Uma destas filosofias eleva o homem, acima de tudo, e se pode ver seu
assunto de maneira fácil e clara com ilustres exemplos.
Hume nos mostra dois tipos de filósofos, um deles é o profundo, que cai em
seus erros e raciocínios, mas um erro gera necessariamente outro, e assim faz
com que o filósofo continue a deduzir suas conseqüências, e não se deixa
recuar. Já o outro filósofo que gosta de apresenta o senso comum da
humanidade “com cores mais belas e mais atraentes”. Mas quanto este cai em
erro, não sabe dar outro passo para ir mais longe, acaba voltando ao caminho
certo e assim se resguarda, voltando novamente para o senso comum e os
sentimentos naturais, acaba sendo um filósofo puro.
Embora esta filosofia, estes estudos parecerem fatigantes, difíceis, escuros faz
com que o homem se exercite severamente a encontrar prazer numa coisa que
a maioria dos homens se afigura árdua e trabalhosa, mesmo sabendo que a
filosofia obscura e profunda e abstrata não só é penosa e fatigante, mas
também uma fonte inevitável de incerteza e erro. Isto tudo torna o homem mais
feliz, porque exige esforços da vaidade humana, mas ele próprio pode se ver
extraindo luz da obscuridade, por mais trabalho que custe.
Para se libertar das instruções uma vez por todas dessas questões abstrusas
Hume diz existir um único meio, de sermos libertos da obscuridade: investigar
seriamente a natureza do entendimento humano e mostrar, mediante uma
análise exata de seus poderes e capacidade, de que ele não se ajusta de modo
algum a assuntos tão abstrusos e remotos. O raciocínio exato e justo é o único
antídoto da humanidade, apropriado a todas as pessoas, e só ele pode
modificar essa filosofia abstrusa difícil.
“E impressões são distintas das idéias, que são as percepções menos vívidas,
das quais estamos conscientes quando refletimos sobre quaisquer umas das
sensações”.
Existe um princípio das conexões mentais, já que elas seguem certos métodos
e regularidades, apesar dos limites que distinguem uma idéia da outra não
serem bem definidos. “Mesmo em nossos devaneios mais desenfreados e
errantes – e não somente neles, mas até em nossos próprios sonhos -,
descobriremos, se refletirmos, que a imaginação não correu inteiramente à
solta, mas houve uma ligação entre as diferentes idéias que se sucederam
umas às outras. Se a mais negligente e indisciplinada das conversas fosse
transcrita, observar-se-ia imediatamente algo que a manteve coesa em cada
uma de suas transições”. A evidência disso é a rejeição imediata de
pensamentos que interrompam o fluxo e encadeamento das idéias.
Segundo Hume a razão opera sobre dois tipos distintos de objetos: relações de
idéias e questões de fatos. As relações de idéias são constituídas pela álgebra,
aritmética e geometria, isto é, pela matemática (não é uma ciência da
quantidade, é uma ciência construída dentro das relações construídas no
interior da razão). Os objetos matemáticos podem ser pensados, construídos,
ter suas propriedades deduzidas sem qualquer apelo a existência. A
matemática é uma ciência pura da razão, que em sua constituição em nada
depende do mundo.
Hume através de exemplos tenta provar que as causas e os efeitos não podem
ser conhecidos pela razão e sim pela experiência. Tudo o que sabemos origina-
se na experiência, é sempre particular e provém da indução, porém esse
conhecimento é influenciado pelo hábito. Assim aquele que nunca jogou e tão
pouco ouviu falar em brilhar, se é posto diante de uma mesa deste jogo não vai
ter uma noção pré-concebida (racionalmente) da maneira como este ocorre.
Poderia esperar que a bola batesse na outra e voltasse para trás, por exemplo.
Somente pelo exercício da experiência é que ele provaria a certeza do jogo.
Ele mostra que todo efeito é uma ocorrência distante de sua causa, por tanto
não há aí um vínculo que implique necessidade que tal coisa ocorra como
ocorrera antes. Não temos prova de que o passado é causa do futuro, ou seja,
não há nada no passado que implique o futuro. Retomando o exemplo do jogo
de bilhar, se não consultarmos a experiência podemos considerar seu efeito
arbitrário, porque ao jogar poderíamos imaginar que uma bola, ao bater na
outra poderia pular, ou então, ambas ficarem paradas. Nenhum raciocínio a
priori nos levaria a verdadeira caminhada da bola de bilhar enquanto não
tornamos a realidade da experiência do jogo.
No trigésimo parágrafo, Hume salienta que pelo fato de que seja uma
argumentação difícil a escape a sua indagação, alguns já concluem que não
exista. Ele propõe aventurar-se numa tarefa mais difícil: enumerar os ramos do
conhecimento humano e, averiguar que nenhum deles pode fornecer tal
argumento, ele expõe que o raciocínio se divide em duas espécies: a primeira
espécie o raciocínio demonstrativo e a segunda a raciocínio moral.
Primeiramente Hume destaca que não há raciocínio demonstrativo, pois tudo
que é inteligível e pode ser claramente concebido não envolve contradição e,
nunca se poderá provar uma falsidade por um argumento demonstrativo ou um
raciocínio abstrato “a priori”. Tudo isto prova tal argumento de existência real.
Como já havia dito, os argumentos relativos se baseiam na relação de causa e
efeito, ou seja, as nossas conclusões experimentais partem da suposição de
que o futuro será conforme o passado.
Podemos concluir então que acreditar em algo é acreditar em algo que está
presente neste momento na memória, ou em contato com os sentidos. Todas
as operações da alma derivadas das experiências são espécies de instintos
naturais, o hábito de esperar que de um objeto surja outro faz parte desses
instintos.
A imaginação do homem é livre. Através das idéias que obtemos pelos sentidos
somos capazes de fazer operações e raciocinar sobre elas. Porém, existe uma
diferença entre raciocínio e crença por hábito. Sobre o raciocínio, nossa mente
é capaz de anexar idéias voluntariamente. As crenças são involuntárias.
Acreditamos que os objetos das nossas experiências realmente existem, e não
está em nosso poder não acreditarmos nisso. A crença é excitada em nós pela
natureza, por algum sentimento ou sensação. “É nisso que consiste toda a
natureza da crença. Porque, como não existe matéria de fato em que
acreditemos tão firmemente que não possamos conceber o contrário, não
haveria nenhuma diferença entre a concepção admitida e a rejeitada se não
fosse algum sentimento que distingue uma da outra”.
Causa e efeito é uma espécie de prova das coisas, por isso é tão forte para a
crença quanto a contigüidade e a semelhança. Ao olharmos um retrato e
relembrarmos uma casa onde vivemos, é necessário acreditar na existência
dessa casa. Portanto essa transição do pensamento a qual denominamos
crença não procede da razão, tem origem no hábito e na experiência. “E, como
nasce de um objeto presente nos sentidos, torna mais viva e forte a idéia ou
concepção do que qualquer devaneio solto e desconexo da imaginação.”
Embora não sejamos capazes de conhecer as causas do curso da natureza,
sabemos que o hábito é o princípio pelo qual se estabelece a relação
harmônica entre as causas naturais e a sucessão das nossas idéias.