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- A criança e os tempos livres - Comunicação ao II Encontro sobre "O Jogo e o

Desenvolvimento da criança - Perspectivas de investigação", organizado pela Faculdade


de Motricidade Humana. Lisboa, Janeiro de 1994.

MESA REDONDA: A CRIANÇA E OS TEMPOS LIVRES

Domingos Morais / Janeiro de 1994

Mais do que uma enumeração de situações interessantes que vivi


ou conheci de "tempos livres" de crianças, em muitos e diferentes
lugares, gostaria de partilhar e debater algumas questões que se me
puseram quando fui confrontado com o convite para participar nesta
mesa redonda.

Vou tentar situar-me no meio familiar e na comunidade,


deixando à Ana Vieira de Almeida e à Maria Emília Brederode as
omnipresentes televisão e escola, que devem actualmente dividir entre
si cerca de 80% do tempo acordado de muitas crianças (é um palpite
sem qualquer validade científica). Quanto ao tempo que passam a
dormir, já o caso é mais complicado. Embora eu me incline para que
este lhes pertence mais, embora seja bem diferente de criança para
criança, confrontada com o seu sonho, crescendo como pode a partir
das vivências "livres" e "presas" que vai tendo, recuperando das
agressões positivas e negativas da vida, construíndo-se a pouco e
pouco, com avanços e recuos. Para vencer, resignar-se ou perder a
oportunidade de ser ela própria a determinar cada vez mais o seu
"tempo", que só assim será "livre".

Não levem a mal dizer-vos que me preocupa a ocupação


obsessiva dos tempos das crianças, característica marcante do que se
convencionou designar por sociedades modernas. Como se o estar a
fazer qualquer coisa fosse por si só suficiente. Sublinho qualquer coisa,
que para mim tem o significado do que é visível, quantificável, passível
de enumeração, objecto privilegiado da mania classificatória dos
estudiosos da infancia. E no entanto o que seria de nós sem alguns

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desses estudos quantitativos, que abalam as nossas certezas e nos
obrigam a rever o que até aí nos parecia adequado para os grupos e
instituições onde actuamos.

E quando as crianças não estão, aparentemente, a "fazer nada"?


Quando a actividade lúdica não se traduz em "produtos" visíveis? A
nossa maior dificuldade será sempre perceber a tempo o que para cada
criança é importante fazer ou não fazer. É de tal forma difícil, dada a
variabilidade individual e as múltiplas condicionantes, que sem desistir
de tentar proceder da melhor forma, acabamos mais cedo ou mais
tarde por desistir de tentar perceber tudo, retendo nas nossas práticas
o que nos parece não as prejudicar e contribuir para as tornar mais
donas de si próprias. Mesmo quando isso nos custa, por levar a uma
saudável emancipação que nos escapa nos seus contornos últimos.

Refiro-me aqui aos instrumentos básicos do conhecimento, a


leitura, a escrita, o cálculo, as expressões, o conhecimento do meio
próximo. E a socialização e identidade cultural pela ética, a filosofia, a
história, os estudos experimentais, a organização e gestão participada
dos espaços comuns. E tempo para brincarem, ou para,
aparentemente, não fazerem nada, olhando "para dentro" e "para
fora", sonhando acordadas.

Na família e na comunidade, há que criar condições para que


estes instrumentos básicos do conhecimento possam ser exercitados.
E para isso é necessário termos adultos preparados e disponíveis para
as crianças. O que parece ser cada vez mais complicado.

O que de bom se faz na escola e passa na televisão, raramente


tem continuidade ou é utilizado noutros contextos, revelando uma
dramática segmentação das vivências infantis.

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Defendo há muito a necessidade de criar espaços de
circulação para as crianças, o que nada tem de original. Foi desta
forma que os grupos de humanos resolveram, desde sempre, a
educação das novas gerações.

No prédio ou na rua onde vivem, há que procurar abrir outras


portas além da de cada um. É a colaboração dos vizinhos, que se
constroi pela solidariedade e sensibilidade e se inicia pelo sorriso e
algumas palavras e ganha densidade e qualidade nos convites
recíprocos, nas festas, nas viagens conjuntas, nos projectos e tarefas
comuns, no apoio desinteressado na adversidade.

No bairro, são os locais abertos às crianças. A começar pelos


serviços públicos, as associações e colectividades desportivas e
culturais, os transportes públicos, o comércio local. E nos restantes
locais de trabalho, onde e quando possível.

Toda a comunidade se deve sentir directamente responsável


pelas suas crianças. E não apenas os técnicos de educação, de saúde,
de serviço social, de animação sócio-educativa. Porque as sociedades
modernas, apesar dos recursos e técnicas de que dispõem e dominam,
cuidam e educam cada vez pior as suas crianças e têm sido incapazes
de encontrar soluções ou antídotos para muitos dos velhos e novos
perigos que as ameaçam.

Não referi até agora os centros de actividades para


crianças, as ludotecas e bibliotecas, que felizmente são uma realidade
em crescimento no nosso país. São a meu ver um complemento
indispensável da família, vizinhos e comunidade. Sem essa
complementaridade, correm o risco de se tornarem instituições
asilares, sem capacidade de adaptação aos grupos e crianças que
servem. Acabam, em muitos casos que conheço, por dar resposta a
problemas para que não estão vocacionadas, como o acolhimento de

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crianças que não têm com quem ficar, o prolongamento da escola e
dos trabalhos de casa, o refeitório que fornece o lanche.

Retomo agora o direito ao "tempo livre" que todas as


crianças deveriam ter. Tal como o entendo, ele tem que existir em
todas as situações e locais onde a criança está. Na família, na
comunidade, na escola.

Na família, onde tem direito a ter o seu espaço próprio, sendo


coincidente com o direito a brincar, a que eu acrescentaria, com os
parceiros adultos presentes. A criança precisa de brincar sozinha, como
sabemos, mas tem a necessidade incontornável de brincar com os
adultos e as outras crianças da família. Brincar também pode ser ajudar
nas tarefas quotidianas, fazer um brinquedo, ler em conjunto um livro,
ver a televisão que se combinou ver, participar nos projectos de todos,
responsabilizar-se por algumas tarefas ao seu alcance (tratar de
animais, ir fazer algumas compras, arrumar a roupa). E é a brincar que
o faz, porque não deve ser obrigada a fazê-lo, nem a ser perfeita, nem
eficaz, muito menos responsabilizada indevidamente por tarefas da
responsabilidade dos adultos que nem sempre distinguem exploração
do trabalho infantil de colaboração e participação.

Na comunidade, que tem de se organizar e preparar para viver


com as crianças. É inaceitável ter espaços e ruas que constituem uma
ameaça permanente à circulação de crianças, não dispor de parques ao
ar livre onde possam brincar em segurança, não poder utilizar os
transportes públicos por constituirem por vezes um sério risco. É
inaceitável ver crianças serem ignoradas em serviços públicos que têm
como primeira obrigação servir, todos nós, e especialmente as
crianças. E as organizações e associações têm de fazer o que puderem
para proporcionar às crianças "locais de abrigo" estimulantes, em
alternativa às situações asilares que conhecemos.

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Na escola, onde os mecanismos e rotinas necessários à aquisição
dos instrumentos básicos do conhecimento têm de ser temperados
com actividades de livre escolha, a expressão de sentimentos e
emoções, a especulação criativa. Sem esquecer que nem tudo tem de
ser escolarizável, avaliável, quantificável, para ser considerado útil.

Para que as crianças tenham direito ao seu tempo, livre de


preferência. E para que os adultos dediquem um pouco mais dos seus
tempos livres às crianças.

Domingos Morais (11/1/1994)

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