Nota
Cabe registrar o que não convém tratar por meio de psicoterapias breves. Meu
ponto de vista é o de que todas as terapias de longo prazo deveriam se basear em
premissas similares às apontadas acima: uma base teórica eclética, um projeto definido
de trabalho proposto e praticado por um terapeuta humano, sensato, empático, ousado e
maduro emocional e moralmente. Porém, há distúrbios que sabemos, pela experiência,
que exigem mais tempo de convívio, falta total de pressão de resultado em um dado
tempo e enorme paciência e persistência por parte do terapeuta e do cliente. Entre os
casos que se enquadram nessa categoria, cito: narcisismo (narcisismo patológico na
linguagem de alguns autores, tais como Kernberg; do meu ponto de vista, narcisismo é
sempre patológico, pois corresponde a egoísmo, baixa auto-estima e descontrole de
emoções, especialmente agressivas) e todos os outros distúrbios de personalidade mais
graves. Vale o mesmo para os transtornos obsessivo-compulsivos, que exigem
tratamento mais longo, uso de medicações antidepressivas e eventuais recursos
comportamentais. Dentre as questões que envolvem os sentimentos amorosos, as
histórias de paixão por vezes exigem tratamentos prolongados e muita paciência, uma
vez que as pessoas costumam encontrar grandes dificuldades em resolver os dilemas
triangulares usuais nesses casos. Como já apontei, o tratamento dos casos de
homossexualidade, quando é essa a vontade do paciente – e só nesses casos é que cabe
tratamento – requer perícia, paciência e persistência por parte das duas partes
envolvidas no trabalho.
SUMÁRIO
1. O presente texto faz um relato histórico sucinto e pessoal de como foram as minhas
vivências e reflexões acerca dos processos psicoterapêuticos ao longo do século XX e
em especial no período correspondente aos últimos 40 anos, por mim acompanhados
pessoalmente. Faço um relato da evolução do pensamento psicanalítico e também das
reflexões ligadas aos tratamentos de base comportamental. Mostro como muitas
técnicas foram construídas graças à influência do pragmatismo norte-americano, de
modo a desembocar em um tipo de tratamento não comprometido com nenhuma escola
específica e que aqui estou chamando de psicoterapia breve sem escola.
2. O fundamento teórico para um trabalho desse tipo não implica em ausência de
formação teórica. Ao contrário, passa por uma mente aberta e porosa capaz de
incorporar aspectos positivos e geradores de bons resultados práticos presentes em todos
os tipos de psicoterapia. Em essência, pode ser definido como respeito ao paradigma de
que somos seres bio-psico-sociais, expressão corriqueira mas difícil de ser entendida em
toda sua profundidade. Pretendo mostrar em algum detalhe as características
correspondentes a esse modo de ser que nos faz ter como “natureza” o fato de não
termos natureza fixa. Descrevo como cada um desses elementos da tríade interfere sobre
os diversos tipos de problemas e patologias que temos que nos haver em nossa prática
quotidiana, mostrando sempre a enorme inter-relação que existe entre os três segmentos
que nos constituem.
3. Analiso em seguida as peculiaridades essenciais de um bom terapeuta, aquele
preparado para melhor ajudar seus pacientes. Isso parece ser mais importante do que a
escola a que o terapeuta se filia. Entre as competências fundamentais estão a boa
capacidade de estabelecer uma relação empática – entendida como capacidade de entrar
na alma do outro e não apenas se colocar no lugar do outro –, além de adequada
evolução emocional e moral. O bom terapeuta tem que ser ousado, sem medo de errar e
principalmente sem problemas para reconhecer o erro e aprender com ele. Não deve
olhar seu paciente como alguém a ser catalogado segundo critérios preexistentes.
Idealmente deveria “esquecer” tudo o que sabe para melhor ouví-los de uma forma que
seja livre de idéias pré-concebidas.
4. A primeira consulta em tratamentos desse tipo é de fundamental importância, pois
será o momento em que o terapeuta se deixará conhecer, sendo essencial que se mostre
como é, sincero e confiável – se assim o for. O paciente terá que se sentir seguro, porém
o terapeuta terá que ser cauteloso nas interpretações de modo não assustá-lo e intimidá-
lo. O mais importante é que ambos, em conjunto, sejam capazes de chegar a um acordo
a respeito de um projeto de trabalho que implique na escolha de um tema específico a
ser abordado com a finalidade de poder limitar o trabalho a um número relativamente
baixo de consultas e também com o intuito de aumentar a eficiência do próprio processo
terapêutico. O trabalho psicoterapêutico poderá se estender para além do prazo previsto
e mesmo depois de atingidos os objetivos propostos; só que agora se trata de um
processo facultativo, dependente do interesse e fascínio que o paciente tenha
desenvolvido pelo autoconhecimento.
5. Em termos bastante genéricos são descritos vários tipos de procedimentos
terapêuticos relacionados com o tipo de visão que desenvolvi em decorrência da enorme
experiência clínica que acumulei ao longo de quase 40 anos de trabalho. Muitos casos
se beneficiam mais de tratamentos de caráter comportamental e também cognitivo-
comportamental. Outros são muito facilitados pelo uso concomitante de medicamentos.
Muitas vezes o uso de fármacos substitui o trabalho de tipo comportamental. Quase
todos os pacientes se beneficiam de algumas sessões de caráter dinâmico, onde são
discutidos elementos históricos capazes de explicar, ao menos em parte, o que
vivenciam hoje e construir propostas claras de mudanças para o futuro. Outras vezes o
que se busca é a experiência emocional corretiva no seio do próprio contexto da relação
profissional-paciente, base para mudanças que tendem a se estender para todos os
domínios da vida da pessoa. De todo o modo, espera-se que um bom resultado naquilo
que foi focado seja capaz de se espalhar, trazendo progressos em outras áreas da vida
emocional e prática do paciente.
Como saber qual omelhor caminho a seguir para atingirmos o estado de plena
felicidade? Temos sidoestimulados a pensar que, hoje em dia, podemos alcançar essa
permanente harmoniagraças aos enormes avanços da tecnologia – e a consequente revolução
de costumes – quenos permite viver com muito mais conforto e liberdade que nossos
ancestrais.Aprendemos a acreditar que o “paraíso” é aquimesmo!
Nossasobservações e sentimentos estão em franca oposição a expressões do
tipo:“dinheiro não traz felicidade”; ou “sexo não é tão essencialpara uma boa vida conjugal”; ou
ainda “é perfeitamente possível ser felizsozinho”. Notamos o olhar e a expressãode alegria dos
casais apaixonados e queremos vivenciar o mesmo que eles. Somosinformados acerca do
“glamour” que cerca a vida daqueles que são ricos e famosose não podemos deixar de pensar
que estão experimentando momentos de grandefelicidade. Quanto ao sexo então, morremos
de inveja dos mais livres edesinibidos, os que são sedutores e tem sucesso nas conquistas;
imaginamos queseus relacionamentos íntimos são de uma intensidade que jamais tivemos
aoportunidade de alcançar.
Por onde começar?Devemos buscar primeiro o amor ou o dinheiro? Qual deles é mais
importante paranossa felicidade? E o sexo, como participa dessa equação? Penso que uma
boaresposta é a seguinte: o mais importanteé aquilo que está faltando! Se não temos nada,
tudo é igualmente importante.Se temosum bom parceiro amoroso e pouco dinheiro, esseserá o
ingrediente mais valorizado. Nosso psiquismo é curioso: se ocupaprincipalmente daquilo que
não está indo bem; parece que foi forjado com oobjetivo de resolver problemas. Se estivermos
doentes, só nos interessaremos emrecuperar a saúde e só nisso pensaremos. O mesmo vale
para os apuros financeirosou para a sensação de solidão. Ao recobrarmos a saúde – assim
como aestabilidade material – ou ao reatarmos com nosso parceiro, imediatamente
nosdesinteressaremos desses assuntos.
Pessoas que têm uma vidasexual pobre e repetitiva anseiam, mais do que tudo, com
um cotidiano erotizadoe voluptuoso. Ao contrário do que acontece com o amor, parece que o
dinheironunca é suficiente; por causa da competiçãomaterial quevivemos, quase todos temos a
sensação de que somos perdedores em relaçãoa alguns conhecidos. Quem tem riqueza mas
não tem amor acha que o dinheiro nãoserve para grande coisa sem que se tenha um bom
parceiro. Agora, se o dinheirofaltar, ele volta imediatamente a ser tremendamenteimportante.
O fato éque nossos anseios não são permutáveis, ou seja, a falta de amor ou sexo não
seresolve com “doses” altas de dinheiro ou prestígio, e vice versa. É como noorganismo, onde
a deficiência de vitamina B não se atenua com doses altas devitamina C. Necessitamos de um
pouco de cada ingrediente. Um alerta final: aosonharmos com o que nos falta imaginamos
alegrias que, se acontecerem, durarãomuito pouco tempo. Nossa felicidade só é plena durante
um período, o datransição para a situação melhor. Depois nos habituamos e tudo é vivenciado
comotrivial. A boa notícia é que o mesmo vale para os acontecimentos negativos,quando a dor
da perda também só é máxima durante atransição.
Flávio Gikovate, médico psiquiatra,psicoterapeuta e escritor
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