A - Panorama global
Nos outros países europeus a situação não foi muito distinta. Os níveis de
abstenção foram também elevados só sobrando 9 países onde se situou
abaixo dos 50% e onde se contam casos de voto obrigatório; e apuraram-se
6 países com níveis de abstenção superiores a 70%, todos a leste, recém-
incorporados na UE, o que não parece evidenciar muito entusiasmo por
parte dos seus povos. Estes níveis de abstenção revelam o desencanto face
ao momento actual da integração, a falta de esperança nas capacidades
das chefias aos vários níveis, a escassa atração da oferta eleitoral.
Posto isto torna-se mais esclarecedor saber quem ganhou e quem perdeu,
não?
Já antes da absorção (há quem lhe chame… adesão) do país à então CEE
(1986) o PS/PSD no poder sempre pretendeu que a multidão tivesse sobre a
integração europeia, as seguintes ideias:
• Elemento inevitável, qual força centrífuga que atrai tudo na periferia ou,
se se preferir, buraco negro cujo conteúdo ninguém verdadeiramente
parece capaz de modelar;
• Elemento inelutável, imposto por determinação divina que, por esse
motivo deve afastar a plebe de qualquer exercício de compreensão, dado
o carácter insondável dos desígnios do deus Mercado;
• Factor de modernidade associado a autoestradas, circos eleitorais,
investimento estrangeiro, flexibilidade nas leis laborais,
empreendorismo, exportação a todo o custo e reformas, reformas a
granel, sempre por acabar mas, por acaso, sempre lesivas dos
assalariados e dos pobres;
• Factor de prosperidade, sobretudo pelo muito, muito dinheiro de
transferências de Bruxelas que os países ricos, condoídos com o atraso
português têm mandado para remissão dos seus pecados… com fim
anunciado para 2013;
• Coisa complexa demais para as capacidades da plebe e que só o
mandarinato, em seu alto saber e elevado espírito de sacrifício consegue
perceber, descodificar e negociar a favor do povo, após duros combates
com as instâncias comunitárias;
• Sendo ignaro o povo, seria perigoso para o mesmo, perguntar-lhe, na sua
infantilidade ou atraso mental, se queria aderir à CEE, adoptar o
Schengen, criminalizar os imigrantes, aceitar o euro, opinar sobre o
tratado de Lisboa, balizar a vida pelo PEC e pelos ditames do BCE; já
Salazar, ascendente directo do PS/PSD, dizia não estarem os portugueses
preparados para o exercício da democracia;
• Como a crise num país pequeno e atrasado é endémica, os portugueses
foram conduzidos à aceitação da desestruturação da economia, ao roubo
levado a cabo por empresários e mandarins aos cofres dos fundos
europeus e dos impostos domésticos, sob o nome de investimento e
inovação, liberalização e modernização;
• A própria imprensa pouco relevo tem dado à questões europeias e, tal
como os assuntos internacionais ou globais, têm menos notoriedade que
um jogo do Ronaldo ou as fotos da Carla Bruni. Por seu turno, os
deputados europeus têm-se mantido ignorados, na exacta medida em
que também pouco se esforçam para ter visibilidade. Recorde-se, que
recentemente a lei do controlo da internet (lei Hadopi) só surgiu na
imprensa paroquial, em vésperas da sua votação no PE e semanas
depois do assunto andar a circular por blogs e emails.
1. Número de inscritos
nº % nº % nº %
INSCRITOS 8.695.600 8.748.600 9.491.492
VOTANTES 3.480.948 40,03 3.394.356 38,80 3.555.088 37,46
Votos expressos
BRANCOS 63.573 1,83 87.193 2,57 164.815 4,64
NULOS 53.245 1,53 47.344 1,39 71.103 2,00
DIRIGIDOS 3.364.130 96,64 3.259.819 96,04 3.318.980 93,36
Ainda no capítulo dos inscritos e, não incluidos nos números atrás referidos,
há a registar a passagem de quase 20 mil para 168 milhares, do número de
eleitores na emigração; e isto, porque se lembraram de colocar os
residentes fora da Europa com possibilidades de voto nas eleições
europeias, com resultados decepcionantes, como se esperava. Muitos nem
saberão que existem eleições europeias ou, estar-se-ão nas tintas para um
país que os obrigou a zarpar, por não lhes dar uma vida digna.
2. Número de votantes
Essa evolução dos votantes face a 2004 foi, contudo, diferenciada, sendo
superior a 10% em Viseu (13%), Braga, Faro e Leiria e negativa nos Açores
(-16%), Beja e Portalegre, situando-se em Lisboa um crescimento de 2.1%
nos votantes.
Cavaco é dos que não pensa assim. Em pleno periodo de reflexão(?) apelou
ao voto, excepcionando-se assim, como “supremo magistrado da nação” às
obrigações de toda a gente, considerando que a abstenção é acto
condenável e que o “eleitorado” é um terreno de caça, livre até ao
momento do voto. Depois disso, o cidadão votante é (e sabe que é),
naturalmente esquecido nas suas perspectivas e no seu direito de exigir, a
qualquer momento, responsabilidades a quem elegeu. E não esqueçamos
que a augusta figura não discerniu que marcar eleições para um domingo
de início de uma semana de feriados não seria a melhor forma de favorecer
a afluência. Ai aquela cabecinha…
Uma vez que os cidadãos se vêm mostrando cada vez menos atraídos pelo
partido-Estado PS/PSD, começam neste, a ficar preocupados com o seu
próprio descrédito. Se os eleitores se abstêm em massa e como o PS/PSD,
por axioma, tem sempre razão, quem está errado são os seis milhões de
cidadãos que não votaram. Portanto, Carlos César, o kaiser dos Açores
alvitrou o voto obrigatório! Irão inventar uma coima? Mandam a polícia lá a
casa com a urna? E, se aparecerem muitos votos em branco ou nulos
instalam uma câmara de filmar para punirem os desobedientes? Orwell,
“1984”.
Votar ou não votar são actos que têm por detrás cálculos e reflexões
múltiplas e diferenciadas. E nenhuma dessas opções deverá ser considerada
como vaca sagrada. O exercício da democracia vai muito para além do voto,
contrariamente ao que propõe o mandarinato que só desce às ruas, às
feiras e mercados, de vez em quando, rodeado de poluição sonora e
papelada, de convivas sorridentes e seguranças de óculos escuros. E,
mesmo para quem despreze a cleptocracia e o folclore eleitoral, sabendo
que nunca a revolução e a democracia foram instaladas sem a destruição da
ordem estabelecida (Allende já cá não está para o confirmar…), votar não é
acto vergonhoso mas, um acto de intervenção possível, limitado, a utilizar
quando útil e conveniente e nada mais do que isso.
O significado dos votos brancos ou nulos no total dos votos entrados nas
urnas é conhecido e representa atitudes de rejeição mais genéricas no
primeiro caso, mais expressivas no segundo, embora aqui também se
registem casos de erro técnico de preenchimento do boletim de voto.
No capítulo dos votos nulos, de novo se destaca Leiria onde o conjunto dos
votos em branco ou nulos atinge 10.8% dos votos expressos.
a) Esquerda
É notório o crescimento da votação na esquerda institucional no seu
conjunto, que passa de 13.6% em 1999 para 24.4% do total, em 2009 e que
permitiu a passagem de 2 para 5 deputados, com todo o acréscimo a favor
do BE.
De facto, em dez anos a CDU mantém a sua votação num mesmo patamar,
recuperando no dia 7 as perdas de 2004 enquanto que o BE, sextuplicando
a sua votação desde 1999, consegue alcandorar-se à posição de principal
força eleitoral na esquerda institucional.
• Esses possíveis retornos ao voto PS, para serem minorados exigem uma
trabalho muito pesado e credível por parte da esquerda, como o
envolvimento dos descontentes em iniciativas de luta, de perspectivação
para a criação de dificuldades à gestão capitalista, combate aos
despedimentos, à redução dos padrões de vida da multidão, à
delapidação territorial e ambiental com os PIN, etc. Estará a esquerda
institucional com vontade e capacidade para enveredar por esse
caminho? Ou prefere, como na Itália, suicidar-se politicamente aos pés
de Berlusconi, incapaz de gerar alternativas e promover luta acirrada ao
burlão?
b) Direita comum
O PS/PSD tem uma evolução que merece especial destaque dado o seu
carácter de partido-Estado, com duas facções que se digladiam, para
encenar divergências programáticas pouco relevantes: