INDICE
PARTE 1
Amor.................................................................4
Milene..............................................................6
O Portal Dos Dois Segundos.........................15
Alegre e Descontínuo ....................................18
Os Olhos Mais Brilhantes .............................20
A Ilusão do Controle .....................................23
Conclusão ......................................................28
Latências........................................................30
Renascença ....................................................32
Muitas Vidas .................................................33
Algo Em Mim Que É Ela ..............................35
Enfim.............................................................37
PARTE 2
Flecha ............................................................40
Canavial.........................................................41
Speed .............................................................43
The Winds of War..........................................46
A Canção Do Retorno ...................................47
A Regeneração Dos Olhos Pt1 ......................49
Ainda Sobre O Sol: .......................................50
Flickers ..........................................................52
.......................................................................54
Liberdade.......................................................55
O Não Egoísmo, A Beleza E A Cura ............56
O Bardo Em Seus Campos De Pedra ............58
Canção #1......................................................60
Valter Félix de Carvalho - Helenas
Amor
Mas continuo sem você, você sem mim, só porquê não temos casa.
Porque sentamos juntos à mesma mesa, bebemos juntos a mesma fina
bebida, ficamos bêbados de uma mesma embriaguez vazia, que não traz
nenhuma ressaca moral, que só faz mal ao corpo e nenhum bem ao
coração.
Onde é que você se meteu? Mal lembro o seu nome, seu cabelo está
bonito demais. Onde foram parar aquelas olheiras? Porque não saímos
correndo pra casa? Chega de perguntas. Todo o sistema é muito lindo,
mas não conseguiu esconder sua falha. Não conseguiu me acabar com a
saudade.
Nem quero saber quanto tempo eu vou te beijar, pois minha língua não
se cansa. Não me canso de seu hálito, de eterna virgem, de eterna vadia,
de uma dança de cheiros que mais parece a revisão de tudo que eu já vi
sobre o prazer.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Milene
Eu não deveria ter feito isso. Não sei se foi a saudade que eu já pareço
estar sentindo, não sei se foi para aproveitar uma semana de solidão e
transformá-la em uma semana de autoconhecimento. Não sei.
Talvez tenha sido por causa dela. Tudo o que eu faço, de certa forma, é
por causa dela. Porquê eu a amo, e nunca quis que ela se cansasse das
minhas cores. Mesmo depois que eu aprendi a ser eu mesmo e, num
rebento de coragem e risco, resolvi tê-la para sempre do meu lado,
mesmo depois de criarmos nosso mundo em comum eu jamais me
permiti ser o mesmo da mesma maneira, por muito tempo.
Sempre quis lhe dar novos presentes. Me lembro bem daquele dia,
quando eu estava cantarolando ao piano e ela, linda e sem nenhuma
cerimônia, desfilava do banheiro em direção ao quarto, enrolada numa
toalha milimetricamente ajustada a seu corpo, os cabelos deliciosamente
molhados e um olhar cativante, quase despropositado...
Mal tive tempo de pensar porquê ela não usara a suíte, como de costume,
quando suas mãos pousaram, infalíveis, em minhas costas, me fazendo
sair de meu tom, entrando loucamente em outra canção, suave, de alegria
e de suor...
"Eu estava dormindo na varanda, seu bobo. Sua música me acordou sem
me interromper o sonho; e eu fui continuá-lo lá na sala, com você..."
Daí em diante venci três prêmios de música, todos importantes, que ela,
orgulhosa, atribuía a meu talento e perseverança, mas que eu sabia muito
bem que não eram meus.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Irreal, como estou me sentindo agora. Não sei o quanto ou quantas vezes
as luzes do dia se alteraram lá fora, e há poucos instantes uma força
rolante foi-se embora com o meu peso. Estou levíssimo agora. Não. Não
leve. Simplesmente estou sem peso. Tornei-me parte de outro mundo;
ainda existo, mas de outra forma; eu...
Esse barulho. Algo aperta no meu coração, algo que me prende a ele,
que lembra do rosto de Milene, de Marcos, Maria...
Ela acaba de chegar na estação da cidade. É recebida pela mãe, pela irmã
e pelo primo Maciel. Talvez seja ele o único cara que a conhece a mais
tempo do que eu e ainda mantém um firme contato com ela. Eles são
como irmãos. Ele resolveu-se homossexual. Mas é bonito, corpulento e
elegante e, mesmo se não o fosse, eu ainda morreria de ciúmes...
Até agora, que um grilo alto e repetitivo me lembra que já é noite. Quase
instintivo, como um operário que há anos maneja a mesma máquina,
abro a caixa de jóias em minha carteira.
E brigo com um dos demônios do tempo pelo direito de deixar as coisas
existirem, para provar a inutilidade prática e ética de se manipular a
ordem dos fatos.
sol em seu momento mais delicado, onde sua luz se torna suave e
definida, como um segredo livre -- aberto aos anjos e apenas mostrado a
nós, inconscientes homens.
Uma palestra sua acalmaria o mais irritado dos deuses. Ela faz biologia
parecer sorvete, para os gulosos que adoram isso, matemática ou música
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Como faz calor essa noite. E como ela é longa. Parece não ter fim,
parece ter saltado para fora da esteira do tempo e não obedecer mais a
regras.
E eu me sinto cúmplice. Vou à minha carteira de diamantes para
comemorar com a Branca de Neve, a Rainha, mas o grilo toca mais alto
do que nunca e me lembra que meu objetivo não é comemorar ainda. Me
lembra que existe a palavra objetivo, que eu existo, que existe uma
porta...
Mas esses são pensamentos secundários. Pois descobri de onde vem
tanto calor. Há uma nova estrela cadente no céu, uma estrela cadente que
não se move, grande, bela e iluminada... Como Milene... Milene???
Não. Não pode ser. Não posso acreditar no que vejo. O anjo da
anunciação -- "Maldito demônio!!!" -- passa por minha janela e me diz
que há uma nova estrela no céu. Não... Não é verdade, eu não quero
acreditar, eu não vejo; maldito grilo -- "MILENE!!!"
II
Ela ainda estava bela. Mal pude acreditar quando a vi. O carro estava
completamente destruído e seu corpo intacto, parecia que ela estava
dormindo, que talvez um beijo...
Milene. MileneMileneMileneMilene. Mil brancas de neve não podem te
trazer de volta e você nem pôde ver minha surpresa. Minha nova visão,
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
III
Mas agora, inevitavelmente, estou só. Seus pais ficaram um tempo, e não
sei a que horas dessa noite eles foram embora. Desejei com força que
você estivesse aqui, queria te dizer o quanto eles são belos e o quanto
minha arrogância intelectual me impedia de ver a sabedoria escondida
em tanta simplicidade...
Tudo é muito lindo, Milene. Você me ensinou a ver isso, mas agora...
Agora a Aurora e o Crepúsculo estão separados e já não são partes da
mesma coisa. Aquele maldito grilo nunca mais me abandonou e seus
pulsos às vezes me fazem querer ficar louco. Já pensei em procurá-lo,
mas algo me diz que não devo matá-lo, destruí-lo; que ele é a minha
ligação com alguma coisa. O que mais eu poderia fazer, então?
Conversar? Eu poderia conversar com um grilo?
Aquela estrela se foi. Descobri que ela não era uma estrela parada, como
eu tinha pensado, mas que o barulho em meu cérebro o fazia ficar muito
mais rápido, fazendo com que ela parecesse muito lenta. Basta a paz e o
silêncio necessários para que ela passe rápida e brilhante como qualquer
estrela cadente. Como a melhor estrela cadente.
Vou tentar isso amanhã. Ou quem sabe essa noite mesmo? Ali está ela
de novo, parada, como quem quer me contar um segredo. Você quer me
contar algum segredo? Eu sei. Só eles conhecem os segredos. Mas eles
pousaram em minha janela para avisar que você ia embora e eles
pareciam felizes... Por que eles pareciam felizes? Por que?
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
IV
É tão confuso. Desde que você se foi eu não vejo mais o dia, as cores são
fortes, mas às vezes tristes. E eu me livrei da Rainha. Para ver se o grilo
parava, e, acho que... que....
Não!!!
Ele não pára, Milene. Ele não pára. Eu não consigo mais, eu vou
enlouquecer, eu vou desistir, eu...
"Cássio? Cássio, você está aí?"
Milene? Eu posso ouvir sua voz; como...
"Milene!"
"Cássio? O que é que houve, o que aconteceu com você? Você não
atendia o telefone, eu fiquei preocupada, eu... Meu Deus... Olha o seu
estado, o que foi que você fez..."
"Milene... É você..."
"É claro que sou eu... Você está todo sujo, a casa está uma bagunça... o
que você fez com a televisão?”
Milene. Nunca me senti tão seguro como agora. Nunca me senti tão em
paz como agora.
"E que é isso sobre a mesa? Parece um altar... 'me deixe em paz, Branca
de Neve. Faça o grilo parar'. Meu Deus, Cássio, o que foi que você
fez..."
V
Foi o melhor abraço que você me deu em toda a vida. E agora, todos são
como ele. Desde que você voltou, para cuidar de mim e da minha
solidão. Para me livrar da rainha má.
questionar.
Pois só você, Milene, é como eles. E vejo isso a cada dia. Na praia, onde
você refez e tornou perene a ligação entre a aurora e o crepúsculo; no
campo, na casa de seus pais, onde podemos ficar parados e em silêncio,
usando essa paz para ver o sol passar num segundo, como a mais bela
estrela cadente.
Em nossa casa, calma, celestial e sem grilos, pois todos se calam diante
do Amor, do Amor que te fez voltar para mim, que me faz ter a alegria e
a bênção de viver a seu lado, ao lado de um anjo do céu.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Certa vez estávamos fracos. Lembra? Nosso amor, nosso sentido parecia
fraco. Eu olhava para você e sentia a necessidade de ter algo diferente.
Olhava sua boca e inventava outras bocas, e as beijava numa cama cheia
de suor, numa atmosfera doente. Eu não sabia, mas essa traição era
doente. Olhava seu corpo, e me orgulhava de seu porte e de sua beleza.
Orgulhava-me de tê-lo comigo, e não o tinha. Como um crítico que não
bebe a arte eu te olhava e não te via; via, mas não sentia, sua beleza
olímpica morria em minha retina.
Éramos loucos, sem dúvida. Dois amantes que tanto buscaram outras
realidades que voltaram com medo, desesperadamente agarrados a uma
realidade única e imediata. Culpa de nossa falsa coragem, do eterno pé
atrás. Não que ele fosse dispensável, mas o nosso era grande demais. E
nessa realidade seca, que não nos era suficiente, brotaram os cogumelos
do tédio, que nós bebemos em delírio, sem ver, tal era a nossa
necessidade de fuga. E continuávamos parados, e os fungos continuavam
a crescer, e nós continuávamos a bebê-los.
Um sistema perfeito. Nosso delírio criava nossa droga, que criava a sua
fonte. O problema é que a morte é tão perfeita quanto a vida, e possui a
mesma beleza e força de atração. É difícil sair de sua órbita.
Mas, como foi que saímos? Estávamos vivos, foi isso. A morte nos
abraçava, mas a pulsação dos nossos corações lhe era um incômodo
constante. Cada pulsar era uma tentativa de fuga, e haveria um pulso
forte, forte o suficiente para nos tirar daquela órbita e nos lançar em
outro espaço. No outro espaço.
E que pulsar seria esse? Nós não sabíamos, não procurávamos e nem
sabíamos que era preciso saber. Estávamos cegos, afinal.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
II
III
Então eu te olhava, e por dez minutos seu corpo voltava a ser o que é,
por dez minutos eu o bebia com sede, com muita sede.Pisávamos nos
cogumelos e nos amávamos.
Com força, com saudade, saudade do corpo que morava ao lado.
Agarrávamos-nos com a força de quem sabia que em dez minutos o
mundo se acabaria, e seu corpo voltaria a flutuar numa órbita estranha.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
IV
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Alegre e Descontínuo
"Te desafio!"
O pagamento em chocolate.
A grata despedida.
Os cinco passos nas direções opostas e um súbito "hey!".
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Tão belos, que algo em mim relutava em perceber que aquele brilho era
filho duma lágrima não resolvida, emissária duma tristeza recheada de
esperança que a tornava ainda mais triste.
"Neil Young?"
"... E Janis, por favor!"
Eu não entendia como ela ainda mantinha aquela força marota e sedutora
na voz tão cansada e rouca, como ainda conseguia me causar tanto
arrepio com aquele sorriso. Como eu me senti feliz e miserável.
"Certamente."
"..."
estiver..."
"Pra cima?"
"E eu odeio eles por isso... 'Menina de lá'... humpft." pulo na sua cama e
chego bem perto do seu rosto:
"Meninos!!!"
21
Valter Félix de Carvalho - Helenas
Horas depois fui embora caminhando, na chuva bem leve, sem blusa e
no frio. Uma lembrança sombria, mas depois alegria. Pois, afinal,
chovia.
E ela estava voltando; para onde, eu não sei. Mas sei que ela pode
escolher o caminho.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
A Ilusão do Controle
"Você tá bêbado?"
"Consideravelmente."
"Mas você tinha falado que não bebia mais."
"Não foi bem isso. Só não tomava mais porre, e foi isso que aconteceu
hoje..."
"..."
Era difícil saber o que pensar, que pensamento aceitar e qual ignorar.
Ver ele, o homem mais perfeito e inteligente, que ela já concluíra que
amava e que não amava uma dezena de vezes, bêbado, como os outros,
como qualquer um, convencional, humano e quem sabe até emotivo
como tal.
Sim, quem sabe. Quem sabe ele fosse até mesmo acessível, passível de
erro de surpresa de admiração. De se admirar com ela. Com sua beleza,
com sua originalidade, com seu carro, com... Com ela. Por ela. Se
apaixonar.
Era difícil imaginar algo assim acontecendo. Era difícil conceber que
toda aquela magia pudesse acabar assim, repentinamente, num simples e
trivial coração masculino apaixonado. Esse pensamento a afligia mais
que tudo agora.
"Sinto vontade..."
Ela gelou. Bêbado. Uma declaração. Que ele não tentaria negar depois.
Uma porta aberta à força e aberta às pressas e que os levaria ao fim de
todo encanto. Sim, a responsabilidade é assassina do encanto e ele lha
23
Valter Félix de Carvalho - Helenas
"Pode falar o que você quiser e não vai precisar se desculpar de nada, de
nada mesmo..."
Sim, ela devia ter carregado menos o olhar... Mas ela gostava dele
realmente, ela queria ouvi-lo, ela...
Estava na hora de cortar o assunto. Antes que ele chegasse no ponto que
ela tanto temia, antes que chegasse na inexorável confissão que a
deixaria com o coração dele nas mãos e uma terrível responsabilidade
emocional que certamente turvaria a até então tão boa amizade; sim eles
eram amigos, agora ela via claramente isso e não podia deixar que ele,
embriagado e por demais emotivo, chegasse tão fundo na exposição dos
sentimentos que tinha por ela. Era preciso dizer algo, desviar o assunto,
era preciso...
"..."
Ela devia ter carregado menos o olhar. Mas ele parecia precisar de
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
"Com licença..."
"Hein?"
"Toma."
Cinco passos que ele andou, a moça do banco falou mais uma vez.
"Vou guardar a pedrinha!"
"Você é doido?"
"Veja só, não precisei beijar ela..."
"Hein? Como assim? Você ia beijar ela?"
"Hahaha! Não! É só jeito de dizer... Que a vontade que eu tinha era de
fazer isso mesmo que eu acabei de fazer..."
Ela não o compreendia. Qual era o problema dele? Ele estava sorrindo,
satisfeito, mas com o quê? Eles poderiam estar se beijando há cinco
minutos atrás, ele poderia ter dito todas as coisas que ela adoraria ouvir e
tudo poderia mudar, para melhor, entre eles, mas ele, ao invés disso, foi
dar uma pedra a uma moça desconhecida sentada num banco...
Chegaram na porta de sua casa. Ela parecia triste e não fez sinal de que
26
Valter Félix de Carvalho - Helenas
Ele iria perguntar que tipo de besteira. Será que ela deveria ter começado
isso? A conversa poderia seguir num rumo perigoso...
"Cansaço."
"Como? O quê?"
"Você me disse essa semana que estava andando muito cansada, isso
dever ser cansaço. Você sabe, a gente pensa mal e pensa errado quando
está muito cansado."
"É..."
"Bom, então me vou. Valeu pela paciência... Amanhã te juro que peço
desculpas por ter falado e feito tanta besteira..."
Antes isso tivesse acontecido... Os pensamentos dela já lhe pareciam
maiores que a própria cabeça.
"..."
"Tchau!"
"Tchau... Me liga amanhã?"
"Claro, sem dúvida..."
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Conclusão
Cansado, triste por si, recuou alguns passos em direção aos seus, ao
pequeno grupo dos que, ao menos, lhe conheciam as lágrimas.
Providencialmente estavam no meio, de um lado os perdidos
embriagados e, de outro, distantes e felizes, a ninfa e seu poeta.
Doce contraste; mais uma vez sorriu quando, talvez, devesse se forçar a
algum tipo de pesar. Sentiu, mais uma vez, uma involuntária (?) bênção,
varrendo com facilidade qualquer negra sensação.
Conclusão. Sabia da dor de seu dia seguinte, das águas jogadas em cima
dos planos, da raiva contida esperando a fraqueza que vem da memória
onde a mágoa se sobrepõe à inspiração. Mas também sabia de si, de sua
função e missão na história, e sabia ter cumprido o objetivo, apesar dele
mesmo. Enfim, sabia da tempestade do desejo frustrado, mas tinha
consigo o forte leme da razão.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Assim terminou. Tomou seus dons que, por toda a vida, o criaram e
também amaldiçoaram, guardou-os na bolsa onde trazia, inseparados,
sua gaita e suas tesouras, saiu pelo portão, fechou e trancou a enorme
grade e só então olhou para o jardim, com grades à frente de seus olhos;
como, enfim, deveria ser.
Olhou toda flor e ramo e cada pedaço de terra gramada que desde muito
ele ajudara a crescer. Olhou sem querer pensar nisso. Sem desejar pensar
que algo ali, de alguma forma, em qualquer parte, fosse seu.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Latências
Quando a alcançou, ele tirou sua blusa e fez uma redoma em volta dela,
impedindo que o vento a levasse, e deixou uma leve abertura no centro,
para que a água a tocasse. Se aquela flor tivesse olhos ela veria, naquele
momento, uma estrela no centro do céu e a silhueta da lua encoberta por
uma nuvem. Se tivesse tato, sentiria o vento daquela noite transformado
em brisa pela blusa daquele rapaz e, se ela tivesse nomeáveis
sentimentos seriam um amor de gratidão.
...E enquanto isso, no mundo das estrelas, o sol produz o seu próprio
fogo. Se ele conhecesse o tempo ele estaria esperando um novo ciclo da
lua e, se ele tivesse olhos e conhecesse o azul, ele saberia bem porque.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Renascença
Não reclame que eu te aperto. Pois o tanto que sou é o tanto que
desejaria não estar assim tão perto. Por deus, eu não tenho mais palavras,
mais nenhuma melodia, sequer continuo bonito. Eu me desfiz
nas obrigações e desejos daquele plano que você sempre achou esquisito,
suicida no sentido. E você estava certa, mas, já não basta ter só isso?
Precisa ficar a me olhar com os olhos mais claros que um clichê e essa
pele e essas mãos, de violino numa sala de madeira ressonante, a
confundir os meus cabelos com as cordas e a me envolver como se fosse
eu, e não elas, o instrumento. Precisa fazer isso, você, e é impossível eu
entender.
Você está tão perto e reclama que eu não me aproximo e pede que eu te
aperte, com o abraço mais macio cujo arrepio lembram as águas de um
riacho puro e frio onde o banho tem o ritmo dum espiral vindo da borda -
- lentamente mãos e pés e mais coragem e mais suspiro o corpo esguio
em cada nervo o coração já ritmado em intensidade, insanidade, um
esquecer-tudo e o mergulho: A plenitude realizada com o carinho em
cada poro, depurados pela água.
32
Valter Félix de Carvalho - Helenas
Muitas Vidas
Saudade. Saudade nem se sabe do quê, tanto tempo faz. Que parece não
ser real, que parece ser a divagação de uma alma sonhadora, a
idealização de um mundo de fuga. Mal sabe ela que esse mundo é real.
Que esse sonho e essa divagação são a memória de seus tempos de
inocência, dos seus tempos de paixão, quando não tinha razões para
temer ou razões para fugir. Agora, tocando a sua cítara, sozinha no meio
dos bambus, mal percebe passarem por seus olhos os pássaros da tarde,
que outrora conversavam com ela e agora cantam exaustivamente para
fazê-la novamente feliz. Toca uma canção triste e bonita, mas que
parece, a seus olhos, uma invenção qualquer do momento.
Ingênua, mal sabe ela que é esta a canção do retorno, que compusera
com seu amado há séculos atrás, embaixo dos mesmos bambus, selando
a promessa de que, se um dia as marés do esquecimento os separassem,
era para lá que eles iriam voltar, para tocar essa canção e lembrarem-se
um do outro.
Ingênuos. Mal sabem que agora é que estão sendo plenamente eles
mesmos, as almas puras e apaixonadas que eles eram em seus
imemoriais tempos de “crianças”, antes de a Natureza e o Tempo os
escolherem para serem seus arautos, seus protetores e amigos; sua fada e
seu guerreiro. Mal sabem que cumprem, juntos, uma promessa de
séculos atrás, cantando uma canção que agora os une com a delicadeza
de uma brisa de inverno; com a força sutil de um abraço materno.
34
Valter Félix de Carvalho - Helenas
Foi olhando para dentro, cada vez mais, que uma intermitente luz de fora
se esboçou. E quase ensaiei um sorriso e mesmo o silêncio que se
mantinha já não mais era o mesmo: não mais distância nem olhos
fechados.
E pela primeira vez em toda minha nova vida eu estive tão perto de
alguém quanto do próprio medo de estar perto. E podia tocar ambos, e o
fiz, e somente um se desfez e se recompôs vacilante, etéreo; como uma
imagem na água perturbada pelas ondas de um dedo curioso. Somente
este se revelou imagem sem matéria aparente, reflexo de algo que eu não
podia ver olhando para cima, frente ou lados. Que só podia, realmente,
vir de mim.
E cada face, que era antes o barulho proibido que acordava um mau
dragão, é agora um silêncio macio que sugere calor e textura e energia e
um melodioso som que acorda um fogo que me excita e ativa ao invés de
ameaçar.
E meus olhos já não se fecham mais pelo medo e mesmo à noite, quando
tudo é escuro e frio, posso rever meu novo mundo alvorecendo: no
branco entrecortado em volúpia que sou eu nos olhos dela.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Enfim
Pois, dia a dia, a vida só se torna seca e sem razão, sem razão para
crescer, sem razão para criar.
Pois eu nunca soube nem aprendi a ser por mim, por mim o nada me é o
bastante e nada mais preciso ter.
Mas a noite está em teus olhos; e perder o medo dela foi perder o medo
de ti.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
E foi o bastante para sofreres com a prisão e partires para longe, perdida
na multidão de rostos que são tu por instante e no outro já não são.
Mas cantas comigo; ainda que imagem de um espírito sem corpo, a cada
dia e a cada brisa tuas canções me soam na alma.
Porque não cantar então contigo? Porque não tocar meu som por ti?
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
PARTE 2
Flecha
Eu devo ter levado umas três horas para parar de pensar naquela menina
linda e com cara de drogada que, passando por mim na rua, elogiou meu
cabelo enquanto eu, apressado, medroso, urbano, sorri agradecendo, mas
nem sequer parei para conversar.
A flecha lançada...
A oportunidade perdida.
A flecha.
Só depois daquele show (tão pequeno tão pequeno) é que eu me
recuperei.
A oportunidade.
Dormir de convidado, ouvir uma nova música acordar agora cedo e fazer
a ela essa homenagem.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Canavial
Quero a vida simples das irmãs pobres da minha mãe, cujos impérios
eram pequenos lotes de uma herança de terra, sempre com um riacho no
fundo, uma casinha de barro na frente e uma lâmpada alimentada pela
roda d'água que também me fazia copos e copos de caldo de cana.
E não quero fazer como algumas delas, que venderam seus impérios para
se aventurarem por esse mundo que eu odeio e de onde quero fugir. E ao
mesmo tempo estarei fazendo, sim, como elas. Largando meu mundo em
busca do outro possível. Síndrome de família, quem sabe.
Ai?
Que nada. Alguém como eu, que precisa tanto gritar, que há tanto tempo
só inspira, inspira e inspira, não teria tempo de sentir tanta preguiça.
Tudo tão sereno e calmo e ao mesmo tempo tão grave e imutável que,
depois do meu grito, cansado e despido de toda a intoxicação que me
fazia religiosamente acreditar na minha cidade, eu seria imediatamente
absorvido por esse ambiente, imediatamente me dirigiria ao canavial
para colher umas varas de cana e em seguida ao riacho onde estaria
minha roda d'água, ligando o gerador, moendo algumas e levando o
caldo para casa onde eu o esquentaria para fazer o melado que depois
viraria a rapadura que eu daria para os meus sobrinhos que chegariam no
dia seguinte, para passar o domingo na roça.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Speed
Para todo lado são muitas palavras. Muitos "de" e "para", muita
intertextualidade, muito respeito e não...
O que é isso? Chega um ponto em que mais importante que ser é ser
adequado. Em que você se sente como aqueles pintores de rua que ficam
pintando quadros instantâneos, todos muito bonitos, todos cheios de
botos e de planetas. A primeira vez que vi isso ("da primeira vez que me
assassinaram...") fiquei paralisado. Eu e mais umas trinta pessoas. Uau.
Que bonito. Que rapidez. [Estava em Vitória/ES, bonito mês fora-de-
temporada que eu passei lá. Bonitas noites ("hot night in Budapest"),
bonitas tardes de fim-de-semana. O resto foi só trabalho]. Que tema
interessante, sempre tem um boto e um planeta... Deve ser uma
mensagem... Essas paisagens metálicas porém bucólicas... Uau!
Qual! Foi o que disse sete meses depois, aqui na terrinha. Havia uns três
superpintores supermodernos supermetálicos porém bucólicos pelas
calçadas. Não eram tão profissionais quanto o primeiro (felizmente;
ilusão quebrada com dúvidas custa mais a atingir o resultado mas dói
menos, muito menos...), não usavam máscaras para salvaram os pulmões
do spray e os quadros eram menores. No resto, eram impecáveis.
Perfeitos mantenedores do estilo. Muitos botos. Muitos planetas. Muito
bonito. Como as capas dos cds no Nightwish. E eu odiei o show deles. E
mal consigo ouvir suas músicas agora.
É o que somos. Alguém nos cria e nos recriamos. Assim e assado, até
que alguém faça cuzin e cozido, sinin e selado, pá e tal ("... e estraga
tudo, enterra tudo, pá-de-cal / enterra todos na vala comum de um
discurso liberal!"). No fim estamos felizes porém inebriados pela
linguagem que aprendemos, a linguagem pós-moderna-metálica-neo-
bucólica que aprendemos daqueles que aprenderam daqueles que...
Como se aprende a falar na língua de um novo grupo de amigos. Agora
falamos a língua do maior de todos eles. O daqueles que
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Quer ler o Dalai Lama mas tem medo do tempo que não terá para
entender. Tem medo do conhecimento ser absorvido dessa nova e
incrivelmente dinâmica forma de aprendizado que permeia o mundo dos
sem tempo: Palavra, nome, conceito. Tudo muito bem separado da
compreensão/sentimento. Sim, é melhor não ler...
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
A Canção Do Retorno
Pra quem sempre olha pela janela ao fim tarde e por segundos quer
fazer toda a loucura que há no mundo. Mas se assusta ao ver alguém no
corredor.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
...e ele às vezes brilha de uma forma tão sonora, que nos relaxa e alivia
tensões cuja presença já estávamos acostumados a não notar, como
mendigos que já não notam a sujeira nas próprias roupas... E dessa forma
renova o seu convite, nos faz novamente saltar de estado -- daquele
perfeito e sereno que a moda, o presente repetido, os livros de autoajuda
e, sobretudo, A Grande Festa (onde ser triste é pavoroso e sorrir é o pão-
com-água de qualquer sobrevivente)-- nos ensinaram, ou quem sabe até
forçaram, a manter.
Porque?
Roupas apertadas, falta de alimento, comer sempre demais.
Frio.
Ele, afinal, não se importa. O astro continua, apesar de nós mesmos ("a
vida segue seu curso, apesar de nós mesmos..."). E vai sempre brilhar,
vai ser sempre tão belo quanto aquela menina é a mais bela mesmo não
sendo uma leitora, uma poetisa, uma compatível, uma cara-minha, um
complemento. Vai sempre brilhar, pois mesmo estrelas que ainda não
foram estudadas por astrônomos e seus pobres recursos têm luz própria e
vida própria e são, em si, a própria vida no universo.
Pois qualquer astrônomo e seu prêmio nobel sabe, muito bem, que são
pobres os seus recursos e que uma estrela só é bem estudada se estiver
em relação com alguma outra (cabe aqui um bom plural). Antes disso, é
apenas um brilho, um brilho perdido que não consegue nos definir sua
canção.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Flickers
Olho abaixo, eu tenho mãos. O que me pode ser mais caro e nobre do
que isso que vejo, do que minhas próprias suaves e rudes e vivas e
também cansadas mãos? As ergo a altura dos olhos, me examino.
Passado de um futuro que não sei, futuro frustrado de um passado sem
ordem, mas sobretudo obediência à minha vontade, ao meu impulso de
erguê-las, espalmá-las, entrelaçá-las numa oração que me lembra do
amor. Sobretudo um presente, que não está em nenhum plano senão o do
coração.
Lampejos. De ser o que vejo (senão com os olhos, mais com a sinestesia
que fala de mim para mim através dessa brisa), tudo que tenho. E ser
muito pouco e nada de menos. E também uma lágrima, que não estaria
se eu estivesse de todo pronto para esse momento, se estivesse de todo
em paz com o que procuro e sinto e o que tanto me ocupa o pensamento.
Uma lágrima que, nesse lampejo de vida, de saber quem sou, é um pulso
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
de alerta, de uma febre da alma que por certo tempo ficou esquecida,
com fome, a espera da promessa pragmática feita pelo homem que
deseja, que tem medo porque não sabe que ser tudo nunca é o bastante
para ser o que se quer, no fundo.
Pois tudo é por demais bonito e breve, para não haver perdão, para ser
em normas e medos comprimido, para não ser tudo que pode e, mesmo
sem glórias e distante do oficial sucesso do mundo, sorrir e gozar,
intensamente, o imenso prazer de mover essas mãos.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
...
Mágica. O elemento que vem e que vai, sensação onírica que aumenta à
medida que se acorda.
Idéia que odeia ser pensada. Poesia que não é para ser escrita, música de
tons e contrapontos que são como uma criança, que são como o mar e o
vento: vêm de Deus as suas danças.
Apenas ser: Nada temos com o mundo dos homens ou o mundo dos
deuses, somos aquilo que há tempos e quase sem querer escolhemos ser,
e a essas escolhas é que prestamos as contas.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Liberdade
sonho:
Viver com honra. Com princípios e direções. Ter uma base, saber de
algum limite, para se ter como apoio. Para se usar no resgate do amor.
Censurar a abertura de feridas ao invés de perpetuá-las a partir da certeza
da cura.
desejo:
Acreditar. Levar o golpe avassalador do momento do fim, ao invés de
sofrer a lenta sangria de viver com o medo e suas "previsões". Ser forte,
sem precisar de muito poder sobre.
"Meu irmão", "Meu pai", "Meu amor". Dar e ver sentido na imagem que
vem com a palavra.
...
Esquecer. Enquanto a dor da esposa que, na cama, acordada, chora sem
lágrimas, encontra conclusão no súbito ronco do marido, no "sono dos
'justos'", virado pro lado.
E fugir. Mais uma vez, fugir, se quebrar, ser julgada por quem só a vê
em seus papéis, pelo ideal dos mais-que-perfeitos já vestida e maquiada.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Então sorri, para o seu corpo, para si, e continua deitado, imóvel em sua
cama, sem nada sentir, com um "mundo inteiro" a lhe esperar lá fora
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
(para ser prático, para escrever um livro, conhecer mais nomes, terminar
o dever de casa, conquistar Joana, adiantar o trabalho, ler revista, ler
jornal, ver sem querer os outdoors, falar no celular)...
Desligado o celular. Fechados os olhos, cerrado o medo de ficar só.
Continua deitado a entregar aquela canção aos seus sentidos, à sua alma
em outono que enfim vê atendidos seus pedidos e que, sem nada lhe
dizer, por não poder falar ainda, vai se embalando em sonhos de sentidos
simples e sublimes: em beijos de lábios macios, sorrisos de mentes
vazias, improvisos em jocosas melodias.
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avenida.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Canção #1
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
O passado mutila a veia que pulsa e o algoz do presente trás nas mãos a
nostalgia.
E por isso eu queria a luz de uma vela e jamais ter ousado acender essa
lâmpada, Elyria.
Porque o outro é tão vivo aqui em mim quanto o é em tua casta de anjos,
e aqui caminha quando vem a noite, quando se sente seguro para abrir os
seus olhos sensíveis demais, sussurrar sua voz e narrar seus segredos --
os contos bonitos das terras do espírito.
amor voltou para mim em sua forma mais feliz e simples: Sem um
passado, sem um desejo, sem um "você". Apenas um fino poder e uma
ilimitada presença, amizade por tudo. Sabor de se estar no que foi e no
que ainda há de ser, consciente que "estar" é a vida do tempo: única
causa e função do presente.
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Depois, vivo.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Nome e Bois
você vem
me toca a face com dedos de vento
tão fortes, porém
que não podem, nunca, ser ignorados.
você vem e dá segurança e identidade e força
e acende outra vez aquele sonhador aprisionado pelas próprias
frustrações.
e tudo é novo e possível e natural e simples
que parece não haver velocidade processos ou ansiedade.
ele sabe que a rigidez, enfim, está em si mesmo, uma ilusão de sonhador,
forma nociva ao dinamismo e ao natural desprendimento daquilo que,
oprimido por ela e por tantas outras formas, as alimenta e sustenta e
existe mais realmente que qualquer realidade: eu.
Eu, que mal me conheço e sou, no entanto, tudo aquilo em que posso
realmente confiar.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Ouvindo Um Madrigal
"Quase tudo que sou é o que *penso* que sou. Outra boa parte é o que
consigo fazer as pessoas acreditarem que eu sou e o que resta, que seria
eu mesmo, eu não faço a menor idéia do que seja. Tenho apenas a
impressão de ser muito pouco e estar há muito abandonado e esquecido."
Montepio.
Quem vive de sonhos sente o peso de seu pecado com o passar de seus
anos.
(que mostra cruelmente as possibilidades com as quais confortavelmente
se podia ficar sonhando se esvaindo pela simples ação do tempo)
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Triste.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Pessoas são meios e não são mais fins. E todo esse "resto" acima citado
são as pequenas coisas que, pelo menos em nossa tenra infância, nos
fizeram sorrir e sentir os sorrisos e os sentimentos -- despidos de nomes
e da moderníssima necessidade de serem chamados de "amor" -- mais
puros.
As pequenas coisas que, hoje em dia, são pequenas demais para nos
satisfazer.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Tela
Amei esse teu branco de uma forma vazia e estranha, como é o que vejo
em você, às vezes.
Amei pela tua necessidade de forma, um potencial que luta para ser
decifrado, uma cor ansiosa por ser decomposta. Como eu. Porquê você
não sou eu, mas é de onde eu mais posso ter, de você eu tiro dando.
Você não é eu, mas reflete o que eu jamais seria, mas tenho. Reflete
minhas paixões sem elas precisarem ser minhas, me deixa livre, assim.
Para mostrar o que eu tenho e não sou.
O que eu tenho e não sou? Sonhos. Imaginação. Você é uma luz que me
livra do escuro e um contraste que impede o sol, tão benéfico, de me
cegar. Então meus sonhos, que seriam pesadelos por não serem nada, são
seus; e já alguma coisa: Música em tintas, visíveis, não me assustam
mais.
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Valter Félix de Carvalho - Helenas
Contato: valterfcarvalho@gmail.com
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