— Machado de Assis
Machado de Assis
OCIDENTAIS
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Índice
O DESFECHO ........................................................................ 3
CÍRCULO VICIOSO............................................................... 3
UMA CRIATURA .................................................................... 3
A ARTUR DE OLIVEIRA, ENFERMO....................................... 3
MUNDO INTERIOR .............................................................. 4
O CORVO ............................................................................. 4
PERGUNTAS SEM RESPOSTA................................................ 5
TO BE OR NOT TO BE .......................................................... 6
LINDÓIA................................................................................ 6
SUAVE MARI MAGNO ........................................................... 7
A MOSCA AZUL .................................................................... 7
ANTONIO JOSÉ .................................................................... 7
ESPINOSA ............................................................................. 7
GONÇALVES CRESPO ........................................................... 8
ALENCAR ............................................................................... 8
CAMÕES................................................................................ 8
1802-1885 ............................................................................. 9
JOSÉ DE ANCHIETA .............................................................. 9
SONETO DE NATAL............................................................... 9
ANIMAIS ISCADOS DA PESTE .............................................. 9
DANTE ................................................................................. 10
A FELÍCIO DOS SANTOS .................................................... 12
MARIA ................................................................................. 12
A UMA SENHORA QUE ME PEDIU VERSOS ...................... 12
CLÓDIA ............................................................................... 12
VELHO FRAGMENTO .......................................................... 14
NO ALTO ............................................................................. 16
Compilado por
Roberto B. Cappelletti
Setembro, 2005
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Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
O DESFECHO Começa e recomeça uma perpétua lida,
Prometeu sacudiu os braços manietados E sorrindo obedece ao divino estatuto.
E súplice pediu a eterna compaixão, Tu dirás que é a Morte: eu direi que é a Vida.
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados. A ARTUR DE OLIVEIRA, ENFERMO
Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião ,*
Sabes tu de um poeta enorme
Uns cingidos de luz, outros ensangüentados... Que andar não usa
Súbito, sacudindo as asas de tufão, No chão, e cuja estranha musa,
Fita-lhe a águia em cima os olhos espantados. Que nunca dorme,
Pela primeira vez a víscera do herói, Calça o pé, melindroso e leve,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói, Como uma pluma,
Deixou de renascer às raivas que a consomem. De folha e flor, de sol e neve,
Uma invisível mão as cadeias dilui; Cristal e espuma;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui; E mergulha, como Leandro,
Acabara o suplício e acabara o homem. A forma rara
No Pó, no Sena, em Guanabara
CÍRCULO VICIOSO
E no Escamandro;
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
—“ Quem me dera que fosse aquela loura estrela, Ouve a Tupã e escuta a Momo,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!” Sem controvérsia,
— Machado de Assis
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme: E tanto ama o trabalho, como
Adora a inércia;
— “ Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela, Ora do fuste, ora da ogiva,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!” Sair parece;
Mas a lua, fitando o sol, com azedume: Ora o Deus do ocidente esquece
— “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela Pelo deus Siva;
Claridade imortal, que toda a luz resume!” Gosta do estrépito infinito,
Mas o sol, inclinando a rútila capela: Gosta das longas
—”Pesa-me esta brilhante auréola de nume... Solidões em que se ouve o grito
Enfara-me esta azul e desmedida umbela... Das arapongas;
OCIDENTAIS
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Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
SUAVE MARI MAGNO E enfim as páreas triunfais
Lembra-me que, em certo dia, De trezentas nações, e os parabéns unidos
Na rua, ao sol de verão, Das coroas ocidentais.
Envenenado morria
Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Um pobre cão.
Das mulheres e dos varões,
Arfava, espumava e ria, Como em água que deixa o fundo descoberto,
De um riso espúrio e bufão, Via limpos os corações.
Ventre e pernas sacudia
Estão ele, estendendo a mão calosa e tosca,
Na convulsão.
Afeita a só carpintejar,
Nenhum, nenhum curioso Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Passava, sem se deter, Curioso de a examinar.
Silencioso,
Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
Junto ao cão que ia morrer, E, fechando-a na mão, sorriu
Como se lhe desse gozo De contente, ao pensar que ali tinha um império,
Ver padecer. E para casa se partiu.
Alvoroçado chega, examina, e parece
A MOSCA AZUL Que se houve nessa ocupação
Era uma mosca azul, asas de ouro e granada, Miudamente, como um homem que quisesse
Filha da China ou do Hindustão Dissecar a sua ilusão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada,
— Machado de Assis
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Certo, ferindo as cordas do saltério,
1802-1885 Unicamente contas divulgá-la
Um dia, celebrando o gênio e a eterna vida, A palavra cristã e o seu mistério.
Victor Hugo escreveu numa página forte
Trepar não cuidas a luzente escala
Estes nomes que vão galgando a eterna morte,
Que aos heróis cabe e leva à clara esfera
Isaias, a voz de bronze, alma saída
Onde eterna se faz a humana fala.
Da coxa de Davi; Ésquilo que a Orestes
E a Prometeu, que sofre as vinganças celestes Onde os tempos não são esta quimera
Deu a nota imortal que abala e persuade, Que apenas brilha e logo se esvaece,
E transmite o terror, como excita a piedade; Como folhas de escassa primavera.
Homero, que cantou a cólera potente
Onde nada se perde nem se esquece,
De Aquiles, e colheu as lágrimas troianas
E no dorso dos séculos trazido
Para glória maior da sua amada gente,
O nome de Anchieta resplandece
E com ele Virgilio e as graças virgilianas;
Ao vivo nome do Brasil unido.
Juvenal, que marcou com ferro em brasa o ombro,
Dos tiranos, e o velho e grave florentino,
Que mergulha no abismo, e caminha no assombro, SONETO DE NATAL
Baixa humano ao inferno e regressa divino; Um homem,—era aquela noite amiga,
Logo após Calderon, e logo após Cervantes; Noite cristã, berço do Nazareno,—
Voltaire, que mofava, e Rabelais que ria; Ao relembrar os dias de pequeno,
E, para coroar esses nomes vibrantes, E a viva dança, e a lépida cantiga,
Shakespeare, que resume a universal poesia.
Quis transportar ao verso doce e ameno
— Machado de Assis
E agora que ele aí vai, galgando a eterna morte, As sensações da sua idade antiga,
Pega a História da pena e na página forte, Naquela mesma velha noite amiga,
Para continuar a série interrompida, Noite cristã, berço do Nazareno.
Escreve o nome dele, e dá-lhe a eterna vida.
Escolheu o soneto...A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
JOSÉ DE ANCHIETA A pena não acode ao gesto seu.
Esse que as vestes ásperas cingia,
E, em vão lutando contra o metro adverso,
E a viva flor da ardente juventude Só lhe saiu este pequeno verso:
Dentro do peito a todos escondia; “Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Que em páginas de areia vasta e rude
OCIDENTAIS
Os outros dois às coxas lhe alongava, Pernas e coxas vi-as tão unidas
E entre elas insinua a cauda que ia Que nem leve sinal dava a juntura
Tocar-lhe os rins e dura os apertava. De que tivessem sido divididas.
NO ALTO
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma coisa estranha,
Uma figura má.
Então, volvendo o olhar ao sutil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.
Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,
Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro estendeu-lhe a mão.
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