GÊNESE DA IDEOLOGIA
REPUBLICANA NO BRASIL
CAPÍTULO I
FORMAÇÃO NACIONAL
A verde “Terra dos Papagaios”, por vezes cobiçada pela ganância de franceses,
ingleses e holandeses, foi, na primeira fase da colonização, o mercado de abastecimento do
pau-brasil, resinas, frutos silvestres, peles e couros, aves e peixes, produtos que o indígena
trocava de bom grado com os pirateadores das costas. Isto, talvez, foi a causa mais eficiente
que determinou à Corte Portuguesa o Policiamento dos mares e terras brasílicas, e o
aproveitamento de sua vasta colônia. Interessado pelas especiarias indianas e o comércio do
oriente, Portugal não viu vantagem imediatas na exploração do Brasil e somente em 1532
Martim Afonso de Sousa fundou os núcleos de São Vicente e Santo André da Borda do Campo,
que logo se tornaram eficientes e prósperos. Experimentou a cultura da cana do açúcar e
introduziu a criação do gado. Iniciou a procura de metais preciosos, penetrando o interior do
país. Com o estabelecimento das Capitanias e Governos Gerais dilataram-se esses objetivos –
lavoura, pecuária e mineração – como fontes do desenvolvimento econômico da colônia. O
comércio era todo feito com a Metrópole Portuguesa e o Tesouro Público ia recolhendo os
fartos proventos que a terra brasileira prodigalizava.
A nossa formação social avulta como uma conseqüência da situação econômica.
Em meio à baixada dos canaviais verdes e ondulantes ao sopro da brisa litorânea
do nordeste, ergue-se a casa de engenho com a vida senhorial da burguesia luso-brasileira.
Ela forma os nossos primeiros parques industriais e a melhor organização econômica do Brasil
colônia, logrando as primeiras fortunas imobilizadas, a valorização da terra e do trabalho.
O senhor de engenho granjeou um perfeito sinônimo social no fazendeiro. Os
pampas do Sul e, mais tarde, os campos gerais da Amazônia serviram ao pastoreio do gado
bovino, cavalar e muar, e ao aparecimento dos vaqueiros destemidos das coxilhas e planícies,
ou do sertanejo nordestino.
Em torno às fazendas plantavam o milho, o feijão e a mandioca, criando uma
lavoura incipiente, que não abandonou os processos rotineiros senão com o aparecimento da
cultura cafeeira do vale do Paraíba, do Tietê e do Rio Doce.
A mineração trouxe o tipo paciente e resignado do garimpeiro ou dos faiscadores
que buscavam a riqueza mineral do interior do país lembrando, em suas peregrinações pelas
matas intrincadas, a alma denodada dos caminheiros marítimos dos descobrimentos. Iniciada a
marcha para o ocidente semearam os núcleos de povoamento do hinterland brasileiro e
dominaram o coração do Continente.
Não se pode deixar de notar o grande incentivo que trouxe ao organismo nacional
a permanência no Brasil de D. João VI e sua numerosa Corte.
A abertura dos portos, a liberdade de indústria, a fundação da Imprensa Régia, da
Academia Naval, da Biblioteca Nacional, do Jardim Botânico, do Banco do Brasil e os vários
melhoramentos públicos deram um impulso excepcional à vida do país e patentearam o desejo
do Regente de construir um novo Império em terras da América.
Criava-se assim no Brasil o ambiente da Metrópole.
Efetivamente aqui estava o monarca presidindo o desenvolvimento econômico de
seus domínios americanos.
O comércio pode enfim libertar-se, buscando consumidores em pontos diferentes
da Europa.
As estradas, partindo em várias direções, abriram caminho aos produtos do
interior e movimentaram as possibilidades naturais, que jaziam sem aproveitamento.
Este incisivo impulso de nossa economia consolidou a formação nacional e trouxe
ao país novos rumos políticos.
O regresso apressado de D. João VI a Portugal interrompeu, é certa, a marcha
administrativa que se processava promissora no Brasil, mas não aniquilou a influência social e
econômica da permanência da Corte em nosso país.
A sociedade brasileira ganhou foros de civilização e de nobreza.
As boas medidas tornadas pelo governo atraíram as simpatias populares e deram
a certeza de que havia o desejo de modificar o ambiente social e, principalmente, econômico
do país.
Não pensava D. João voltar tão cedo a Portugal e ter-se-ia deixado aqui ficar se a
Revolução do Porto não determinasse, de modo categórico, o seu regresso. Assustara-se
Portugal com o desenvolvimento da Colônia e inquietava-o a permanência da Corte no Brasil.
No entanto, a ausência do Rei serviu antes para apressar o movimento de independência, pois
aqui ficara o elemento mais eficaz e mais seguro dessa aspiração brasileira, que foi D. Pedro.
O ambiente que se criara no Brasil em 1820 não poderia regredir à época anterior
a 1808. A situação econômica e a inquietação social e política do país dera-lhe o grito de 7 de
setembro como, 67 anos mais tarde, o 15 de novembro.
Sob o Império de D. Pedro, o Brasil estabeleceu a organização política que de há
muito esperava, mas a situação econômica levou o Governo a contrair os empréstimos
negociados em Londres em 1824 e 1829.
A impopularidade do Imperador, agravada pelos sucessos de D. Miguel, em
Portugal, fê-lo abdicar a 7 de abril de 1831 o cetro do Brasil e afastar-se do cenário americano.
A Regência suportou com Feijó ou Araújo Lima uma situação social e econômica
bem difícil para a vida nacional. A maioridade de D. Pedro II (1840) e o 2º Império deram ao
país meio século de governo profícuo, repercutindo além-fronteiras a energia do monarca
brasileiro.
A abolição de escravos trouxe a crise mais intensa e mais desastrosa para a
economia nacional, que oscilava ao cadenciar rítmico do negro agrilhoado ao eito do senhor,
mas libertou a consciência da desumana situação moral desses parias do destino, fazendo-os
caminhar pela mesma senda emancipadora que se abria às aspirações da população
brasileira.