcações entradas no porto de Antuérpia com açúcar da Madeira,
dezasseis são do norte e apenas uma de Lisboa. Na primeira 50% são provenientes de Vila do Conde, 31% do Porto e 19%
de Viana do Castelo. Em 1505 o monarca considerava que os naturais desta região tinham muito proveito no comércio do
açúcar da ilha. Em 1538 este trato era assegurado por um numeroso grupo de grupos de mercadores daí oriundos. O
mesmo sucede nas trocas com o mundo mediterrânico onde se contava com os entrepostos de Cádiz e Barcelona. Estas
cidades surgem no período de 1493 a 1537 com os portos de apoio ao comércio com Génova, Constantinopla, Chios e
Águas Mortas.
Os dados da exportação para o período de 1490 a 1550, testemunham esta realidade: a Flandres surge com 39% e a Itália
com 52%. Todavia, é de salientar a posição dominante dos mercadores italianos na condução deste açúcar, uma vez que
eles foram responsáveis pela saída de 78% do açúcar. Note-se que no início foram inúmeras as dificuldades para a
presença de estrangeiros. Somente a partir da década de oitenta do século XV surgiram os primeiros como vizinhos, que
se comprometeram com a cultura e comércio do açúcar. Para a segunda metade do século dezasseis escasseiam os dados
sobre o comércio do açúcar madeirense. Somente entre 1581 e 1587 temos nova informação. Neste período a ilha exportou
199.300 arrobas de açúcar para o estrangeiro e 4830 para o porto de Viana do Castelo.
A partir de princípios do século XVI o comércio do açúcar diversifica-se. A Madeira que na centúria de quatrocentos
surgira como o único mercado de produção, debater-se-á, a partir de finais desse século, com a concorrência do açúcar
das Canárias, de Berberia, de S. Tomé e, mais tarde, do Brasil e das Antilhas. Esta múltipla possibilidades de escolha, por
parte dos mercadores e compradores, condicionou a evolução do comércio açucareiro. Todavia, o açúcar madeirense
manteve uma situação preferencial no mercado europeu (Florença, Anvers, Ruão), sendo o mais caro. Talvez, devido a
este favoritismo encontramos com frequência referências à escala na Madeira de embarcações que faziam o seu comércio
com as Canárias, Berbéria e S. Tomé. Esta situação deveria, de igual modo, explicar a venda de açúcar madeirense em
Tenerife, no ano de 1505.
O comércio açucareiro na primeira metade do século XVI era dominado na Europa do Norte pelas ilhas e litoral do
Atlântico, nomeadamente, entre as primeiras, a Madeira, Tenerife, Gran Canaria e La Palma. Assim, na década de 30 os
navios normandos ocupados neste comércio dirigiam-se preferencialmente a esta área. Convém anotar que a maioria das
embarcações que rumavam a Marrocos, com escala na Madeira à ida e no regresso, o que valorizou a Madeira no
comércio com a Normandia. A situação dominante do mercado madeirense perdurou nas décadas seguintes, não obstante
a forte concorrência da ilha de S. Tomé que se firmou, entre 1536 e 1550, como o principal fornecedor de açúcar à
Flandres. Todavia, esta posição cimeira da ilha de São Tomé só é patente a partir de 1539.
A Madeira, que até à primeira metade do século dezasseis havia sido um dos principais mercados do açúcar do Atlântico,
cede lugar a outros (Canárias, S.Tomé, Brasil e Antilhas). Deste modo as rotas desviam-se para novos mercados,
colocando a ilha numa posição difícil. Os canaviais foram abandonados na quase totalidade, fazendo perigar a
manutenção da importante industria de conservas e doces. O porto funchalense perdeu a animação que o caracterizara
noutras épocas. É aqui que surge o arquipélago vizinho. O comércio canário, baseado nos mesmos produtos que o
madeirense, será um forte concorrente na disputa dos mercados nórdico e mediterrânico. Os produtos dos dois
arquipélagos surgem, lado a lado, nas praças de Londres, Anvers, Ruão e Génova. A única vantagem do madeirense
resultava de ter sido o primeiro a penetrar com o açúcar e o vinho no mercado europeu, ganhando a preferência de
muitos vendedores e consumidores.
A solução possível para debelar a crise da industria açucareira madeirense, desde a segunda metade do século dezasseis,
foi o recurso ao açúcar brasileiro, usado no consumo interno ou como animador das relações com o mercado europeu. Por
isso os contactos com os portos brasileiros adquiriram uma importância fundamental nas rotas comerciais madeirenses do
Atlântico Sul. Tal como o refere José Gonçalves Salvador as ilhas funcionaram, no período de 1609 a 1621, como o
"trampolim para o Brasil e Rio da Prata". É o mesmo quem esclarece que este relacionamento poderia ter lugar de modo
directo, ou indirecto, sendo este último rumo através de Angola, S. Tomé, Cabo Verde ou Costa da Guiné. Aqui definia-se
um circuito de triangulação, de que são exemplo as actividades comerciais de Diogo Fernandes Branco, no período de
1649 a 1652. Note-se que desde finais do século dezasseis estava documentado o comércio do açúcar, servindo os portos
do Funchal e Angra como entrepostos para a sua saída legal ou de contrabando para a Europa.
Este comercio do açúcar do Brasil, por imperativos da própria coroa ou por solicitação dos madeirenses, foi alvo de
frequentes limitações. Assim em 1591 ficou proibida a descarga do açúcar brasileiro no porto do Funchal, medida que não
produziu qualquer efeito, pois em vereação de 17 de Outubro de 1596 foi decidido reclamar junto da coroa a aplicação
plena de tal proibição. Desde 1596 é evidente uma activa intervenção das autoridades locais na defesa do açúcar de
produção local, prova evidente de que se promovia esta cultura. Em Janeiro deste ano os vereadores proibiram António
Mendes de descarregar o açúcar de Baltazar Dias. Passados três anos o mesmo surge com outra carga de açúcar da Baía,
sendo obrigado a seguir o seu porto de destino, sem proceder a qualquer descarga. O não acatamento das ordens do
município implicava a pena de 200 cruzados e um ano de degredo. Esta situação repete-se com outros navios nos anos
subsequentes até 1611: Brás Fernandes Silveira em 1597, António Lopes, Pedro Fernandes o grande e Manuel Pires em
1603, Pero Fernandes e Manuel Fernandes em 1606 e Manuel Rodrigues em 1611.
A constante pressão dos homens de negócio do Funchal envolvidos neste comercio veio a permitir uma solução de
consenso para ambas as partes. Assim em 1612 ficou estabelecido um contrato entre os mercadores e o município em que
os primeiros se comprometiam a vender 1/3 do açúcar de terra. Note-se que desde 1603 estava proibida a compra e venda
deste açúcar, sendo os infractores punidos com a perda do produto e a coima de 200 cruzados. Mas a partir de Dezembro
de 1611 ficou estipulado que a venda de açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do da terra. Deste modo os
vereadores entregaram Domingos Dias nas mãos do alcaide, sob prisão, por ter vendido 50 caixas de açúcar brasileiro aos
ingleses. Em 1620 a transacção do açúcar da terra e do Brasil era feita à razão de 1 por 2, sendo o embarque feito por
licença assinada por dois vereadores e um juiz. Para assegurar este controlo, os escravos e barqueiros foram avisados que,
sob pena de 50 cruzados ou dois anos de degredo para África, não poderiam proceder ao embarque de açúcar sem
autorização da câmara. Em 1657 a proporção de cada açúcar era de metade.
Após a Restauração da independência de Portugal o comércio com o Brasil foi alvo de múltiplas regulamentações.
Primeiro foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através da Companhia para o efeito criada, depois o
estabelecimento do sistema de comboios para maior segurança da navegação. A esta situação, estabelecida em 1649,
ressalva-se o caso particular da Madeira e Açores, que a partir de 1650 passaram a poder enviar, isoladamente dois navios
com capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam depois trocados por tabaco, açúcar e madeiras. Mais
tarde, ficou estabelecido que os mesmos não podiam suplantar as 500 caixas de açúcar.
Desde meados do século XIX que o açúcar voltou a entrar paulatinamente nas exportações madeirenses. Assim, em 1854
temos referência à saída de 238 kg que passam para 527.883 em 1871.Não existem dados concludentes sobre o comércio
do açúcar da ilha neste período, mas pelas medidas que favoreciam a sua saída (em 1870-1887) sabemos da necessidade
de garantir uma quota de mercado nos Açores e Continente. No primeiro quartel da presente centúria o açúcar de
produção local era excedentário, sendo exportado para Lisboa.
Como corolário desta ambiência a Madeira firmou uma posição de relevo nas
navegações e descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da
economia de mercado, em uníssono com o empenhamento dos principais
povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do Atlântico,
reforçaram a posição da Ilha e fizeram avolumar os serviços prestados pelos
madeirenses. Aqui, surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada
de títulos e benesses pelos serviços prestados no reconhecimento da costa
africana, defesa das praças marroquinas, ou nas campanhas brasileiras e indicas.
A par disso a ilha surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência
de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais.
Tudo isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano
e americano. O arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos
da nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os
demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram.
O avanço do açúcar para sul ao encontro do habitat que veio gerar o boom da
sua produção, deu-se nos anos imediatos ao descobrimento das ilhas de Cabo
Verde e S. Tomé. Todavia, só nesta última, pela disponibilidade de água e
madeiras, os canaviais encontraram condições para a sua expansão. Deste modo
em 1485 a coroa recomendava a João de Paiva que procedesse à plantação de
cana do açúcar. Para o fabrico do açúcar refere-se a presença de "muitos mestres
da ilha da Madeira".
A par disso no Brasil algumas das folias que animavam os terreiros do engenho
são um misto de tradições europeias e africanas. Destas destaca-se o Bumba-
meu-boi e o fadango; a primeira aproxima-se da tradicional tourada, surgindo
como forma de exaltação do negro e do boi, elementos fundamentais da safra
açucareira; o segundo é um auto popular do ciclo natalício que descreve a luta
entre o cristão e o mouro, numa clara alusão ao processo de conquista
peninsular. Do lado oposto a estas duas tradições está a Congada, uma dança de
senzala, definida pela coroação do rei do Congo. Ela tinha lugar em Maio (dia de
são Benedicto) e Outubro (dia de Nossa Senhora do Rosário). Ainda no Brasil a
economia açucareira gerou uma dinâmica socio-cultural diversa, que deixou
rastros evidentes na literatura: o caso mais evidente é o de José Lins do
Rego(1901-1957), que escreveu um conjunto de romances a retratar o ciclo da
cana de açúcar: Menino de Engenho(1932), Doidinho(1933), Banguê(1934), o
Moleque Ricardo(1935), Usina(1936), Fogo Morto(1943) e Meus Verdes
anos(1956). Na Madeira esta vivência não entusiasmou a veia literário dos seus
protagonistas e apenas na actualidade o tema despertou o interesse de Horácio
Bento de Gouveia, em águas Mansas(1963), e João França em A ilha e o
Tempo(1972).
Por outro lado, é de salientar que A safra açucareira teve também implicações na
política de urbanização do espaço rural, condicionando uma forma peculiar de
ligação do espaço agrícola -industrial com as estruturas de mando e controle
social. A célebre trilogia rural, tão bem definida por Gilberto Freire, teve o seu
primeiro aparecimento aqui na Madeira, sendo testemunho actual disso a célebre
lombada de João Esmeraldo (Ponta do Sol). Mas outros mais exemplos
poderíamos referenciar na ilha que, lamentavelmente, se estão perdendo. Talvez
por estas implicações do açúcar se define ao espaço rural, ou por outras razões
que desconhecemos, se definiu para o Funchal epítetos pouco expressivos da
realidade. Assim a partir da publicação do livro de António Aragão sobre a
cidade do Funchal ficou estabelecido que ela era a "primeira cidade construída
por Europeus fora a Europa" e dentro da sua malha urbana de uma "cidade do
açúcar" e outra do "vinho". Esta aventureira definição não colhe argumentos a
seu favor.
Em boa verdade se diga, que o recinto urbano, que emerge a partir da década de
sessenta entre as ribeiras de João Gomes e Santa Luzia e, depois, para além desta
última, foi o princípio da futura cidade, dominada pelos mercadores do açúcar.
As residências de João Esmeraldo, de D. Mécia, do capitão do donatário, bem
como os conventos (Encarnação, S. Francisco e Santa Clara) e igrejas (Sé, Capela
dos Reis Magos, Madre de Deus e matrizes de Machico, Ponta do Sol, Calheta e
Ribeira Brava) foram erguidas e embelezadas artisticamente a partir dos
proventos acumulados com a safra do açúcar. Mas uma coisa é o açúcar ser fonte
de receita, participadora deste processo e outra é o resultar daí implicações
urbanísticas e plásticas. Na verdade a vila que é elevada em 1508 à categoria de
cidade deve apenas ser considerada como a cidade dos mercadores de açúcar e
nunca a cidade do açúcar.
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AÇÚCAR
ALFENiM: doce seco feito com açúcar e água, levado ao ponto, com que se
fabrica figuras diversas.
1.MUSEUS
Museu de Arte Sacra
Santiago Menor foi eleito padroeiro da cidade do Funchal em 1521, altura em que
a ilha sofria uma epidemia de peste 16 e se levantou uma capela dedicada ao
Santo, onde actualmente existe a igreja do Socorro ou de Santa Maria Maior. O
quadro era levado em procissão da Sé para a Capela de São Tiago, onde deve ter
acabado por ficar. Destruída a Capela de São Tiago deve ter transitado para a
Igreja do Socorro ou de Santa Maria Maior, onde foi encontrado.
Está atribuída ao pintor Josse Van Cleve, datável entre os primeiros 15 anos do
século XVI.
Este triptico pertenceu à pequena capela de São Paulo, fundada, cerca de 1454,
por João Gonçalves Zarco. A sua encomenda deve-se provavelmente a Simão
Gonçalves da Câmara.
O tríptico transitou mais tarde para a Igreja de São Pedro no Funchal onde foi
encontrado. No reverso dos painéis laterais estão em grisalha pintados dos anjos
anunciadores com a inscrição AVE GR(A)CIA PLENA DOMINUS TEC(UM) e
ECCE ANCILLA DOMINI FIAT MICHI SECUNDUM VERBUM TUUM.
Em 1949 este tríptico foi exposto no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa
atribuído a Mathieu Cock.
Nova atribuição foi feita mais recentemente ao denominado mestre das "meias
figuras".
Esta pintura tem sido atribuída ao denominado mestre de 1518 , mas também ao
chamado "maître de la Madeleine".p>
Esta pintura parece ser, apesar de diminuído nas suas dimensões o volante de
uma outra pintura que a seguir se descreve. Provem da igreja matriz da vila da
Ribeira Brava.
Ofuscada pela pintura, a escultura de origem flamenga, só agora tem sido olhada
com maior atenção. Do conjunto destaque-se:
Tal como a peça anterior deve ter feito parte de um desaparecido conjunto do
Calvário do antigo convento de São Francisco do Funchal. Foi também
encontrada na Igreja de São João Evangelista.
CRISTO NA CRUZ- Escultura em madeira de carvalho, com vestígios de
policromia, adquirido recentemente de um atelier flamengo do inicio do século
XVI. Provém do antigo convento de São Francisco do Funchal.
Sabemos que as cerca de 2O peças oferecidas pelo Rei; "vieram todas metidas
numa arca", entre elas "Uma cruz grande, dourada , que de prata pesa 82 marcos,
20 onças e duas oitavas".
CÁLICE- Prata dourada e cinzelada, cerca de 1500, 27cmx12, e que deve ser um
dos cálices referidos na relação de 1527, depois referido nos inventários de 1533 e
posteriores:"Um cálice de prata todo dourado, com sua paterna e campainhas,
esmaltado em partes de azul, o qual veio de S. João de Latrão, que pesa 4 marcos
menos três oitavas". No cálice aparecem cravadas ametistas, esmaltes e cristais.
A primitiva Quinta das Cruzes foi constru da numa propriedade e para servir
de resid ncia de Jo o Gon alves Zarco, capit o donat rio entre 1425-1467 (?) e
sua fam lia.
Uma casa de moradia modesta, come ada a edificar por Jo o Gon alves Zarco
foi posteriormente ampliada e muito engrandecida por seu filho, que parece ter
aproveitado os mestres que trabalhavam na transforma o da antiga igreja da
Concei o de Cima em Convento de Santa Clara, para a realiza o das obras
da sua moradia principal.
A Casa das Cruzes, pela sua longa exist ncia foi sofrendo numerosas
altera es, na adapta o constante dos seus espa os a utiliza es e viv ncias
renov veis.
No corpo principal da casa, podem ainda hoje ser observadas, duas janelas,
antigas portadas, de n tida inspira o manuelina, pela presen a de arcos
contracurvados em cantaria bas ltica da Ilha.
Montadas como "situa es rom nticas", com not vel envolvente cenogr fica,
encontramos nos jardins duas janelas de cantaria bas ltica, que nos recordam a
cidade dos mercadores de a car. Tratam-se de dois conjuntos, que
pertenceram a uma destru da casa da Rua da Boa Viagem . Um dos casos
apresenta uma composi o geminada com uma profusa decora o de la arias,
colunelos aspiralados, elementos fitom rficos, assim como adossamentos de
le es e figuras. 0 outro caso, com decora o mais s bria, tamb m de
defini o manuelina, apresenta uma composi o esquartelada, onde se devem
destacar elementos figurativos que correm num parapeito historiado.
A maior parte das caixas onde eram transportados os a ucares eram feitas de til,
vinh tico e cedro. Qualquer destas caixas, pela consist ncia das madeiras e pelo
processo de juntas malhetadas, eram a forma mais segura para o transporte,
muitas vezes sujeito a intemp ries de varia ordem. N o se conhecem na ilha da
Madeira nenhum exemplar destas caixas do s culo XV ou mesmo XVI. No
entanto deve aceitar-se a perman ncia de processos ao longo dos s culos,
quando nos confrontamos com arm rios de dois corpos e portadas assim como
numerosas arcas que sobreviveram desde o s culo XVII. Utilizando os mesmos
processos de malhetes e as mesmas madeiras utilizadas nos caixotes de a car,
acondicionando-se aos modus do mobili rio portugu s coevo, sobreviveram
mov is, que na Madeira sempre se chamaram "caixas de a car", pelo exotismo
das madeiras aplicadas. Se no s culo XVI, constru mos caixas para embalar o
nosso a car, com o s culo XVII, ap s enorme press o da produ o de Cabo
Verde, mas sobretudo do Brasil. vamos passar a importar a car e madeiras
ex ticas algumas que conhec amos como o vinhatico, mas outras
desconhecidas, s quais se generalizava, classificando todas de madeira de
"caixa de a car". Dessas madeiras, desmembradas que eram as caixas, se
constru ram m veis, sobretudo arcas, ou arm rios de duas portadas quer a
partir de tabuado brasileiro, quer com certeza do insular. Muitos dos exemplares
conhecidos apresentavam prateleiras dispostas no interior, com rebordos
trabalhados, sendo tamb m comum a sua pintura total por uma cor uniforme.
Muito curiosa a resist ncia no tempo deste tipo de mobili rio, que conhecido
no s culo XVI, tem grande desenvolvimento no s culo XVII, mantendo-se
inalter vel durante o s culo XVIII e por boa parte do s culo XIX. Para al m
dos exemplares produzidos na ilha com madeiras ind genas, a importa o de
tabuado brasileiro fez de facto incrementar a produ o. Desde finais do s culo
XVI, mas sobretudo no s culo XVII, procedemos tamb m ao reembalamento
para a Europa do a car Brasileiro, que chegava muitas vezes em mau estado,
em caixas semiabertas que eram reaproveitadas. Entre essas madeiras brasileiras
encontradas nesses mov is como os do Museu da Quinta das Cruzes , que
possui uma not vel colec o, destaque-se o "mogno brasileiro", mas tamb m a
a Sucupira e o Barbusano.
O Convento de Santa Clara, liga-se estreitamente fam lia dos donat rios do
Funchal.
Perto das suas "moradias" , Zarco fundou: "hua Igreja da invoca o de nossa
Senhora da Concei o pera seu iaziguo". A esta igreja se deu tamb m o nome
de "Santa Maria de Cima" para n o a confundir com a igreja de "Santa Maria de
Baixo" ou do Calhau, constru da nas proximidades da foz da ribeira de Jo o
Gomes. Jo o Gon alves Zarco Parece ter morrido pelo ano de 1471, e foi
sepultado na sua igreja de Santa Maria de Cima, nas proximidades da sua casa, o
actual Museu da Quinta das Cruzes.
D. Manuel autorizou que o Mosteiro tivesse uma renda anual at 200.000 reis.
Esta autoriza o permitiu, a acumula o de propriedades, na qual se destaca o
Curral das Freiras. Da primitiva poca da constru o, iniciada na ltima
d cada do s culo XV. podem hoje ainda ser observados o corpo da igreja, com
os seus remates junto aos coros, assim como o t mulo de Martim Mendes de
Vasconcelos, genro de Zarco, falecido em 1493. 0 T mulo apresenta um nicho
aberto na parede, em cantaria cinzenta da ilha. Comp e-se de um jazigo
sustentado por tr s le es jacentes, abrigado por um portal em ogiva. No
intradorso da arquivolta do arco e nos capit is desenvolve-se uma decora o
fitom rfica.
Por numerosas altera es ao longo dos s culos XVII, XVIII, e por depreda es
no s culo XIX e XX. muita da estatu ria primitiva e pintura desapareceu. De
especial destaque, pode referir-se, duas pequenas t buas flamengas (90x48cm) ,
colocadas provisoriamente no coro alto, representando Santo Antonio e o Anjo
da Anuncia o, assim como uma magn fica Pieta, em terracota de origem
portuguesa de meados do s culo XVI. Na Casa-Museu Dr. Frederico de Freitas.
podemos encontrar um S o Jeronimo tamb m em terracota, proveniente do
Convento e dat vel do s culo XVI. De destaque especial uma pintura primitiva
portuguesa, "Ecce Homo", com a rara legenda completa, de in cios do s culo
XVI.
Alfandega
A obra deve com certeza ter tido como seu máximo responsável Pero Anes, autor
dos planos da Sé.
Próximos aos da Sé, são os tectos de três salas, no primeiro andar do edifício,
pela profusão de elementos decorativos geométricos. Tratam-se de três
exemplares de tectos de alfarge, em madeira de cedro pintados, de nítido recorte
mudejar. De todos eles o de maior riqueza é o da "Sala dos Contos".
Santa Cruz
A par quia do CANI O, criada em 1440, v m a ser uma das zonas de maior
produ o agr cola da Madeira, onde existiam extensos canaviais.
A Capela foi fundada, em 1536 por disposi o testament ria, de Isabel Alvares.
Depois da Madre de Deus um outro edif cio de interesse insofism vel para o
reconhecimento de uma rota , a igreja Matriz de SANTA CRUZ.
A Igreja de S o Salvador, foi fundada por Jo o de Freitas, pelo que teve merc
da Capela-mor para seu jazigo, provis o passada por D. Joso III, em 29.11.1533.
Esta igreja veio substituir uma pequena constru o, mais antiga, junto ao s tio
de S. Fernando. A ela se refere a bula datada de 17 de Abril de 1507, de J lio II, e
enviada confraria do Senhor Jesus: "Segundo o que no outro dia nos fizeste
saber, no come o desse vosso lugar de Santa Cruz, os edificadores dele, olhando
a pouca gente que ent o ai estava, fizeram uma igreja no mesmo lugar com a
invoca o de Santa Cruz."
A Confraria de Jesus parece ter tido um papel de enorme import ncia para a
persecu o das obras da Matriz aberta ao p blico em 1509.
Henrique Henriques de Noronha afirma-nos: "A Igreja Matriz de Santa Cruz, foi
fundada por el-rei D. Manuel a dilig ncia de Joao de Freitas, fidalgo da sua casa
e creado do Duque D. Diogo, irm o do Rei, e que falecendo o Duque de morte
violenta, passou Jo o de Freitas a viver em Santa Cruz, com seu pai Gon alo de
Freitas, monteiro-mor do Infante D. Fernando e creado da Casa de el-rei D.
Afonso V"
A vila de Santa Cruz nasce "junto a um bosque umbroso", como nos diz Manuel
Tom s, autor da Insulana. Gaspar Fructuoso por seu lado afirma-nos: "entraram
em uma formosa angra , na praya da qual acharam um formoso e deleitoso vale
coberto de arvoredo, onde acharam em terra uns cepos velhos derribados do
tempo, dos quais mandou o capit o fazer uma cruz (...) que depois se fundou
uma nobre vila".
Santa Cruz vai pouco a pouco, sobretudo ao longo da primeira metade do s culo
XVI, desenvolver-se enormemente at pelo crescimento no local de canaviais e
de v rios engenhos de a car.
A primeira refer ncia escrita, a uma Igreja em Santa Cruz, consta do primeiro
testamento de Gil Eanes feito a 10-6-1479: " Hordemamos e justituimos hua
capella como morgado a qual fosse da evoca am de jhesu setuada na Igreja de
santa cruz (...)"
A partir de 1507, a igreja de Santa Cruz come ou a ser chamada de Igreja Velha,
pelo facto da Igreja Nova do Salvador estar i aberta ao culto, sendo a que hoje
conhecemos por Igreja Matriz.
A igreja velha, ou capela de Jesus, continuou por algum temdo a servir para
sepulcro e como sede da confraria de Jesus.
Ainda hoje persiste esta laje tumular que apresenta ao centro as armas dos
Freitas, e uma legenda laminada de cobre, sobre pedra de Tournai. de origem
flamenga, do s culo XVI.
Sobrevivem ainda numa pequena arrecada o de velas, que deveria fazer parte
da antiga capela das Almas, uma cobertura pavimentar de azulejos sevilhanos de
t cnica de aresta ou "cuenca" de in cios do s culo XVI.
Na malha arquitect nica da vila podem ser encontradas constru es, que
apesar de altera es ao longo dos s culos, mant m elementos manuelinos. S o
v rios os exemplares de portais em ogiva simples assim como a presen a de
arcos contra-curvados.
Do seu esp lio deve destacar-se, para al m da Virgem com o Menino, flamenga
do s culo XVI, um c lice com pun o de Antu rpia, de cerca de 1530, e a
magn fica pintura da Adora o dos Reis Magos, oferecida segundo consta por
Branca Teixeira a filha de Trist o Vaz, Capela dos Reis Magos de Machico,
hoje transformada em capela do Sant ssimo. A Capela dos Reis Magos apresenta
uma estrutura abobadada assim como capela de S o Jo o Baptista, Capela
Tumular dos Capit es Donat rios, decorada no intradorso das arquivoltas dos
arcos uma decora o fitoformica, compondo-se como um arco flamejante,
rematada pelo bras o de armas dos Teixeiras.
No Corpo da Igreja abre-se tamb m a Capela do Esp rito Santo. fundada por
Sebasti o de Morais, ostentando no topo do arco em asa de cesto do portal as
suas armas.
Apresenta uma abobada em ogiva assente sobre misulas. Nesta Capela foi
depositado um S o Sebasti o de madeira estofada e policromada de origem
portuguesa de meados do s culo XVI.
"Est a Ribeira Brava. que por extremo tem nome; e uma aldeia que ter
trezentos fogos. com uma igreja de Sao Bento e bom porto de Calhau mi do (...)
A Ribeira t o furiosa quando enche que algumas vezes leva muitas casa e faz
muito dano, por vir de grandes montes e altas serras e por ser desta maneira Ihe
vieram a chamar Brava" .
A Ribeira Brava uma das mais antigas freguesias da ilha da Madeira criada em
1440, tendo sido desde cedo povoada. Tornou-se um dos principais centros de
produ o a ucareira.
Por volta do fim da primeira metade do s culo XV, foi criada uma pequena
ermida. Transformou-se em curato apenas em 1594, tendo no entanto sido sede
de colegiada em 1540.
No entanto parecem ter existido dois Diogo de Teive, tio e sobrinho. 0 primeiro
estabelecido no Funchal , e o segundo, Diogo de Teive sobrinho, na Ribeira
Brava. Diogo de Teive sobrinho, era filho de Joana de Teive irm do primeiro,
constituindo morgadio na Ribeira Brava.
Fundada no ltimo quartel do s culo XV, apresenta uma nave nica, na qual se
recortam capelas. Apesar das modifica es ainda se reconhece um arco ogival
em cantaria bas ltica, assim como um pia baptismal de intensos lavores
manuelinos, onde para al m de uma legenda se podem observar elementos
decorativos como cordas, folhagens, frutos, e animais. Da poca primitiva
tamb m o p lpito, onde se recorta na sua base um anjo, atravessado por uma
fazenda.
"ME/M Do/FA/ZERE/DOM/EMANUEL/REI/DE/PORTUGAL/
ANI/D./1499", esta a inscri o no peso de bronze da vila da Ponta de So1.
D. Manuel criar o munic pio da Ponta do Sol, em 1501 por carta datada de 2 de
Dezembro.
"Chegou a uma ponta que faz abaixo huma l gua e entra muito mar; e porque na
rocha que esta sobre a ponta se enxerga de longe e se v claro uma vea redonda
na mesma rocha, com uns raios que parece sol, deo-lhe o nome o capitam a Ponta
do Sol"
Rodrigues Anes est tamb m ligado constru o da igreja Matriz que parece
ter-se iniciado por volta de 1486, da invoca o tamb m da Senhora da Luz.
"Themos por bem e fazemos do dito lugar da Calheta, villa e queremos que se
chame villa noua Caleta e tiramos e desmembramos de ser do termo da dita vila
do Funchal e de sua jusrisdi am como atee ora foi e lhe damos por termo das
baixas da madallena pelo maar ate pomta de trystam e pola terra comtra a villa
da ponte do soll partindo aguoas vertentes contra o arco". Por estes termos foi
passada a Calheta a Vila concedida por carta r gia datada de 1 de Julho de 1502.
Neste logar da Calheta, mais abaixo chagado a uma fermosa ribeira, se fundou a
villa, que se tomou o nome de calheta, amais f rtil de todas as da ilha, por ter
maior comarca. He esta villa t o nobre em seus moradores, como abastada pelos
muitos mantimentos que nela se ach o. Esta villa da Calheta e seu termo foi
condado do ilustrissimo Capitam Sim o Gon alves da C mara, Conde de vila
Nova da Calheta" . Este texto de Gaspar Fructuoso, refere-se ao 5 Capit o
Sim o Gon alves da C mara que participou, em numerosas campanhas na
Costa africana. D. Sebasti o em 1576, far-lhe- a merc do Condado da Calheta.
Desde sempre qua a Calheta se ligar fam lia dos capit es donat rios do
Funchal.