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RESUMO
A análise dos sistemas energéticos é dificultada pelo pouco conhecimento que se tem sobre os
mesmos. No caso particular do sistema elétrico, ainda é comum compreendê-lo apenas como
um conjunto de plantas de conversão e redes de transmissão e distribuição de energia. A
constatação desse problema acabou motivando a elaboração deste artigo, no qual alguns
aspectos fundamentais à compreensão desses sistemas são analisados. Acredita-se que o uso
inadequado do conceito de energia tem causado um problema de comunicação, que se reflete,
por exemplo, na percepção da energia como o catalisador do desenvolvimento
socioeconômico. Por essa razão, recomenda-se que tal conceito seja substituído pelo conceito
de sistema energético quando a abordagem estiver relacionada a contextos sistêmicos.
ABSTRACT
Energy systems analysis has been hindered by a lack of knowledge on these systems. In the
particular case of the electric system, it is still common to understand it just as a set of electric
power plants and transmission and distribution grids. The verification of this problem provided
the motivation for the elaboration of this article in which some aspects considered fundamental
to the understanding of the energy systems and their interactions with others systems are
analyzed. Believe inadequate use of the concept of energy system has caused a
communication problem that it echoes – for example – on the perception of energy as the
socioeconomic development catalyst. For this reason, it is recommended that such concept is
substituted by the concept of energy system when the approach is related to systemic contexts.
Os seres humanos não sobrevivem por muito tempo sem consumir uma quantidade mínima de
energia na forma de alimentos. Essa é a característica que os torna dependentes de energia.
Para desenvolver atividades normais, uma pessoa adulta precisa consumir diariamente pelo
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menos 2.100 kcal . Consumos inferiores a 1.500 kcal por dia levam à degradação do corpo
humano (DEBEIR et al., 1993).
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Citar este artigo da seguinte forma: SILVA, Marcos Vinicius Miranda da . Sistemas energéticos: uma análise
conceitual. In: 7 Congresso Internacional sobre Geração Distribuída e Energia no Meio Rural - AGRENER
GD 2008, 2008, Fortaleza. Semi-Árido, Energia e Desenvolvimento Sustentável, 2008.
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Essa quantidade de energia na forma de alimentos é utilizada como referência básica pela Organização
Mundial de Saúde.
Nas sociedades mais ricas e mais complexas em termos de organização, a função da energia
não é mais garantir as condições mínimas de sobrevivência, porque as necessidades
energéticas básicas dos indivíduos estão satisfatoriamente atendidas. Nessas sociedades, o
papel principal da energia consiste em manter e elevar o nível de prosperidade e bem-estar.
Por outro lado, a natureza das fontes energéticas consumidas não é mais biológica, pois o
consumo de petróleo, carvão, gás natural, urânio, predomina em suas matrizes energéticas
primárias.
É fácil perceber que em qualquer sociedade a energia está presente no dia-a-dia de cada
indivíduo e que ela é indispensável para o desenvolvimento das diversas atividades
econômicas e sociais. Talvez seja por essa razão que FOLEY (1992) considera o conceito de
energia um dos mais familiares.
Embora todo esse extraordinário avanço do conhecimento científico tenha possibilitado maior
compreensão de algumas peculiaridades da energia, esse conceito possui utilidade restrita no
contexto sistêmico.
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O termo conversão de energia é mais apropriado do que os termos produção ou geração de energia não
apenas quando se aborda temáticas sobre sistemas energéticos. Contudo, estes últimos predominam na
literatura. Essa é uma falha que precisa ser corrigida.
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Para a Física, “campo significa ‘distribuição contínua de algumas condições predominantes, através de
um contínuo’ onde a palavra ‘condição’ indica uma grandeza qualquer, que pode variar segundo o
problema de que se trata” (D’ABRO, s.d., s.p. apud ABBAGNANO, 2000, p. 114).
Apesar de ser bastante utilizado na literatura sobre sistemas energéticos, o conceito funcional
de energia fornecido pela Física pode conduzir a equívocos. Por exemplo, interpretar “trabalho”
como sinônimo de atividade produtiva pode levar alguém menos atento a concluir que a
energia por si só é capaz de promover o crescimento econômico, pois a capacidade de
produzir trabalho, como estabelece o conceito, é uma função da energia.
SUÁREZ (1995), por exemplo, afirma que a energia tem um papel determinante sobre o índice
de desenvolvimento humano (IDH), particularmente nos países pobres. FOLEY (1992) diz que
a diferença entre sociedades com economias mais desenvolvidas e menos desenvolvidas foi
criada quase totalmente pela disponibilidade relativa de energia nessas duas sociedades.
GOLDEMBERG (1998), embora reconheça que o baixo consumo energético não é a única
causa de pobreza e subdesenvolvimento e que a energia isoladamente tem pouca importância
tanto para o desenvolvimento socioeconômico quanto para o crescimento econômico, também
foi vítima desse reducionismo, quando supõe que o consumo de energia comercial pode
repercutir no analfabetismo, mortalidade infantil, fertilidade total e expectativa de vida.
SILVA & BERMANN (2004) mostram que alguns países com per capita energético mais baixo
que o Brasil apresentam melhores indicadores sociais que este país. Isso descarta a tese do
desenvolvimento social como causa do maior consumo de energia.
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VITEZLAV (1979) afirma que o conceito de sistema foi formulado e se desenvolveu a partir do
surgimento da concepção interdisciplinar. Dessa forma, entende-se que a utilização do conceito
de sistema energético é mais adequada para abordar todos os aspectos relacionados à oferta
e ao consumo da energia.
De acordo com DEBEIR et al. (1993), a substituição do conceito de energia pelo conceito de
sistema energético evitaria interpretações parciais, que não incluem os aspectos ecológicos e
tecnológicos das tendências energéticas na sociedade, permitindo identificar mais facilmente
as estruturas de apropriação e de gerenciamento tanto das fontes energéticas quanto das
tecnologias de produção de energia.
BAJAY (1989, s.p.) define o sistema energético como “um sistema social, com atores
individuais e atores institucionais que estão tomando constantemente numerosas decisões”.
Todo sistema energético é aberto, porque, através de suas diversas linhas de conversores
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(subsistemas energéticos) , ele estabelece relações dinâmicas e não-lineares de
interdependência com outros sistemas a partir de fluxos contínuos de energia, emissão de
poluentes, tecnologia, capital, pessoal. A finalidade desse sistema consiste em fornecer energia
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Segundo VON BERTALANFFY (1975, p. 84), sistema é “um complexo de elementos em interações”.
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Os sistemas elétrico e petrolífero são exemplos de subsistemas energéticos que fazem parte da
estrutura do sistema energético de uma sociedade.
para o atendimento das demandas das sociedades. Entretanto, em uma economia capitalista,
essa finalidade está condicionada a obtenção de lucro por parte das classes ou grupos que
controlam seus subsistemas.
A interação entre os sistemas energético e econômico pode mais claramente percebida quando
se observa que a oferta de energia é considerada um serviço e como tal uma função do
sistema econômico. Nessa perspectiva, o sistema energético é um subsistema do sistema
econômico. Portanto, numa sociedade capitalista, a oferta de energia será realizada mediante
a obtenção de lucro por parte dos grupos sociais que controlam os sistemas energéticos.
O fortalecimento econômico desses grupos é necessário nessa economia, porque sem ele a
expansão do sistema energético ficaria comprometida e a oferta de energia seria degradada
por falta de investimentos. Dessa forma, esse sistema deixaria de cumprir satisfatoriamente
sua função. Entretanto, torna-se necessário haver um equilíbrio para que ele não seja um
pesado ônus para a sociedade. Nesse aspecto, o poder público tem um importante papel a
desempenhar.
O sistema elétrico é uma organização social, constituída por três segmentos: conversão,
transmissão e distribuição de energia, que estão em interação. É um equívoco percebê-lo
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apenas a partir de seus elementos físicos (plantas de conversão, subestações, redes de
transmissão e de distribuição). As concessionárias do serviço público de energia elétrica, os
produtores independentes e autoprodutores de eletricidade fazem parte desse sistema, embora
eles também sejam elementos do sistema econômico. Não se deve esquecer que o sistema
energético é um subsistema do sistema econômico.
O sistema elétrico, como qualquer subsistema energético, é aberto, porque ele importa fontes
energéticas, tecnologia, mão-de-obra, capital, informação e exporta energia elétrica,
informação, poluentes. O estabelecimento dessas interações é fundamental para sua
expansão. Entretanto, elas o tornam dependente. Isso significa que as crises deflagradas em
outros sistemas podem se propagar e afetá-lo e vice-versa.
6
Quando se concebe o sistema elétrico somente a partir de seus elementos físicos, a noção de
organização social é perdida. Conseqüentemente, todas as interações estabelecidas pelos controladores
desse sistema são negligenciadas.
Essa característica também proporciona as condições necessárias para que o sistema elétrico
se auto-organize diante de uma crise. Porém, como as interações estabelecidas por ele são
dinâmicas e não-lineares, tanto as crises que o afetam quanto o comportamento adotado para
superá-las não podem ser previstos. Há três séculos atrás, quem poderia imaginar que o
carvão mineral, responsável por conter a devastação das florestas européias, seria uma das
fontes fósseis causadoras da crise ambiental planetária que se observa agora? Por outro lado,
pode-se perceber que as medidas que serão implementadas para solucionar definitivamente o
problema do aquecimento global ainda são desconhecidas.
Para evitar que o conceito de sistema elétrico se torne ambíguo, o princípio de contigüidade
deve ser apenas um referencial, pois ele não é um elemento integrante desse sistema. Essa
postura preserva a ordem hierárquica do sistema elétrico. Assim, ele pode ser denominado de
local, municipal, estadual, regional, nacional e mundial, respectivamente, da menor para a
maior organização social, ressaltando-se que sua complexidade cresce com o aumento de sua
ordem hierárquica.
3. CONCLUSÕES
4. PALAVRAS-CHAVE
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPO. In: Dicionário de filosofia. São Paulo: Nicola Abbagnano. Tradução: Alfredo Bosi,
1ed., Martins Fontes, 2000.
EINSTEIN, Albert, INFELD, Leopold. A evolução da física. Tradução Giasone Rebuá. 2ed. Rio
de Janeiro: Zahar, 1966.
FOLEY, Gerald. The energy question. 4ed. London: Penguin Books, 1992.
SILVA, Marcos Vinicius Miranda da; BERMANN, Célio a. O reducionismo como barreira para
as análises e compreensão dos sistemas energéticos. [trabalho científico em CD-ROM].
CONGRESSO BRASILEIRO DE ENERGIA, 10, SBPE/COPPE-UFRJ / CLUBE DE
ENGENHARIA, Rio de Janeiro, 2004.
SUÁREZ, Carlos E. Energy needs for sustainable human development. In: GOLDEMBERG,
José e JOHANSSON, Thomas B. (Eds.) Energy as an instrument for socio-economic
development. New York: UNDP, 1995.
VON BERTALANFFY, Ludwig. Teoria geral dos sistemas. Tradução Francisco M. Guimarães.
2.ed: Petrópolis, Vozes, 1975.