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VIEIRA, Alberto (1996),

A Rota do açúcar na Madeira

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VIEIRA, Alberto (1996), A Rota do açúcar na Madeira, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível
em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1996-hm-rotasugar.pdf, data da visita: / /

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A rota do açúcar na Madeira

Alberto Vieira/Francisco Clode

1996

Funchal Madeira
http://www.madeira-edu.pt/ceha/
Ceha@madeira-dedu.pt

CINCO SÉCULOS DE AÇÚCAR NA MADEIRA


Alberto Vieira
1. OS DONOS DA TERRA. Concomitamente com a abordagem da questão do
ciclo produtivo e comercial do produto surgem questões atinentes que
procuramos dar o merecido relevo. São elas a evolução da propriedade da terra e
da água, a escravatura. O conhecimento do regime de propriedade requer um
estudo aturado, assente nas fontes documentais que atestem o sistema de
relações estabelecido na posse e produção da parca superfície arável.

A historiografia preocupa-se, única e exclusivamente, com as condições jurídicas


que regularam a distribuição das terras e depois a degradação do sistema com o
alheamento do proprietário da parcela arroteável e a sua fixação no meio urbano.
Esta última situação contribuiu para a definição do conhecido contrato de
colonia. Não interessava conhecer quem e como se recebiam as terras de
sesmaria, que tipo de propriedade condicionou esta política de doação e
distribuição de terras, qual a evolução desta estrutura e as suas cambiantes, de
acordo com as condições mesológicas do solo arável.

O equacionar da problemática em estudo não poderá desligar-se, como é óbvio,


da evolução do sistema de propriedade. O povoamento insular mereceu, desde
muito cedo a atenção da historiografia nacional que aponta o carácter peculiar
deste processo evidenciado pela sua concretização num solo inexplorado com
carácter experimental. A ilha da Madeira, porque virgem , apresentava as
condições necessárias para o primeiro ensaio de colonização europeia fora do
continente. E daí partiram os processos, as técnicas e os produtos para as
restantes ilhas do Atlântico e Brasil.

DAR E DOMINAR A TERRA. O sistema de propriedade ficou definido pela


distribuição de terras aos povoadores e, depois, pela venda, troca ou nova
doação. Num e noutro caso as situações são idênticas, variando apenas a forma
da sua expressão consoante o processo de povoamento e as peculiaridades de
cada ilha. Todas estas doações eram feitas de acordo com normas estabelecidas
pela coroa e seguiam o modelo já definido para o repovoamento da Península.
Para além da condição social do contemplado, das indicações, por vezes
imprecisas, da área de cultivo e para erguer benfeitorias, estabelecia-se também o
prazo para as arrotear. Assim, dos dez anos iniciais passa-se para cinco a partir
de 1433, o que se manteve não obstante as reclamações dos moradores, que
anotavam a dificuldade no seu arroteamento. Outra condição imprescindível
para quem quer que seja adquirisse o estatuto de povoador com posse de terras
estava na obrigatoriedade de residência até cinco anos, o estabelecer casa e, para
os solteiros, o necessário casamento. Estas condições revelam que o principal
intuito desta distribuição de terras era fomentar o povoamento das ilhas.
A partir de 1433, com a doação do senhorio das ilhas ao infante D. Henrique, o
poder de distribuir terras é-lhe atribuído, mas "sem prejuyzo de forma do foro
per nos dado aas ditas ylhas em parte nem em todo nem em alheamento do dito
foro", o que comprova mais uma vez que a primeira iniciativa e regulamento de
distribuição de terras coube ao Monarca. O infante, fazendo uso destas
prerrogativas, delegou tais poderes nos capitães. Sabe-se por informações
indirectas que o foral henriquino confirma as ordenações régias e estipulava que
as terras deverão ser distribuídas apenas por um prazo de cinco anos, findo o
qual caducava o direito de posse e a possibilidade de nova concessão.
Confrontadas estas condições com as do monarca, notam-se alterações
significativas no regime de concessão de terras. Assim, desapareceu a
diferenciação social dos agraciados e o período para as tornar aráveis é reduzido.
A pressão do movimento demográfico, aliada à rarefacção de terras para
distribuir, condicionou esta mudança.

Nas décadas seguintes, a concessão de terras de sesmaria e a legitimação da sua


posse geraram vários conflitos, que implicaram a intervenção legislativa do
senhorio ou o arbítrio do seu ouvidor. Em 1461, os madeirenses reclamaram
contra a redução do prazo para aproveitamento das terras de sesmaria, dizendo
que estas eram "bravas e fragosas e de muytos arvoredos". Contudo, o infante D.
Fernando não abdicou do foral henriquino e apenas concedeu a possibilidade de
alargamento do prazo mediante análise circunstanciada de cada caso pelo
almoxarife. Passados cinco anos, os mesmos contestaram de novo contra o
regime de concessão de terras de arvoredos e do modo de as esmontar, pelos
efeitos nefastos que causava à safra açucareira. Perante tal reclamação, o senhorio
ordenou aos capitães e almoxarifes que cumprissem os prazos estabelecidos e
que fosse interdito o uso do fogo. No entanto, em 1483, o capitão de Machico
continuava a distribuir de sesmarias os montes próximos do Funchal, com
excessivo prejuízo para os lavradores do açúcar e, por isso, D. Manuel repreende-
o, solicitando que tais concessões deveriam ser feitas na presença do provedor. E,
finalmente, em 1485, o mesmo proibiu a distribuição de terras de sesmaria nos
montes e arvoredos do norte da Ilha, para em princípios do século XVI (1501 e
1508) acabar definitivamente com a concessão de terras em regime de sesmaria, a
única ressalva eram as terras que pudessem ser aproveitadas em canaviais e
vinhedos.

As reclamações dos moradores e as medidas consequentes do senhorio atestam a


pressão do movimento demográfico sobre a concessão de terras. Na Madeira, das
facilidades da década de 20 entra-se na década de 60 com medidas limitativas,
como forma de preservar o pascigo de usufruto comum e de apoiar os principais
proprietários de canaviais, cuja exploração dependia da existência dos referidos
montes e arvoredos. As exorbitâncias dos capitães, desrespeitando as ordenações
régias e senhoriais, conduziram a uma diminuição desta área de pascílgo, de
usufruto. Saliente-se que o próprio D. Manuel contrariou, em 1492, o regimento
de dadas de terras ao permitir que o capitão do Funchal distribui-se terras na
serra para currais e cultura de cereais e das bermas das ribeiras para a plantação
de árvores de fruto.

O PODER DA ÁGUA. A tudo isto há que referir, ainda, que as ilhas Canárias
onde se implantou a cultura dos canaviais apresentavam um eco sistema distinto
do madeirense. Assim na Madeira os cronistas, excepção feita ao Porto Santo,
não se cansam de enunciar duas riquezas fundamentais para fazer medrar os
canaviais e a industria subsequente. A ilha é abundante em água e lenhas pelo
que a cana de açúcar tem condições para ser promissora. Em face disto as
doações de terra não fazem expressa referencia à repartição da água. Esta, no
primeiro momento dá e sobra os problemas com a sua falta, e a necessidade de
regulamentar o seu uso e posse, surgem num segundo momento. Tendo em
conta a importância que a água assume para a cultura a safra do açúcar é
necessário não esquecer a forma da sua distribuição e posse.

Ao homem estava atribuída a dura tarefa de desviar o curso das ribeiras fazendo
com que as suas movessem engenhos, moinhos e irrigar os canaviais e demais
culturas. Para isso, traçaram quilómetros de canais para a sua condução, que
ficaram conhecidos, na ilha, como levadas. O sistema permitiu um maior
aproveitamento dos socalcos e o alívio do homem em algumas tarefas, como
sejam, o moer do grão e da cana e o serrar das madeiras. Moinhos, engenhos e
serras convivem pacificamente usufruindo da água que corre na mesma levada.
A orografia da ilha ao mesmo tempo que dificultava a condução da água
favorecia este aproveitamento, pela força motriz atribuída pelos declives
acentuados.

Aguas e nascentes foram consideradas, nos primeiros documentos emanados


para a ilha, como domínio público. Assim, o entendia D. João I no capítulo de um
regimento dado a João Gonçalves Zarco onde considerava nesta situação as
"fontes, tornos e olhos daugua... prayas e costas do mar, rios e ribeyras". Todavia,
a água foi um problema ao longo da História da ilha, pois desde o começo
surgiram açambarcadores a reivindicar para si a posse exclusiva deste bem
comum. Em 1461 coloca-se a primeira dificuldade nesta repartição das águas, no
que o Duque responde que, o almoxarife mais dois homens ajuramentados,
repartam "as auguas a cada hum pera seus açuquares e logares segumdo cada
hum mereçeer". Mesmo assim, continuaram as demandas sobre as águas pelo
que em 1466 o duque decidiu mandar à ilha, Dinis Anes de Sá, seu ouvidor, com
intuito de resolver esta e outras questões.

Com D. João II que ficaram definidos os direitos sobre a água que perduraram
até ao século XIX. Por cartas de 7 e 8 de Maio ficou estabelecido, de uma vez por
todas que as águas eram património comum, sendo distribuídas pelo capitão e
oficiais da câmara, entre todos os proprietários, pois que "sem as agoas as terras
se não podiam aproveitar". A partir daqui ficou estabelecido a água como
propriedade pública, sendo o seu usufruto para aqueles que possuissem terras e
delas necessitassem. Todavia, desde finais do século quinze, a água passou a ser
negociada, a exemplo do que sucedia com a terra. É com o regimento de D.
Sebastião, em 1562, que se procede a uma alteração no sistema primitivo. As
águas podem ser vendidas ou arrendadas, o que permitiu que aumentasse o
fosso entre a propriedade da terra e da água.

Nos diversos contratos de meias, arrendamento e de colonia, em que os canaviais


jogam um papel fundamental, a água esta sempre presente. Naquelas referentes
ao Convento de Santa Clara esta instituição assume o compromisso de atribuir
água necessária.

A tradição de traçar levadas fez com que os madeirenses se tivessem


transformado nos seus exímios construtores, levando a tecnologia para todo o
lado onde se fixaram. Primeiro, foi as Canárias e, depois, na América. Esta
perícia e engenho dos madeirenses está evidenciada na reclamação de Afonso de
Albuquerque para que o rei lhe mandasse madeirenses "que cortavam as serras
pera fazerem levadas, com que se regam as cannas de açúcar", para desviar o
curso do rio Nilo.

O plano de levadas da ilha não ficou concluído no século XVII foi apenas adiado
pela afirmação da vinha, uma cultura de sequeiro, e, por isso mesmo, quando a
cana retornou à ilha, no século XIX, de novo se pôs a questão das levadas para
irrigar os canaviais e mover os engenhos. A água adquire de novo uma dimensão
económica importante, levando as autoridades a nova intervenção no sentido da
sua regulamentação e do traçar de novas levadas para alargar a área de regadio
e, por consequência, dos canaviais. É de salientar que o regime jurídico das
águas, estabelecido em 1493 por D. João II, perdurou até 1867, altura em que foi
aprovado um novo Código Civil. A partir de então água e terra são duas
realidades distintas, vindo a agravar a situação, por ser favorável à especulação,
situação que foi atacada por leis de 1914 e 1931. Seis anos após o governo
avançou com uma política específica da água que chegou à Madeira em 1939. A
criação da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da
Madeira(1943)foi o ponto de partida para esta mudança na política da água e das
áreas de regadio na ilha.

FORMAS DE EXPLORAÇÃO E domínio. A evolução do movimento


demográfico acompanhado da valorização das zonas aráveis com as culturas de
exportação conduziram a profundas alterações na distribuição e posse das terras.
Os mercados interno e externo condicionaram um maior aproveitamento do solo
arroteável, tornando-se urgente um adequado reajustamento da estrutura
fundiária à nova situação. O aparecimento de capitais estrangeiros e nacionais
conduziu à intensificação do arroteamento das terras e provocou alterações na
sua posse por meio de transacções por compra, aforamento e arrendamento.

O primeiro grupo de colonos é eminentemente nacional, pois só num segundo


momento surgem os estrangeiros. Esta situação contraste com as Canárias, onde
o estrangeiro está comprometido com a conquista e início da ocupação das ilhas.
João Esmeraldo é um exemplo entre muitos os estrangeiros que, entre finais do
século XV e meados do século XVI, fixaram morada nas principais áreas de
canaviais da vertente meridional. Todos eles, atraídos pelo comércio do açúcar,
acabaram investindo os seus proventos em canaviais, engenhos e levadas. João
Pedro de Freitas DRUMOND, Documentos Históricos e Geographicos sobre a
ilha da Madeira, ms. da Biblioteca Municipal do Funchal, fls. 15vº-17vº.Veja-se
Maria do Carmo Jasmins PEREIRA. O açúcar na ilha da Madeira (século XVI),
Lisboa 164, pp. 57-58.

. Estes estrangeiros, bem relacionados com a alta finança europeia e com os


principais centros do comércio europeu, cativaram rapidamente a tenção da
aristocracia e burguesia insulares com quem se relacionaram por meio de laços
de parentesco. O casamento com o apetecido dote foi muitas vezes a forma de
alargarem os seus domínios e de firmarem a sua posição na sociedade insular .
Veja-se João de SOUSA, "Notas para a História da Madeira. Italianos na ilha.
Benoco Amador", in "Cidade Campo", supl. do Diário de Notícias, Funchal, 6 de
Maio de 1984, p. 6.

A conjuntura deprecionária da economia açucareira madeirense, da primeira


metade do século XVI, conduziu a profundas alterações na estrutura fundiária,
contribuindo para a concentração dos canaviais nos grandes proprietários. Os de
poucos recursos financeiros vêm-se obrigados a abandonar os canaviais, a
substitui-los pelos vinhedos ou então a penhorá-los e vendê-los aos grandes
proprietários e mercadores. Esta situação contribuiu para o reforço do grande
proprietário das Partes do Fundo, nomeadamente nas comarcas da Calheta e
Ribeira Brava. Note-se que esta tendência acentuara-se já na transição do século
XV para o XVI. A mutação da posse dos canaviais no período de 1494 a 1537
poderá ser aferida pela variância do nome dos proprietários. Entre finais do
século XV e a primeira metade do século XVI verifica-se a manutenção de 32
nomes(11%), enquanto no período de 1509 e 1537 apenas se mantiveram
dezanove(6%). Estes números poderão significar que a mutação é mais evidente
no período de crise que na fase ascendente, por outro lado indicam a maior
incidência nas Partes do Fundo, pois que no Funchal permanecem dezassete
nomes, isto é, 53% do total de nomes em causa.

Outro aspecto de particular significado nesta conjuntura deprecionária é o


estabelecimento de contratos de arrendamento e, depois de colonia, que
conduzem ao afastamento do real proprietário da terra e dos canaviais. A sua
relação só existirá à beira do estendal para receber o açúcar. Exemplo disso é o
contrato de arrendamento de meias de terras em Câmara de Lobos, estabelecido
entre o convento de Santa Clara e Francisco Martins em 1558.

Se é certo que o estimo de 1494 confirma a tendência para a afirmação da


pequena e média propriedade no Funchal e Câmara de Lobos e, em parte, da
grande propriedade nas Partes do Fundo, também é certo que os dados em
estudo para os anos de 1509 a 1537 atestam a afirmação da grande propriedade
nas Partes do Fundo e da média no Funchal e Câmara de Lobos (comarca do
Funchal).

A grande propriedade quase inexistente em 1494 com grande destaque na


primeira metade do século XVI, nomeadamente nos primeiros decénios. Em 1494
apenas surgem proprietários com mais de 1000 arrobas nas Partes do Fundo e
em número reduzido(22%) na zona e 10% no global da capitania). No século XVI
estes surgem na capitania do Funchal em número superior com 18% na capitania
e 14% no global. Na capitania de Machico esta é quase inexistente uma vez que
apenas há notícia de um proprietário com mais de 1000 arrobas. A posição da
capitania do Funchal deve-se fundamentalmente aos proprietários sediados nas
comarcas da Calheta(35%) e Ribeira Brava(42%). Em 1494, na capitania do
Funchal surgem apenas 12 proprietários(5%) com uma produção superior a 1500
arrobas e, no período subsequente (1509-1537) vinte e quatro(8%). Os últimos são
na sua maioria, oriundos da Ribeira Brava e Calheta.

Para 1494 os valores mais elevados são de James Timor (2270 arrobas) e João de
França (2500). No período imediato, do século XVI, duplicam, como sucede com
Pedro Gonçalves de Bairros da Ribeira Brava que, em 1509, produziu 5 376
arrobas de açúcar, isto é 28% da comarca e 8% da capitania. Com uma produção
superior a 2000 arrobas temos, no período de 1509 a 1537 quinze proprietários
maioritariamente oriundos da Calheta e Ribeira Brava, com um valor global de
37% da capitania, enquanto em 1494 eram apenas três, produzindo 9%. Perante
esta evidência será legítimo afirmar que na Madeira dominou o sistema de
pequena e média propriedade com a cultura do açúcar? Se a conclusão se torna
legítima para finais do século XV o mesmo já não poderá dizer-se para a primeira
metade do seguinte. Estamos perante a principal modificação na estrutura
açucareira neste lapso de tempo de 43 anos.
Segundo Virgina Rau e Jorge de Macedo, "a produção do açúcar beneficiava
camadas amplas da população, encontrando-se entre os produtores, além do
pequeno e médio lavrador, sapateiros, carpinteiros, barbeiros, mercadores,
cirurgiões, moleiros, ao lado de fidalgos funcionários, concelhios e outros,
participando por migalhas nos benefícios desta rica produção, [...]. Toda esta
miuçalha de pequenos produtores se aproveitava de um organismo montado na
ilha, para tornar rentável a sua pequeníssima produção". Vitorino Magalhães
Godinho, por seu turno, reforça esta caracterização da realidade social
madeirense apontando a tendência para a concentração dos canaviais num
número reduzido de insulares.

A situação da primeira metade do século XVI apresenta-se diferente pois que o


número limitado de proprietários reforça a ideia da concentração dos canaviais
nos grupos sociais privilegiados da sociedade insular: aristocracia, mercadores,
artesãos e funcionários locais e régios. Em ambos os momentos este grupo de
proprietários representava apenas 1% da população da ilha. Esta tendência
concentracionista acentua-se na passagem do século XV para o XVI, uma vez que
houve a redução do número de proprietários nas comarcas circunscritas às
Partes do Fundo. Aliás, aqui é notória a manutenção dos proprietários, sendo
reduzido a mutação por compra e venda, dote ou aforamento. A imutabilidade
da propriedade deve-se fundamentalmente à sua vinculação. Assim, entre 1509-
1537, 18% dos canaviais das comarcas das Partes do Fundo estavam vinculados,
enquanto no Funchal são só 17%. Estas terras representam 38% da produção da
capitania do Funchal.

A caracterização da realidade social da estrutura fundiária açucareira é


igualmente diversa, sendo definida pela forte participação dos estrangeiros,
mercadores e funcionários. O grupo de estrangeiros que surgia já em 1494 com
uma forte participação no sector produtivo açucareiro com 17% reforçará a sua
posição, na primeira metade do século XVI, atingindo 20%. Esta situação é
reforçada pelo testemunho de Gaspar Frutuoso. A sua relativa participação em
1494 explica-se pela política xenófoba dos mercadores do reino e ilhas e pela
ambiguidade da acção da coroa e do senhorio. Até 1498 altura em que o monarca
autoriza a permanência dos estrangeiros na ilha, a situação mantinha-se muito
precária e os seus interesses molestados pela oposição da burguesia insular e
nacional. Deste modo, a estabilidade e privilégios concedidos aos mesmos
contribuíram para a sua rápida fixação na ilha, justificando-se de modo preciso a
sua forte participação no sector produtivo na primeira metade do século XVI.

Sendo o Funchal o principal centro do comércio madeirense, lógico será de supor


a fixação do estrangeiro no burgo e arredores. Assim temos 43% deste grupo na
comarca do Funchal e arredores. Na sua maioria são grandes proprietários, uma
vez que mais de 50% detêm canaviais com produção superior a 1000 arrobas. A
sua acção alargou-se depois, a algumas comarcas periféricas com forte incidência
na economia açucareira, como Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta, onde
assumem uma posição importante na produção e destacando-se como os
principais proprietários, dispondo de extensos canaviais, engenho e numerosos
escravos. No Funchal, é certo, temos grandes proprietários, como Simão
Acciaioly, Benoco Amador e João de Bettencourt mas, em contraste, a sua posição
no quadro geral não atinge o nível dos supracitados. Aliás, é na Ribeira Brava e
Ponta de Sol que estes apresentam a percentagem mais elevada da produção. Em
síntese podemos afirmar que o estrangeiro avizinhado não se preocupou apenas
com o sector produtivo, pois o comércio e transporte dos produtos, que os
atraíram, mantiveram-se como a actividade principal. Este raramente surge na
condição de proprietário mas com o triplo estatuto de proprietário-mercador-
prestamista.

A classe mercantil atraída pela opulência do açúcar fixa-se nas principais


comarcas de produção e comércio do ouro branco. O Funchal, como principal
centro de tráfego açucareiro, apresentará condições propícias à sua residência.
Note-se que cerca de 60% tinham os seus canaviais nesta comarca. De igual
modo sendo a capitania do Funchal definida pela melhor área de canaviais, eles
preferem-na às terras de Machico, onde apenas atingem 13% do total. Não
obstante, a sua fraca representação numérica na última capitania surgem com
35% do açúcar enquanto no Funchal ficam-se pelos 20%.

O mercador nacional ou estrangeiro não se dedicava em exclusivo ao comércio,


pois repartia a sua actividade por uma multiplicidade de produtos de
importação e exportação e alargava-a outros sectores, como o administrativo e
produtivo. Assim, estes são em simultâneo proprietários e funcionários
concelhios ou régios, com uma forte presença na exploração dos canaviais onde
representavam, na primeira metade do século XVI, 24% do total dos
proprietários, comparticipando com 30% da produção.

A estrutura administrativa das duas capitanias subordinava-se à febre


açucareira, sendo definida pelo almoxarifado e provedoria da fazenda. A própria
administração local ajustou-se a esta ambiência, sendo a vereação a tribuna de
debate das principais questões ligadas ao produto. Ao mercador ou proprietário
interessava deter uma posição nesta complexa estrutura administrativa de forma
a fazer valer os seus reais interesses nas ordenanças ou posturas municipais, que
regulamentavam a safra e comércio do açúcar. Não será por acaso que muitos
dos principais proprietários são nas duas capitanias como oficiais régios ou
concelhios. Destes registam-se pelo menos trinta e três, na sua maioria da
capitania do Funchal, com uma produção de 21%. Sendo a vereação o local de
debate e deliberação das principais questões ligadas à safra e comércio açucareiro
lógico será admitir a sua participação com assiduidade nas mesmas, como
oficiais eleitos ou homens-bons. Note-se que neste grupo 61% são homens-bons.
Os elementos mais influentes da classe possidente madeirense incluíam-se em
qualquer destes grupos. O usufruto da dupla situação social conduziu à sua
afirmação no grupo de proprietários de canaviais. Assim 30% dos funcionários e
19% dos mercadores situam-se no grupo com uma produção superior a 1000
arrobas.

A conjugação dos vínculos ou legados pios, do duplo estatuto social com as


alianças matrimoniais ou extra matrimoniais poderá ser apontada como o
principal mecanismo de reforço da grande propriedade na economia açucareira.
Esta é uma conjuntura premente no momento de crise da primeira metade do
século XVI. Note-se que a intervenção da infanta D. Catarina foi no sentido da
manutenção dos canaviais através da regulamentação das heranças. Assim, em
1559 foi eleito um procurador para tratar da herança dos canaviais que levou à
decisão em 1562 de apostar no regime de morgado para os canaviais.

No século XVII a estrutura fundiária é distinta. Assim, dominam os pequenos


proprietários de canaviais, o que demonstra ser esta uma cultura subsidiária, que
medrava ao lado das outras pela sua necessidade familiar ou interna. O quadro
que a seguir se apresenta é testemunho da diminuta importância dos canaviais
na estrutura fundiária madeirense de então. Para 1600 temos 109 proprietários
com 3656 arrobas, o que equivale a uma média de 33,54 arrobas. Esta Situação
demonstra que a segunda metade do século XVI foi pautada pelo paulatino
abandono dos canaviais e a sua substituição pela vinha.
2.DOS CANAVIAIS AO ENGENHO. A cana-de-açúcar na sua primeira
experiência além Europa demonstrou as possibilidades de rápido
desenvolvimento fora do habitat mediterrânico. Gaspar Frutuoso testemunha
isso mesmo ao referir que "esta planta multiplicou de maneira na terra, que he o
assucar della o melhor que agora se sabe no mundo, o qual com o beneficio que
se lhe faz tem enriquecido muitos mercadores forasteiros e boa parte dos
moradores da terra". Tal evidência catalizou as atenções do capital estrangeiro e
nacional que apostou no seu crescimento e promoção, pois só assim se poderá
compreender o rápido arranque da mesma. Esta que, nos primórdios da
ocupação do solo insular, se apresentava como uma cultura subsidiária, passou
de imediato a cultura e produto dominante, situação que manteve por pouco
tempo.

OS CANAVIAIS NOS SÉCS. XV E XVI. A cana sacarina, usufruindo do apoio e


protecção do senhorio e coroa, conquista o espaço ocupado pelas searas,
atingindo todo o solo arável da ilha, onde surgem duas áreas: a vertente
meridional (de Machico à Calheta), com um clima quente e abrigada dos alíseos,
onde os canaviais atingem 400 m de altitude, dominado pelas plantações da
capitania de Machico (Porto da Cruz e Faial até Santana), solo em que as
condições mesológicas não permitem a sua cultura além dos 200 m numa
produção idêntica à primeira área. Deste modo a capitania do Funchal agregava
no seu perímetro as melhores terras para a cultura da cana-de-açúcar, ocupando
a quase totalidade do espaço da vertente meridional. À de Machico restava
apenas uma ínfima parcela área e todo um vasto espaço acidentado impróprio
para a cultura.

Esta diferenciação das duas capitanias torna-se mais visível quando analisamos
os dados da produção. Assim, em 1494, do açúcar produzido na ilha apenas 20%
é proveniente da capitania de Machico e o sobrante da capitania do Funchal. Em
1520 a primeira atinge 25% e a segunda os 75%. Fernando Jasmins Pereira, numa
análise comparada da produção das duas capitanias entre 1498 e 1537, discorda
da relação até então estabelecida (3:1) pois, de acordo com a sua análise, a razão
situa-se em 4:1 para os primeiros decénios do século XVI, descendo entre 1521-
1524 para 3:1 e recuperando na segunda metade do decénio para 4:1.

Na capitania do Funchal os canaviais distribuíam-se de modo irregular, de


acordo com as condições mesológicas da área. Assim, em 1494 a maior safra
situava-se nas partes de fundo, englobando as comarcas da Ribeira Brava, Ponta
de Sol e Calheta com 64%, enquanto o Funchal e Câmara de Lobos tinham
apenas 16%. Em 1520, não obstante uma ligeira alteração, a diferença mantém-se,
pois a primeira surge com 50%, e a segunda apresenta 25%, valor idêntico ao
total da capitania de Machico, com 25%. Uma análise em separado das diversas
comarcas da capitania do Funchal, na mesma data, evidencia a importância da
do Funchal em 33%, seguindo-se a da Calheta com 27%. As da Ribeira Brava e
Ponta de Sol surgem numa posição secundária com 20% cada.

Criadas as condições a nível interno por meio do incentivo ao investimento de


capitais na cultura da cana-de-açúcar e comércio de seus derivados, do apoio do
senhorio, da coroa e da administração local e central, a cana estava em condições
de prosperar e de se tornar, por algum tempo, no produto dominante da
economia madeirense. O incentivo externo do mercado mediterrânico e nórdico
aceleraram este processo expansionista. Assim em meados do século XV os
canaviais são motivo de deslumbramento para Cadamosto e Zurara. O primeiro
refere que os açúcares "deram muita prova", enquanto o segundo dá conta dos
"vales todos cheios de açúcar de que aspergiam muito pelo mundo". A sua
detenção só foi possível na congregação de vários factores endógenos com outros
exógenos. Tudo isto explica o rápido movimento ascendente bem como o
percurso inverso, pois ao atingir-se o zénite não houve um lapso de estabilidade.

A fase ascendente, que poderá situar-se entre 1450 e 1506, não obstante a situação
deprecionária de 1497-1499, é marcada por um crescimento acelerado que, entre
1454-1472, se situava na ordem dos 240% e no período subsequente até 1493 em
1430%, isto é uma média anual de 13% no primeiro caso e de 68% no segundo.
No período seguinte após o colapso de 1497-1499 a recuperação é rápida de tal
modo que em 1500-1501 o aumento é de 110% e entre 1502-1503 de 205%. Esta
forte aceleração do ritmo de crescimento nos primeiros anos do século XVI irá
marcar o máximo, atingindo em 1506, bem como o rápido declínio nos anos
imediatos. Note-se que apenas em 4 anos atinge-se valor inferior ao do início do
século. A situação agrava-se nas duas centúrias seguintes, baixando a produção
na capitania de Funchal, entre 1516-1537, em 60%. Na capitania de Machico a
quebra é lenta, sendo sinónimo do depauperamento do solo e da crescente
desafeição do mesmo à cultura. Mas, a partir de 1521 a tendência descendente é
global e marcante, de modo que a produção do fim do primeiro quartel do século
situava-se a um nível pouco superior ao registado em 1470. Na década de 30
consumava-se em pleno a crise da economia açucareira e o ilhéu viu-se aos
poucos na necessidade de abandonar os canaviais e de os substituir pelos
vinhedos. Mesmo assim Giulio Landi, que na década de trinta visitou a ilha,
refere que os madeirenses, levados pela ambição da riqueza dedicam-se "apenas
ao fabrico do açúcar, pois deste tiram maiores proventos".

A historiografia tem apresentado múltiplas explicações para esta crise, assentes


fundamentalmente na actuação de factores externos. No entanto, Fernando
Jasmins Pereira com o seu estudo sobre Açúcar Madeirense contraria essa
opinião definindo a crise açucareira madeirense como resultado das condições
ecológicas e sócio-económicas da ilha, sendo primordial o primeiro factor: "...a
decadência da produção madeirense é, primordialmente, motivada por um
empobrecimento dos solos que, dada a limitação da superfície aproveitável na
cultura, vai reduzindo inexoravelmente a capacidade produtiva". Deste modo a
crise da economia açucareira madeirense não é apenas resultado da concorrência
do açúcar das Canárias, Brasil, Antilhas e S. Tomé mas, acima de tudo, deriva da
conjugação de vários factores de ordem interna: a carência de adubagem, a
desafeição do solo à cultura e as alterações climáticas. A concorrência do açúcar
das restantes áreas produtoras do Atlântico, bem como a peste (em 1526) e a falta
de mão-de-obra apenas vieram agravar a situação de queda do açúcar
madeirense. A tudo isto acresce em finais do século os efeitos do bicho que
atacou os canaviais, como é testemunhado para os anos de 1593 e 1602. Deste
modo o último quartel do século foi o momento de viragem para culturas de
maior rendibilidade, como a vinha. A documentação testemunha esta mudança.

OS CANAVIAIS NO SÉC. XVII. No decurso do século XVII os canaviais das


ilhas perderam paulatinamente importância. Apenas na Madeira é notada uma
curta época de reafirmação, quando se apaga a concorrência do brasileiro. A
conjuntura do século dezassete foi favorável ao retorno da cultura. Algumas
terras de vinha ou searas cederam lugar às socas de cana. Mas estas pouco
ultrapassaram, num primeiro momento, a valoração da área agrícola
circunvizinha do Funchal. Assim o comprova o livro do quinto do ano de 1600,
que nos 108 proprietários de canaviais apresenta um grupo maioritariamente
desta área. Este é quase o único quanto à produção de açúcar na ilha no século
dezassete, pois só teremos novas informações a partir de 1689, com a arrecadação
do oitavo.

No ano de 1600 é bastante evidente a retracção da área ocupada pelos canaviais.


Aqui a média propriedade cede lugar à pequena e mesmo de muito pequenas
dimensões. A maioria (isto é 89%) produz entre 5 e 50 arrobas, o que demonstra
estarmos perante uma cultura vocacionada para suprir as carências caseiras, no
fabrico de conservas, doçaria e compotas.

Até 1640 o movimento descendente havia-se agravado com a presença, cada vez
mais assídua de açúcar brasileiro no porto do Funchal. Em 1616 para garantir o
escoamento da produção local e que à saída se fizesse uma distribuição
equitativa de ambos os açúcares. Mas a partir daqui com a ocupação holandesa
das terras a cultura renasceu na ilha para responder à sua solicitação na Europa e
pela necessidade resultante das indústrias de conserva e casquinha. Em 1643 o
número de engenhos existentes era insuficiente para dar vazão à produção dos
canaviais. A coroa, de acordo com a provisão régia de 1 de Julho de 1642,
pretendia promover de novo o cultivo da cana-de-açúcar por meio de incentivos
à reparação dos engenhos, com a isenção do quinto por cinco anos ou a metade
por dez anos7.ANTT, PJRFF, nº.965a, fls. 7 de Novembro de 1654, ordem para
reposição do quinto pago por António Correia Betencourt; ibidem, fls. 181-182,
21 de Agosto de 1654, fiança do capitão Diogo Guerreiro; ibidem, fl. 222, 24 de
Maio de 1657, empréstimo ao capitão Pero de Betencourt Henriques; ibidem,
nº.966, fl8vº, 4 de Novembro de 1680, alvará de privilégio a inácio de
Vasconcelos. Confronte-se F. MAURO, ibidem, pp. 248-250.. Esta situação
favoreceu a cultura, afirmando Diogo Fernandes Branco em 10 de Fevereiro de
1649 que as canas estavam "fermozas", prevendo-se uma grande colheita. Em
Outubro goraram-se as suas expectativas, pois o açúcar lavrado era de má
qualidade. O progresso continuou no ano imediato, sendo testemunho disso a
construção de dois novos engenhos. Esta foi no entanto uma recuperação
passageira uma vez que na década seguinte o reaparecimento do açúcar
brasileiro no porto do Funchal trouxe de volta a anterior situação. O açúcar
madeirense estava, mais uma vez, irremediavelmente perdido, mercê da sua
concorrência. Ainda, em 1658 procurou-se apoiar os canaviais ao reduzir-se os
direitos sobre a produção para um oitavo, mas a crise era inevitável.

A estes incentivos acresce-se o facto de os direitos do quinto do açúcar entre 1643


e 1675 não serem devidamente cobrados, pelo que neste último ano se
recomendou maior atenção nisso. Depois, por alvará de 15 de Outubro de 1688, a
coroa determinou que os direitos que oneravam a produção passassem para 1/8
da colheita, sendo a medida, mais uma vez definida como uma forma de
promover a cultura. A produção de açúcar torna-se conhecida através dos
tributos que recaem directamente sobre o produto. Tivemos o quarto e, depois, o
quinto que oneravam todos os lavradores de cana de acordo com os valores de
produção estabelecidos à saída do estendal para os canaviais.

Por todo o século XVIII a aposta preferencial foi apenas na vinha, que retirou
espaço aos canaviais. Mesmo assim estes tiveram continuidade, uma vez que
existem dados que documentam a existência de canaviais e sabe-se que o
engenho dos Socorridos manteve-se em funcionamento por todo o século XVIII.

OS CANAVIAIS NOS SÉCULOS XIX E XX- O REGRESSO E NOVA


ESPERANÇA. A conjuntura económica de finais do século dezanove trouxe a
cultura de regresso à Madeira, como solução para reabilitar a economia que se
encontrava profundamente debilitada com a crise do comércio e produção do
vinho. Todavia a situação, que se manteve até à actualidade, não veio atribuir ao
produto a mesma pujança económica de outrora. Outro facto evidente da
centúria oitocentista foi a presença de inúmeros madeirenses em Demerara como
mão-de-obra substitutiva dos escravos, cuja situação, entretanto, havia mudado.
A última década do século dezanove e as duas primeiras da presente centúria
podem ser consideradas de horas amargas para todos os madeirenses. Parte
disso é resultado do processo porque passou o açúcar. A generalização do seu
consumo provocou um redobrado empenho na sua reimplantação entre nós.

No início, as dificuldades do tradicional mercado americano, envolto em guerras


pró-independência, e ainda não refeito do impacto do abolicionismo,
propiciaram a afirmação da cultura nos primeiros espaços, ou a aposta nas
alternativas, como a beterraba, que na ilha nunca resultou. Todavia, num
segundo momento a concorrência tornou-se feroz. Entre nós a do açúcar de
beterraba açoriano ou de cana de Angola e Moçambique foi bastante evidente e
levou ao estabelecimento de medidas restritivas da circulação do melaço e do
açúcar, ou de favorecimento da indústria local. Elas enquadram-se na política
europeia definida pelo convénio de alguns países produtores assinado a 5 de
Março de 1903. Esta última situação conduz, por vezes, ao monopólio. Como, na
realidade, sucedeu entre nós.

A toda esta complexa conjuntura junta-se a dificuldade extrema no recrutamento


de mão-de-obra barata - o escravo era então coisa do passado - o que levava a um
investimento desusado na tecnologia. A intenção era clara: substituir-se ao
homem, baratear e facilitar a rapidez do processo de laboração. Umas das
grandes questões em debate neste segundo momento do açúcar prende-se com
as dificuldades em concorrer com outras áreas produtoras, onde os custos eram
reduzidos a metade e a qualidade da sacarose da cana também superior.

Esta conquista de inovação tecnológica era custosa e só foi conseguida à custa de


medidas proteccionistas. Sucedeu assim em todo o lado. Entre nós foi a questão
Hinton. Este foi sem dúvida o problema que mais apaixonou a opinião pública,
nas vésperas e durante a República; publicaram-se inúmeros folhetos, os jornais
encheram-se de opiniões contra e a favor. Cesário Nunes documenta esta
situação de forma lapilar: "Em Portugal nenhuma questão económica atingiu tão
alta preponderância e trouxe e tão grandes embaraços legislativos às entidades
governativas como o problema sacarino da Madeira. "Tudo começou em 23 de
Março de 1879 com a inauguração da Companhia Fabril do Açúcar Madeirense.
Era uma fábrica de destilação de aguardente e de fabrico de açúcar sita à Ribeira
de S. João. Demarcou-se das demais com o recurso a tecnologia francesa,
usufruindo dos inventos patenteados em 1875 pelo Visconde de Canavial. O
cónego Feliciano João Teixeira, sócio deste empreendimento no discurso de
inauguração afirma ser este um "grandioso monumento, que abre uma época
verdadeiramente nova e grande na História da industria fabril madeirense". Mas
isto era apenas o princípio de um conflito industrial, onde emperou a lei do mais
forte. Tal como o afirmava em 1879, no momento encerramento de fábrica José
Marciliano da Silveira " a fábrica de São João foi cimentada com o veneno da
maldade; era o seu fim dar cabo de todas as que existiam..." acabou por cavar o
fosso da sua ruína.

Tudo começou com o plágio por parte da família Hinton, da invenção do


Visconde Canavial. Este havia patenteado em 1875 um invento que consistia em
lançar água sobre o bagaço, o que propiciava um maior aproveitamento do suco
da cana. Constava da patente o uso exclusivo pela fábrica de S. João, mas o
engenho do Hinton cedo se apressou a copiar o sistema. Com isso o lesado
moveu em 1884 uma acção civil contra o contrafactor. Mas a família Hinton
estava fadada para singrar na industria açucareira e conseguir uma posição de
monopólio. Segurada na influência das autoridades diplomáticas britânicas, da
intervenção pessoal junto da coroa e, depois, das hostes republicanas, conseguiu
atingir os seus objectivos. A visita de El Rei D. Carlos à ilha em 1901 poderá ser
entendida como um momento crucial dessa actuação.

As medidas que favoreciam a entrada de melaço estabelecidas pela lei de 1895,


associado ao decreto de 1903, um regulamento anexo a este decreto determinava
a forma de matricula das fábricas. As condições eram de tal modo lesivas que só
duas - Hinton e José Júlio Lemos - o conseguiram fazer. As cerca de meia centena
de fábricas que existiam na ilha ficaram numa situação periclitante. Entretanto a
lei de 24 de Novembro de 1904 dava a machadada final ao estabelecer a referida
matrícula por 15 anos. Entretanto, caía a monarquia e sucedeu a República, que
parecia querer fazer ouvidos moucos às regalias conquistadas no anterior
regime. Mas de novo as influências moveram-se a família Hinton conseguiu pelo
decreto de 11 de Março de 1911 assegurar o monopólio do fabrico do açúcar e
regalias na importação de açúcar das colónias.

Os anos seguintes foram de plena afirmação deste monopólio e de luta sem


tréguas às fábricas de aguardente. Note-se que o consumo excessivo da
aguardente era o inimigo número um da saúde pública, sendo a Madeira, por
essa situação, definida como a ilha da aguardente. As leis de 1927, 1928, 1934,
1937 actuam no sentido do controlo da produção e comércio de aguardente,
conduzindo inexoravelmente a um paulatino abandono da cultura. Dos 1800 ha
de 1915, que produziam 55.000 toneladas, passou-se aos 1420 do ano de 1952.
Depois foi o que se viu até que em 1985 agonizou em definitivo o império do
açúcar do Hinton, construído com pés de barro, sustentado pelos favores
políticos, vegetando à custa da exploração dos lavradores de cana.

A área de cultura de cana sacarina foi-se reduzindo inexoravelmente a pequenos


nichos de socalcos na vertente sul. Todavia a partir de meados do século XIX a
mesma foi paulatinamente conquistando terreno a norte e a sul. Assim J. Mason
refere que a mesma se fazia de modo extensivo, ocupando metade da terra
arável. Opinião distinta tem R. White que diz ser ainda pouco cultivada e apenas
usada para o fabrico de mel. Na verdade, a cultura era ainda uma auspiciosa
esperança para os madeirenses. Nicolau Ornelas e Vasconcellos, que fora
trabalhador de cana em Demerara, diz-nos: "... olha-se para a cultura da cana de
assucar como um grande produto agrícola que offerece grandes vantagens, que
podem em certo modo adoçar o mal geral, o aspecto aterrador de nossas
finanças..." Passados dez anos a cana continua a ser uma aposta forte, mas
tardava o momento da sua plena pujança de acordo com Eduardo Grande a cana
ocupava apenas 357 ha (2%), isto é uma magra fatia do solo arável. A aposta nas
décadas de cinquenta e sessenta estava a afirmação desta nova cultura, capaz de
reabilitar a economia da ilha

Neste segundo momento de afirmação dos canaviais podemos estabelecer dois


momentos distintos: O primeiro decorre de 1852 a 1884, culminando com o
ataque do bicho da cana, em 1885 e 1890, que levou à sua quase total destruição.
Para atalhar esta dificuldade importaram-se novos tipos de cana: a cana bourbon
introduzida de Caiena(1847) e Cabo Verde, também atacada pelo bicho, foi
substituída por outras castas da Mauricia, yuba do Natal(1897) e POJ de
Angola(1938). Para isso foi criada uma estação experimental(em 1888) e
estabeleceu-se um conjunto de medidas proteccionistas em 1895. Esta aposta
definiu o segundo momento. A alteração significativa deste panorama só
sucedeu na viragem do século, quando a cana atingiu cerca de 1000 ha, valor que
continua a subir para as 6500ha em 1939. A partir daqui foi a quebra resultante
das medidas restritivas ao fabrico e consumo de aguardente. Na década de
quarenta do nosso século a cana ocupava ainda 34% da área cultivada, mas este
era já um momento de quebra acentuada da sua área de cultivo, que na vertente
sul foi paulatinamente substituída pela bananeira. Deste modo em 1952 fala-se
apenas 1420ha, enquanto mais próximo de nós, em 1986, só existem 119,9ha.

Esta evolução dados canaviais, com maior incidência na vertente meridional,


área tradicional do seu cultivo, significa um maior volume de produção que
empurra a evolução do número de engenhos. Foi no período de 1910 a 1930 que
se atingiu os valores mais elevados, que aproximaram a ilha dos tempos aúreos
do século XV, apenas em termos de produção e nunca de riqueza. Todavia, a
partir desta data sucedem-se medidas limitativas da expansão da área dos
canaviais, que conduzem inevitavelmente à sua desvalorização na economia
rural e que em certa medida favorecem a expansão da banana, cultura,
predominantemente da vertente sul, deixando a agricultura do norte num estado
de total abandono, o que abriu as portas a uma desenfreada emigração. Tenha-se
em atenção que "a agricultura, toda a economia da Madeira, a própria
administração publica, ficariam mais do que nunca na dependência das fabricas
de açúcar e alcool".
Facto inédito foi a tentativa de implantação da cultura no Porto Santo. Primeiro
foi a frustrada introdução do sorgo, depois a cana, documentada a partir de 1883.
A sua produção era diminuta, sendo as canas exportadas para o Funchal ou
espremidas num engenho movido por bois. Ainda, deverá atender-se ao facto de
se ter experimentado outras formas de produção de açúcar na Madeira,
nomeadamente a beterraba, que não teve êxito.

A par disso é de realçar também a insistência das gentes do norte, representadas


através dos municípios de S. Vicente e Santana, em pretenderem furar as
limitações impostas pelas autoridades para a área de produção de cana, que não
acautelavam esta vertente devido o baixo teor de sacarose, levando a Junta Geral
em 1955 a contrariar as ordens do Ministério do Interior, ao implantar dois
campos experimentais em S. Vicente e Santana. Esta situação é resultado do facto
de a cana ser um complemento importante da pecuária e um dos poucos meios
de assegurar a subsistência dos lavradores, tendo em conta a total desvalorização
da vinha.

CANAVIAIS e Plantação. As áreas de cultivo dos canaviais continuam a manter


a tradição histórica. A vertente sul, o espaço da antiga capitania do Funchal,
dominam. Para o ano de 1865 temos indicação dos valores de produção por
conselho. O facto mais significativo é do concelho de Santana, cuja produção
incide no Faial e alastra depois a S. Jorge e Arco de S. Jorge. A Calheta, que no
século XVI havia sido a principal área de produção, perde esse lugar em favor do
Funchal, Câmara de Lobos e Ponta do Sol. Passados noventa anos a situação
altera-se. O Funchal continua a ser a principal área, seguido à distância de Santa
Cruz. O Norte perde a sua importância, assumindo-se a cana como uma opção
de cultivo da vertente sul. Na actualidade, a fazer fé nos dados referentes às
áreas de cultivo temos de novo a afirmação da Calheta como bastião dos
canaviais, seguido de perto por Ponta do Sol, Machico e Ribeira Brava.

Note-se que as áreas de produção de açúcar, nos dois momentos da sua


afirmação, são diversas. Enquanto nos séculos XV e XVI esta era uma cultura,
predominantemente, da vertente sul, dominando o espaço da capitania do
Funchal(75%), na presente centúria assistiu-se a uma expansão da cultura em
toda a ilha e à consequente definição de novas áreas:

1520 1950 1956-66

%%%

CALHETA 20 7 13

FUNCHAL 25 53 34
PONTA DO SOL 15 14 18

R. BRAVA 15 4 15

MACHICO 25 29 20

No primeiro momento o Funchal, representava apenas 25%, em 1520, enquanto


em 1950 sobe para 53%. Esta subida surge como resultado da perda de
importância da área agrícola entre a Ribeira Brava e a Calheta: estas que
produziram 64% do açúcar da capitania do Funchal em 1494, surgem em 1520
com 67% da capitania e 50% do total da ilha, para em 1950 não ultrapassarem os
25%. Apenas a área circunscrita à capitania de Machico manteve níveis
parecidos, não obstante o alastramento da cultura na costa norte.

Os dados referentes à produção dão conta que se atingiu níveis mais elevados na
primeira metade da presente centúria: expandiu-se a área da cana, que em 1939
abrangia os 6500 ha. Todavia esta expansão da cultura não propiciou o mesmo
progresso económico propiciado nos séculos XV e XVI. As condições de
rentabilidade económica eram outras, como distinto era o principal destinatário.
Aqui ao contrário do que sucedeu há cinco séculos atrás a produção tinha como
objectivo assegurar as necessidades da ilha e não o comércio com o exterior: as
limitações estabelecidas na década de trinta à expansão da cultura conduziram a
que baixassem os níveis de produção, levando à necessária importação, desde a
década de quarenta. Se estabelecermos um confronto entre a população e o
número de toneladas de açúcar arrecadados veremos que na primeira (séculos
XV e XVI) a capitação era muito mais elevada.

O AÇÚCAR E A POPULAÇÃO MADEIRENSE

Anos População Produção

toneladas média ha

1449 16000 1135 53 kg

1510 16000 1585 60

1584 25000 473 19

1900 150600 503 3,4

1920 17000 2153 12,6

1930 211601 3149 11,6


1940 249771 4334 17,4

1950 266300 3500

1963 268100 3872 14,4

Ilhas e canaviais no atlântico. Vimos em muitos estudos falar da Madeira como


modelo institucional, social e económico, mas poucos ou nenhuns são aqueles
que nos revelam os dados fundamentadores desta afirmação. Por outro lado
coloca-se, ainda a economia açucareira da ilha ao mesmo nível dos demais
arquipélagos atlânticos e mediterrânicos, esquecendo-se da complexidade que
esse espaço encerra. Foi no sentido de desfazer esta infundamentada e
anacrónica perspectivação da Historiografia que decidimos fazer uma análise
comparativa, ainda que sumária, das ilhas produtoras de açúcar no espaço
atlântico. Para isso contámos com quatro itens que corpo rizam e definem essa
realidade: a superfície, a produção de açúcar, o número de escravos e de
engenhos-açúcar. Apenas a partir destes aspectos é possível estabelecer uma
precária comparação, faltando para outros domínios importantes dados que
permitiam essa aproximação; como é o caso da expressão do regime fundiário.

Mas a implantação dos canaviais não deriva apenas da disponibilidade de uma


reserva florestal e de água para a laboração dos engenhos. A isso deverá juntar-
se, necessariamente, as condições oferecidas pelo clima e orografia. Neste
contexto as ilhas da América Central e do Golfo da Guiné estarão em melhores
condições que a Madeira ou as Canárias. Deste modo em ambos os arquipélagos
a orografia estabeleceu um travão à afirmação da cultura extensiva dos canaviais.
De acordo com estas condições a produção madeirense dos séculos XV e XVI
nunca ultrapassou as 1584,7 toneladas, atingidas em 1510. apenas no presente
século, com a expansão dos canaviais, de novo a toda a ilha, se conseguiu
suplantar este valor, tendo-se atingido em 1916 as 4943,6 toneladas. Este
incremento da produção açucareira foi travado nos anos imediatos por meio dos
decretos de 1934-1935 e 1937 regulamentadores da área de produção. Em S.
Tomé os canaviais tiveram melhores condições para se afirmarem e suplantarem
a produção madeirense: na primeira metade do século dezasseis a ilha, com uma
extenso de 857 m2, ( mais que a Madeira - 728) produzia o dobro, cifrando-se este
valor, na primeira metade do século XVI, em 4950 toneladas o clima, o solo
fazem com que a produção de açúcar em S. Tomé cedo suplantasse a madeirense:
aí as canas cresciam três vezes mais que na Madeira e colhem-se duas culturas.

O conjunto das 21 ilhas produtoras de açúcar no esforço atlântico oferece um


total de 271.993 m2, dos quais oferece apenas uma ínfima parcela foi dedicada à
agricultura. Note-se que, para além da disponibilidade do espaço agrícola
adequado a esta cultura, tornava-se necessário a disponibilidade de uma reserva
silvícola, sem a qual os engenhos não podiam laborar. O caso da Madeira é
paradigmático: aqui a superfície cultivada pouco ultrapassa um terço da área da
ilha, sendo o restante espaço constituído pela reserva silvícola. não é possível
saber mos a área ocupada pelos canaviais nos séculos XV e XVI mas para a
segunda fase de afirmação da cultura dispomos de dados concretos sobre isso
tendo em conta o volume da cana produzida:

ANO ÁREA ANO ÁREA

Ha Ha

1815 357 1918 1500

1906 1100 1939 1500

1911 1100 1952 1420

1915 1800

para estas duas áreas poderemos enunciar que no século quinze, mais
propriamente em 1497 as 1098,6 toneladas deveriam resultar de uma área de 686
hectares de canavial, enquanto em 1510 com a produção de 1584,7 toneladas, os
canaviais deveriam ocupar cerca de 990,4 hectares.

A situação das ilhas do outro lado do oceano é também diferente da madeirense,


condições semelhantes às encontradas e, S. Tomé fizeram com que os canaviais
se afirmassem aí, a partir do século dezassete. Deste conjunto de ilhas apenas um
reduzido número (S. Cristóvão, Nevis, Antigua, Montserrat) se assemelha à
Madeira, em termos orográficos. Aí deparámo-nos com ilhas de superfície menor
que a Madeira (Antigua, Barbados, Nevis, St. Vicent, Trinidad) mas com uma
produção açucareira superior. Facto evidente sucede com as ilhas de Trinidad,
Antigua e Barbados, que dispondo de uma reduzida superfície conseguem
produzir mais açúcar que a Madeira: a ilha de Trinidad com apenas 301 m2
produziu entre 1850 e 1940 uma média anual de 57862 toneladas de açúcar,
enquanto a Madeira se ficou pelas 1659 toneladas. Note-se ainda que as ilhas de
Montserrat e Nevis, com uma superfície total quase igual à da área ocupada
pelos canaviais na madeira, conseguem atingir valores de produção semelhantes.

Diversa é também a estrutura fundiária que serviu de base a esta cultura.


enquanto na Madeira a orografia e o sistema de posse da terra definiram a plena
afirmação da pequena e média propriedade, em S. Tomé ou nas Antilhas
estávamos perante a grande propriedade, activada pela grande força de trabalho
escrava: em Barbados, entre 1650 e 1834, 84% dos proprietários de canaviais era
detentor de mais de cinquenta escravos, enquanto na Madeira apenas 2% era
possuidor de mais de 10 escravos.

Por outro lado a área dos canaviais assumida por cada proprietário era também
elevada, pois 64% destes possuíam canaviais cuja extensão ia de 40 a 121
hectares, situação que estava muito aquém da assumida pelos produtores
madeirenses. Na Madeira apenas um produtor se aproxima desse valor (Pedro
Gonçalves com uma área de 36,9 hectares)), sendo os demais com valores
inferiores: os lavradores com mais de 22 toneladas de produção e com mais de 14
hectares de terreno representam em 1494 apenas 1,3% e 5% para o período de
1509 a 1537.

PROPRIETÁRIOS LOCALIDADE ANO PRODUÇÄO ÁREA

ARROBAS Ha

Joäo Esmeraldo P. Sol 1494 1370 9,3

P. Sol 1526 3277,5 22,5

Joäo de França 1494 2500 17,1

Pedro Gonçalves Bairros R. Brava 1509 5376 36,9

Diogo Afonso de Aguiar Calheta 1509 3960,5 27,2

Benoco Amador Funchal 1509 2565,5 17,6

João Mendes de Brito R. Brava 1517 3339 22,9

João Betencor R. Brava 1517 2455 16,8

Gonçalo Fernandes Calheta 1534 33707,5 25,4

Dona Joana d'Eça Calheta 1534 3595 24,7

João Betencor R. Brava 1536 2455 16,8

João Martins P. Sol 1537 2528 17,3

Neste quadro reunimos os proprietários de canaviais com maior produção de


açúcar, para o período de 1494 a 1537. A partir daqui poder-se-á constatar que a
dimensão dos canaviais madeirenses era muito reduzida quando comparada
com os das Antilhas. O caso de Barbados (cuja superfície é menor que a da
Madeira) é significativo: a produção de atingiu aí o máximo de 74606 arrobas em
1890.
3. O Engenho. A moenda e o consequente processo de transformação da garapa
em açúcar, mel, álcool ou aguardente projectaram as áreas produtoras de
canaviais para a linha da frente das inovações técnicas, no sentido de
corresponderem às cada vez maiores exigências. A madeira e o metal são a
matéria-prima que dá forma a capacidade inventiva dos senhores de canaviais e
engenhos.

o ENGENHO NA ÉPOCA PREINDUSTRIAL. Na moenda da cana utilizaram-se


vários meios técnicos comuns ao mundo mediterrânico. A disponibilidade de
recursos hídricos conduziu à generalização do engenho de água. Na Madeira, o
primeiro que temos conhecimento foi patenteado em 1452 por Diogo de Teive.
Este processo resultou apenas nas áreas onde era possível dispor da força motriz
da água fez-se uso da força animal ou humana. Os últimos eram conhecidos
como trapiches ou almanjaras. Não conhecemos qualquer dado que permita
esclarecer os aspectos técnicos deste engenho. Apenas se sabe, segundo Giulio
Landi, que na década de trinta do século XVI funcionava um com o sistema
semelhante ao usado no fabrico de azeite: "Os lugares onde com enorme
actividade e habilidade se fabrica o açúcar estão em grandes herdades, e o
processo é o seguinte: primeiramente, depois que as canas cortadas foram
levadas para os lugares acima referidos, põem-nos debaixo de uma mó movida a
água, a qual triturando e esmagando a cana, extrai-lhes todo o suco".

Uma das questões que mais tem gerado polémica prende-se com a evolução da
tecnologia do fabrico do açúcar, concretamente a passagem do trapiche ao
engenho de cilindros. O primitivo Trapettum era já usado na Roma antiga para
triturar azeitonas e sumagre, sendo, segundo Plínio, inventado por Aristreu,
Deus dos Pastores. Mas este tornou-se um meio pouco eficaz nas grandes
plantações, tendo-lhe sucedido o engenho de eixo e cilindros. É aqui que as
opiniões divergem. Existe uma versão que aponta esta evolução como uma
descoberta mediterrânica: Noel Derr e F. O. Von Lippmann atribuíram a
descoberta a Pietro Speciale, prefeito da Sicília; a Historiografia castelhana encara
isso como um invento de Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La Palma, que
teria apresentado o seu invento em 1515 na ilha de S. Domingos; David Ferreira
Gouveia apresenta esta evolução como resultado do invento do madeirense
Diogo de Teive, patenteado em 1452. Outros apontam para a sua origem chinesa.
O engenho de três eixos surge mais tarde no Brasil sendo considerado também
uma invenção portuguesa, inegavelmente ligada aos madeirenses aí radicados.

Note-se que a primeira referência aos eixos para o engenho datam já do último
quartel do século XV. Note-se que em 1477 Álvaro Lopes tem autorização do
capitão do Funchal para que "faça hum enjenho de fazer açúcar que seja de moo
ou d'alçapremas, ou doutra arte...o qual enjenho será d'augoa com sua casa e casa
de caldeiras...". Depois, em 1485, D. Manuel isentava da dizima "quaesquer
teyxos que forem necesarios para eyxos esteos cassas latadas dos enjenhos e
tapumes...". Em 1505 Valentim Fernandes refere que o pau branco era usado no
fabrico de "eixos e prafusos pera os enjenhos de açúcar". A isto associa-se o
inventário do engenho de António Teixeira, no Porto da Cruz em que são
referidos como aprestos: rodas eixos, prensas, fornalhas espeques (...).

A palavra trapiche entrou depois no vocabulário do açúcar a designar todos os


tipos de engenhos de cilindros usados para moer cana. Nos arredores do
Funchal, como em Arucas, existe uma localidade com este nome, o que prova ter
existido aí um engenho deste tipo. Para São Tomé o Piloto Anónimo refere o uso
dos "braços dos negros e ainda mesmo cavalos". Deste último sistema temos
notícia da sua utilização apenas nos primórdios da cultura da cana-de-açúcar na
Madeira, sendo pouco provável a sua continuação após a experiência do
engenho de água de Diogo de Teive, tendo em conta a disponibilidade de cursos
de água e do possível aproveitamento por meio da sua canalização através das
levadas. Já o mesmo não sucede nas Canárias, onde as datas diferenciam os
engenhos de água dos de besta. As condições geo-hidrográficas foram propícias
à generalização dos engenhos de água, de que os madeirenses foram exímios
criadores. Aliás, nesta ilha estavam criadas as condições para a afirmação da
cultura. Enquanto a primeira desfrutava de inúmeros cursos de água e de uma
vasta área de floresta, disponibilizando lenha para as fornalhas e madeira de pau
branco para a construção dos eixos do engenho.

Toda a animação sócio-económica gerada pelo açúcar foi dominada pelo


engenho, mas isto não significava que a existência de canaviais fosse sempre
sinónimo da presença próxima de um engenho. Aqui, mais do que no Brasil, são
inúmeros os proprietários incapazes de dispor de meios financeiros para montar
semelhante estrutura industrial e por isso socorriam-se dos serviços de outrem.
No estimo da produção da capitania do Funchal para o ano de 1494 são
referenciados apenas 14 engenhos para um total de 209 usufrutuários, dispondo
de 431 canaviais. Por outro lado temos casos de alienação destes complexos a
outrem, sem qualquer relação com os canaviais. Assim sucedeu em 1546 o
convento de Santa Clara arrendou o engenho dos Socorridos, que fora de Rui
Dias Aguiar, a Manuel Damil.

Não é fácil estabelecer o número exacto de engenhos que laboraram nas ilhas. As
informações disponíveis são, em muitos dos casos, díspares. Assim, para a
Madeira em 1494 são referenciados apenas 14 engenhos, quando noutro
documento de 1493 se dava conta da existência de 80 mestres de açúcar. Note-se
ainda que Edmund von Lippermann refere existirem no Funchal 150 engenhos
no início do século XVI, número que não se coaduna com os valores razoáveis
para a extensão arável da ilha e a produção dos canaviais. Depois, em finais do
século XVI, Gaspar Frutuoso refere-nos 34 engenhos, sendo nove na capitania de
Machico e os restantes na do Funchal. A sua localização geográfica permite aferir
das áreas de maior incidência da cultura no século XVI.

[MAPA]

No século dezassete o número de engenhos era reduzido. Assim, em 1602,


Pyrard de Laval refere a existência de 7 a 8 engenhos em laboração. Esta aposta
na cultura levou ao necessário o estabelecimento de alguns incentivos à sua
reparação, como sucedeu em 1649. Nesta década fala-se apenas de quatro
engenhos, destes dois foram construídos em 1650. Daí derivaram, enormes
dificuldades em conseguir moer a cana por falta de engenhos suficientes. No
Funchal o de André de Betancor há três anos que não funcionava e seria difícil
que o fizesse pelo estado em que se encontrava. Ademais, do abandono dos
engenhos registava-se o das levadas como sucedia com a do Pico do Cardo e
Castelejo em S. Martinho que há trinta anos não era tirada. Para repor a cultura a
coroa preparou um plano de recuperação dos engenhos, com empréstimos e a
isenção do pagamento do quinto por cinco anos. Estes concentravam-se no
Funchal e Câmara de Lobos, o que implicava redobradas dificuldades para a
maioria dos lavradores das partes da Calheta, Ponta de Sol e Ribeira Brava.

O aumento da cana para a moenda e a inexistência nos engenhos tradicionais


levou a uma situação de ruptura na sua laboração. Perante isto colocou-se a
necessidade de modernização do parque industrial, uma custosa que, por isso
mesmo, teve algumas dificuldades em ser concretizada. As iniciativas de
modernização, como sucedeu com a Companhia Fabril do açúcar(1868), foram o
principal empenho dos industriais madeirenses.

O ENGENHO NA ÉPOCA DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL . Os séculos XIX e


XX marcam o momento da grande inovação tecnológica dos engenhos e da forma
de fabrico do açúcar. A revolução industrial foi provocada pela abolição da
escravatura e pela crise que atingiu o mercado internacional do açúcar a partir de
1880.

O uso de máquina a vapor teve lugar em Jamaica em 1768 mas foi só a partir de
meados do século XIX que a mesma se generalizou. Esta inovação técnica é
favorecida pela concentração destas estruturas industriais, resultado de uma
política governamental que tem na década de vinte da presente centúria a sua
máxima expressão. No Brasil deu origem aos chamados engenhos centrais,
enquanto na Madeira foi o princípio da total afirmação do engenho Hinton.

Durante o século XVIII e até princípios da centúria seguinte existiu apenas um


engenho em funcionamento à Ribeira dos Socorridos. A partir da década de
cinquenta o panorama é distinto e a cana volta de novo a ocupar um lugar de
destaque, ocupando 1/2 da superfície cultivada em 1850. Deste modo aumenta o
número de engenhos, sendo referenciado em 1851 quatro fábricas de refinação de
açúcar, quatro engenhos de moer cana e três fábricas de aguardente. Em Câmara
de Lobos a cultura teve grande incremento uma vez que são referenciados três
novos engenhos em 1854. Esta situação alastrou a toda a ilha e levou a promoção
de novos engenhos ou à reactivação de antigos, uma vez que em 1856 temos já 80
e 10 fábricas de destilar aguardente. Aqui há que distinguir as fábricas de moer
cana e os engenhos para fabrico de açúcar e destilação de aguardente. Os
engenhos de moer apresentavam duas rodas na disposição horizontal, enquanto
os movidos por bois tinham estas na posição vertical.

De acordo com D. João da Câmara Leme o avanço da cultura na ilha só será


possível com "a fundação de fábricas com os apparelhos modernos e
aperfeiçoados". Enquadrava-se neste espírito a Companhia Fabril de Açúcar
Madeirense criada em 1866 e inaugurada em 1873, que se saldou num verdadeiro
fracasso e motivo de acesa polémica. Por outro lado é de salientar as iniciativas
tecnológicas do próprio D. João da Câmara Leme que em 1875 apresentou o seu
novo invento de aproveitamento do açúcar que fica no bagaço nomeadamente
usado por W. Hinton. As inovações introduzidas por este último ocorreram após
a licença de 1872 para a construção de uma fábrica de extracção e cristalização de
açúcar.

A política de proteccionismo e favorecimento do engenho do Torreão afastou


todos os demais desta industria, levando a sua maioria ao encerramento. Em
1934 um decreto estabelece claramente essa situação: proibiu-se a construção de
mais engenhos até 1953 e os demais existentes não podiam laborar açúcar,
actividade exclusiva do engenho do Torreão, apenas são autorizados os
melhoramentos. Pior foi o que sucedeu em 1954 com o decreto que determina a
concentração de todos os fabricantes de aguardente em apenas três fábricas. Os
engenhos do norte ficaram reunidos na companhia dos engenhos do norte com
sede no Porto da Cruz.

O PREÇO DO ENGENHO. O preço de montagem de semelhante estrutura


industrial não estava ao nível da bolsa de todos os proprietários. De acordo com
a avaliação, para inventário, do engenho de António Teixeira no Porto da Cruz
em 1535 esta benfeitoria estava avaliada em duzentos mil reais. Noutro
documento de 1547 refere-se que os canaviais, engenho e água de servidão dos
mesmos orçavam os 461.000 reais. Mas em 1600 João Berte de Almeida vendeu a
Pedro Gonçalves da Câmara, no Funchal, um engenho pelo valor de 700.000
reais. Em 1644 o engenho de Gaspar Betencourt na Ribeira dos Socorridos foi
avaliado em 500.000 rs e no ano imediato o engenho de Baltasar Varela de Lira
foi vendido por 422.000 rs. O primeiro deverá ser o mesmo que em 1780
pertencia a D. Madalena Guiomar de Sá Vilhena, que o arrendou ao capitão
Francisco Esmeraldo Betencourt por 10.000 réis ano.

Para os séculos XIX e XX a construção de um engenho para fabrico de açúcar, de


acordo com as inovações tecnológicas, era uma aposta impossível para qualquer
industrial caso não fossem garantidos os financiamentos e apoios
governamentais. Esta neste caso o favorecimento dado ao engenho do Torreão,
que levou ao quase monopólio da sua laboração. Daqui resultou que a maioria
apostou em manter a tecnologia tradicional, servindo-se da tracção animal e da
força motriz da água.

A situação arcaica das fabricas de moer cana era intolerável perante o incessante
aumento da produção, por isso foi necessário a aposta num estabelecimento
moderno, capaz de minorar os custos de laboração e de corresponder à oferta de
cana. Enquadra-se neste objectivo a novel Companhia de Açúcar Madeirense,
criada em 1868.

Por outro lado, tendo em conta a grande dificuldade do fabrico do açúcar e os


elevados custos do investimento, denota-se nesta época dois tipos de complexos:
para produção de açúcar e destilação de aguardente. Em meados do século a
distinção entre a moenda da cana, o fabrico de açúcar e aguardente é claro. A
partir de então a tendência foi para a aposta nas fábricas de destilação de
aguardente, tendo em conta o atrás referido e o facto da sua procura para o
consumo corrente e no processo de vinificação. Destas temos indicações dos
custos da sua instalação. Em 1857 Diogo de Ornelas Frazão gastou 14.3000.000
réis na construção de uma fábrica de aguardente no estreito da Calheta e no ano
imediato o Conde Carvalhal montou engenho semelhante no Paul do Mar por
8.800.000 réis

De acordo com inventário industrial feito em 1863 é possível fazer uma ideia das
infra estruturas existentes e do seu valor:

VALOR DO
DATA LOCAL PROPRIETÁRIO EQUIPAMENTO E
EDIFÍCIOS
Ponte Severiano Alberto
1856 2.500$000
Nova(Funchal) Ferraz
1856 Torreão(Funchal) W. Hinton 30.000$000
Pico do Funcho Vitorino Ferreira
1856 18.000$000
(Funchal) Nogueira
Ponte Deão
1859 Joaquim da Silva 5.760$000
(Funchal)
Romero Ornelas
1858 Santa Cruz 22.400$000
Frazão
Manuel Antonio
1858 Machico 3.500$000
Jardim
João Escorcio da
1858 Machico 3.500$000
Câmara
Candido Velosa de
1858 Porto da Cruz 7.000$000
Castello Branco
Mauricio Castelo
1859 Arco de S. Jorge 850$000
Branco & Co
Manuel Fernandes
1858 S. Jorge 1.000$000
Nóbrega
1858 Ponta Delgada Conde de Carvalhal 3.000$00
Candido Lusitano de
França Andrade e
1861 Ponta Delgada 3.000$000
António Fernandes
Teles
Caetano António de
1860 S. Vicente 1.200$000
Freitas
Diogo de Ornellas
1867 Arco da Calheta 14.300$000
Frazão
1858 Paul do Mar Conde de Carvalhal 8.800$000
1853 Ponta de Sol Nuno Freitas Pestana 920$000
Luiz de Bettencourt
1855 Canhas 1.000$000
Esmeraldo
1858 Madalena Freitas abreu & Cº 11.000$000
1853 Ribeira Brava José Maria Barreto 7.200$000
Câmara de Tiburcio justino
1854 4.500$000
Lobos Henriques
Câmara de
1857 JoãoFigueiredo Quintal 1.900$000
Lobos
Câmara de
1858 Joaquim Figueira 6 Cº 2.900$000
Lobos
Câmara de Manuel martins e João
1847 1.800$000
Lobos da Silva
O ENGENHO E A PRODUÇÃO. Os valores de produção dos engenhos insulares
são muito distintos dos americanos. Para a Madeira em finais do século XV são
referenciados apenas 12 engenhos para um total de 233 proprietários de
canaviais. Estes situam-se todos nas partes do Fundo, não havendo qualquer
referência para os que funcionavam na área do Caniço a Câmara de Lobos.

Tomando em conta, apenas as Partes do Fundo, nota-se que a cada engenho


estariam atribuídas mais de cinco mil arrobas, valor elevado se tivermos em
conta o estado da tecnologia usada. Também é de notar que estes proprietários
de engenho não se situam entre os mais importantes detentores de canaviais.
Apenas Fernão Lopes surge com 1600 arrobas, havendo caso de lavradores com
valores superiores que não são proprietários de engenho. Note-se, ainda, que
Fernão Lopes apresentava mais 2000 arrobas em conjunto com João Esmeraldo.
Na primeira metade do século XVI estes valores desceram a mais de um terço,
pois a média é de 1478 arrobas. Outro aspecto de relevo é a relação entre os
proprietários de engenho e canaviais. Nesta fase, marcada por profundas
alterações na estrutura produtiva, o desfasamento entre ambos os grupos. Deste
modo a distinção entre lavradores de cana e proprietários de engenho é muito
clara. Note-se que neste grupo surgem seis com valores superiores a 1000
arrobas.

Por outro lado é de salientar que grandes proprietários de canaviais não são
sinónimo de engenho. No caso do século dezasseis alguns situam-se entre os
principais produtores, mas a maioria surge com valores de produção muito
inferiores, como é o caso de João de Ornelas que em 1530 declara apenas 70
arrobas de açúcar no Funchal. Deste modo podemos afirmar que estamos
perante duas realidades distintas que geram uma dinâmica particular na
estrutura produtiva em torno da cana de açúcar.

No decurso do século dezanove é cada vez mais evidente esta dissociação do


engenho dos canaviais. em 1863 temos indicação dos preços de pagamento da
moenda da cana e destilação da garapa: por 30 kg de cana pagava-se entre 70 a
90 réis e na destilação de 17 litros de garapa de 100 a 110 réis. Aqui a média de
laboração dos engenhos nos quatro meses da safra era em média de 7917241 kg
de cana, produzindo-se 117.600 kg.
4. ESCRAVO COM E SEM AÇÚCAR. As ilhas apresentavam um ecossistema particular que conduziu o homem a um
relacionamento particular no sentido da sua exploração e aproveitamento. A Madeira, mercê da configuração geográfica,
foi definida por uma paisagem agrária específica, diferente dos grandes espaços continentais. O excessivo parcelamento
das áreas agrícolas (poios), única forma de aproveitamento do solo arável disponível, e a sua ampla disseminação na
vertente sul e norte, condicionaram o sistema de arroteamento e de posse de terras. As grandes e iniciais concessões de
terreno foram-se dividindo de acordo com o progresso da população e as experiências agrícolas. A primeira exploração
extensiva deu lugar ao aproveitamento intensivo do solo, baseado nos inúmeros poios construídos pelos proprietários,
arrendatários ou meeiros. Deste modo é difícil, senão impossível, definir a grande propriedade de canaviais, se nos
situarmos ao mesmo nível do mundo americano.

No caso americano os canaviais avançaram a partir do engenho e estão, quase sempre, ligados indissociavelmente. Isto
não sucede na Madeira. Aqui, são muitos os proprietários de canaviais mas poucos os de engenho. Outra peculiaridade
da Madeira é a concentração dos engenhos em áreas de maior facilidade de contactos com o exterior, nomeadamente no
Funchal, o que nem sempre correspondia às de maior importância no cultivo dos canaviais. Esta diferente estrutura da
faina açucareira condicionou outro posicionamento do escravo.

Ainda, na exploração agrícola insular torna-se necessário distinguir dois grupos de proprietários: aqueles que haviam
entregue as terras a foreiros ou arrendatários e os proprietários plenos. Esta forma de dupla posse da terra marcou de
modo evidente a actividade agrícola e favoreceu na Madeira o aparecimento e afirmação do contrato de colonia, a partir
do século XVI. Por outro lado, a extensão reduzida dos canaviais não obrigava à existência de um engenho para a
transformação da cana, tão pouco de um grupo numeroso de escravos. Por tudo isto, a posição dos escravos na estrutura
agrária madeirense deverá ser equacionada de acordo com esta dinâmica do sistema de propriedade na ilha. Se é certo
que na exploração directa ou no arrendamento se estabelece uma posição clara para o escravo, o mesmo não se poderá
dizer com o contrato de colonia. É o proprietário quem estabelece a forma de intervenção do escravo na sociedade e
economia e, como tal, adquire uma posição chave na definição e expressão da escravatura. Nos registos paroquiais, ao
nome do escravo e origem étnica, associa-se sempre o nome do proprietário. A distribuição geográfica destes adequa-se à
mancha da expressão da escravatura no arquipélago madeirense. Assim, a capitania do Funchal tem a supremacia com
86% dos proprietários e 87% dos escravos, adquirindo maior expressão no século XVI. No global da circunscrição definida
pela capitania do Funchal, temos, mais uma vez, o recinto do Funchal numa posição cimeira com 74% do número de
proprietários. A par disso a cidade, com as duas freguesias principais de que existe documentação - Sé e São Pedro -
apresentam 64% do número de proprietários, distribuindo-se os restantes pelas outras da capitania do Funchal (23%),
Machico (11%) e Porto Santo (2%). Esta elevada concentração dos escravos no espaço urbano revela, mais uma vez, que
estamos perante uma escravatura essencialmente doméstica, com pouca ou nenhuma relação com a vida rural.

Quando estabelecemos uma comparação entre o número de proprietários de escravos e o de canaviais verificamos que em
todas as áreas o primeiro grupo é superior ao segundo. Este facto poderá ser considerado um indicativo seguro de que
nem todos os proprietários de escravos se dedicavam à safra açucareira e que nem todos os escravos existiam para isso. A
diferença entre os dois grupos é mais acentuada no Funchal, onde o número de proprietários de escravos é três vezes
superior ao de canaviais. Nas "Partes do Fundo" ela não ultrapassa o dobro, no século XVI, e nas comarcas da Calheta,
Ponta do Sol e capitania de Machico apresentava valor inferior.

A mesma situação surge quando cruzamos o número de escravos com o dos proprietários de canaviais e engenhos de
açúcar. No século XV esta proporção é diminuta, na centúria seguinte, excepto em Ponta do Sol e Machico, atinge valores
elevados, sendo a média no Funchal de dez escravos por proprietário, quatro na Ribeira Brava e três na Calheta. Estes
valores estão muito aquém da média estabelecida para as Antilhas e Brasil. Será isto demonstrativo de que não é tão
evidente na Madeira a relação entre o escravo e o açúcar?

A mesma conclusão é possível quando comparamos os escravos com o número de engenhos na ilha. Enquanto nas
Antilhas e América do Sul o valor por engenho oscila entre os 800 e 100, aqui, no global, não ultrapassaria os 30, sendo a
média mais elevada no Funchal (com 77 escravos) e Ribeira Brava (com 24 escravos). É de salientar, ainda, que, no total de
46 proprietários de engenhos dezasseis são do Funchal. Os dados disponibilizados pela investigação levam-nos a concluir
o seguinte: num total 502 produtores de açúcar apenas 78 (16%) são possuidores de escravos. Para o século dezassete é
maior o número (39%) de proprietários de canaviais com escravos, mas aumenta sem existir qualquer relação de causa e
efeito entre ambas as realidades. A comparação do número de escravos destes com o número de arrobas de açúcar dos
canaviais apresenta, igualmente, valores dispares, pelo que estaremos perante uma prova evidente da intervenção do
trabalho livre: a média do século dezasseis oscila entre 10 e 1329,5 arrobas por escravo. Por outro lado os proprietários
com maior número de escravos, como Francisco Betencor, Pedro Gonçalves e António Correia, não são, de modo algum,
os maiores produtores de açúcar. Apenas João Esmeraldo, Simão Acioli e João Rodrigues Castelhano se apresentam como
excepção.

Outro dos aspectos definidores da escravatura resulta do número de escravos disponíveis para cada proprietário.
Também aqui a Madeira afasta-se do Novo Mundo. Não encontrámos proprietários com duzentos ou mais escravos. O
número mais elevado destes não ultrapassava os 14 apresentados por João Esmeraldo na fazenda da Lombada da Ponta
do Sol. Na maioria (63%) os valores ficam-se por 5 escravos, por isso, tendo em conta o mínimo de mão-de-obra
imprescindível para a laboração de um engenho, seremos obrigados a afirmar que a grande força de trabalho que
animava os engenhos não era escrava, mas sim livre. O máximo que conseguimos reunir foi de vinte escravos de Ayres de
Ornelas e Vasconcelos (1556-1587),mas para pai e filho. Na Madeira a tendência era para a existência de um reduzido
número de escravos por proprietário. Com um ou dois escravos temos 58% e com mais de cinco a percentagem não
ultrapassa os 11%. O grupo daqueles que possuem mais de dez escravos não suplanta os 2%. Estes destacados
proprietários surgem, mais uma vez, no Funchal, entendido como o conjunto das duas freguesias e comarca.

O perfil deste proprietário de escravos define-se pelo reduzido número, pois 89% possuem entre um e cinco escravos.
Não havia lugar para uma excessiva valorização da sua força de trabalho, no campo e cidade. A dimensão das oficinas e
das arroteias não o permitia. Isto torna-se mais evidente quando estabelecemos uma relação entre o escravo e o
património do proprietário. De acordo com os dados disponíveis, apenas, foi possível estabelece-la para dez proprietários.
Eles situam-se, maioritariamente, no século XVII pelo que as fazendas são dominadas pelas vinhas. Apenas com João
Rodrigues Mondragão está expressa a trilogia rural madeirense. Nas suas fazendas era possível ver-se searas, vinhas e
canaviais. A tudo isto acresce o facto de haver por parte do proprietário rural pouco empenho em aumentar o
investimento em mão-de-obra escrava. Ele nunca ultrapassa os 5% do valor total do capital. Esta situação contrasta mais
uma vez com o sucedido do outro lado do Atlântico, onde sobe até os 28%. Caso existisse uma relação directa entre a
presença do escravo e as tarefas agrícolas era natural que o proprietário procura-se desviar parte do seu investimento de
capital para a aquisição deles. Ao nível do valor do capital investido pelos proprietários madeirenses na mão-de-obra
escrava também se verifica uma disparidade em relação ao que sucede no continente americano. Na Madeira o valor
oscilava entre os 2 e os 5%, enquanto, do outro lado do Atlântico a percentagem poderia atingir os 28%. A par disso, se
enquadrarmos os escravos na estrutura fundiária dos proprietários, concluiremos pela fraca vinculação à cultura do
açúcar: em 104 detentores em simultâneo de escravos e bens fundiários, apenas 9 são possuidores de canaviais. Os
restantes, na sua maioria, detêm searas e vinhedos. Depois nos signatários de canaviais merece apenas referência
Bartolomeu Machado, no Funchal, com 10 escravos.

O escravo aparece ligado à cultura dos canaviais mas sem atingir a mesma proporção de S. Tomé ou do Brasil: em 1496 a
coroa dava conta da simbiose ao estabelecer a proibição de venda, por dívidas, de bens de raiz "nem escravos nem
espravas", animais e aparelhos de engenho, permitindo apenas a troca nas "novidades" arrecadadas. Noutro documento
de 1502, acerca das águas de regadio, o monarca refere que era hábito os proprietários mandarem "os espravos e homes
de soldada que tem de reger seus canaveaes". À ligação do escravo à fase de cultivo e amanho dos canaviais também se
pode atestar a presença dele nas diversas tarefas ligadas à laboração do engenho.

A estes testemunhos, denunciadores da participação do escravo, como serventes, na cultura e fabrico do açúcar também
se poderão juntar outros que demonstram terem eles actuado na qualidade de oficiais de engenho: primeiro tivemos os
escravos canários que se apresentaram na ilha como exímios mestres de açúcar, como se poderá verificar pela cautela
posta em 1490 e 1505, quanto à sua expulsão. Desta época há apenas notícia de dois escravos que foram mestres de
engenho, e não sabemos se eram ou não guanches: em 1486 Rodrigo Anes, o Coxo, da Ponta do Sol, estabeleceu em
testamento a alforria de Fernando, mestre de engenho, e em 1500 no testamento de João Vaz, escudeiro, refere-se um
escravo seu, Gomes Jesus, como mestre de açúcar. Mais tarde, em 1605, é Jorge Rodrigues, homem baço, forro, quem
reclama de Pedro Agrela de Ornelas três mil réis de serviço que fizera no seu engenho em 1604. Em 1601 Jean Moquet dá
conta de que os escravos tinham uma activa intervenção na faina dos engenhos, uma vez que o mesmo terá visto um
"grand nombre d'esclaves noirs qui travaillent aux sucres dehors la ville".

Certamente que a única particularidade do serviço dos escravos nos engenhos madeirenses residia no facto de eles
trabalharem de parceria com homens livres ou libertos, destacando-se aqui os trabalhadores de soldada: em 1578 António
Rodrigues, trabalhador, declara em testamento que havia trabalhado sob as ordens de Manuel Rodrigues, feitor do
engenho de D. Maria.

O panorama da geografia açucareira na segunda metade do século XIX é distinto. A abolição da escravatura provocou
uma transformação da estrutura social e conduziu inevitavelmente a inovações técnicas. O fim da escravatura conduziu a
uma desenfreada busca de mão de obra livre através de contratos, sendo os novos colonos recrutados entre os chineses,
indianos e madeirenses. O sistema e forma decorrente não estão longe da escravatura, razão porque ficou conhecido na
imprensa madeirense da época com "escravatura branca". Este sistema vigorou até 1927. Neste momento o grande suporte
da estrutura produtiva madeirense que deu suporte à nova vaga dos canaviais é o contrato de colonia, responsável nos
séculos anteriores pelo total parcelamento do solo em minúsculos poios.

5. OS PREÇOS Do açúcar. Não é fácil estabelecer com clareza a evolução dos preços do açúcar no mercado insular porque
não existem núcleos documentais que permitam a reconstituição de séries. Os dados disponíveis são avulsos e
desconexos. Se no caso da Madeira foi possível reunir o maior número de informações para a década de trinta do século
XVI. Além disso dever-se-ão juntar outras condicionantes que influem de forma decisiva nos preços. Em primeiro lugar
está a falta crónica de moeda e o recurso ao açúcar como meio de troca, a que se associa nos séculos XV e XVI a sua
insistente desvalorização.

É necessário ter ainda em conta que a lei da oferta e da procura condicionava de forma evidente a evolução do preço do
açúcar ao longo do ano. Deste modo, é de notar uma variação mensal de acordo com o período da safra do açúcar e da
presença de embarcações interessadas no seu trato. Daqui resulta que os preços mais elevados surjam nos meses de Junho
e Julho, precisamente no momento em que se disponibilizava o primeiro açúcar do ano e, por isso, a afluência de
mercadores era maior. A par disso é de notar outras variações sazonais no próprio mês de acordo, como é óbvio, com a lei
da oferta e da procura.

O açúcar branco apresentava dois preços, consoante fosse de uma ou duas cozeduras. O último preço correspondia em
1496 a quase o dobro do primeiro. Se tivermos em conta, que em 15 000 arrobas da primeira cozedura ficava apenas 10
000 na segunda, nota-se uma forte valorização do produto final. Esta insistência no açúcar de segunda cozedura é
considerada uma condição necessária para a valorização do produto, impedindo que chegue ao mercado europeu em más
condições, mas acima de tudo era uma medida benéfica que reduzia para metade a oferta do açúcar, o que favorecia a
competitividade do produto numa altura que o mercado se pautava por excedentes.

A partir da década de setenta o preço do açúcar entra em quebra acentuada. Esta ideia está testemunhada nas
intervenções do senhorio a partir de 1469 que insiste na solução do monopólio para o seu comércio. A negação dos
madeirenses a semelhante solução levou o Duque D. Manuel a avançar com novas medidas. Assim em 1496 fixa os preços
em 350 réis para o açúcar da primeira cozedura e 600 ao da segunda, e passados dois anos opta por estabelecer uma cota
máxima de exportação que se cifrava em 120.000 arrobas. Os dados disponíveis revelam este movimento de quebra do
açúcar. O primeiro açúcar feito em Machico vendeu-se a 2000 réis arroba. Já em 1469 o seu preço estava em 500 arrobas
para o de uma cozedura e 750 para o de duas, Em 1472 temos a notícia que subiu para 1000 réis a arroba, mas esta deverá
ser uma situação particular resultante da quebra acentuada da moeda, pois que em 1478 regressou à normalidade. O
movimento de queda foi uma constante até princípios do século XVI e só a revolução dos preços inverteu a situação.
Todavia é evidente uma inversão de marcha a partir da década de trinta que pode ser entendida com a presença
concorrencial de açúcar de outras áreas, nomeadamente do continente americano.

Para o segundo período, que começa na centúria oitocentista, os preços do açúcar articulam-se directamente com a
evolução dos níveis de produção da ilha, das facilidades ou proteccionismos sacarino e da conjuntura do instável
mercado mundial. De acordo com os dados disponíveis para 1884 evidenciam a disparidade de preços entre o açúcar
madeirense e brasileiro e inglês:

Preços do açúcar

Origem branco mascavado

Pernambuco 2000 1300

Baía 1600 1100

Inglês 1650 1250

MADEIRA 3350 2600

Para esta fase temos valores sobre o pagamento da cana de açúcar ao produtor, o que não acontece na primeira fase. Aqui
temos de distinguir a situação que decorre a partir de 1895, em que o preço de pagamento ao agricultor foi estabelecido
por decreto. Assim as fábricas matriculadas estavam obrigadas a adquirir a cana ao preço de 400 a 450 réis por trinta kg,
tendo como compensação uma redução de 50% no imposto do melaço importado. Até esta data os preços eram
estabelecidos livremente pelas fábricas, de acordo com os graus Beaumé. A concorrência entre a fábrica de S. João, Hinton
e demais levou a uma inflação do seu preço na década de setenta do século XIX, mas a falência da primeira, a tendência
monopolista conduziram inevitavelmente à quebra abrupta do seu preço, o que levou à intervenção das autoridades.
6. O CONSUMO DO AÇÚCAR. O princípio fundamental que regeu o
movimento de circulação do açúcar foi a necessidade de suprir as carências de
alguns mercados europeus, em substituição do oriental, cada vez mais de difícil
acesso. Esta conjuntura impôs a nova cultura no espaço atlântico e ditou as
regras do seu mercado. Deste modo o consumo interno de açúcar é uma
exigência tardia, gerada por novos hábitos alimentares ou das contingências do
mercado do produto. Neste último caso assume importância o dispêndio de
açúcar na industria de conservas e casca como resultado da solicitação dos
veleiros que demandavam o Funchal.

O DISPENDIO DO AÇÚCAR DOS DIREITOS. O açúcar e derivados dele que se


produziam na Madeira tinham um consumo variado. Assim a maior e melhor
qualidade era canalizada para a exportação aos principais mercados estrangeiros.
Do açúcar laborado há que distinguir aquele que pertence aos proprietários de
canaviais e engenho e o que é da coroa, por arrecadação do almoxarifado dos
quartos ou da Alfândega, resultante dos direitos que oneravam a produção
(quarto/quinto/oitavo) e saída na Alfândega (dízima). Enquanto a cobrança
deste último era feita directamente nas alfândegas do Funchal e Santa Cruz, o
primeiro poderia ser recolhido pela estrutura institucional criada para o efeito - o
almoxarifado dos quartos (1485-1522) - ou a cargo da anterior. Ainda, nesta
situação poderia suceder a sua arrecadação por contratadores, maioritariamente
estrangeiros, que oscilava entre as 18.507 e 31.876 arrobas entre 1497 e 1506

Este açúcar arrecadado pela coroa, tal como nos elucida F. J. Pereira, era gasto em
despesas ordinárias, na carregação directa e nas vendas feitas aos mercadores
e/ou sociedades comerciais. Na primeira despesa estavam incluídos, a redízima
dos capitães, os gastos pessoais do monarca, da Casa Real, as esmolas, para além
das despesas com os soldos dos funcionários, do transporte e embalagem do
açúcar. Esta despesa variou entre as 1.070 e 2.114 arrobas, sendo a média anual
no período de 1501 a 1537 de 1622 arrobas. No caso das esmolas é de realçar as
que se faziam às Misericórdias - Funchal (1512), Ponta Delgada em S. Miguel
(1515), Todos os Santos em Lisboa (1506 -, Conventos - Santa Maria de
Guadalupe (1485), Jesus de Aveiro (1502), Conceição de Évora. A par disso
também se regista a utilização temporária destes lucros arrecadados pela Coroa
no custeamento das despesas com os socorros às praças africanas ou no
provimento das armadas. A contrapartida estará na política de ofertas
estabelecida por D. Manuel I, que em muito contribuiu para o enriquecimento do
património artístico da Madeira.

AS CONSERVAS E DOÇARIA. Parte significativa do açúcar produzido na ilha, e


mais tarde importado do Brasil, era usado no fabrico de conservas e de doçaria.
São vários os testamentos denunciadores da mestria dos madeirenses no fabrico
destes produtos. Em meados do século quinze Cadamosto refere a feitura de
"muitos doces brancos perfeitíssimos", enquanto em 1567 Pompeo Arditi dá
conta da "conserva de açúcar" que se fazia no Funchal "de óptima qualidade e
muita abundância". E, esta tradição perpetuou-se na ilha para além do fulgor da
produção açucareira local pois, segundo Hans Sloane em 1687, o madeirense
produzia "açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de doces, indo
ainda comprá-lo ao Brasil". Dois anos após John Ovington refere a indústria da
conserva de citrinos que se exportava para França. Tal como se deduz de um
documento de 1469 o fabrico de conservas era indústria importante para a
sobrevivência de muitas famílias, uma vez que ocupava "molheres de boas
pesoas e muytos pobres que lavraram os açuquares bayxos em tamtas maneyras
de conservas e alfeni e confeitos de que am grandes proveytos que dam remedio
a suas vidas e dam grande nome a terra nas partes onde vam...". Os livros do
quarto e quinto do açúcar informam-nos sobre o dispêndio que dele se fazia no
fabrico de conservas, frutas seca e marmelada. Nisso gastaram-se cerca de
quatrocentas arrobas de açúcar de vários tipos, sendo na sua maioria para
consumo dos proprietários do referido açúcar.

A fama da arte da confeitaria madeirense espalhou-se por toda a Europa e teve o


seu expoente máximo na embaixada enviada por Simão Gonçalves da Câmara ao
Papa. Segundo Gaspar Frutuoso compunha-se de "muitos mimos e brincos da
ilha de conservas, e o sacro palácio todo feito de assucar, e os cardiais todos
feitos de alfenim, dornados a partes, o que lhes dava muita graça, e feitos de
estatura de hum homem". São vários os testemunhos denunciadores da mestria
dos madeirenses no fabrico destes produtos. Segundo Hans Sloane em 1687 o
madeirense produzia "açúcar indispensável aos gastos caseiros e ao fabrico de
doces, indo ainda comprá-lo ao Brasil". Dois anos depois John Ovington refere a
indústria da conserva de citrinos ou cidra que se exportavam para a França e
Holanda. A cidra existia em abundância na Ponta de Sol, Ribeira Brava, Machico
e Camara de Lobos(Ribeira dos Socorridos), quase desaparecendo em finais do
século XVIII e arrastando inevitavelmente esta industria para o seu fim.

Um dos factores de promoção desta indústria ao nível das conservas foi a


importância assumida pelo Funchal como porto de escala de abastecimento para
a navegação atlântica. Muitas embarcações aportavam aí com o intuito de se
fornecerem de conservas de citrinos para a sua dieta de bordo. Mas, sem dúvida,
o consumidor preferencial das conservas e doçaria madeirense era a Casa Real
portuguesa. D. Manuel foi o seu consumidor preferencial e aquele que divulgou
as suas qualidades na Europa. Assim ficaram como o seu principal presente,
dentro e fora do reino, sendo o seu exemplo seguido por Vasco da Gama, que
também ofertou o xeque de Moçambique com conservas da ilha. No período de
1501 a 1561 a Casa Real consumiu 1129 arrobas e 58 barris de açúcar em
conservas e frutas secas. A par disso o rei havia estabelecido a partir de 1520 o
envio anual de 10 arrobas de conserva para o feitor de Flandres.

Esta indústria manteve-se por todo o século XVII, suportada com o pouco açúcar
da produção local ou com as importações dele do Brasil. Neste último caso sabe-
se que em 1680 foram importadas 2.575 arrobas para o fabrico de casca. Aliás, de
acordo com uma informação dada ao governador da ilha, D. António Jorge de
Melo referia-se que "é a casquinha negócio muito grande porque há anno que se
carregão com aquella terra mais de 20 embarcações de hu so doce para o qual he
necesareo comprar assucar da terra ou mandalo vir do Brasil". A
correspondência de William Bolton refere-nos que a conserva de citrinos estava
em grande prosperidade na década de noventa do século XVII, sendo usada para
o abastecimento das embarcações que demandavam a ilha, ou exportadas para
Lisboa, Holanda e França.

Parte significativa desse movimento comercial pode ser reconstituída através da


correspondência comercial de dois mercadores: Diogo Fernandes Branco(1649-
1652), William Bolton (1696-1715) e Duarte Sodré Pereira(1710-1712).

Diogo Fernandes Branco parece ter sido o principal interveniente do comércio


com os portos nórdicos, quase só baseado na exportação de casca e conservas.
Para o curto período que dura a correspondência é evidente a importância
assumida pelo dito comércio. Assim em 1649, não obstante o açúcar da produção
local ser de mau qualidade, a falta de cidra e tardar a vinda dos navios do Brasil,
a procura manteve-se activa, gerando dificuldades aos fornecedores, como Diogo
Fernandes Branco, que tiveram que socorrer-se de todos os meios para poder
satisfazer a encomenda. Esta conjuntura conduzia inevitavelmente ao aumento
do preço do produto. Esta situação continuou de modo que em Novembro de
1651 carregaram na ilha 9 navios franceses. No ano imediato inverteu-se a
situação: a casca abundou e em Outubro ainda tardavam em chegar os navios
para a levar ao seu destino, o que era motivo para preocupação.

A correspondência de William Bolton refere-nos, também, que a conserva de


citrinos estava em grande prosperidade na década de noventa do século XVII,
sendo usada para o abastecimento das embarcações que demandavam a ilha, ou
exportadas para Lisboa, Holanda e França.

Duarte Sodré Pereira surge, nos anos imediatos, como o continuador do


comércio deste produto. A sua actividade mercantil, neste lapso de tempo, esteve
dedicada, também ao comércio do açúcar do Brasil e à exportação de casca para o
norte da Europa, nomeadamente, Amesterdão.
No fabrico das conservas e doces variados merecem a nossa atenção as freiras do
Convento de Santa Clara, da Encarnação e Mercês. Aliás em 1687 Hans Sloane
referia-se de forma elogiosa aos doces e compotas que comeu no Convento de
Santa Clara, e ao referir que "nunca vi coisas tão boas". Num breve relance pelos
livros de receita e despesa do Convento da Encarnação, Misericórdia do Funchal,
e Recolhimento do Bom Jesus, constata-se as assíduas despesas com a compra de
açúcar da ilha ou do Brasil para o consumo interno. A Misericórdia do Funchal
para além das esmolas que recebia em açúcar ou marmelada consumia açúcar
que comprava. Do primeiro tanto se poderia dar aos doentes ou vender para
fora. Em 1636 gastaram-se 6.180 réis na compra de 3 arrobas de açúcar para os
doces da procissão das Endoenças. Ademais são conhecidas outras despesas na
compra de abóbora, ginjas, peras, marmelos para o fabrico de doce. Em 4 de
Junho de 1700 a Misericórdia do Funchal gastou 101.500 réis na compra de 34
arrobas para o fabrico de doces a serem consumidos ao longo do ano. Para o
período de 1694 a 1700 a mesma instituição gastou 634.400 réis na compra de 227
arrobas de açúcar e 14 canadas de mel.

Maior e mais assíduo foi o consumo de açúcar no Convento da Encarnação no


período de 1671 a 1693. Aí, de acordo com o registo mensal dos gastos com as
compras de produtos para a dispensa do convento pode-se ficar com uma ideia
da sazonalidade do consumo da doçaria, que consistia em coscorões, batatada,
talhadas, queijadas, arroz-doce e bolos. No caso deste convento destacam-se a
Quinta-Feira de Endoenças, Páscoa, Espírito Santo, Nª Sra. Encarnação e do
Carmo, Natal. Nesta última festividade distribuía-se a cada freira, para a
Consoada, 8 libras de açúcar. Além disso parte significativa do açúcar de várias
qualidades, era usado para o "tempero do comer" e fazer conserva. No total
despenderam-se 190 arrobas de açúcar por estes vinte e dois anos para um total
aproximado de seis dezenas de recolhidas.

Extintos os conventos quase que também desapareceu a tradição da doçaria.


Hoje, o único testemunho que resta dessa importante industria do doce
madeirense é o bolo de mel. O alfenim manteve-o a tradição dos ex-votos das
festas do espírito Santo na ilha Terceira, único local onde ainda persiste esta
tradição.

Um novo produto: O álcool e a aguardente. O açúcar é de todos os produtos


resultantes da garapa aquele que requere um mais demorado período de
laboração e uma requintada e custosa tecnologia. Mais fácil se torna a extracção
do mel e aguardente. Neste sentido, o regresso da cana no século XIX fez-se mais
por esta aposta na necessária produção de aguardente, tão necessária para a
industria vitivinícola, não obstante as medidas impostas no sentido de uma
produção equilibrada de aguardente, álcool e açúcar. O tratamento do vinho
para exportação fazia-se no início com aguardentes de fora, depois queimaram-
se os vinhos de inferior qualidade, a que se seguiu o recurso a aguardente de
cana. Note-se que em 1865 os quatro engenhos em laboração são usados apenas
para o fabrico de aguardente.

Esta abundância de aguardente levou ao consumo desusado, provocando graves


problemas sanitários na ilha pelo que as autoridades foram obrigadas a intervir
para o seu controle, procurando retirar-lhe o epíteto de ilha da aguardente. Foi
essa a função do decreto de 11 de Março de 1911 que procurou estabelecer um
travão, com a expropriação das fábricas de aguardente não matriculadas.
Todavia, a quebra dos compromissos deste decreto levou a que as fábricas de
aguardente se mantivessem. A machadada final nas fábricas de aguardente foi
dada em 1928 com a criação da Companhia da Aguardente da Madeira, que
detêm o contrato exclusivo de produção de aguardente por vinte e cinco anos.
Esta medida, saudada por muitos, que tinha como objectivo reduzir o consumo
da aguardente, conduziu inevitavelmente ao encerramento das fábricas de
aguardente.
7. O COMÉRCIO ATLÂNTICO. O desenvolvimento sócio-económico do mundo insular articula-se de modo directo, com
as solicitações de economia euro-atlântica: primeiro região periférica do centro de negócios europeus, ajustaram o seu
desenvolvimento económico às necessidades do mercado europeu e às carências alimentares europeias, depois, mercado
consumidor das manufacturas de produção continental em condições vantajosas de troca para o velho continente e,
finalmente, intervêm como intermediário nas ligações entre o Novo e Velho Mundo. Note-se que a partir de princípios do
século XVI, 0 Mediterrâneo Atlântico define-se como centro de contacto e apoio ao comércio africano, Índico e americano.
A tudo isto acresce que os interesses da burguesia e aristocracia dirigente peninsular entrecruzam-se no processo de
ocupação e valorização económica das novas sociedades e economias insulares. Esta componente peninsular é reforçada
com a participação da burguesia mediterrânica, atraída por novos mercados e pela fácil e rápida expansão dos seus
negócios. Por isso, um grupo de italianos, mais ou menos ligados às grandes sociedades comerciais mediterrânicas,
participa activamente no processo de reconhecimento, conquista e ocupação do novo espaço atlântico. Com efeito, eles
interessaram-se pela conquista do arquipélago canário, expedições portuguesas de exploração geográfica e o comércio ao
longo da costa ocidental africana. A sua penetração no mundo insular ficou assim facilitada o que os levou a alcançar uma
posição muito importante na sociedade e economia insulares. O investimento de capital de origem mercantil, nacional ou
estrangeiro surgiu apenas numa óptica da nova economia, afirmando-se como gerador de novas riquezas adequadas a
um aproveitamento comercial. Assim, o comércio foi o denominador comum para os produtos a introduzir, sendo
valorizados aqueles activadores da nova economia de mercado. Aqui, a cana de açúcar e o cobiçado produto final, o
açúcar, detém uma posição cimeira.

A Madeira foi no começo o mais importante entreposto. Os descobrimentos aliam-se ao comércio e, por isso, desde
meados do século XV, manteve-se um trato assíduo com o reino, activado com as madeiras, urzela, trigo e, depois, com o
açúcar e o vinho. Este movimento alargou-se às cidades nórdicas e mediterrânicas, com o aparecimento de estrangeiros
interessados no comércio do açúcar. Aliás, o mesmo produto contribuiu para o arranque decisivo da economia
madeirense, e para a consequente inserção na economia europeia. O acelerado ritmo de crescimento da ilha condicionou a
atracção de diversas correntes migratórias. Tal situação é definida em 1508 pelo monarca D. Manuel ao justificar a
elevação do Funchal a cidade: "teem creçido em mui gramde povoraçam e como nella vivem muytos fidalgos cavaleyros e
pessoaes homrradas e de gramdes fazendas pollas quaaes e pello grande trauto da dyta ylha...". Esta piccola lixbona,
segundo, Torriani inseria-se de modo evidente na economia europeia atlântica, participando do trato com o Velho e o
Novo Mundo, servindo de entreposto. Na Madeira ele assumiu uma posição dominante na produção e comércio entre
1450 e 1550, enquanto que nas restantes praças surge apenas em princípios do século XVI, tendo assumido idêntica
posição na década de trinta.
O COMÉRCIO . O comércio do açúcar destaca-se no mercado madeirense dos séculos XV e XVI como o principal
animador das trocas com o mercado europeu. Durante mais de um século a riqueza das gentes da ilha e o fornecimento
de bens alimentares e artefactos dependeu do comércio do produto. O mesmo sucedeu nas Canárias, a partir do século
XVI. Todavia, neste período a sua venda e valor sofreram diversas oscilações, mercê da conjuntura do mercado
consumidor e da concorrência dos mercados insulares e americanos.

AS FORMAS DE TROCA . O dispendio do açúcar do lavrador fazia-se de uma forma diversificada. As vendas directas
aos mercadores, muitas vezes de antemão, associam-se os pagamentos de dívidas ou por trocas de produtos e serviços. Os
livros do quarto e do quinto, como forma de controlo dos direitos em jogo, contabilizam o modo como os lavradores
despendiam o seu açúcar. A partir daqui poderá saber-se quem eram os principais compradores, como testemunhar do
seu uso no pagamento de serviços. Apenas na primeira metade do século dezassete é possível estabelecer com clareza
essa forma de dispêndio do açúcar conseguido por proprietários de canaviais e engenhos. No global tivemos cerca de
81.280 arrobas distribuídas por 2.492 compradores. A tendência é para a disseminação pelos pequenos compradores,
acabando com os interesses monopolistas de algumas casas comerciais, que haviam dominado o comércio na época de
apogeu.

O lavrador e o proprietário do engenho serviam-se usualmente do produto da sua safra para o pagamento da mão de
obra assalariada que necessitavam. Por fim, registe-se que esta distribuição diversificadora dos lucros acumulados por
proprietários de canaviais e mercadores de açúcar contribuiu para um manifesto progresso da sociedade madeirense no
século dezasseis, com evidentes reflexos no quotidiano e panorama artístico e arquitectónico.

ROTAS E MERCADOS. O açúcar foi, durante mais de um século, o principal activador das trocas da Madeira com o
exterior. As dificuldades sentidas com a penetração no mercado europeu levaram a coroa a intervir no sentido de manter
um comércio controlado, que a partir de 1469 passou a ser feito sob o permanente olhar do senhorio e coroa. A situação
manteve-se até 1508, altura em que a coroa aboliu o regime de contrato. A partir de uma das medidas tomadas pela coroa
(o contingentamento de 1498) para defesa do mercado do açúcar madeirense poder-se-á fazer uma ideia dos principais
mercados consumidores. As praças do mar do norte dominavam o comércio, recebendo mais de metade das escápulas
estabelecidas: aqui a Flandres adquire uma posição dominante, o mesmo sucedendo com os portos italianos para o espaço
mediterrânico. Se compararmos estas escápulas com o açúcar consignado às diversas praças europeias no período de 1490
e 1550, verifica-se que o roteiro não estava muito aquém da realidade. As únicas diferenças relevantes surgem nas Praças
da Turquia, França e Itália, sendo de salientar na última um reforço acentuado de posição, que poderá resultar da
actuação das cidades italianas como centros de redistribuição no mercado levantino e francês.

Os dados disponíveis para o comércio do açúcar na Madeira evidenciam a constância dos mercados flamengo e italiano.
O reino, circunscrito aos portos de Lisboa e Viana do Castelo surge em terceiro lugar com apenas 10%. Observe-se que o
porto de Viana do Castelo adquiriu, desde 1511, grande importância neste circuito e daí com Espanha e Europa nórdica.
Aliás, no período de 1581 a 1587 Viana é o único porto do reino mencionado nas exportações de açúcar, mantendo,
todavia, uma posição inferior à 1490-1550. Esta função redistribuidora dos portos a norte do Douro ficara, já evidenciada
entre 1535 e 1550, pois das cinquenta e seis embarcações entradas no porto de Antuérpia com açúcar da Madeira,
dezasseis são do norte e apenas uma de Lisboa. Na primeira 50% são provenientes de Vila do Conde, 31% do Porto e 19%
de Viana do Castelo. Em 1505 o monarca considerava que os naturais desta região tinham muito proveito no comércio do
açúcar da ilha. Em 1538 este trato era assegurado por um numeroso grupo de grupos de mercadores daí oriundos. O
mesmo sucede nas trocas com o mundo mediterrânico onde se contava com os entrepostos de Cádiz e Barcelona. Estas
cidades surgem no período de 1493 a 1537 com os portos de apoio ao comércio com Génova, Constantinopla, Chios e
Águas Mortas.

Os dados da exportação para o período de 1490 a 1550, testemunham esta realidade: a Flandres surge com 39% e a Itália
com 52%. Todavia, é de salientar a posição dominante dos mercadores italianos na condução deste açúcar, uma vez que
eles foram responsáveis pela saída de 78% do açúcar. Note-se que no início foram inúmeras as dificuldades para a
presença de estrangeiros. Somente a partir da década de oitenta do século XV surgiram os primeiros como vizinhos, que
se comprometeram com a cultura e comércio do açúcar. Para a segunda metade do século dezasseis escasseiam os dados
sobre o comércio do açúcar madeirense. Somente entre 1581 e 1587 temos nova informação. Neste período a ilha exportou
199.300 arrobas de açúcar para o estrangeiro e 4830 para o porto de Viana do Castelo.

A partir de princípios do século XVI o comércio do açúcar diversifica-se. A Madeira que na centúria de quatrocentos
surgira como o único mercado de produção, debater-se-á, a partir de finais desse século, com a concorrência do açúcar
das Canárias, de Berberia, de S. Tomé e, mais tarde, do Brasil e das Antilhas. Esta múltipla possibilidades de escolha, por
parte dos mercadores e compradores, condicionou a evolução do comércio açucareiro. Todavia, o açúcar madeirense
manteve uma situação preferencial no mercado europeu (Florença, Anvers, Ruão), sendo o mais caro. Talvez, devido a
este favoritismo encontramos com frequência referências à escala na Madeira de embarcações que faziam o seu comércio
com as Canárias, Berbéria e S. Tomé. Esta situação deveria, de igual modo, explicar a venda de açúcar madeirense em
Tenerife, no ano de 1505.

O comércio açucareiro na primeira metade do século XVI era dominado na Europa do Norte pelas ilhas e litoral do
Atlântico, nomeadamente, entre as primeiras, a Madeira, Tenerife, Gran Canaria e La Palma. Assim, na década de 30 os
navios normandos ocupados neste comércio dirigiam-se preferencialmente a esta área. Convém anotar que a maioria das
embarcações que rumavam a Marrocos, com escala na Madeira à ida e no regresso, o que valorizou a Madeira no
comércio com a Normandia. A situação dominante do mercado madeirense perdurou nas décadas seguintes, não obstante
a forte concorrência da ilha de S. Tomé que se firmou, entre 1536 e 1550, como o principal fornecedor de açúcar à
Flandres. Todavia, esta posição cimeira da ilha de São Tomé só é patente a partir de 1539.

A Madeira, que até à primeira metade do século dezasseis havia sido um dos principais mercados do açúcar do Atlântico,
cede lugar a outros (Canárias, S.Tomé, Brasil e Antilhas). Deste modo as rotas desviam-se para novos mercados,
colocando a ilha numa posição difícil. Os canaviais foram abandonados na quase totalidade, fazendo perigar a
manutenção da importante industria de conservas e doces. O porto funchalense perdeu a animação que o caracterizara
noutras épocas. É aqui que surge o arquipélago vizinho. O comércio canário, baseado nos mesmos produtos que o
madeirense, será um forte concorrente na disputa dos mercados nórdico e mediterrânico. Os produtos dos dois
arquipélagos surgem, lado a lado, nas praças de Londres, Anvers, Ruão e Génova. A única vantagem do madeirense
resultava de ter sido o primeiro a penetrar com o açúcar e o vinho no mercado europeu, ganhando a preferência de
muitos vendedores e consumidores.

A solução possível para debelar a crise da industria açucareira madeirense, desde a segunda metade do século dezasseis,
foi o recurso ao açúcar brasileiro, usado no consumo interno ou como animador das relações com o mercado europeu. Por
isso os contactos com os portos brasileiros adquiriram uma importância fundamental nas rotas comerciais madeirenses do
Atlântico Sul. Tal como o refere José Gonçalves Salvador as ilhas funcionaram, no período de 1609 a 1621, como o
"trampolim para o Brasil e Rio da Prata". É o mesmo quem esclarece que este relacionamento poderia ter lugar de modo
directo, ou indirecto, sendo este último rumo através de Angola, S. Tomé, Cabo Verde ou Costa da Guiné. Aqui definia-se
um circuito de triangulação, de que são exemplo as actividades comerciais de Diogo Fernandes Branco, no período de
1649 a 1652. Note-se que desde finais do século dezasseis estava documentado o comércio do açúcar, servindo os portos
do Funchal e Angra como entrepostos para a sua saída legal ou de contrabando para a Europa.

Este comercio do açúcar do Brasil, por imperativos da própria coroa ou por solicitação dos madeirenses, foi alvo de
frequentes limitações. Assim em 1591 ficou proibida a descarga do açúcar brasileiro no porto do Funchal, medida que não
produziu qualquer efeito, pois em vereação de 17 de Outubro de 1596 foi decidido reclamar junto da coroa a aplicação
plena de tal proibição. Desde 1596 é evidente uma activa intervenção das autoridades locais na defesa do açúcar de
produção local, prova evidente de que se promovia esta cultura. Em Janeiro deste ano os vereadores proibiram António
Mendes de descarregar o açúcar de Baltazar Dias. Passados três anos o mesmo surge com outra carga de açúcar da Baía,
sendo obrigado a seguir o seu porto de destino, sem proceder a qualquer descarga. O não acatamento das ordens do
município implicava a pena de 200 cruzados e um ano de degredo. Esta situação repete-se com outros navios nos anos
subsequentes até 1611: Brás Fernandes Silveira em 1597, António Lopes, Pedro Fernandes o grande e Manuel Pires em
1603, Pero Fernandes e Manuel Fernandes em 1606 e Manuel Rodrigues em 1611.

A constante pressão dos homens de negócio do Funchal envolvidos neste comercio veio a permitir uma solução de
consenso para ambas as partes. Assim em 1612 ficou estabelecido um contrato entre os mercadores e o município em que
os primeiros se comprometiam a vender 1/3 do açúcar de terra. Note-se que desde 1603 estava proibida a compra e venda
deste açúcar, sendo os infractores punidos com a perda do produto e a coima de 200 cruzados. Mas a partir de Dezembro
de 1611 ficou estipulado que a venda de açúcar brasileiro só seria possível após o esgotamento do da terra. Deste modo os
vereadores entregaram Domingos Dias nas mãos do alcaide, sob prisão, por ter vendido 50 caixas de açúcar brasileiro aos
ingleses. Em 1620 a transacção do açúcar da terra e do Brasil era feita à razão de 1 por 2, sendo o embarque feito por
licença assinada por dois vereadores e um juiz. Para assegurar este controlo, os escravos e barqueiros foram avisados que,
sob pena de 50 cruzados ou dois anos de degredo para África, não poderiam proceder ao embarque de açúcar sem
autorização da câmara. Em 1657 a proporção de cada açúcar era de metade.

Após a Restauração da independência de Portugal o comércio com o Brasil foi alvo de múltiplas regulamentações.
Primeiro foi a criação do monopólio do comércio com o Brasil, através da Companhia para o efeito criada, depois o
estabelecimento do sistema de comboios para maior segurança da navegação. A esta situação, estabelecida em 1649,
ressalva-se o caso particular da Madeira e Açores, que a partir de 1650 passaram a poder enviar, isoladamente dois navios
com capacidade para 300 pipas com os produtos da terra, que seriam depois trocados por tabaco, açúcar e madeiras. Mais
tarde, ficou estabelecido que os mesmos não podiam suplantar as 500 caixas de açúcar.

Desde meados do século XIX que o açúcar voltou a entrar paulatinamente nas exportações madeirenses. Assim, em 1854
temos referência à saída de 238 kg que passam para 527.883 em 1871.Não existem dados concludentes sobre o comércio
do açúcar da ilha neste período, mas pelas medidas que favoreciam a sua saída (em 1870-1887) sabemos da necessidade
de garantir uma quota de mercado nos Açores e Continente. No primeiro quartel da presente centúria o açúcar de
produção local era excedentário, sendo exportado para Lisboa.

[GRAFICO EXPORT AÇÚCAR 1866-1918]


Após a segunda guerra mundial a produção do açúcar não foi suficiente para cobrir as carências da ilha, tornando-se
necessária a sua importação.
8. PROJECÇÃO DOS CANAVIAIS E AÇÚCAR MADEIRENSE NO MUNDO. A
Madeira, arquipélago e Ilha, afirmou-se no processo da expansão europeia pela
singularidade do seu protagonismo. Vários são os factores que o propiciaram, no
momento de abertura do mundo atlântico, e que fizeram com que ela fosse, no
século XV, uma das peças-chave para a afirmação da hegemonia portuguesa no
Novo Mundo. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao
encontro da Europa em expansão. Além disso ela é considerada a primeira pedra
do projecto, que lançou Portugal para os anais da História do oceano que abraça
o seu litoral abrupto.

À função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras, como


"farol" Atlântico, o guia orientador e apoio para as delongas incursões oceânicas.
Por isso nos séculos que nos antecederam, ela foi um espaço privilegiado de
comunicações, tendo a seu favor as vias traçadas no oceano que a circunda e as
condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e
vinha. Uma e outra contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano
fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente
europeu e o Novo Mundo.

Como corolário desta ambiência a Madeira firmou uma posição de relevo nas
navegações e descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da
economia de mercado, em uníssono com o empenhamento dos principais
povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do Atlântico,
reforçaram a posição da Ilha e fizeram avolumar os serviços prestados pelos
madeirenses. Aqui, surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada
de títulos e benesses pelos serviços prestados no reconhecimento da costa
africana, defesa das praças marroquinas, ou nas campanhas brasileiras e indicas.
A par disso a ilha surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência
de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais.
Tudo isto foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano
e americano. O arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos
da nova sociedade e economia do mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os
demais arquipélagos e regiões costeiras onde os portugueses aportaram.

O sistema institucional madeirense apresentava uma estrutura peculiar, definida


pelas capitanias. Foi a 8 de Maio de 1440 que o Infante D. Henrique lançou a base
da nova estrutura ao conceder a Tristão Vaz a carta de capitão de Machico. A
partir daqui ficou estabelecido o sistema institucional que deu corpo ao governo
português no Atlântico insular e brasileiro. Sem dúvida que o facto mais
significativo desta estrutura institucional deriva de a Madeira ter servido de
modelo referencial para o seu delineamento no espaço atlântico. O monarca
insiste, nas cartas de doação de capitanias posteriores, na fidelidade ao sistema
traçado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas cartas concedidas aos
novos capitães das ilhas dos Açores e Cabo Verde. O mesmo sucede com a
demais estrutura institucional que chegou também a S.Tomé e Brasil.

João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia em 1532


de uma forma perspicaz o protagonismo madeirense no espaço atlântico.
Segundo ele a sua família era portadora de uma longa e vasta experiência
"porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel, e
meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...". Isso
dava-lhe o alento necessário e abri-lhe perspectivas para uma sua iniciativa no
Brasil. Ele reclamava o protagonismo do seu ancestral Rui Gonçalves da Câmara
que em 1474 comprara a ilha de S. Miguel, dando início ao seu verdadeiro
povoamento. A mesma percepção surge em Gilberto Freire que em 1952 não
hesita em afirmar: "A irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a
Madeira. E irmã que se estremou em termos de mãe para com a terra bárbara que
as artes dos seus homens,... concorreram para transformar rápida e solidamente
em nova Lusitânia".

Outra componente importante da afirmação da ilha como modelo de referência


tem a ver com a organização da sociedade no espaço atlântico e da importância
aí assumida pelo escravo. Mais uma vez a Madeira é o ponto de partida para esta
transformação social. De acordo com S. Greenfield ela serviu de trampolim entre
o "Mediterranean Sugar Production" e a "Plantation Slavery" americana. O autor
não faz mais do que retomar os argumentos aduzidos por Charles Verlinden
desde a década de sessenta. Note-se que esta argumentação mereceu alguns
reparos na sua formulação, mercê de novos estudos.

Na verdade, tudo o que foi concretizado em termos do mundo atlântico


português teve por matriz o sucedido na Madeira. A Madeira foi ao nível social,
politico e económico, o ponto de partida para o "mundo que o português criou..."
nos trópicos. Neste contexto é sumamente importante o conhecimento do
sucedido na Madeira quando pretendemos estudar e compreender as outras
situações. Colombo abriu as portas ao Novo Mundo e traçou o rumo da
expansão da cana de açúcar. Note-se que esta cultura não lhe era alheia, pois o
navegador tem no seu curriculum algumas actividades ligadas ao comércio do
açúcar na Madeira. Note-se que o navegador, antes da sua relação afectiva ao
arquipélago, foi, a exemplo de muitos genoveses mercador do açúcar
madeirense. Em 1478 ele encontrava-se no Funchal ao serviço de Paolo di Negro
para conduzir a Génova 2400 arrobas a Ludovico Centurione. Com esta viagem
e, depois da larga estância do navegador na ilha, Colombo ficou conhecedor da
dinâmica e importância do açúcar da Madeira. Em Janeiro de 1494, aquando da
preparação da Segunda Viagem, o navegador sugere aos reis católicos o
embarque de 50 pipas de mel e 10 caixas de açúcar da Madeira para uso das
tripulações, apontando o período que decorre até a Abril como o melhor
momento para o adquirir. A isto podemos somar a passagem do navegador pelo
Funchal no decurso da terceira viagem em Junho de 1498 podemos apontar como
muito provável a presença de socas de canas da Madeira na bagagem dos
agricultores que o acompanhavam. Note-se que neste momento a cultura dos
canaviais havia adquirido o apogeu na ilha, mantendo-se uma importante franja
de canaviais ao longo da vertente sul.

A tradição anota que as primeiras socas de cana saíram de La Gomera. Todavia a


cultura encontrava-se aí nesse momento em expansão, enquanto na Madeira
estava já consolidada. Note-se que ainda estão por descobrir as razões que
conduziram Colombo, no decurso da Terceira viagem, a fazer um desvio na sua
rota para escalar o Funchal. Na verdade, a Madeira foi a primeira área do
Atlântico onde se cultivou a cana-de-açúcar que, depois, partiu à conquista das
ilhas (Açores, Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Antilhas) e continente americano.
Por isso mesmo o conhecimento do caso madeirense assume primordial
importância no contexto da História e geografia açucareira dos séculos XV a
XVII.

O açúcar da Madeira ganhou fama ao nível do mercado europeu. A sua


qualidade diferenciava-o dos demais e fê-lo manter-se como o preferido de
muitos consumidores europeus. Deste modo o aparecimento de açúcar de outras
ilhas ou do Novo Mundo veio a gerar uma concorrência desenfreada ganha por
aquele que estivesse em condições de ser oferecido ao melhor preço. Um
testemunho disso surge-nos com Francisco Pyrard de Lavel: "Não se fale em
França senão no açúcar da Madeira e da ilha de S. Tomé, mas este é uma bagatela
em comparação do Brasil, porque na ilha da Madeira não há mais de sete ou oito
engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S. Tomé". E refere que no Brasil
laboravam 400 engenhos que rendiam mais de cem mil arrobas que, segundo o
mesmo, são vendidas como da Madeira.

O mais significativo desta situação do novo mercado produtor de açúcar é que o


madeirense encontra-se indissociavelmente ligado. Na verdade, a Madeira foi o
ponto de partida do açúcar para o Novo Mundo. O solo madeirense confirmou
as possibilidades de rentabilização e de abertura de novo mercado para o açúcar.
Também o íncola foi capaz de agarrar esta opção, tornando-se no obreiro da sua
difusão no mundo Atlântico. A tradição anota que foi a partir da Madeira que o
açúcar chegou aos mais diversos recantos do espaço atlântico e que os técnicos
madeirenses foram responsáveis pela sua implantação. O primeiro exemplo
encontramos em Rui Gonçalves da Câmara, quando em 1472 comprou a
capitania da ilha de S. Miguel. Na sua expedição de posse da sua capitania fez-se
acompanhar de canas da sua Lombada, que entretanto vendera a João
Esmeraldo, e dos operários para a tornar produtiva. A estes seguiram-se outros
que corporizaram diversas tentativas frustradas para fazer vingar a cana de
açúcar nas ilhas de S. Miguel, Santa Maria e Terceira.

Em sentido contrário avançou o açúcar em 1483, quando o governador D. Pedro


de Vera quis tornar produtiva a terra conquistada nas Canárias. De novo a
Madeira surge disponibilizar as socas de cana para que aí surgissem os canaviais.
Todavia, o mais significativo é a forte presença portuguesa no processo de
conquista e adequação do novo espaço a economia de mercado. Os portugueses
em especial o Madeirense surge com frequência nestas ilhas ligando-se ao
processo de arroteamento das terras, como colonos que recebem datas de terras
na condição de trabalhadores especializados a soldada, ou de operários
especializados que constroem os engenhos e os colocam em movimento.

O avanço do açúcar para sul ao encontro do habitat que veio gerar o boom da
sua produção, deu-se nos anos imediatos ao descobrimento das ilhas de Cabo
Verde e S. Tomé. Todavia, só nesta última, pela disponibilidade de água e
madeiras, os canaviais encontraram condições para a sua expansão. Deste modo
em 1485 a coroa recomendava a João de Paiva que procedesse à plantação de
cana do açúcar. Para o fabrico do açúcar refere-se a presença de "muitos mestres
da ilha da Madeira".

A partir do século XVI a concorrência do açúcar das Canárias e S. Tomé aperta o


cerco do açúcar madeirense o que provocou a natural reacção dos agricultores
madeirenses. Deste modo sucedem-se as queixas junto da coroa, que ficou
testemunho em 1527. Em vereação reuniram-se os lavradores de cana para
reclamar junto da coroa contra o prejuízo que lhes causava o progressivo
desenvolvimento desta cultura em S. Tomé. A resposta do rei, no ano imediato,
remete para uma análise dos interesses em jogo e só depois, no prazo de um ano,
seria tomada uma decisão, que parece nunca ter vindo. Note-se que a exploração
fazia-se directamente pela coroa e só a partir de 1529 surgem os particulares
interessados nisso.

Enquanto isto se passava, do outro lado do Atlântico davam-se os primeiros


passos no arroteamento das terras brasileiras. E, mais uma vez, é notada a
presença dos canaviais e dos madeirenses como os seus obreiros. A coroa insistiu
junto dos madeirenses no sentido de criarem as infra estruturas necessárias ao
incremento da cultura. Aliás, o primeiro engenho aí erguido por iniciativa da
coroa, contou com a participação dos madeirenses. Em 1515 a coroa solicitava os
bons ofícios de alguém que pudesse erguer no Brasil o primeiro engenho,
enquanto em 1555 foi construído pelo madeirense João Velosa um engenho a
expensas da fazenda real. Esta aposta da coroa na rentabilização do solo
brasileiro através dos canaviais levou-a a condicionar a forja de mão-de-obra
especializada, que então se fazia na Madeira. Assim, em 1537 os carpinteiros de
engenho da ilha estão proibidos de ir à terra dos mouros.

Com tais condicionantes e colocados perante o paulatino decréscimo da


produção açucareira na ilha, muitos madeirenses são forçados a seguir ao
encontro dos canaviais brasileiros. Deste modo em Pernambuco e na Baia, entre
os oficiais e proprietários de engenho, pressente-se a presença madeirense. É de
salientar que alguns destes madeirenses se tornaram em importantes
proprietários de engenho como foi o caso de Mem de Sá, João Fernandes Vieira o
libertador de Pernambuco. É a partir daqui que se estabelece um vínculo com a
Madeira, continuado através do trafico ilegal de açúcar para o Funchal ou então
ao mercado europeu com a designação da Madeira. Este movimento seguia as
ancestrais ligações entre os que do outro lado do Atlântico via florescer a cultura
e aqueles que na ilha ficavam sem os seus benefícios. Contra isso intervêm os
madeirenses e a coroa proibindo a importação deste açúcar para revenda na ilha.
Depois sucederam-se outras medidas do município, proibindo a qualquer dos
seus membros a compra de açúcar do Brasil. Todavia, o aparecimento do bicho
da cana em 1610 os madeirenses tiveram de se conformar com a entrada do
açúcar brasileiro, por isso a edilidade estabeleceu em 1611 um contrato com os
mercadores em que estes se comprometem expedir do Funchal uma caixa de
açúcar de ilha com outro do Brasil. Situação que nunca foi cumprida, uma vez
que em 1620 nas 1178 caixas saídas da alfândega do Funchal temos 23560 arrobas
de açúcar do Brasil e 1992 da Madeira.

Perante esta situação a capacidade concorrencial do açúcar insular estava


irremediavelmente perdida. Os canaviais foram desaparecendo paulatinamente
das terras, dando lugar aos vinhedos. Apenas a conjuntura da segunda metade
do século dezanove permitiu o seu retorno. Mas foram efémeras as tentativas
para a produção de açúcar, só possível mediante uma política proteccionista. Os
canaviais perderam a sua função de produtores do açúcar, o ouro branco dos
insulares, mas em contrapartida favoreceram uma produção alternativa de mel e
aguardente. Daqui resulta as actuais sobrevivências da cultura na Madeira e
Canárias.
9. A TRADIÇÃO CULTURAL e O AÇÚCAR. Tal como o enunciámos ao
princípio à expansão da cultura da cana-de-açúcar ligam-se tradições culturais
europeio-africanas. Na verdade a cana-de-açúcar propiciou o confronto da
cultura europeia com a africana, sendo exemplo cabal disso as sociedades
geradas em seu torno nas Antilhas e Brasil. Neste último espaço são evidentes os
aspectos sincréticos da cultura que veio a dar origem à designação de Afro-
brasileira: os estudos de Gilberto Freire e Roger Bastide são bastante expressivos
a esse nível. Mas aqui insiste-se nas aportaçöes culturais resultantes do confronto
com a população africana, aí conduzida como escrava para a safra do açúcar. Por
outro lado insiste-se que a expansão da cultura da cana-de-açúcar propiciou a
divulgação de determinadas tradições lúdicas: representações teatrais e festivas.
Está neste caso o "tchiloli" nome dado a peça "A Tragédia do Marquês de Mântua
e do Imperador Carlos Magno", atribuída ao madeirense Baltazar Dias. Esta é
uma peça teatral o ciclo carolíngio, muito representada no século XVI, que teria
sido levada para S. Tomé pelos plantadores e mestres de engenhos da Madeira.
A tradição perpetuou-se e ainda hoje se apresenta o "Tchiloli" para celebrar um
acontecimento importante ou um dia santo. Na ilha Terceira persiste na
actualidade as afamadas danças do Entrudo, que segundo opinião de alguns
estudiosos se filia na tradição do Bumba-meu-boi brasileiro. æ volta disso
estabeleceu Luís Fagundes Duarte uma teoria que aponta para a existência de
uma tradição lúdica canavieira, que acompanhou o percurso de expansão do
açúcar no Atlântico, marcada por representações e danças de carácter dramático
com "sabor" vicentino.

A par disso no Brasil algumas das folias que animavam os terreiros do engenho
são um misto de tradições europeias e africanas. Destas destaca-se o Bumba-
meu-boi e o fadango; a primeira aproxima-se da tradicional tourada, surgindo
como forma de exaltação do negro e do boi, elementos fundamentais da safra
açucareira; o segundo é um auto popular do ciclo natalício que descreve a luta
entre o cristão e o mouro, numa clara alusão ao processo de conquista
peninsular. Do lado oposto a estas duas tradições está a Congada, uma dança de
senzala, definida pela coroação do rei do Congo. Ela tinha lugar em Maio (dia de
são Benedicto) e Outubro (dia de Nossa Senhora do Rosário). Ainda no Brasil a
economia açucareira gerou uma dinâmica socio-cultural diversa, que deixou
rastros evidentes na literatura: o caso mais evidente é o de José Lins do
Rego(1901-1957), que escreveu um conjunto de romances a retratar o ciclo da
cana de açúcar: Menino de Engenho(1932), Doidinho(1933), Banguê(1934), o
Moleque Ricardo(1935), Usina(1936), Fogo Morto(1943) e Meus Verdes
anos(1956). Na Madeira esta vivência não entusiasmou a veia literário dos seus
protagonistas e apenas na actualidade o tema despertou o interesse de Horácio
Bento de Gouveia, em águas Mansas(1963), e João França em A ilha e o
Tempo(1972).
Por outro lado, é de salientar que A safra açucareira teve também implicações na
política de urbanização do espaço rural, condicionando uma forma peculiar de
ligação do espaço agrícola -industrial com as estruturas de mando e controle
social. A célebre trilogia rural, tão bem definida por Gilberto Freire, teve o seu
primeiro aparecimento aqui na Madeira, sendo testemunho actual disso a célebre
lombada de João Esmeraldo (Ponta do Sol). Mas outros mais exemplos
poderíamos referenciar na ilha que, lamentavelmente, se estão perdendo. Talvez
por estas implicações do açúcar se define ao espaço rural, ou por outras razões
que desconhecemos, se definiu para o Funchal epítetos pouco expressivos da
realidade. Assim a partir da publicação do livro de António Aragão sobre a
cidade do Funchal ficou estabelecido que ela era a "primeira cidade construída
por Europeus fora a Europa" e dentro da sua malha urbana de uma "cidade do
açúcar" e outra do "vinho". Esta aventureira definição não colhe argumentos a
seu favor.

O pioneirismo aventureiro desta afirmação com a segurança e afirmações


resultantes das pesquisas promovidas nos Açores, Canárias, Brasil e Antilhas,
onde ninguém, até hoje, teve a ousadia de avançar com semelhante perspectiva
reducionista da realidade arquitectónica e urbana. Todos são unânimes em
afirmar a adaptação do modelo europeu às condições geo-humanas dos novos
espaços e a forte vinculação às directivas régias e à mão-de-obra especializada da
península. O desenvolvimento económico, assente na produção ou comércio de
certos produtos surge em todas as áreas, não como factor definidor da traça
urbana e arquitectónica, mas sim como meio.

O açúcar, o vinho surgem na Madeira como produtos catalizadores da actividade


sócio-económica madeirense e não como princípios geradores das cidades ou do
espaço urbanizado. Eles foram apenas os suportes financeiros necessários a este
desenvolvimento e embelezamento do espaço urbano. A maioria dos mestres
que orientaram a construção do espaço urbanizado são recrutados no reino e
enquadram-se nos padrões peninsulares de humanização do espaço. Por outro
lado os monarcas intervêm com assiduidade nessa política arquitectónica,
enviando regimentos e planos sobre o modo porque se deverá proceder à
construção. Tenha-se em atenção as recomendações dadas por D. Manuel para a
construção da cerca e muros conforme o sistema delineado em Setúbal. Por outro
lado o mesmo monarca ao ordenar em 1485 a construção dos paços do concelho,
da igreja, alfândega e praça, pretendia dar ao Funchal uma dimensão peninsular.
Terá sido esse espaço urbanizado à custa dos proventos do açúcar que conduziu
à errada formulação dos princípios geradores do urbanismo funchalense.

Se tivermos em consideração que a economia açucareira madeirense não assumiu


a mesma proporção da brasileira ou mexicana e que nestas últimas áreas não se
fala de uma urbanização do açúcar mas sim das implicações sociológicas e
arquitectónicas deste produto teremos por anacrónica a definição no Funchal de
uma cidade do açúcar. Confrontados os estudos sobre a história das cidades das
demais ilhas atlânticas e do Novo Mundo, onde a cana-de-açúcar foi dominante,
não encontrámos qualquer definição deste tipo para a malha arquitectónica
urbana. Tenha-se como exemplo o caso de Canárias onde é evidente também um
extremo seguidismo aos cânones peninsulares. Por isso não entendemos a forma
despropositada com que se tem defendido a existência no Funchal de uma
cidade do açúcar. Mas do açúcar é a única coisa que se poderá dizer é que a
imagem do açúcar ficou apenas o registo nas armas da cidade a partir do século
XVI, a que se juntou a videira no século dezanove. Não obstante o facto de
aquele espaço, que é hoje o centro da cidade, ter sido no século XV uma área de
canaviais (o Campo do Duque), as alterações que se produziram a partir da
década de oitenta do século XV conduziram à sua adequação aos modelos
arquitectónicos peninsulares. É a imposição lançada em 1485 sobre o vinho,
surgiu única e exclusivamente com o intuito de criar um fundo municipal para o
"nobre cimento" da vila. Com isto não queremos excluir a função relevante dos
proventos arrecadados pela economia açucareira na valorização do património
urbano, mas apenas referenciar que não houve uma ligação directa entre as duas
situações.

Em boa verdade se diga, que o recinto urbano, que emerge a partir da década de
sessenta entre as ribeiras de João Gomes e Santa Luzia e, depois, para além desta
última, foi o princípio da futura cidade, dominada pelos mercadores do açúcar.
As residências de João Esmeraldo, de D. Mécia, do capitão do donatário, bem
como os conventos (Encarnação, S. Francisco e Santa Clara) e igrejas (Sé, Capela
dos Reis Magos, Madre de Deus e matrizes de Machico, Ponta do Sol, Calheta e
Ribeira Brava) foram erguidas e embelezadas artisticamente a partir dos
proventos acumulados com a safra do açúcar. Mas uma coisa é o açúcar ser fonte
de receita, participadora deste processo e outra é o resultar daí implicações
urbanísticas e plásticas. Na verdade a vila que é elevada em 1508 à categoria de
cidade deve apenas ser considerada como a cidade dos mercadores de açúcar e
nunca a cidade do açúcar.
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4. A questão do açúcar no século XX

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1928,Lisboa, 1929

BETTENCOURT, João de S. e V. Moniz de, Companhia fabril de assucar madeirense sociedade


anónima.Responsabilidade limitada. Capital RS: 100.000$00.Parecer do concelho fiscal apresentado à Assembleia
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CANAVIAL, Conde do, A Companhia fabril do assucar madeirense...; Funchal, 1879

--- Uma acção contra o Sr. W. Hinton, fabricante de assucar e aguardente na cidade do Funchal (Ilha da
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CASTRO, Henrique Vieira, Bases para a solução da questão sacharina e meios de combater o alcoolismo da
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Diplomas principais que interessam ao regimen sacharino da Madeira, Sl, Sd

Os danos das fábricas não matriculadas no sul, primeiros outorgantes: W. Hinton & Sons e José Júlio de Lemos, dono
das fábricas matriculadas, 2ºs outorgantes; os donos das fábricas não matriculadas do norte, 3ºs outorgantes, Funchal,
1908

FABRÍCIO, João Augusto de Ornellas e a nova fábrica do assucar, Funchal, 1871

FREITAS, Luiz Alberto de, A lei hornung em defesa da Madeira e de Hinton, Lisboa, 1915

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RODRIGUES, José Agostinho, As questões vinícolas e sacarina da Madeira, Lisboa, 1928

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SOUSA, João José, "Os escravos na Madeira", in Atlântico, 18(1989), 114-122

VIEIRA, Alberto, Os escravos no arquipélago da Madeira, séculos XV a XVII, Funchal, 1991.


NOMENCLATURA DO AÇÚCAR

AÇÚCAR

BATIDO OU RETAME: é o açúcar resultante do cozimento do mel que escorre


das formas, que é depois batido

BRANCO: açúcar puro, corresponde à metade do cone do pão de açúcar

CANDIL/CANDE: açúcar refinado, obtido pela cristalização.

MACHO: açúcar bem purgado, tirado da parte de cima das formas

MASCAVADO/MASCAVO: açúcar não refinado, do fundo das formas

PANELA: açúcar resultante da cozedura do mel que escorre das formas, o


mesmo que retame

RESCUMA: açúcar feito com a primeira escuma

ALÇAPREMA/ALMANJARA: o mesmo que lagares manuais, usados para


espremer o bagaço

AFELO/alféola: doce feito com mel ou açúcar mascavo em ponto grosso de


grande viscosidade, o antecedente do actual caramelo

ALFENiM: doce seco feito com açúcar e água, levado ao ponto, com que se
fabrica figuras diversas.

CASQUINHA/CASCA: conserva feita de casca fina de limão, lima ou cidra

CONSERVAS: fruta cristalizada em calda de açúcar

MELAÇO: mel resultante da 3ª cozedura

RAPADURA: doce fabricado directamente a partir do primeiro cozimento da


garapa

REMEL: mel que escorre das formas no fabrico do açúcar batido

RESSOCA: segundo rebentamento da cana após o primeiro corte

SOCA: primeiro rebentamento da cana após o primeiro corte


TACHA: tacho grande cobre ou ferro, usada nos engenhos para cozer a garapa.

TRAPICHES DE BESTA: mó de pedra vertical que ao ser movida, por força do


homem ou de bois, esmaga a cana que depois é prensada na almanjara.
FRANCISCO CLODE DE SOUSA

Testemunhos Artísticos Na Rota do Ouro Branco pela Ilha da Madeira


No Funchal

1.MUSEUS
Museu de Arte Sacra

O Museu de Arte Sacra do Funchal é um ponto fulcral , pela concentração no seu


espólio de numerosos exemplares, na pintura, escultura e ourivesaria que
caracterizam explicitamente as referências artísticas da Madeira desde fins o
século XV e de todo o século XVI.

No Museu está reunido um conjunto de obras recolhidas por várias igrejas e


capelas de numerosos pontos da ilha da Madeira, permitindo-se o conhecimento
da enorme disparidade de lugares de onde foram feitas encomendas, a Bruges e
sobretudo a Antuérpia.

Do espólio de pintura poderemos destacar:

SÃO TIAGO MENOR. Pintura a óleo sobre madeira de carvalho.


Provavelmente da escola de Bruges, datável do último quartel do século XV. Está
atribuído a Thierry Bouts (1457-1475).

Esta pintura deve ter pertencido à pequena capela de N. S. do Calhau, fundada


em 1438, destruída pela aluvião de 1803, ou ainda possivelmente da capela de N.
S. do Amparo na Sé do Funchal.

Santiago Menor foi eleito padroeiro da cidade do Funchal em 1521, altura em que
a ilha sofria uma epidemia de peste 16 e se levantou uma capela dedicada ao
Santo, onde actualmente existe a igreja do Socorro ou de Santa Maria Maior. O
quadro era levado em procissão da Sé para a Capela de São Tiago, onde deve ter
acabado por ficar. Destruída a Capela de São Tiago deve ter transitado para a
Igreja do Socorro ou de Santa Maria Maior, onde foi encontrado.

SÃO NICOLAU- Pintura a óleo sobre madeira de carvalho. De uma escola


flamenga de Antuérpia, primeiro quartel do século.

Esta pintura parece ter sido de um altar da Igreja de N. S. do Calhau, construída


em 1438, também da invocação de S. Nicolau, bispo de Mira. Na iconografia
hagiográfica, S. Nicolau é um dos temas mais fecundos, sendo representado com
as insígnias episcopais, ou com três jovens numa tina, por ele salvos. Na pintura
em questão, o Santo aparece com as insígnias episcopais, mas também com a
representação dos três jovens. S. Nicolau é também padroeiro dos marinheiros,
aparecendo muitas vezes representado em composições com uma ancora ou um
navio, como é também o caso desta pintura.
Apesar da sua possível origem ligar-se à igreja de Santa Maria do Calhau,
sabemos que o quadro esteve no Recolhimento das Órfãs do Hospital da
Misericórdia do Funchal, tendo depois transitado para a Sé do Funchal.

ASSUNÇÃO DA VIRGEM-Pintura a óleo sobre madeira de carvalho. De uma


escola flamenga de Antuérpia, depois de 1520. Trata-se de um postigo de um
perdido painel central, provavelmente com a representação da Anunciação. No
verso podemos reconhecer vestígios de pintura, nunca restaurada e em mau
estado de conservação. Esta pintura foi encontrada no Recolhimento do Bom
Jesus da ribeira mas deve provir de um outro local, (Convento de São Francisco
do Funchal?).

DESCIDA DA CRUZ- Tríptico, cujo painel central representa o Descimento da


Cruz. Nos painéis laterais S. Bernardino de Sena e o Doador e Santiago com a
Doadora. Trata-se de uma pintura a óleo sobre madeira de carvalho, atribuída
por Max Friedlander a Gerard David (1450-1523). Presume-se que os doadores
sejam Simão Acciaiuoli e sua mulher D. Maria de Pimentel isto na hipótese do
tríptico ter pertencido ao hoje desaparecido Convento de S. Francisco do Funchal
, ou Jorge Lomelini ou Lomelino e sua mulher Maria Adão se, pelo contrario, o
local de origem for o Convento de N. S. da Piedade em Santa Cruz. Este tríptico
foi encontrado em péssimo estado de conservação na Igreja do Santo da Serra, de
onde não poderá ser originário.

SANTANA E SÃO JOAQUIM- Pintura a óleo sobre madeira de carvalho. De


uma escola de Antuérpia, datável de inícios do século XVI. Por tradição tem-se
vindo a querer ver nas figuras representadas, os retratos de Ladislau III da
Polónia e sua mulher Senhorinha Anes, primitivos sesmeiros da Madalena do
Mar. Obteve a concessão de sesmaria por carta do Infante D. Henrique em 1457.
Segundo a tradição este rei veio para a Madeira após a batalha de Varna em 1444.
Personagem coberta de lenda e mistério ficou conhecido por "Henrique o
alemão", que parece ter vindo para a Madeira em 1454.

O quadro provém da antiga matriz da Madalena do Mar, de onde transitou para


o Paço Episcopal.

Tríptico Painel Central- N. S. da ENCARNAÇÃO, Painéis Laterais- SANTANA,


S. JOAQUIM e a VIRGEM e NATIVIDADE. Reversos, S. SEBASTIÃO S.
ANTÓNIO. Pintura a óleo sobre madeira de carvalho de extraordinárias
dimensões. Pintura flamenga atribuível a uma escola de Antuérpia de fim do
primeiro quartel do século XVI.
Curiosa é a proximidade do desenho e gestos de algumas das figuras, com o
painel do Ecce Homo, de Quentin Metsys, do Mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra, hoje no Museu Machado de Castro.

Este tríptico fazia parte da estrutura retabular do altar-mor do Convento da


Encarnação.

, hoje desaparecido. Do Convento transitou para a Igreja paroquial de São


Martinho, onde para adaptação ao altar-mor, foram serrados os postigos, na
parte inferior.

ANUNCIAÇAO- Óleo sobre madeira de carvalho (250xl93cm). Pintura flamenga


de uma escola de Antuérpia, início o século XVI.

Esta pintura pertenceu à capela de N. S. da Encarnação, fundada por António


Mialheiro em 1522, apesar de concluída mais tarde por seu filho, Gonçalo
Mialheiro.

Esta capela foi incluída no Convento de N. S. da Encarnação.

Está atribuída ao pintor Josse Van Cleve, datável entre os primeiros 15 anos do
século XVI.

TRÍPTICO-SÃO PEDRO, painel central, SÃO PAULO e SANTO ANDRÉ


painéis laterais. Óleo sobre madeira de carvalho. Pintura flamenga de um atelier
de Antuérpia, de início do século XVI, (178cmxl16cmx54cm)

Este triptico pertenceu à pequena capela de São Paulo, fundada, cerca de 1454,
por João Gonçalves Zarco. A sua encomenda deve-se provavelmente a Simão
Gonçalves da Câmara.

O tríptico transitou mais tarde para a Igreja de São Pedro no Funchal onde foi
encontrado. No reverso dos painéis laterais estão em grisalha pintados dos anjos
anunciadores com a inscrição AVE GR(A)CIA PLENA DOMINUS TEC(UM) e
ECCE ANCILLA DOMINI FIAT MICHI SECUNDUM VERBUM TUUM.

Em 1949 este tríptico foi exposto no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa
atribuído a Mathieu Cock.

Nova atribuição foi feita mais recentemente ao denominado mestre das "meias
figuras".

ADORAÇÃO DOS REIS MAGOS- Óleo sobre madeira de


carvalho,248cmx176cm, de uma escola flamenga de Antuérpia.
A pintura provém da Igreja matriz da vila de Machico, onde se encontrava na
Capela dos Reis Magos. Esta capela foi fundada pela filha de Tristão Vaz,
primeiro donatário de Machico, Branca Teixeira.

O carácter monumentalista desta obra, assim como a maioria das pinturas


flamengas conhecidas da Ilha da Madeira, apresentam algumas características
que revelam uma informação maneirista, visível quer na composição das figuras,
quer pelos elementos arquitectónicos representados. Esta corrente maneirista
começa em Antuérpia a acentuar-se por volta dos anos de 1520.

Esta pintura tem sido atribuída ao denominado mestre de 1518 , mas também ao
chamado "maître de la Madeleine".p>

ADORAÇÃO DOS REIS MAGOS, no verso SANTA ISABEL. óleo sobre


madeira de carvalho. Pintura de uma escola flamenga de Antuérpia, atribuído ao
denominado mestre de Morisson, início do século XVI.

Esta pintura parece ser, apesar de diminuído nas suas dimensões o volante de
uma outra pintura que a seguir se descreve. Provem da igreja matriz da vila da
Ribeira Brava.

ADORAÇÃO DOS PASTORES OU NATIVIDADE- Painel central de um


tríptico, do qual o painel anterior era um dos volantes (?).Este óleo sobre madeira
de carvalho apresenta grandes afinidades com a pintura atrás descrita. A parte
superior parece ter sido cortada, para adaptação em altar barroco, onde foi
encontrado aplicado na Igreja matriz da Ribeira Brava.

A VIRGEM E O ANJO DA ANUNÇIAÇÃO, no verso SANTO ANTÓNIO e


SÃO FRANCISCO- Postigos de um desaparecido painel central, que cobria o
altar-mor primitivo da Igreja Matriz da Vila da Calheta, 274cmx88cm. Tratam-se
de pinturas a óleo sobre madeira de carvalho, atribuídas a um atelier de Bruges
de fins do século XV, mas mais recentemente tem sido colados ao atelier de Jan
Provoost(1462-1529).

SANTA MARIA MADALENA- óleo sobre madeira de carvalho, atribuído a Jan


Provoost. Esta pintura provém da igreja matriz da Madalena do Mar, Fazia parte
de um tríptico, encomendado por Isabel Lopes viúva de João Rodrigues,
conforme consta do seu testamento datado de 1524, a colocar no altar-mor da
Igreja.

CALVARIO-Óleo sobre madeira de carvalho. Pintura flamenga de uma escola


de Antuérpia. Este quadro provém do demolido convento de S. Francisco,
fundado em 1473 por Luiz Alvares da Costa e seu filho Francisco Alvares da
Costa.

A organização das figuras, seu posicionamento, gestos e indumentária, revelam-


nos pormenores, que a aproximam de uma escola, que tomara conhecimento com
a pintura italiana cerca de 1525.

N.S. do AMPAR0. Óleo sobre tela de uma escola Flamenga de Antuérpia. A


Pintura encontra-se datada de 1543. Neste trabalho é nítida a informação do
maneirismo italiano, quer pelo leque cromático, quer pela organização e presença
de elementos arquitectónicos.

Esta pintura provém da Capela de N. S. do Amparo da Sé do Funchal. Foi por


várias vezes atribuído a Jan Gossaert, também conhecido por Mabuse .

Para além da pintura flamenga, no Museu de Arte Sacra do Funchal, poderemos


encontrar algumas pinturas que se ligam a algumas escolas portuguesas de
meados do século XVI.

APARIÇÃ0 DE CRIST0 A MADALENA, no verso, CRIST0 N0 TÚMUL0-


Pintura a óleo sobre madeira de carvalho, de uma escola portuguesa do primeiro
quartel do século XVI. Parece, tal como a pintura a seguir descrita, um postigo de
um desaparecido painel central. Provém do Convento de Santa Clara do Funchal.
Apresenta um restauro muito prenunciado, que dificulta uma leitura precisa da
obra.

DESCIDA DA CRUZ, no verso, APARIÇÃO DE CRIST0 A VIRGEM- Tal como


o anterior provém do Convento de Santa Clara do Funchal. Pintura a óleo sobre
madeira de carvalho, de uma escola portuguesa do primeiro quartel do século
XVI.

VIRGEM- Pintura a óleo sobre madeira de carvalho, no que parece ser um


fragmento de uma pintura maior. Pode estabelecer-se alguma relação desta
pintura com a obra do denominado mestre da oficina de Coimbra, também
designado mestre do Sardoal. Provém do convento de Santa Clara do Funchal.

CRISTO (Busto)- Pintura a óleo sobre madeira de carvalho, de pequenas


dimensões, de uma escola portuguesa de finais do século XV, princípios do
século XVI. Provem do Convento de Santa Clara do Funchal.

TRÍPTICO- painel central- DESCIDA DA CRUZ, painéis laterais JOSÉ DE


ARIMATEIA e MARIA MADALENA. Foram encontrados na matriz da Ribeira
Brava, mas provém da antiga Capela, hoje desaparecida, do Bom Jesus, também
na Ribeira Brava. Trata-se de uma pintura a óleo sobre madeira de carvalho, com
nítida informação, no painel central, de parte do descimento da Cruz de Roger
Van der Weyden, no Museu do Prado. Escola Portuguesa (?).

Tríptico Painel Central-SANTA MARIA DEL PÓPULO, Painéis laterais- SANTA


BARBARA E SANTA CATARINA. Pintura a óleo sobre madeira de uma escola
portuguesa de meados do século XVI.

Provém da igreja matriz da Ponta do Sol.

S.JERÓNIMO- Pintura a óleo sobre madeira, de pequenas dimensões, atribuível


a um autor português de fins do século XV, princípios do século XVI. Provém do
antigo e hoje desaparecido convento da Encarnação, no Funchal.

No Museu de Arte Sacra do Funchal, a escultura relacionada com os ateliers


flamengos de fins do século XV e do Século XVI. São em comparação com a
pintura, de muito menor dimensão, apresentando no entanto notáveis
exemplares.

Ofuscada pela pintura, a escultura de origem flamenga, só agora tem sido olhada
com maior atenção. Do conjunto destaque-se:

SÃO ROQUE- Escultura em madeira, estofada e policromada e dourada, cerca


de 160cmx66cm. Trata-se de um exemplar de provável origem flamenga,
atribuível a um atelier próximo a Olivier de Gand (?). Início do século XVI. Foi
encontrada na Igreja de São Roque, devendo provir da antiga capela de São
Roque, no Funchal

VIRGEM- Escultura em madeira, estofada e pintada, cerca de 140cmx53cm.


Provém das colecções do Paço Episcopal, cuja proveniência anterior parece ser o
Convento de São Francisco do Funchal. Exemplar de um atelier flamengo de
inícios do século XVI.

DEPOSIÇÃO NO TUMULO encontrado na Igreja de São Roque, mas


provavelmente do Convento de São Francisco do Funchal .

SÃO SEBASTIÃO- Escultura estofada e policromada em madeira de carvalho,


cerca de 114cmx60cm. Provém da antiga capela de São Sebastião, de onde
transitou para a Matriz de Santa Maria Maior. Encontra-se actualmente em
depósito no Museu da Cidade do Funchal. De um atelier flamengo, Malines (?).

SANTA LUZIA- Escultura de madeira estofada e policromada cerca de


90cmx30cm, da antiga igreja de Santa Luzia no Funchal. Escultura de um atelier
flamengo (Malines) de inícios do século XVI.
NOSSA SENHORA DA ESTRELA- Escultura de madeira de carvalho, estofada
e policromada de um atelier flamengo do início do século XVI. Da antiga e hoje
desaparecida capela de N. S. da Estrela na Calheta, fundada por Diogo Cabral
em 1486

VIRGEM COM O MENINO- Escultura em madeira de carvalho, cerca de


119cmx38cm, de um atelier flamengo, de inícios do século XVI. Trata-se de um
dos exemplares de maior "pureza", em relação aos modelos flamengos de
imaginária. Esta escultura provém da igreja matriz da vila de Machico, segundo
uma tradição foi uma oferta do Rei D. Manuel I.

NOSSA SENHORA DAS DORES- Escultura estofada e polícromada, de


madeira de carvalho, cerca de 121cmx37cm, de um atelier flamengo de Antuérpia
de inícios do século XVI, proveniente da Sé do Funchal.

SÃO JOÃO EVANGELISTA- Escultura de madeira de carvalho, estofada e


policromada, cerca de 100cmx40cm. De um atelier flamengo, próximo a Olivier
de Gand. De um desaparecido conjunto do Calvário da Sé do Funchal.

VIRGEM- Escultura de madeira de carvalho, estofada e policromada, cerca de


100cmx40cm. De um atelier flamengo, próximo a Olivier de Gand. Do
desaparecido conjunto do Calvário da Sé do Funchal , como a peça atrás descrita.
De inicio do século XVI.

DEPOSIÇÃO NO TÚMULO- Nossa Senhora, S.João e Maria Madalena,


esculturas de madeira de carvalho, estofadas e policromadas de um atelier
flamengo de inícios do século XVI. Faziam parte de um conjunto maior da qual,
faltam outras esculturas. Devem ter pertencido à antiga igreja de são Roque, ou
ao Convento de São Francisco do Funchal. Muito curiosa é a proximidade do
talhe destas esculturas com uma Virgem já aqui descrita, da Sé, neste momento
numa colecção particular.

SÃO JOÃO EVANGELISTA- Escultura em madeira de carvalho, cerca


115cmx42cm. de um atelier flamengo de inícios do século XVI. O conjunto
deteriorado provém da Igreja de São João Evangelista no Funchal, mas a sua
origem deve ser o Convento de São Francisco do Funchal.

NOSSA SENHORA- Escultura em madeira de carvalho, cerca de 115cmx40cm,


de um atelier flamengo de inícios do século XVI.

Tal como a peça anterior deve ter feito parte de um desaparecido conjunto do
Calvário do antigo convento de São Francisco do Funchal. Foi também
encontrada na Igreja de São João Evangelista.
CRISTO NA CRUZ- Escultura em madeira de carvalho, com vestígios de
policromia, adquirido recentemente de um atelier flamengo do inicio do século
XVI. Provém do antigo convento de São Francisco do Funchal.

Do espólio de ourivesaria, que aqui particularmente nos interessa, como


resultado da economia açucareira, acontecido na Ilha da Madeira desde meados
do século XV e por boa parte do século XVI, devemos destacar uma série de
peças provindas na maioria dos casos do tesouro da Sé do Funchal, e que se
encontram em exposição no Museu de Arte Sacra do Funchal.

Do espólio de ourivesaria do Museu poderemos destacar:

CRUZ PROCESSIONAL- Prata Dourada e cinzelada, cerca de 119 cmx55cm,


proveniente da Sé do Funchal.

Oferecida por D. Manuel I, aparecem as suas insígnias, só foi entregue no tempo


de D. João III.

Foram entregues ao Cónego Alvares Lopes em Lisboa no dia 6 de Dezembro de


1527, "João de Barros / Mandamovos que entregueis a Álvaro Lopes, Cónego da
Sé da Cidade do Funchal , toda a prata que El-Rei, Nosso Senhor e Padre , que
santa glória haja, mandou fazer para a dita Sé, a qual é em vosso poder, e
cobrareis recibo (...)Manuel da Costa o fez em Lisboa a 20 de Outubro de 1527.

Sabemos que as cerca de 2O peças oferecidas pelo Rei; "vieram todas metidas
numa arca", entre elas "Uma cruz grande, dourada , que de prata pesa 82 marcos,
20 onças e duas oitavas".

Trata-se , de um dos mais resplandecentes exemplares de ourivesaria portuguesa


Manuelina, pelos efeitos decorativos, enquanto maquetismo de uma estrutura
arquitectónica. O nó e de grande riqueza decorativa. A cruz apresenta as suas
extremidades quadrilobadas onde se abrem motivos como "Jesus no Jardim das
Oliveiras", o "Beijo de Judas", "Flagelação" e o "Ecce Homo".

Repare-se na proximidade do Cristo, representado no cruzamento dos braços da


Cruz com o Cristo do Porta Paz do Museu de Arte Antiga.

MAÇA DE PORTEIRO- Prata portuguesa de cerca de 1520-30, 91cmxlO5cm.


Provém da Sé Catedral, e encontra-se descrita no recibo do Cónego Álvaro
Lopes, datado de 6 de Dezembro 1527

NOSSA SENHORA- Escultura em prata dourada, cerca de 30cmxl3cm


provavelmente oferecida por D. Manuel à Sé do Funchal, ourivesaria portuguesa,
cerca de 1520-25.
PORTA PAZ- Prata dourada, 20cmx11cm, ourivesaria portuguesa cerca de 1520-
25, aparece na relação de 1525:" Um porta puz dourado e lavrado de bastiães,
que tem cinco jacintos grandes, que pesou 3 marcos e 1 onça".

CÁLICE- Prata dourada e cinzelada, cerca de 1500, 27cmx12, e que deve ser um
dos cálices referidos na relação de 1527, depois referido nos inventários de 1533 e
posteriores:"Um cálice de prata todo dourado, com sua paterna e campainhas,
esmaltado em partes de azul, o qual veio de S. João de Latrão, que pesa 4 marcos
menos três oitavas". No cálice aparecem cravadas ametistas, esmaltes e cristais.

LAMPADÁRIO- Prata portuguesa do último quartel do século XVI. Cerca de


57cmx235cm. Provém da Sé do Funchal.

NAVETA- Prata portuguesa da segunda metade do século XVI. Cerca de


16,5cmx21cm. Provém da antiga Misericórdia do Funchal.

BANDEJA- Ourivesaria flamenga, punção de Antuérpia, primeira metade do


século XVI. Temos conhecimento. idem, "Um gomil dourado,da mesma obra" da
existência de um desaparecido gomil com a mesma proveniência. Cerca de 52cm
de diâmetro. Provém da Sé do Funchal.

CÁLICE- Prata portuguesa da segunda metade do século XVI.

Cerca de 21cmxl5cm. Provém da antiga Misericórdia do Funchal.

NAVETA- Prata Portuguesa datada de 1589. Cerca de 15cmx20, 5cm. Provém da


antiga igreja da vila de Câmara de Lobos.

CÁLICE- Trabalho flamengo em prata dourada,17cmx15cm, início do século


XVI. Apresenta punção de Antuérpia. Provém da igreja matriz de Machico, cerca
de 17cmxl5. Conhecemos documento, que afirma a existência de um Cálice vindo
da Flandres, para a Sé do Funchal, em inventario de 1533; "Um cálice de prata
com sua paterna, todo dourado fora feito na Flandres, que está em poder do
senhor Bispo, que com ele diz missa".

CÁLICE- Prata dourada, trabalho português, datado de 1580. cerca de


29cmxl5cm. Provém da Igreja do Corpo Santo.

CRUZ PROCESSIONAL- Prata portuguesa de finais do século XV, cerca de


1490-1495. 0 nó, muito próximo à cruz processional da igreja de São Miguel do
Castelo em Guimarães. Idem. A cruz é rematada por flores-de-lis, apresentando
um delicado lavrado. Da antiga igreja matriz de Gaula.
A Quinta das Cruzes e a "Quinta das Cruzes Museu".

A Quinta das Cruzes liga-se historia da Cidade do Funchal.

A primitiva Quinta das Cruzes foi constru da numa propriedade e para servir
de resid ncia de Jo o Gon alves Zarco, capit o donat rio entre 1425-1467 (?) e
sua fam lia.

A constru o da moradia dos C maras nesta zona alta da baia do Funchal,


justifica-se por serem eles propriet rios de grandes terrenos, que se estendiam
desde S o Paulo at ao Pico.

Uma casa de moradia modesta, come ada a edificar por Jo o Gon alves Zarco
foi posteriormente ampliada e muito engrandecida por seu filho, que parece ter
aproveitado os mestres que trabalhavam na transforma o da antiga igreja da
Concei o de Cima em Convento de Santa Clara, para a realiza o das obras
da sua moradia principal.

Gaspar Fructuoso, refere-se exist ncia de "pa os grandes e sumptuosos", na


zona das cruzes, ao falar das casas de Zarco.

A Casa das Cruzes, pela sua longa exist ncia foi sofrendo numerosas
altera es, na adapta o constante dos seus espa os a utiliza es e viv ncias
renov veis.

Harmonizada, como "Quinta madeirense", constituindo-se na sua unidade mais


ampla, casa, espa os ajardinados, "casinha de prazer", capela, hoje um dos
exemplares sobreviventes da Madeira oitocentista.

No corpo principal da casa, podem ainda hoje ser observadas, duas janelas,
antigas portadas, de n tida inspira o manuelina, pela presen a de arcos
contracurvados em cantaria bas ltica da Ilha.

Transformada na d cada de 50 deste s culo em Museu da Quinta das Cruzes,


tem pouco a pouco procurado harmonizar-se volta do conceito, "Quinta das
Cruzes Museu", na tentativa de estabelecer-se como mem ria da viv ncia
insular dos s culos XVIII - XIX.

Marcada por objectos de artes decorativas europeias, sobretudo inglesas, dos


s culos XVIII e XIX, nas suas colec es constitu das ao longo de d cadas por
v rias doa es importantes, apresenta alguns n cleos que particularmente nos
interessam.
Num n cleo exterior, denominado "jardim arqueol gico", encontramos a j
referida pedra tumular de Gil Enes, pedreiro mestre da S , transportada da
antiga capela de N. S da Concei o da Serra de gua, Arco da Calheta.

Montadas como "situa es rom nticas", com not vel envolvente cenogr fica,
encontramos nos jardins duas janelas de cantaria bas ltica, que nos recordam a
cidade dos mercadores de a car. Tratam-se de dois conjuntos, que
pertenceram a uma destru da casa da Rua da Boa Viagem . Um dos casos
apresenta uma composi o geminada com uma profusa decora o de la arias,
colunelos aspiralados, elementos fitom rficos, assim como adossamentos de
le es e figuras. 0 outro caso, com decora o mais s bria, tamb m de
defini o manuelina, apresenta uma composi o esquartelada, onde se devem
destacar elementos figurativos que correm num parapeito historiado.

Das colec es do Museu, para al m de algumas pe as de ourivesaria,destaque-


se um magn fico Porta Paz quinhentista, com a inscri o "JORDAN DE
FREITAS A DEU" proveniente da Matriz de Santa Cruz , e ainda um fruteiro de
prata portuguesa do s culo XVI. Pode ainda referir-se alguma estatu ria como
uma Virgem com o Menino provavelmente alem do s culo XVI, assim como o
conjunto escult rico do Nascimento, de proveni ncia flamenga de in cios do
s culo XVI .

No entanto e do conjunto das colec es da Quinta das Cruzes Museu, na


caracteriza o dos resultados da economia acucareira, um conjunto de
mobili rio denominado "caixas de a ucares parece-nos de especial interesse,
para o estabelecimento de um percurso que tenha por fundo a Madeira dos
mercadores do A car.

Com a produ o e consequente exporta o do a car, houve logo


necessidade de resolver o problema dos meios mais seguros para o transporte de
t o preciosa mercadoria.

A maior parte do a car era exportado sob a forma de cones cristalizados, os


paes de a car. "El rei D. Manuel (...) ao elevar a vila do Funchal a cidade , em
21 de Agosto de 1508, lhe deu por armas em vez das quinas de Portugal, cinco
paes de a car, dispostos em cruz".

Par o transporte de t o delicada mercadoria, a solu o passava pela


constru o de caixas de madeira resistente, de entre as v rias esp cies em
presen a na ilha.

"lenhas que foram necesareos pera fazimento e encayxotamento dos ditos


a ucares".
Gaspar Fructuoso ao referir-se ao funcionamento das serras de gua diz:"Quan
vir esta obra julgar por mui grande e necessaria inven o a serra de gua
naquela ilha, onde n o era poss vel serrarem-se tao grandes paus, como nela
ha, com serra de bra os nem tanta soma de tavoado, como se faz para caixas de
a car que se fazem muitas". Afirma-nos ainda: "grande e elevantadas serranias,
mas tamb m grotas e altas funduras, cobertas de matos e grossos paus e
arvoredo de til que quando serram, dentro no cerne muito preto e cheira mal;
deste pau se faz muito tabuado para caixas de a car e soalhado de casas e
madres e dela a maior parte da lenha que se queima nos engenhos, tamb m
h outro pau vermelho, que se chama vinhatico de que se fazem as caixas para o
servi o da casa que s o muito boas, mas as feitas dela para o mar sao muito
mais presadas".

A necessidade de constantes abates de rvores para alimentar as fornalhas para


o fabrico do a car, assim como para o seu embalamento, para al m da sua
aplica o nas constru es, levou, j mesmo a partir de meados do s culo XVI
a uma escassez muito acentuada de madeira, para al m do problema de
sistem tica e aflitiva desfloresta o da Ilha.

Na capitania do Funchal o problema estava a agudizar-se, assim, conhecem-se


pedidos para que Machico forne a madeira ao Funchal: "E pessoas de jurdi am
de machico da nosa ilha da madeyra que leyxes vijr pera funchall da dita ilha
taboado e madeira pera se fazer cayxas e engenhos asy como se sexpre fez sem
nyso poerdes duvyda algua". Estas recomenda es de D.Manuel I, tornam-se
mesmo preocupa es pelas continuas e cada vez mais gravosas dificuldades :
"daqui emdiante nenhu estramgeyro nem naturall nom possa tirar da dita Ilha
nenhum tavoado nem madeyra de nenhuma sorte resalvamdo pera esta cidade
pera onde se poderam tirar somente algumas feytas de cedro ou tavoas pera as
fazerem".

A maior parte das caixas onde eram transportados os a ucares eram feitas de til,
vinh tico e cedro. Qualquer destas caixas, pela consist ncia das madeiras e pelo
processo de juntas malhetadas, eram a forma mais segura para o transporte,
muitas vezes sujeito a intemp ries de varia ordem. N o se conhecem na ilha da
Madeira nenhum exemplar destas caixas do s culo XV ou mesmo XVI. No
entanto deve aceitar-se a perman ncia de processos ao longo dos s culos,
quando nos confrontamos com arm rios de dois corpos e portadas assim como
numerosas arcas que sobreviveram desde o s culo XVII. Utilizando os mesmos
processos de malhetes e as mesmas madeiras utilizadas nos caixotes de a car,
acondicionando-se aos modus do mobili rio portugu s coevo, sobreviveram
mov is, que na Madeira sempre se chamaram "caixas de a car", pelo exotismo
das madeiras aplicadas. Se no s culo XVI, constru mos caixas para embalar o
nosso a car, com o s culo XVII, ap s enorme press o da produ o de Cabo
Verde, mas sobretudo do Brasil. vamos passar a importar a car e madeiras
ex ticas algumas que conhec amos como o vinhatico, mas outras
desconhecidas, s quais se generalizava, classificando todas de madeira de
"caixa de a car". Dessas madeiras, desmembradas que eram as caixas, se
constru ram m veis, sobretudo arcas, ou arm rios de duas portadas quer a
partir de tabuado brasileiro, quer com certeza do insular. Muitos dos exemplares
conhecidos apresentavam prateleiras dispostas no interior, com rebordos
trabalhados, sendo tamb m comum a sua pintura total por uma cor uniforme.
Muito curiosa a resist ncia no tempo deste tipo de mobili rio, que conhecido
no s culo XVI, tem grande desenvolvimento no s culo XVII, mantendo-se
inalter vel durante o s culo XVIII e por boa parte do s culo XIX. Para al m
dos exemplares produzidos na ilha com madeiras ind genas, a importa o de
tabuado brasileiro fez de facto incrementar a produ o. Desde finais do s culo
XVI, mas sobretudo no s culo XVII, procedemos tamb m ao reembalamento
para a Europa do a car Brasileiro, que chegava muitas vezes em mau estado,
em caixas semiabertas que eram reaproveitadas. Entre essas madeiras brasileiras
encontradas nesses mov is como os do Museu da Quinta das Cruzes , que
possui uma not vel colec o, destaque-se o "mogno brasileiro", mas tamb m a
a Sucupira e o Barbusano.

A ind stria do embalamento, reembalamento e calafetagem do a car deve ao


longo do s culo XVI e XVII ter sido de grande import ncia. Na planta da
Cidade de Mateus Fernandes, aparece-nos uma refer ncia Rua dos Caixeiros.

No Museu da Quinta das Cruzes, entre v rios exemplares, deve destacar-se um


Arm rio de duas portas, proveniente do Convento de Santa Clara do Funchal.
Trata-se de um exemplar em "mogno brasileiro", com ferragens coevas,
rematadas por flores-de-lis. Um outro exemplar particularmente not vel
prov m do hoje desaparecido convento das Mer es, sendo um Arm rio de
quatro portas, apresentando um almofadado disposto em quadrado,
perfeitamente relacion vel com o tipo de decora o depurada do mobili rio
portugu s do s culo XVII. Este exemplar foi constru do, tendo por base
madeiras de varias esp cies.
MONUMENTOS

O CONVENTO DE SANTA CLARA DO FUNCHAL

O Convento de Santa Clara, liga-se estreitamente fam lia dos donat rios do
Funchal.

Perto das suas "moradias" , Zarco fundou: "hua Igreja da invoca o de nossa
Senhora da Concei o pera seu iaziguo". A esta igreja se deu tamb m o nome
de "Santa Maria de Cima" para n o a confundir com a igreja de "Santa Maria de
Baixo" ou do Calhau, constru da nas proximidades da foz da ribeira de Jo o
Gomes. Jo o Gon alves Zarco Parece ter morrido pelo ano de 1471, e foi
sepultado na sua igreja de Santa Maria de Cima, nas proximidades da sua casa, o
actual Museu da Quinta das Cruzes.

Pouco depois da morte de Zarco, o novo capit o, Jo o Gon alves da C mara,


seu filho, pretendeu fundar um mosteiro de clarissas. Tal pretens o foi
conseguida, por bula de Sisto IV, passada a 4 de Maio de 1476.

A 17 de Julho de 1488, D. Manuel em carta enviada C mara do Funchal


informa ter "avido letra do Santo padre pera na igreja De santa maria de cima Se
aveer De fazer hum moesteyro De freyras".

0 capit o Jo o Gon alves da C mara, pretendia edificar um mosteiro, junto


capela mandada construir por seu pai e que servia de jazigo da fam lia.

Sob um estrado que cobre a capela-mor da igreja do Convento que correspondia


capela de Santa Maria de Cima, encontram-se lajes tumulares. entre elas, as do
fundador do convento, Joao Gon alves da C mara, as de Sim o Gon alves da
C mara 3 capit o e de um outro, Sim o o 5 capit o Donat rio do Funchal.

As lajes tumulares apresentam cercaduras de lat o muito pr ximas as


importadas da Flandres, hoje ainda vis veis na S do Funchal e matriz da vila
de Santa Cruz.

Jo o Gon alves da C mara entrega sua filha D.Isabel de Noronha a direc o


do novo mosteiro. D. Isabel professava no Convento da Concei o de Beja, de
onde veio, na companhia de duas das suas irm s, D. Elvira e D. Constan a.

D. Manuel autorizou que o Mosteiro tivesse uma renda anual at 200.000 reis.
Esta autoriza o permitiu, a acumula o de propriedades, na qual se destaca o
Curral das Freiras. Da primitiva poca da constru o, iniciada na ltima
d cada do s culo XV. podem hoje ainda ser observados o corpo da igreja, com
os seus remates junto aos coros, assim como o t mulo de Martim Mendes de
Vasconcelos, genro de Zarco, falecido em 1493. 0 T mulo apresenta um nicho
aberto na parede, em cantaria cinzenta da ilha. Comp e-se de um jazigo
sustentado por tr s le es jacentes, abrigado por um portal em ogiva. No
intradorso da arquivolta do arco e nos capit is desenvolve-se uma decora o
fitom rfica.

A porta principal da igreja, composta em arco g tico, aberta no al ado norte


da nave, e devera ter sido trazida para a ilha, por ser de uma pedra aqui
inexistente.

Na Sacristia da igreja pode observar-se um tecto mudejar de modesto talhe.

De fins do s culo XV e princ pios do s culo XVI, s o ainda alguns conjuntos


j alterados de arquitectura, onde se poder destacar alguns portais em ogiva,
assim como as arcarias toscas do claustro.

No coro alto do convento, sobre o corpo da igreja, deve referir-se um tecto de


alguma simplicidade, de inspira o mudejar, com a presen a de tirantes em
madeira de cedro onde se desenvolvem la arias geom tricas. Quer neste coro
alto quer no coro baixo, pode observar-se uma not vel cobertura do pavimento
com azulejos de produ o sevilhana de finais do s culo XV, princ pios do
s culo XVI. S o exemplares nicos em Portugal, pela sua monocromia, em
t cnica de aresta ou "cuenca", uns pr ximos a uma tradi o geometrizante,
outros de entendimento fitomorfico. Podemos estabelecer uma curiosa rela o
entre a presen a profusa de azulejaria hispano-mourisca no Convento de Santa
Clara, com o facto de a primeira abadessa D. Isabel, tal como as suas irm s,
Elvira e Constan a, terem professado no Convento da Concei o em Beja, onde
os azulejos sevilhanos foram muito aplicados

. Alguns exemplares soltos podem ser encontrados, monocromos e policromos


por varias depend ncias do conventos muitas vezes junto de exemplares de
"tapete" portugueses, do s culo XVII. em que o Convento particularmente
rico.

Por numerosas altera es ao longo dos s culos XVII, XVIII, e por depreda es
no s culo XIX e XX. muita da estatu ria primitiva e pintura desapareceu. De
especial destaque, pode referir-se, duas pequenas t buas flamengas (90x48cm) ,
colocadas provisoriamente no coro alto, representando Santo Antonio e o Anjo
da Anuncia o, assim como uma magn fica Pieta, em terracota de origem
portuguesa de meados do s culo XVI. Na Casa-Museu Dr. Frederico de Freitas.
podemos encontrar um S o Jeronimo tamb m em terracota, proveniente do
Convento e dat vel do s culo XVI. De destaque especial uma pintura primitiva
portuguesa, "Ecce Homo", com a rara legenda completa, de in cios do s culo
XVI.
Alfandega

A "Alfândega nova", hoje sede da Assembleia Legislativa regional foi mandada


construir por D. Manuel I , por volta de 1508. Tornava-se um edifício essencial à
economia real pela necessidade de cobrar tributos pela comercialização do
açúcar. Da "alfândega nova", que veio substituir a velha que funcionou em vários
locais da cidade, entre eles num edifício localizado junto ao largo do pelourinho,
nas proximidades da rua Direita, instalada por volta de 1477.

Da "alfândega nova" restam ainda hoje a maioria dos seus elementos


arquitectónicos, incluídos num conjunto maior, harmonizado por obras
marcantes do século XVII e XVIII.

A obra deve com certeza ter tido como seu máximo responsável Pero Anes, autor
dos planos da Sé.

Da época primitiva destaque para o conjunto de arcarias da "sala do despacho",


onde se desenvolve nos mísulas uma decoração de folhagens e figuras recorte do
gótico final português.

Próximos aos da Sé, são os tectos de três salas, no primeiro andar do edifício,
pela profusão de elementos decorativos geométricos. Tratam-se de três
exemplares de tectos de alfarge, em madeira de cedro pintados, de nítido recorte
mudejar. De todos eles o de maior riqueza é o da "Sala dos Contos".
Santa Cruz

Ap s a defini o de um percurso de reconhecimento das repercuss es


art sticas e culturais pelo Funchal, tomando por apontamentos algumas das
situa es mais importantes na reinven o de um roteiro da arte na Rota do
Ouro Branco, procuraremos lan ar pistas para uma marca o de situa es
semelhantes pela costa sul da ilha da Madeira.

Num percurso estabelecido do FUNCHAL PARA LESTE, entrados na Capitania


de Machico, s o estes alguns dos reconhecimentos a fazer. "Meya l goa adiante
esta huma aldeya de duzentos fogos que se chama de Cani o. Ao mar deste
logar est a ponta da Oliveira, onde se plantou huma, por baliza de reparti o
das duas capitanias ".

A par quia do CANI O, criada em 1440, v m a ser uma das zonas de maior
produ o agr cola da Madeira, onde existiam extensos canaviais.

No Cani o poderemos hoje ainda encontrar a CAPELA da MADRE DE DEUS,


tamb m conhecida por Capela da M e de Deus.

Trata-se de uma, das poucas capelas existentes na Ilha da Madeira, onde


permanecem, quase intactos, elementos de grande homogenidade do per odo
Manuelino.

A Capela foi fundada, em 1536 por disposi o testament ria, de Isabel Alvares.

Documenta o curiosa refere-se necessidade do abaixamento dos


rendimentos da propriedade, pela queda dos pre os do a car, dificultando a
manuten o das despesas com as obras da Capela.

A Capela da Madre de Deus no Cani o, pode relacionar-se com a maioria das


constru es religiosas acontecidas na Madeira, entre a ultima d cada do s culo
XV e a primeira metade do s culo XVI. A Capela mant m presa a uma
organiza o arquitect nica t pica do g tico final portugu s, na qual se
envolvem com maior ou menor nitidez a presen a de elementos de um
plasticismo pr ximo chamada arte manuelina.

Em 1546, as obras deveriam estar j praticamente conclu das faltando apenas o


lajeamento e a encomenda do ret bulo.

A Capela apresenta na sua fachada um portal em volta perfeita, com a presen a


de duplos colunelos, cujos capit is evidenciam uma tem tica vegetalista. Este
portal, segundo informa o recolhida transitou de uma parede exterior lateral,
estando o original desaparecido.
Na fachada reconhece-se uma ros cea simples e a junta das empenas
rematada por uma cruz de Cristo.

A nave nica recorta-se, at ao arco de asa de cesto que provid ncia a


separa o do corpo da igreja com a capela-mor, de sec o quadrangular
rematada exteriormente por ameias e g rgulas. 0 interior abobadado por uma
cruzaria de ogiva em cuja chave se desenvolve uma motiva o em pingente de
tem tica vegetalista. 0s arcos da abobada encontram-se assentes sobre m sulas.

Um portal em ogiva acentuada, d acesso sacristia rematado por uma pinha


ou ma aroca envolta em folhagens.

De grande interesse a estrutura retabular, que apesar de algumas altera es,


remate superior, zona central, e repintes sucessivos, parece ser a original. 0
emolduramento das quadro t buas pintadas, desenvolve uma tem tica de
filtragem plateresca e influ ncia de linguagens decorativas internacionalizadas
pelo renascimento italiano, pela conjuga o de fitas e grinaldas, folhagens e
pequenas urnas.

No centro da composi o, destaca-se uma Virgem com o Menino, de um atelier


portugu s de meados do s culo XVI, reconhec vel, apesar dos sucessivos
repintes a que a escultura foi sujeita.

0s quatro pain is de pintura a leo sobre madeira, n o passaram


desapercebidos a Manuel C. de Almeida Cayola Zagallo, que os atribuiu uma
escola portuguesa do s culo XVI.

Encontram-se representados, S o Tiago Maior, S o Jo o Baptista, Santa


Catarina de Alexandria e Santo Ant nio.

Por informa o j adiantada, em 1546, faltava ainda a coloca o do ret bulo,


que deve ter-se concretizado pouco depois, possivelmente na d cada de 1550.

Apresentam-se como pinturas de um atelier portugu s, provavelmente da


d cada de 40 do s culo XVI, de not vel qualidade, ainda pr ximas
informa o da pintura flamenga.

Depois da Madre de Deus um outro edif cio de interesse insofism vel para o
reconhecimento de uma rota , a igreja Matriz de SANTA CRUZ.

A Igreja de S o Salvador, foi fundada por Jo o de Freitas, pelo que teve merc
da Capela-mor para seu jazigo, provis o passada por D. Joso III, em 29.11.1533.
Esta igreja veio substituir uma pequena constru o, mais antiga, junto ao s tio
de S. Fernando. A ela se refere a bula datada de 17 de Abril de 1507, de J lio II, e
enviada confraria do Senhor Jesus: "Segundo o que no outro dia nos fizeste
saber, no come o desse vosso lugar de Santa Cruz, os edificadores dele, olhando
a pouca gente que ent o ai estava, fizeram uma igreja no mesmo lugar com a
invoca o de Santa Cruz."

A Confraria de Jesus parece ter tido um papel de enorme import ncia para a
persecu o das obras da Matriz aberta ao p blico em 1509.

Henrique Henriques de Noronha afirma-nos: "A Igreja Matriz de Santa Cruz, foi
fundada por el-rei D. Manuel a dilig ncia de Joao de Freitas, fidalgo da sua casa
e creado do Duque D. Diogo, irm o do Rei, e que falecendo o Duque de morte
violenta, passou Jo o de Freitas a viver em Santa Cruz, com seu pai Gon alo de
Freitas, monteiro-mor do Infante D. Fernando e creado da Casa de el-rei D.
Afonso V"

A vila de Santa Cruz nasce "junto a um bosque umbroso", como nos diz Manuel
Tom s, autor da Insulana. Gaspar Fructuoso por seu lado afirma-nos: "entraram
em uma formosa angra , na praya da qual acharam um formoso e deleitoso vale
coberto de arvoredo, onde acharam em terra uns cepos velhos derribados do
tempo, dos quais mandou o capit o fazer uma cruz (...) que depois se fundou
uma nobre vila".

Santa Cruz vai pouco a pouco, sobretudo ao longo da primeira metade do s culo
XVI, desenvolver-se enormemente at pelo crescimento no local de canaviais e
de v rios engenhos de a car.

A igreja matriz de Santa Cruz, que hoje conhecemos aparece-nos como um


exemplar composto por campanhas de obras do s culo XV, XVI, XVII, e XVIII.

Apresenta-se, de uma forma muito pr xima, no que respeita sua estrutura


arquitect nica S do Funchal.

A primeira refer ncia escrita, a uma Igreja em Santa Cruz, consta do primeiro
testamento de Gil Eanes feito a 10-6-1479: " Hordemamos e justituimos hua
capella como morgado a qual fosse da evoca am de jhesu setuada na Igreja de
santa cruz (...)"

A partir de 1507, a igreja de Santa Cruz come ou a ser chamada de Igreja Velha,
pelo facto da Igreja Nova do Salvador estar i aberta ao culto, sendo a que hoje
conhecemos por Igreja Matriz.
A igreja velha, ou capela de Jesus, continuou por algum temdo a servir para
sepulcro e como sede da confraria de Jesus.

A constru o da igreja nova ou de S o Salvador deve ter decorrido entre os


anos de 1502-1512, estando a capela-mor pronta em 1511.

Organiza-se interiormente a partir de tr s naves separadas por arcarias g ticas,


na qual a cobertura deve ter sido feita com um tecto de alvenaria de alfarge,
pr ximo ao da S do Funchal ou na linha do da matriz da Calheta.

Foi terminado por volta de 1516, o t mulo de Micer Jo o, natural de G nova,


mercador, morador na Ribeira de Santa Cruz, mandado construir por testamento
datado de 1512. Este t mulo, aberto em nicho na parede do lado do evangelho,
ainda persiste, onde se reconhece uma linguagem compositiva e decorativa
nitidamente manuelina.

Este t mulo inscreve-se junto Capela de S o Tiago, edificada cerca de 1522,


por Jo o de Morais e sua mulher Catarina Fernandes Tavares: "mandou
construir parte do evangelho da Igreja de S o Salvador". Montado na chave
dos arcos encontram-se as armas dos Morais. Esta capela foi depois transformada
em Capela do Santissimo.

A Capela-mor apresenta uma abobada artesoada, cujos arcos partem em sec o


elicoidal, assentando sobre misulas, onde se evid ncia uma decora o de
"ramos podados".

A Capela-mor da Igreja de S o Salvador foi mandada edificar custa da


fazenda Real, por alvar de D. Manuel de 25.1.1502, que dela fez merc a Jo o
de Freitas para sua sepultura e de sua mulher Guiomar de Lordelo. Jo o de
Freitas faleceu em 1544.

Ainda hoje persiste esta laje tumular que apresenta ao centro as armas dos
Freitas, e uma legenda laminada de cobre, sobre pedra de Tournai. de origem
flamenga, do s culo XVI.

A Matriz de Santa Cruz, possuia uma estrutura retabular hoje desaparecida,


podendo no entanto ser reconhecidas algumas pinturas montadas em
emolduramentos do s culo XVIII e XIX, nas paredes laterais da Capela-mor, de
uma oficina portuguesa do segundo quartel do s culo XVI. Pode sobre reserva
encontrar-se alguma rela o com a obra de Greg rio Lopes (?). Restam-nos seis
t buas representando a Anuncia o, o Nascimento de Cristo, a Adora o dos
Reis Magos, a Crucifica o, Descida da Cruz e Ressurrei o.
De particular interesse ainda o portal, geminado de acesso sacristia,
redescoberto este s culo, de n tido recorte manuelino, decorado no intradorso
das colunas por esferas.

Sobrevivem ainda numa pequena arrecada o de velas, que deveria fazer parte
da antiga capela das Almas, uma cobertura pavimentar de azulejos sevilhanos de
t cnica de aresta ou "cuenca" de in cios do s culo XVI.

Poderemos reconhecer no esp lio de ourivesaria da igreja, algumas pe as de


interesse, dat veis do s culo XVI.

Desde j lembre-se que o Porta-Paz do Museu da Quinta das Cruzes, provem


exactamente da Matriz de Santa Cruz .

Na igreja podem ainda ser reconhecidas algumas pe as de grande interesse


como o c lice de prata dourada, composto por uma base tratada a dois n veis
com motiva o renascentista, pela presen a de volutas e grinaldas. A haste
hexagonal inicia-se por seis cabe as de grifos, apresentando no n seis nichos
vazios, com doss is em forma de concha, rematados por volutas e urnas
estilizadas. A copa, com movimento de bordo a tender ligeiramente para o sino
invertido, composto por duas partes. Uma com cabe as de anjos alados e fitas
em grinalda de onde estao suspensos tr s dos seis tintin bulos originais, a outra
completamente lisa. Deve tratar-se de um trabalho portugu s.

Para al m do C lice, na igreja de Santa Cruz, poderemos reconhecer, um


lampad rio, duas cruzes processionais e dois casti ais, dat veis do ltimo
quartel do s culo XVI de uma oficina portuguesa. Sob o altar-mor foi h pouco
descoberto uma ltima ceia, escultura estofada, pintada e policromada, de um
atelier portugu s do fim do s culo XVI pr xima s encontradas em Machico e
na igreja Matriz da Vila da Calheta.
Machico

Parece que os Descobridores aportaram primeiro em Machico, antes de outro


qualquer local da ilha da Madeira. Machico ser sede da Capitania de Trist o
Vaz, e um dos primeiros pontos de povoamento. As primeiras terras de sesmaria
parecem ter sido distribu das por volta de 1425.

Em 1440 o Infante D. Henrique faz uma carta de doa o, concedendo a Trist o


Vaz, regalias e poderes. monop lios e isen es, transmiss veis por linha
masculina Caballeyro de minha casa na minha ilha da Madeyra".

A capitania de Machico estendia-se desde a Ponta da Oliveira at Ponta de


S o Louren o e desta at Ponta do Trist o.

Machico, apesar dos problemas da capitania, pode desenvolver-se e tornar-se um


dos mais importantes centros de produ o a ucareira, pela presen a j
observada de numerosos canaviais assim como de engenhos.

Como resultado desse esfor o, podem ainda hoje serem observadas


constru es que nos reportam ao s culo XV e XVI, sobretudo constru dos
como resultado dessa economia acucareira.

Na malha arquitect nica da vila podem ser encontradas constru es, que
apesar de altera es ao longo dos s culos, mant m elementos manuelinos. S o
v rios os exemplares de portais em ogiva simples assim como a presen a de
arcos contra-curvados.

Das constru es mais relevantes, pode destacar-se a igreja matriz de Machico.

V rias t m sido as aproxima es para a identifica o de uma data para a


constru o da matriz de Machico da invoca o de Nossa Senhora da
Concei o. Foi posta a possibilidade de se ter iniciado por volta de 1499.

A sua estrutura arquitect nica organiza-se de forma de quase todas as


matrizes das vilas da costa sul da ilha da Madeira. Apresenta uma nave nica,
na qual se recortam capelas. A presen a perlongada de Pero Anes,autor dos
planos da S ,parece indicar a direc o de uma s rie de campanhas de obras.

Na fachada pode destacar-se um portal em ogiva e uma ros cea de talhe


manuelino. Abre-se lateralmente na parede sul, um portal de dupla arcaria
g tica, onde se apresentam colunas de m rmore branco, de n tida informa o
mud jar pr ximos aos colunelos das janelas do antigo solar de D. M cia no
Funchal e as colunas existentes no alpendre da igreja do Loreto na Calheta,
provavelmente de origem sevilhana.
0 corpo da igreja tem uma cobertura de madeira, cujo original desaparecido,
como na Matriz de Santa Cruz, deveria ser de alfarge. Este tipo de coberturas
pode ser visto na Matriz da Vila da Calheta, Capela do Loreto, Coro alto da Igreja
do Convento de Santa Clara.

Do seu esp lio deve destacar-se, para al m da Virgem com o Menino, flamenga
do s culo XVI, um c lice com pun o de Antu rpia, de cerca de 1530, e a
magn fica pintura da Adora o dos Reis Magos, oferecida segundo consta por
Branca Teixeira a filha de Trist o Vaz, Capela dos Reis Magos de Machico,
hoje transformada em capela do Sant ssimo. A Capela dos Reis Magos apresenta
uma estrutura abobadada assim como capela de S o Jo o Baptista, Capela
Tumular dos Capit es Donat rios, decorada no intradorso das arquivoltas dos
arcos uma decora o fitoformica, compondo-se como um arco flamejante,
rematada pelo bras o de armas dos Teixeiras.

No Corpo da Igreja abre-se tamb m a Capela do Esp rito Santo. fundada por
Sebasti o de Morais, ostentando no topo do arco em asa de cesto do portal as
suas armas.

Apresenta uma abobada em ogiva assente sobre misulas. Nesta Capela foi
depositado um S o Sebasti o de madeira estofada e policromada de origem
portuguesa de meados do s culo XVI.

A Capela-mor abre-se por um arco de volta perfeita, estando o altar-mor


ocupado por uma estrutura retabular de n tida inspira o maneirista, onde se
abrem nichos com esculturas policromadas.

Depositada na sacristia pode referir-se a presen a de um apostolado em madeira


pintada e policromada, onde se apresenta a meios corpos uma ltima Ceia do
Senhor, de talhe portugu s do fim do s culo XVI, princ pios do s culo XVII,
pr xima encontrada recentemente, nas matrizes de Santa Cruz, e da Calheta.
Do esp lio de ourivesaria deve destacar-se, para al m do C lice j referido, um
outro em prata dourada, portuguesa de in cios do s culo XVI, assim como uma
cruz processional, um lampad rio, e seis magn ficas varas de p lio, todas
atribu veis a um ourives portugu s do ltimo quartel do s culo XVI, pr ximas
s obras de Marcos Agostinho, do denominado "tesouro da Ribeira Brava".

Em Machico, deve ainda destacar-se a primitiva CAPELA DE CRISTO, ou


CAPELA DOS MILAGRES, pequena constru o muito adulterada, mas a onde
se liga a lenda Machim e Ana D'Arfet . Nesta capela, cuja origem se deve situar
na primeira metade do s culo XV, poderemos ainda hoje encontrar um cristo na
Cruz de n tida inspira o flamenga. A esta capela liga-se tamb m o
aparecimento da antiga Miseric rdia, que anterior a 1520. Muito adulterada,
pelos constantes aluvi es que a foram destruindo ao longo dos s culos,
mant m ainda o seu portal em ogiva.
Ribeira Brava

"Est a Ribeira Brava. que por extremo tem nome; e uma aldeia que ter
trezentos fogos. com uma igreja de Sao Bento e bom porto de Calhau mi do (...)
A Ribeira t o furiosa quando enche que algumas vezes leva muitas casa e faz
muito dano, por vir de grandes montes e altas serras e por ser desta maneira Ihe
vieram a chamar Brava" .

A Ribeira Brava uma das mais antigas freguesias da ilha da Madeira criada em
1440, tendo sido desde cedo povoada. Tornou-se um dos principais centros de
produ o a ucareira.

Por volta do fim da primeira metade do s culo XV, foi criada uma pequena
ermida. Transformou-se em curato apenas em 1594, tendo no entanto sido sede
de colegiada em 1540.

Alberto Artur Sarmento levanta a hip tese do primeiro engenho, constru do na


Ilha da Madeira por Diogo de Teive, tenha sido n o no Funchal mas na Ribeira
Brava.

No entanto parecem ter existido dois Diogo de Teive, tio e sobrinho. 0 primeiro
estabelecido no Funchal , e o segundo, Diogo de Teive sobrinho, na Ribeira
Brava. Diogo de Teive sobrinho, era filho de Joana de Teive irm do primeiro,
constituindo morgadio na Ribeira Brava.

Na Ribeira Brava conhece-se informa o da exist ncia de uma pequena capela


de Nossa Senhora da Apresenta o, fundada em 1524 por v nculo morganatico
de Jo o Mendes de Brito e de sua mulher Isabel Fernandes Tavares.

A igreja matriz da Ribeira Brava, apesar de muitas adultera es ao longo dos


tempos encerra em si numerosos elementos de interesse.

Fundada no ltimo quartel do s culo XV, apresenta uma nave nica, na qual se
recortam capelas. Apesar das modifica es ainda se reconhece um arco ogival
em cantaria bas ltica, assim como um pia baptismal de intensos lavores
manuelinos, onde para al m de uma legenda se podem observar elementos
decorativos como cordas, folhagens, frutos, e animais. Da poca primitiva
tamb m o p lpito, onde se recorta na sua base um anjo, atravessado por uma
fazenda.

N o esque amos que prov m da matriz da Ribeira Brava, as pinturas


flamengas atribu das ao mestre de Morisson, ADORA O DOS REIS MAGOS
e ADORA O DOS PASTORES ou NATIVIDADE, hoje no Museu de Arte Sacra
do Funchal. Da Ribeira Brava ainda o tr ptico DESCIDA DA CRUZ , JOS DE
ARIMATEIA E MARIA MADALENA da antiga Capela do Bom Jesus da Ribeira
Brava, mas reencontrado na Igreja Matriz. Pouco prov vel a rela o deste
quadro com o documento encontrado pelo Pe. Pita Ferreira, em que se prova a
encomenda de um quadro a Fern o Gomes pouco antes de 1590, encontrado no
Livro primeiro da Confraria do Senhor Jesus: "Levou Fernam Gomez de pintar e
dourar o Retabolo trinta e quatro mil reis".

Curiosa a exist ncia de um leo sobre madeira, proveniente da S do Funchal


e hoje no Museu de Arte Sacra do Funchal, representando a Ascens o de Cristo,
muito pr ximo obra de Fern o Gomes, veja-se at a sua rela o com o
desenho das colec es do Museu Nacional de Arte Antiga de Fern o Gomes, da
Ascens o de Cristo.

Na Igreja Matriz da Ribeira Brava, poderemos ainda hoje encontrar um


magn fico leo sobre madeira, representando A VIRGEM COM O MENINO
com S O BENTO E S O BERNARDO, atribu do pelo Dr. Jo o de Couto a
Francisco Henriques, mestre dos pain is da Igreja de S o Francisco em vora

Na escultura, especial destaque deve ser dado VIRGEM COM O MENINO,


flamenga, estofada, policromada e dourada, de in cios do s culo XVI, colocada
em altar seiscentista no corpo da igreja.

Um S O PEDRO, escultura em madeira, estofada e policromada de um atelier


portugu s de influ ncia flamenga de in cios do s culo XVI, deve merecer a
nossa aten o.

Digna de destaque a antiga imagem da Capela de Nossa Senhora da


Apresenta o, escultura em madeira policromada e dourada de in cios do
s culo XVI, de origem flamenga, agora depositada na Igreja matriz.

Na ourivesaria n o ser por demais notar a extraordin ria qualidade de um


conjunto de pratas portuguesas atribu veis a Marcos Agostinho, ourives
madeirense, activo sobretudo no ltimo quartel do s culo XVI.

Do conjunto constitu do por, turibulo, lampad rio, bandejas, naveta,


caldeirinha, varas de p lio, casti ais, lanternas etc, destaque-se a Cruz
processional, que ostenta as iniciais M.A. (Marcos Agostinho), e a data de 1584.

Todo o conjunto vive de uma motiva o decorativa, pr xima a uma linguagem


do Maneirismo. Este esp lio encontra-se hoje reunido na chamada sala do
tesouro da igreja, constituindo um motivo de especial interesse.
Ponta de sol

"ME/M Do/FA/ZERE/DOM/EMANUEL/REI/DE/PORTUGAL/
ANI/D./1499", esta a inscri o no peso de bronze da vila da Ponta de So1.

A Ponta do Sol, vai desenvolver-se de forma not ria, no ultimo quartel do


s culo XV.

D. Manuel criar o munic pio da Ponta do Sol, em 1501 por carta datada de 2 de
Dezembro.

"Chegou a uma ponta que faz abaixo huma l gua e entra muito mar; e porque na
rocha que esta sobre a ponta se enxerga de longe e se v claro uma vea redonda
na mesma rocha, com uns raios que parece sol, deo-lhe o nome o capitam a Ponta
do Sol"

Esta a descri o de Gaspar Fructuoso, sobre o percurso de reconhecimento de


Goncalves Zarco, a quando do descobrimento da ilha chegado ao local, que
acabou por se chamar Ponta do Sol.

Um dos primeiros sesmeiros, foi Rodrigo Anes o "Coxo", fundador de uma


pequena capela da invoca o da Virgem, Santa Maria da Luz.

Rodrigues Anes est tamb m ligado constru o da igreja Matriz que parece
ter-se iniciado por volta de 1486, da invoca o tamb m da Senhora da Luz.

A igreja matriz hoje um conjunto harmonizado por obras do s culo XVIII.

Da poca primitiva, deve particularmente atender-se ao tecto de alfarge,


Mudejar, do inicio do s culo XVI, que cobre o altar-mor, assim como uma
imagem de Nossa Senhora com o Menino, de uma oficina flamenga. O ret bulo
do altar mor, de prov vel oficina portuguesa de meados do s culo XVI,
apresenta no seu emolduramento, ornados de inspirados em gravuras flamengas
de meados do s culo XVI. Deve referir-se de forma especial, ainda a presen a
de uma pequena imagem de Nossa Senhora da Luz de meados do s culo XVI de
um atelier portugu s, estofada policromada e dourada.

De destacar ainda, caso nico na ilha da Madeira, uma Pia Baptismal em


ceramica, esmaltada a verde, xido de cobre, relevada, onde aparecem como
motivos decorativos, conchas e encordoamentos. Deve tratar-se de um trabalho
mudejar, produzido em Sevilha no inicio do s culo XVI.

No que respeita ourivesaria, poderemos referirmo-nos a v rios exemplares


dat veis do ltimo quartel do s culo XVI. Destaque-se a presen a de uma cruz
processional de prata portuguesa e dois lampad rios da Capela do Santissimo
Sacramento. Na Ponta do Sol, de particular interesse, o que resta do conjunto,
da Lombada dos Esmeraldos, constitu da por Casa, Capela, Engenho, terras
agr colas, etc. Lombada caracteriza na Ilha da Madeira, "encosta", extens o de
terra n o muito inclinada e ar vel. Jo o Goncalves Zarco, deu as suas terras da
Lombada a seu filho Rui Gon alves da C mara. Em 1474, foi para os A ores,
onde ocupou o cargo de Capit o Donatario da Ilha de S o Miguel. 0 Morgadio
da Lombada foi vendido a Jo o Esmeraldo, que a transformou, num dos mais
produtivos redutos do a car na Ilha da Madeira.

Dessa propriedade, ainda hoje reconhecivel apesar de muito transformada por


obras dos s culos XVII e XVIII, chegou-nos o Solar dos Esmeraldos e a Capela
do Esp rito Santo.
As Calhetas

"Themos por bem e fazemos do dito lugar da Calheta, villa e queremos que se
chame villa noua Caleta e tiramos e desmembramos de ser do termo da dita vila
do Funchal e de sua jusrisdi am como atee ora foi e lhe damos por termo das
baixas da madallena pelo maar ate pomta de trystam e pola terra comtra a villa
da ponte do soll partindo aguoas vertentes contra o arco". Por estes termos foi
passada a Calheta a Vila concedida por carta r gia datada de 1 de Julho de 1502.

A Calheta vai desenvolver-se extraordinariamente ao longo do ltimo quartel do


s culo XV e por todo o s culo XVI. Ser um dos principais centros de
produ o e transforma o da cana do a car.

Neste logar da Calheta, mais abaixo chagado a uma fermosa ribeira, se fundou a
villa, que se tomou o nome de calheta, amais f rtil de todas as da ilha, por ter
maior comarca. He esta villa t o nobre em seus moradores, como abastada pelos
muitos mantimentos que nela se ach o. Esta villa da Calheta e seu termo foi
condado do ilustrissimo Capitam Sim o Gon alves da C mara, Conde de vila
Nova da Calheta" . Este texto de Gaspar Fructuoso, refere-se ao 5 Capit o
Sim o Gon alves da C mara que participou, em numerosas campanhas na
Costa africana. D. Sebasti o em 1576, far-lhe- a merc do Condado da Calheta.

Desde sempre qua a Calheta se ligar fam lia dos capit es donat rios do
Funchal.

Uma das lombadas da Calheta pertenceu a Jo o Gon alves da C mara, e uma


outra foi entregue por Jo o Gon alves Zarco a sua filha D. Beatriz, casada com
Diogo Cabral, fundadores da Capela de Nossa Senhora da Estrela, j referida.
Dos tempos da economia a ucareira, deveremos antes de mais referir a Igreja
matriz da Vila da Calheta, da invoca o do Esp rito Santo.

Deve observar-se a sua proximidade com as matrizes de Machico ou da Ponta do


Sol, e da rela o com a obra de mestre Pero Anes .

Abre-se por via de um portal em ogiva, onde se reconhecem capiteis de sabor


arca zante com folhagens e figuras. Organiza-se a partir de uma nave nica,
coberta por um excepcional tecto de madeira de cedro pintado, de alfarge, de
n tido recorte mudeiar. No corpo da igreja a decora o concentra-se nos
tirantes, pela presen a de la arias geom tricas. 0 tecto da capela-mor apresenta
ainda uma decora o mais rica, pela exist ncia de estalactites, estalagmites e
favos dourados. Colocado no altar-mor de arranjo seiscentista, descobre-se um
sacr rio em bano e prata dat vel do fim do s culo XVI, princ pio do s culo
XVII. Prov m da Matriz da Calheta os pain is laterais de um tr ptico hoje
desaparecido, representando o Anjo e a Virgem da Anuncia o, hoje no Museu
de Arte Sacra do Funchal. Encontra-se colocada no altar-mor uma cruz
processional em prata dourada, dat vel do in cio do s culo XVI, prov vel
oferta do Rei D. Manuel Matriz da Calheta. Refira-se desde j a exist ncia na
igreja de um conjunto de pratas portuguesas do ltimo quartel do s culo XVI.
como varas de p lio, lanternas, caldeirinha, casti ais, pr ximas s da matriz da
Ribeira Brava. Na escultura deve destacar-se um conjunto da " 1tima Ceia",
estofada, policromada e dourada, em corpo inteiro, muito pr xima, s j
referidas a quando das passagens sobre a Igreja matriz de Santa Cruz e de
Machico. Para um roteiro dos resultados art sticos da economia a ucareira, nao
poderemos esquecer, a CAPELA DO LORETO, fundada segundo uns por Pedro
Gon alves da C mara, neto de Jo o Gon alves Zarco, ou por sua mulher D.
Joana d'E a, camareira mor da rainha D. Catarina.

A Capela esteve ligada segundo tradi o a um solar, tendo sido sede de um


morgadio. A Capela apesar de alterada conserva algumas colunas de um
primitivo alpendre em m rmore branco e de prov vel produ o sevilhana do
in cio do s culo XVI. De destacar ainda a porta lateral da capela, pela
presen a de um arco em contracurva de n tido sabor manuelino, encimado pela
cruz de Cristo.

De real ar a cobertura da capela por um tecto de madeira de cedro, em


alfarge, mudejar, do in cio do s culo XVI, repintado sucessivamente. Ainda na
Calheta, destaque especial deve ser dado pequena capela do morgadio dos
Reis Magos, fundada por Francisco Homem de Gouveia e sua mulher Isabel
Afonso, cerca de 1529. Nesta capela, para al m de um tecto simples de
inspira o mudejar, deve referir-se o ret bulo,onde nos aparece na sua
estrutura central uma cena esculpida dos Reis Magos, em madeira policromada e
dourada, aparecendo nos pain is laterais, os doadores, Francisco Homem de
Gouveia e Isabel Afonso. 0 Conjunto deve ter sido encomendado a um atelier
flamengo de Antu rpia da primeira metade do s culo XVI.

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