Cláudio de Almeida
Niterói
2009
Resenha crítica: ARRUDA, José Jobson de Andrade. Bauru, SP; EDUSC, 2008. Uma
Colônia Entre Dois Impérios – A Abertura dos Portos Brasileiros (1800-1808).
Poucos historiadores construíram um nome com a solidez e a importância de José
Jobson Arruda, o que foi reconhecido por toda uma geração de estudiosos que lhe
reputavam o mérito de ter, em O Brasil no comércio colonial1, apontado relevantes aspectos
do relacionamento Brasil/Portugal.
Neste novo trabalho ele aponta para o caráter coadjuvante não só de Portugal, mas
também de sua principal colônia, diante dos interesses britânicos diante da conjuntura das
guerras napoleônicas: fosse a vinda da Corte ou os tratados de 1810 – eventos associados à
Abertura dos portos brasileiros, o lócus decisório estava nucleado no Forein Office.
Para ele duas datas destacam-se, a saber: 1800 (quando o contrabando sofreu uma
sensível escalada) e 1808 (quando se oficializa um “arrombamento” dos portos)
avizinhando-se uma mudança estrutural na política inglesa no sentido do imperialismo.
Isso é só aparentemente um desmerecimento, já que ele faz uso de um documento
até pouco inédito, e que foi cedido por Patrick Wilken2. Pelo mesmo, na conjuntura das
guerras napoleônicas, da batalha de Trafalgar e do ataque a Copenhagen e à frota
dinamarquesa em vias de ser incorporada na ordem de batalha dos franceses, um
documento do governo britânico apontava para a possibilidade de enviar forças militares ao
Brasil – com ou sem aprovação do governo luso. Portanto, antes da Convenção de 1807 já
havia planos para a eventualidade de uma “anexação” de Portugal por Bonaparte. Pelo
plano esboçado, haveria desembarques no Rio de Janeiro, Santa Catarina ou Salvador, e daí
ataques contra Buenos Aires, Caracas e Lima – vitais para escoar os produtos ingleses para
o interior da América do Sul (p.34).
No capítulo 1 denominado O Choque franco-britânico e a Convenção Secreta ele
constrói a conjuntura tormentosa que opunha militar, política e economicamente ingleses e
franceses, ressaltando as possibilidades materiais militares que favoreciam Londres ou
Paris. Nesta seção é que ele revela o plano de ação da diplomacia inglesa em relação a
Lisboa e o Brasil, até a Convenção Secreta assinada em outubro de 1807 por Canning e d.
Domingo de Sousa Coutinho (plenipotenciário português). No extremo ele analisa o
impasse derradeiro entre os ultimatos napoleônico e inglês, e a decisão lusa.
No segundo capítulo A colônia entre dois imperialismos: do mercantilismo ao livre-
cambismo seu foco desloca-se para a análise das novas feições que a política britânica ia
3 p. 47.
4 P. 92.
podem ser extrapolados para a rede portuária em geral, “... onde o aparato repressor era
menos eficiente”5.
Ele conclui então esta seção abordando a figura histórica de d. João e buscando
fazer um juízo crítico sobre franceses e ingleses nesta história, concluindo que se
quisessem, os ingleses podiam ter defendido o governo luso na própria península, pelo que
o complexo trabalho de transferência do governo português e expulsão dos invasores podia
ter sido feito mantendo o “isolamento” do Brasil.
Lançado em meio às comemorações dos 200 anos da vinda da corte joanina, o texto
preservou uma qualidade fundamental. Aliou uma série de informações relevantes com um
inédito documento da chancelaria britânica, intencionando uma série de operações militares
na América do Sul, concernentes às guerras napoleônicas. Reviu números, requalificou
informações e ponderações, manteve o diálogo com as interpretações de Valentim
Alexandre e, ao termo do trabalho temos uma leitura instigante e pertinente.
Ao lado de novos olhares e números, inconstantes como as águas e os ventos que a
todo instante mudam a paisagem, ditam o ritmo e os rumos da viagem, o autor nos faz
navegar para além dos tempos, por portos, biografias e interesses, que cobrem o Atlântico –
este espaço tri-continental, tão vasto e ao mesmo tempo tão contido, como as margens de
um rio6.
5 P. 117.
6 SILVA, Alberto da Costa e. Um Rio Chamado Atlântico – A África no Brasil e o Brasil na África. Rio de
Janeiro, Edit. UFRJ.