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OCIDENTAIS

— Machado de Assis

Machado de Assis
OCIDENTAIS

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Índice
O DESFECHO ........................................................................ 3
CÍRCULO VICIOSO............................................................... 3
UMA CRIATURA .................................................................... 3
A ARTUR DE OLIVEIRA, ENFERMO....................................... 3
MUNDO INTERIOR .............................................................. 4
O CORVO ............................................................................. 4
PERGUNTAS SEM RESPOSTA................................................ 5
TO BE OR NOT TO BE .......................................................... 6
LINDÓIA................................................................................ 6
SUAVE MARI MAGNO ........................................................... 7
A MOSCA AZUL .................................................................... 7
ANTONIO JOSÉ .................................................................... 7
ESPINOSA ............................................................................. 7
GONÇALVES CRESPO ........................................................... 8
ALENCAR ............................................................................... 8
CAMÕES................................................................................ 8
1802-1885 ............................................................................. 9
JOSÉ DE ANCHIETA .............................................................. 9
SONETO DE NATAL............................................................... 9
ANIMAIS ISCADOS DA PESTE .............................................. 9
DANTE ................................................................................. 10
A FELÍCIO DOS SANTOS .................................................... 12
MARIA ................................................................................. 12
A UMA SENHORA QUE ME PEDIU VERSOS ...................... 12
CLÓDIA ............................................................................... 12
VELHO FRAGMENTO .......................................................... 14
NO ALTO ............................................................................. 16

Compilado por
Roberto B. Cappelletti
Setembro, 2005
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Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
O DESFECHO Começa e recomeça uma perpétua lida,
Prometeu sacudiu os braços manietados E sorrindo obedece ao divino estatuto.
E súplice pediu a eterna compaixão, Tu dirás que é a Morte: eu direi que é a Vida.
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados. A ARTUR DE OLIVEIRA, ENFERMO
Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião ,*
Sabes tu de um poeta enorme
Uns cingidos de luz, outros ensangüentados... Que andar não usa
Súbito, sacudindo as asas de tufão, No chão, e cuja estranha musa,
Fita-lhe a águia em cima os olhos espantados. Que nunca dorme,
Pela primeira vez a víscera do herói, Calça o pé, melindroso e leve,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói, Como uma pluma,
Deixou de renascer às raivas que a consomem. De folha e flor, de sol e neve,
Uma invisível mão as cadeias dilui; Cristal e espuma;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui; E mergulha, como Leandro,
Acabara o suplício e acabara o homem. A forma rara
No Pó, no Sena, em Guanabara
CÍRCULO VICIOSO
E no Escamandro;
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
—“ Quem me dera que fosse aquela loura estrela, Ouve a Tupã e escuta a Momo,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!” Sem controvérsia,
— Machado de Assis

Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme: E tanto ama o trabalho, como
Adora a inércia;
— “ Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela, Ora do fuste, ora da ogiva,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!” Sair parece;
Mas a lua, fitando o sol, com azedume: Ora o Deus do ocidente esquece
— “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela Pelo deus Siva;
Claridade imortal, que toda a luz resume!” Gosta do estrépito infinito,
Mas o sol, inclinando a rútila capela: Gosta das longas
—”Pesa-me esta brilhante auréola de nume... Solidões em que se ouve o grito
Enfara-me esta azul e desmedida umbela... Das arapongas;
OCIDENTAIS

Porque não nasci eu um simples vaga-lume?” E, se ama o lépido besouro,


UMA CRIATURA Que zumbe, zumbe,
E a mariposa que sucumbe
Sei de uma criatura antiga e formidável,
Na flama de ouro,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável. Vaga-lumes e borboletas,
De cor da chama,
Habita juntamente os vales e as montanhas;
Roxas, brancas, rajadas, pretas,
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Não menos ama
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Os hipopótamos tranqüilos,
Traz impresso na fronte o obscuro despotismo
E os elefantes,
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
E mais os búfalos nadantes
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
E os crocodilos,
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Como as girafas e as panteras,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
Onças, condores,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Toda a casta de bestas-feras
Para ela o chacal é, como a rola, inerme; E voadores.
E caminha na terra imperturbável, como
Se não sabes quem ele seja
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Trepa de um salto,
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo Azul acima, onde mais alto
Vem a folha, que lento e lento se desdobra, A águia negreja;
Depois a flor, depois o suspirado pomo.
Onde morre o clamor iníquo
Pois essa criatura está em toda a obra: Dos violentos,
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto; Onde não chega o riso oblíquo
E é nesse destruir que as suas forças dobra. Dos fraudulentos;
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Então, olha de cima posto E o rumor triste, vago, brando
Para o oceano, Das cortinas ia acordando
Verás num longo rosto humano Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Teu próprio rosto.
Enfim , por aplacá-lo aqui no peito,
E hás de rir, não do riso antigo, Levantei-me de pronto, e: “Com efeito,
Potente e largo, (Disse) é visita amiga e retardada
Que me bate a estas horas tais.
Riso de eterno moço amigo,
É visita que pede à minha porta entrada:
Mas de outro amargo, Há de ser isso e nada mais.”
Como o riso de um deus enfermo Minh´alma então sentiu-se forte;
Que se aborrece Não mais vacilo e desta sorte
Da divindade, e que apetece Falo: “Imploro de vós, — ou senhor ou senhora,
Também um termo... Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisado de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
MUNDO INTERIOR Batestes, não fui logo, prestemente,
Ouço que a natureza é uma lauda eterna Certificar-me que aí estais.”
De pompa, de fulgor, de movimento e lida, Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Uma escala de luz, uma escala de vida Somente a noite, e nada mais.
De sol à ínfima luzerna. Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
Ouço que a natureza, — a natureza externa —
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida, Mas o silêncio amplo e calado,
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna Calado fica; a quietação quieta;
Entre as flores da bela Armida. Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, como um suspiro escasso,
E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Da minha triste boca sais;
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo, E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho, Foi isso apenas, nada mais.
Rola a vida imortal e o eterno cataclismo, Entro co´a alma incendiada.
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme, Logo depois outra pancada
Um segredo que atrai, que desafia - e dorme. Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
“Seguramente, há na janela
O CORVO Alguma coisa que sussurra. Abramos
Eia, fora o temor, eia, vejamos
(Edgar Allan Poe) A explicação do caso misterioso
Em certo dia, à hora, à hora Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso
Da meia noite que apavora,
Obra do vento e nada mais.”
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga, Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
De uma velha doutrina, agora morta,
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Ia pensando, quando ouvi à porta Não despendeu em cortesias
Do meu quarto um soar devagarinho Um minuto, um instante. Tinha o aspeto
E disse estas palavras tais: De um lorde ou de uma lady. E pronto e reto,
“É alguém que me bate à porta de mansinho; Movendo no ar as suas negras alas,
Há de ser isso e nada mais.” Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Ah! bem me lembro! bem me lembro! Trepado fica, e nada mais.
Era no glacial Dezembro; Diante da ave feia e escura,
Cada brasa do lar sobre o chão refletia Naquela rígida postura,
A sua última agonia. Com o gesto severo, — o triste pensamento
Eu, ansioso pelo sol, buscava Sorriu-me ali por um momento,
Sacar daqueles livros que estudava E eu disse: “Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Sem topete, não és ave medrosa,
Destas saudades imortais Dize os teus nomes senhoriais;
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora, Como te chamas tu na grande noite umbrosa?”
E que ninguém chamará mais. E o corvo disse; “Nunca mais.”
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Vendo que o pássaro entendia “Profeta, ou o que quer que sejas!
A pergunta que lhe eu fazia, Ave ou demônio que negrejas!
Fico atônito, embora a resposta que dera Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Dificilmente lha entendera. Onde reside o mal eterno,
Na verdade, jamais homem há visto Ou simplesmente náufrago escapado
Coisa na terra semelhante a isto: Venhas do temporal que te há lançado
Uma ave negra, friamente posta Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Num busto, acima dos portais, Tem os seus lares triunfais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?”
Que este é seu nome: “Nunca mais.” E o corvo disse: “Nunca mais.”
No entanto, o corvo solitário “Profeta, ou o que quer que sejas!
Não teve outro vocabulário, Ave ou demônio que negrejas!
Como se essa palavra escassa que ali disse Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Toda a sua alma resumisse. Por esse céu que além se estende,
Nenhuma outra proferiu, nenhuma, Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Não chegou a mexer uma só pluma, Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
Até que eu murmurei: “Perdi outrora
No Éden celeste a virgem que ela chora
Tantos amigos tão leais!
Nestes retiros sepulcrais,
Perderei também este em regressando a aurora.”
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!”
E o corvo disse: Nunca mais.”
E o corvo disse: “Nunca mais.”
Estremeço. A resposta ouvida
“Ave ou demônio que negrejas!
É tão exata! é tão cabida!
Profeta, ou o que quer que sejas!
— Machado de Assis

“Certamente, digo eu, essa é toda a ciência


Que ele trouxe da convivência Cessa , ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
De algum mestre infeliz e acabrunhado Regressa ao temporal, regressa
Que o implacável destino há castigado À tua noite, deixa-me comigo.
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga, Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Que dos seus cantos usuais Pluma que lembre essa mentira tua.
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga, Tira-me ao peito essas fatais
Esse estribilho: “Nunca mais.” Garras que abrindo vão a minha dor já crua.”
E o corvo disse: “Nunca mais.”
Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento; E o corvo aí fica; ei-lo trepado
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo; No branco mármore lavrado
OCIDENTAIS

E mergulhando no veludo Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.


Da poltrona que eu mesmo ali trouxera Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Achar procuro a lúgubre quimera, Um demônio sonhando. A luz caída
A alma, o sentido, o pávido segredo Do lampião sobre a ave aborrecida
Daquelas sílabas fatais, No chão espraia a triste sombra; e fora
Entender o que quis dizer a ave do medo Daquelas linhas funerais
Grasnando a frase: —“Nunca mais.” Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!
Assim posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava, PERGUNTAS SEM RESPOSTA
Sentia o olhar que me abrasava. Vênus formosa, Vênus fulgurava
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto, No azul do céu da tarde que morria,
Com a cabeça no macio encosto Quando à janela os braços encostava
Onde os raios da lâmpada caíam Pálida Maria.
Onde as tranças angelicais
Ao ver o noivo pela rua umbrosa,
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
Os longos olhos ávidos enfia,
E agora não se esparzem mais.
E fica de repente cor de rosa
Supus então que o ar, mais denso, Pálida Maria.
Todo se enchia de um incenso,
Correndo vinha no cavalo baio,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Que ela de longe apenas distinguia,
Do quarto, estavam meneando
Correndo vinha o noivo, como um raio...
Um ligeiro turíbulo invisível;
Pálida Maria!
E eu exclamei então: “Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora Três dias são, três dias são apenas,
Destas saudades imortais. Antes que chegue o suspirado dia,
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora.” Em que eles porão termo às longas penas...
E o corvo disse: “Nunca mais.” Pálida Maria!
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De confusa, naquele sobressalto,
Que a presença do amado lhe trazia, TO BE OR NOT TO BE
Olhos acesos levantou ao alto (Shakespeare)
Pálida Maria.
Ser ou não ser, eis a questão. Acaso
E foi subindo, foi subindo acima É mais nobre a cerviz curvar aos golpes
No azul do céu da tarde que morria, Da ultrajosa fortuna, ou já lutando
A ver se achava uma sonora rima... Extenso mar vencer de acerbos males?
Pálida Maria! Morrer, dormir, não mais. E um sono apenas,
Que as angústias extingue e à carne a herança
Rima de amor, ou rima de ventura,
Da nossa dor eternamente acaba,
As mesmas são na escala da harmonia.
Sim, cabe ao homem suspirar por ele.
Pousa os olhos em Vênus que fulgura
Morrer, dormir. Dormir? Sonhar, quem sabe?
Pálida Maria.
Ai, eis a dúvida. Ao perpétuo sono,
E o coração, que de prazer lhe bate, Quando o lodo mortal despido houvermos,
Acha no astro a fraterna melodia Que sonhos hão de vir? Pesá-lo cumpre.
Que à natureza inteira dá rebate... Essa a razão que os lutuosos dias
Pálida Maria! Alonga do infortúnio. Quem do tempo
Sofrer quisera ultrajes e castigos,
Maria pensa: “Também tu, decerto,
Injúrias da opressão, baldões de orgulho,
Esperas ver, neste final do dia,
Do mal prezado amor choradas mágoas,
Um noivo amado que cavalga perto,
Das leis a inércia, dos mandões a afronta,
Pálida Maria ?”
E o vão desdém que de rasteiras almas
Isto dizendo, súbito escutava O paciente mérito recebe,
Um estrépito, um grito e vozeria, Quem, se na ponta da despida lâmina
E logo a frente em ânsias inclinava Lhe acenara o descanso? Quem ao peso
Pálida Maria. De uma vida de enfados e misérias
Quereria gemer, se não sentira
Era o cavalo, rábido, arrastando
Terror de alguma não sabida coisa
Pelas pedras o noivo que morria;
Que aguarda o homem para lá da morte,
Maria o viu e desmaiou gritando...
Esse eterno país misterioso
Pálida Maria!
Donde um viajor sequer há regressado?
Sobem o corpo, vestem-lhe a mortalha, Este só pensamento enleia o homem;
E a mesma noiva, semimorta e fria, Este nos leva a suportar as dores
Sobre ele as folhas do noivado espalha. Já sabidas de nós, em vez de abrirmos
Pálida Maria! Caminho aos males que o futuro esconde;
E a todos acovarda a consciência.
Cruzam-lhe as mãos, na derradeira prece
Assim da reflexão à luz mortiça
Muda que o homem para cima envia,
A viva cor da decisão desmaia;
Antes que desça à terra em que apodrece.
E o firme, essencial cometimento,
Pálida Maria!
Que esta idéia abalou, desvia o curso,
Seis homens tomam do caixão fechado Perde-se, até de ação perder o nome.
E vão levá-lo à cova que se abria;
Terra e cal e um responso recitado... LINDÓIA
Pálida Maria!
Vem, vem das águas, mísera Moema,
Quando, três sóis passados, rutilava Senta-te aqui. As vozes lastimosas
A mesma Vênus, no morrer do dia, Troca pelas cantigas deleitosas,
Tristes olhos ao alto levantava Ao pé da doce e pálida Coema.
Pálida Maria.
Vós, sombras de Iguaçu e de Iracema,
E murmurou: “Tens a expressão do goivo, Trazei nas mãos, trazei no colo as rosas
Tens a mesma roaz melancolia. Que o amor desabrochou e fez viçosas
Certamente perdeste o amor e o noivo, Nas laudas de um poema e outro poema.
Pálida Maria?”
Chegai, folgai, cantai. É esta, é esta
Vênus, porém, Vênus brilhante e bela, De Lindóia, que a voz suave e forte
Que nada ouvia, nada respondia, Do vate celebrou, a alegre festa.
Deixa rir ou chorar numa janela
Além do amável, gracioso porte,
Pálida Maria.
Vede o mimo, a ternura que lhe resta.
Tanto inda é bela no seu rosto a morte!*

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Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
SUAVE MARI MAGNO E enfim as páreas triunfais
Lembra-me que, em certo dia, De trezentas nações, e os parabéns unidos
Na rua, ao sol de verão, Das coroas ocidentais.
Envenenado morria
Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Um pobre cão.
Das mulheres e dos varões,
Arfava, espumava e ria, Como em água que deixa o fundo descoberto,
De um riso espúrio e bufão, Via limpos os corações.
Ventre e pernas sacudia
Estão ele, estendendo a mão calosa e tosca,
Na convulsão.
Afeita a só carpintejar,
Nenhum, nenhum curioso Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Passava, sem se deter, Curioso de a examinar.
Silencioso,
Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
Junto ao cão que ia morrer, E, fechando-a na mão, sorriu
Como se lhe desse gozo De contente, ao pensar que ali tinha um império,
Ver padecer. E para casa se partiu.
Alvoroçado chega, examina, e parece
A MOSCA AZUL Que se houve nessa ocupação
Era uma mosca azul, asas de ouro e granada, Miudamente, como um homem que quisesse
Filha da China ou do Hindustão Dissecar a sua ilusão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada,
— Machado de Assis

Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,


Em certa noite de verão. Rota, baça, nojenta, vil,
E zumbia, e voava, e voava, e zumbia, Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Refulgindo ao clarão do sol Visão fantástica e sutil.
E da lua, — melhor do que refulgiria Hoje, quando ele aí vai, de aloé e cardamomo
Um brilhante de Grão-Mogol. Na cabeça, com ar taful,
Um poleá que a viu, espantado e tristonho, Dizem que ensandeceu, e que não sabe como
Um poleá lhe perguntou: Perdeu a sua mosca azul.
“Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que to ensinou?” ANTONIO JOSÉ
OCIDENTAIS

Então ela, voando, e revoando, disse: (21 de outubro de 1739)


—“Eu sou a vida, eu sou a flor Antônio, a sapiência da Escritura
Das graças, o padrão da eterna meninice, Clama que há para a humana criatura
E mais a glória, e mais o amor.” Tempo de rir e tempo de chorar,
E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo, Como há um sol no ocaso, e outro na aurora.
Tu, sangue de Efraim e de Issacar,
E tranqüilo, como um faquir,
Pois que já riste, chora.
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.
ESPINOSA
Entre as asas do inseto, a voltear no espaço,
Gosto de ver-te, grave e solitário,
Uma cousa lhe pareceu
Sob o fumo de esquálida candeia,
Que surdia, como todo o resplendor de um paço,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E viu um rosto, que era o seu. E na cabeça a coruscante idéia.
Era ele, era um rei, o rei de Cachemira, E enquanto o pensamento delineia
Que tinha sobre o colo nu, Uma filosofia, o pão diário
Um imenso colar de opala, e uma safira A tua mão a labutar granjeia
Tirada ao corpo de Vischnu. E achas na independência o teu salário.
Cem mulheres em flor, cem naíras superfinas, Soem cá fora agitações e lutas,
As pés dele, no liso chão, Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas, Tu trabalhas, tu pensas, e executas
E todo o amor que têm lhe dão.
Sóbrio, tranqüilo, desvelado e terno,
Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios, A lei comum, e morres, e transmutas
Com grandes leques de avestruz, O suado labor no prêmio eterno.
Refrescam-lhes de manso os aromados seios,
Voluptuosamente nus.
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A saudosa Beatriz, a antiga amada,
GONÇALVES CRESPO A mão lhe estende e guia o peregrino,
Esta musa da pátria, esta saudosa E aquele olhar etéreo e cristalino
Níobe dolorida, Rompe agora da pálpebra sagrada.
Esquece acaso a vida,
Tu que também o Purgatório andaste,
Mas não esquece a morte gloriosa.
Tu que rompeste os círculos do Inferno,
E pálida, e chorosa, Camões, se o teu amor fugir deixaste,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Ora o tens, como um guia alto e superno
Jaz aquela evadida
Que a Natércia da vida que choraste
Lira da nossa América viçosa.
Chama-se Glória e tem o amor eterno.
Com ela torna, e , dividindo os ares,
Trepido, mole, doce movimento
III
Sente nas frouxas cordas singulares. Quando, torcendo a chave misteriosa
Que os cancelos fechava do Oriente,
Não é a asa do vento, O Gama abriu a nova terra ardente
Mas a sombra do filho, no momento Aos olhos da campanha valorosa,
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
Talvez uma visão resplandecente
Lhe amostrou no futuro a sonorosa
ALENCAR Tuba, que cantaria a ação famosa
Hão de os anos volver, — não como as neves Aos ouvidos da própria e estranha gente.
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores, E disse: “Se já noutra, antiga idade,
Sobre o teu nome, vívidos e leves... Tróia bastou aos homens, ora quero
Mostrar que é mais humana a humanidade.
Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves, Pois não serás herói de um canto fero,
Da indiana escreveste, — ora os escreves Mas vencerás o tempo e a imensidade
No volume dos pátrios esplendores. Na voz de outro moderno e brando Homero.”

E ao tornar este sol, que te há levado, IV


Já não acha a tristeza. Extinto é o dia Um dia, junto à foz de brando e amigo
Da nossa dor, do nosso amargo espanto. Rio de estranhas gentes habitado,
Pelos mares aspérrimos levado,
Porque o tempo implacável e pausado, Salvaste o livro que viveu contigo.
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto... E esse que foi às ondas arrancado,
Já livro agora do mortal perigo,
Serve de arca imortal, de eterno abrigo,
CAMÕES
Não só a ti, mas ao teu berço amado.
I
Tu quem és? Sou o século que passa. Assim, um homem só, naquele dia,
Quem somos nós? A multidão fremente. Naquele escasso ponto do universo,
Que cantamos? A glória resplendente. Língua, história, nação, armas, poesia,
De quem? De quem mais soube a força e a graça. Salva das frias mãos do tempo adverso.
Que cantou ele? A vossa mesma raça. E tudo aquilo agora o desafia.
De que modo? Na lira alta e potente. E tão sublime preço cabe em verso.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo, desgraça.
Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?...É-lhe devida.
Paga?...Paga-lhe toda a adversa sorte.
Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?...Volvereis à morte.
Ele, que é morto?...Vive a eterna vida.
II
Quando, transposta a lúgubre morada
Dos castigos, ascende o florentino
À região onde o clarão divino
Enche de intensa luz a alma nublada,

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Certo, ferindo as cordas do saltério,
1802-1885 Unicamente contas divulgá-la
Um dia, celebrando o gênio e a eterna vida, A palavra cristã e o seu mistério.
Victor Hugo escreveu numa página forte
Trepar não cuidas a luzente escala
Estes nomes que vão galgando a eterna morte,
Que aos heróis cabe e leva à clara esfera
Isaias, a voz de bronze, alma saída
Onde eterna se faz a humana fala.
Da coxa de Davi; Ésquilo que a Orestes
E a Prometeu, que sofre as vinganças celestes Onde os tempos não são esta quimera
Deu a nota imortal que abala e persuade, Que apenas brilha e logo se esvaece,
E transmite o terror, como excita a piedade; Como folhas de escassa primavera.
Homero, que cantou a cólera potente
Onde nada se perde nem se esquece,
De Aquiles, e colheu as lágrimas troianas
E no dorso dos séculos trazido
Para glória maior da sua amada gente,
O nome de Anchieta resplandece
E com ele Virgilio e as graças virgilianas;
Ao vivo nome do Brasil unido.
Juvenal, que marcou com ferro em brasa o ombro,
Dos tiranos, e o velho e grave florentino,
Que mergulha no abismo, e caminha no assombro, SONETO DE NATAL
Baixa humano ao inferno e regressa divino; Um homem,—era aquela noite amiga,
Logo após Calderon, e logo após Cervantes; Noite cristã, berço do Nazareno,—
Voltaire, que mofava, e Rabelais que ria; Ao relembrar os dias de pequeno,
E, para coroar esses nomes vibrantes, E a viva dança, e a lépida cantiga,
Shakespeare, que resume a universal poesia.
Quis transportar ao verso doce e ameno
— Machado de Assis

E agora que ele aí vai, galgando a eterna morte, As sensações da sua idade antiga,
Pega a História da pena e na página forte, Naquela mesma velha noite amiga,
Para continuar a série interrompida, Noite cristã, berço do Nazareno.
Escreve o nome dele, e dá-lhe a eterna vida.
Escolheu o soneto...A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
JOSÉ DE ANCHIETA A pena não acode ao gesto seu.
Esse que as vestes ásperas cingia,
E, em vão lutando contra o metro adverso,
E a viva flor da ardente juventude Só lhe saiu este pequeno verso:
Dentro do peito a todos escondia; “Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Que em páginas de areia vasta e rude
OCIDENTAIS

Os versos escrevia e encomendava ANIMAIS ISCADOS DA PESTE


À mente, como esforço de virtude; (La Fontaine)
Esse nos rios de Babel achava, Mal que espalha o terror e que a ira celeste
Jerusalém, os cantos primitivos, Inventou para castigar
E novamente aos ares os cantava. Os pecados do mundo, a peste, em suma, a peste,
Não procedia então como os cativos Capaz de abastecer o Aqueronte num dia,
De Sião, consumidos de saudade, Veio entre os animais lavrar;
Velados de tristeza, e pensativos. E, se nem tudo sucumbia,
Certo é que tudo adoecia.
Os cantos de outro clima e de outra idade
Ensinava sorrindo às novas gentes, Já nenhum, por dar mate ao moribundo alento,
Pela língua do amor e da piedade. Catava mais nenhum sustento.
Não havia manjar que o apetite abrisse,
E iam caindo os versos excelentes
Raposa ou lobo que saísse
No abençoado chão, e iam caindo
Contra a presa inocente e mansa,
Do mesmo modo as místicas sementes.
Rola que à rola não fugisse,
Nas florestas os pássaros, ouvindo E onde amor falta, adeus, folgança.
O nome de Jesus e os seus louvores,
O leão convocou uma assembléia e disse:
Iam cantando o mesmo canto lindo.
“Sócios meus, certamente este infortúnio veio
Eram as notas como alheias flores A castigar-nos de pecados.
Que verdejam no meio de verduras Que o mais culpado entre os culpados
De diversas origens e primores. Morra por aplacar a cólera divina.
Anchieta, soltando as vozes puras, Para a comum saúde esse é, talvez, o meio.
Achas outra Sião neste hemisfério, Em casos tais é de uso haver sacrificados;
E a mesma fé e igual amor apuras. Assim a história no-lo ensina.
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Sem nenhuma ilusão, sem nenhuma indulgência,
Pesquisemos a consciência. DANTE
Quanto a mim, por dar mate ao ímpeto glutão, (Inferno, Canto XXV) *

Devorei muita carneirada. Acabara o ladrão,e, ao ar erguendo


Em que é que me ofendera? em nada. As mãos em figas, deste modo brada:
E tive mesmo ocasião “Olha, Deus, para ti o estou fazendo!”
De comer igualmente o guarda da manada.
E desde então me foi a serpe amada,
Portanto, se é mister sacrificar-me, pronto. Pois uma vi que o colo lhe prendia,
Mas, assim como me acusei, Como a dizer! “não falarás mais nada!”
Bom é que cada um se acuse, de tal sorte
Que ( devemos querê-lo, e é de todo ponto Outra os braços na frente lhe cingia
Justo) caiba ao maior dos culpados a morte.” Com tantas voltas e de tal maneira
Que ele fazer um gesto não podia.
“-Meu senhor, acudiu a raposa, é ser rei
Bom demais; é provar melindre exagerado. Ah! Pistoia, por que numa fogueira
Pois então devorar carneiros, Não ardes tu, se a mais e mais impuros,
Raça lorpa e vilã, pode lá ser pecado? Teus filhos vão nessa mortal carreira?
Não. Vós fizeste-lhes, senhor,
Em os comer, muito favor. Eu, em todos os círculos escuros
Do inferno, alma não vi tão rebelada.
E no que toca aos pegureiros, Nem a que em Tebas resvalou dos muros.
Toda a calamidade era bem merecida,
Pois são daquelas gentes tais E ele fugiu sem proferir mais nada.
Que imaginaram ter posição mais subida Logo um centauro furioso assoma
Que a de nós outros animais.” A bradar: “Onde, aonde a alma danada?”
Disse a raposa, e a corte aplaudiu-lhe o discurso. Marema não terá tamanha soma
Ninguém do tigre nem do urso, De reptis quanta vi que lhe ouriçava
Ninguém de outras iguais senhorias do mato, O dorso inteiro desde a humana coma.
Inda entre os atos mais daninhos,
Ousava esmerilhar um ato; Junto à nuca do monstro se elevava
E até os últimos rafeiros, De asas abertas um dragão que enchia
Todos os bichos rezingueiros De fogo a quanto ali se aproximava.
Não eram, no entender* geral, mais que uns santinhos. “Aquele é Caco,”— o Mestre me dizia,—
Eis chega o burro: “-Tenho idéia que no prado “Que, sob as rochas do Aventino, ousado
De um convento, indo eu a passar ,e picado Lagos de sangue tanta vez abria.
Da ocasião, da fome e do capim viçoso,
Não vai de seus irmãos acompanhado
E pode ser que do tinhoso,
Porque roubou malicioso o armento
Um bocadinho lambisquei
Que ali pascia na campanha ao lado,
Da plantação. Foi um abuso, isso é verdade.”
Mal o ouviu, a assembléia exclama: “Aqui del-rei!” Hércules com a maça e golpes cento,
Um lobo, algo letrado, arenga e persuade Sem lhe doer um décimo ao nefando,
Que era força imolar esse bicho nefando, Pôs remate a tamanho atrevimento.”
Empesteado autor de tal calamidade; Ele falava, e o outro foi andando.
E o pecadilho foi julgado No entanto embaixo vinham para nós
Um atentado. Três espíritos que só vimos quando
Pois comer erva alheia! ó crime abominando! Atroara este grito: “Quem sois vós?”
Era visto que só a morte
Nisto a conversa nossa interrompendo
Poderia purgar um pecado tão duro
Ele, como eu, no grupo os olhos pôs.
E o burro foi ao reino escuro.
Segundo sejas tu miserável ou forte Eu não os conheci, mas sucedendo,
Áulicos te farão detestável ou puro. Como outras vezes suceder é certo,
Que o nome de um estava outro dizendo,
“Cianfa aonde* ficou?”Eu, por que esperto
E atento fosse o Mestre em escutá-lo,
Pus sobre a minha boca o dedo aberto.
Leitor, não maravilha que aceitá-lo
Ora te custe o que vais ter presente,
Pois eu, que o vi, mal ouso acreditá-lo.
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Eu contemplava-os, quando uma serpente Pois duas naturezas rosto a rosto
De seis pés temerosa se lhe atira Não transmudou, com que elas de repente
A um dos três e o colhe de repente. Trocassem a matéria e o ser oposto.
Co´os pés do meio e ventre lhe cingira, Tal era o acordo entre ambas que a serpente
Com os da frente os braços lhe peava, A cauda em duas caudas fez partidas,
E ambas as faces lhe mordeu com ira. E a alma os pés ajuntava estreitamente.

Os outros dois às coxas lhe alongava, Pernas e coxas vi-as tão unidas
E entre elas insinua a cauda que ia Que nem leve sinal dava a juntura
Tocar-lhe os rins e dura os apertava. De que tivessem sido divididas.

A hera não se enrosca nem se enfia Imita a cauda bífida a figura


Pela árvore, como a horrível fera Que ali se perde, e a pele abranda, ao passo
Ao pecador os membros envolvia. Que a pele do homem se tornava dura.

Como se fossem derretida a cera, Em cada axila vi entrar um braço,


Um só vulto, uma cor iam tomando, A tempo que iam esticando à fera
Quais tinham sido nenhum deles era. Os dois pés que eram de tamanho escasso.

Tal o papel, se o fogo o vai queimando, Os pés de trás a serpe os retorcera


Antes de negro estar, e já depois Até formarem-lhe a encoberta parte,
Que no infeliz em pés se convertera.
Que o branco perde, fusco vai ficando.
Enquanto o fumo os cobre, e de tal arte
Os outros dois bradavam: “Ora pois,
— Machado de Assis

A cor lhes muda e põe a serpe o velo


Agnel, ai triste, que mudança é essa?
Que já da pele do homem se lhe parte,
Olha que já não és nem um nem dois!”
Um caiu, o outro ergeu-se, sem torcê-lo
Faziam ambas uma só cabeça,
Aquele torvo olhar com que ambos iam
E na única face um rosto misto,
A trocar entre si o rosto e a vê-lo.
Onde eram dois, a aparecer começa.
Ao que era em pé as carnes lhe fugiam
Dos quatro braços dois restavam, e isto, Para as fontes, e ali do que abundava
Pernas, coxas e o mais ia mudado Duas orelhas de homem lhe saíam.
Num tal composto que jamais foi visto.
E o que de sobra ainda lhe ficava
Todo o primeiro aspecto era acabado;
OCIDENTAIS

O nariz lhe compõe e lhe perfaz


Dois e nenhum era a cruel figura, E o lábio lhe engrossou quanto bastava.
E tal se foi a passo demorado.
A boca estende o que por terra jaz
Qual cameleão que variar procura E as orelhas recolhe na cabeça,
De sebe às horas em que o sol esquenta, Bem como o caracol as pontas faz.
E correndo parece que fulgura,
A língua, que era então de uma só peça,
Tal uma curta serpe se apresenta, E prestes a falar, fendida vi-a,
Para o ventre dos dois corre acendida, Enquanto a do outro se une, e o fumo cessa.
Lívida e cor de um bago de pimenta.
A alma, que assim tornando em serpe havia,
E essa parte por onde foi nutrida Pelo vale fugiu assobiando,
Tenra criança antes que à luz saísse, E esta lhe ia falando e lhe cuspia.
Num deles morde, e cai toda estendida.
Logo a recente espádua lhe foi dando
O ferido a encarou, mas nada disse; E à outra disse: “Ora com Buoso mudo,
Firme nos pés, apenas bocejava, Rasteje, como eu vinha rastejando!”
Qual se de febre ou sono ali caísse.
Assim na cova sétima vi tudo
Frente a frente, um ao outro contemplava, Mudar e transmudar; a novidade
E à chaga de um, e à boca de outro, forte Me absolva o estilo desornado e rudo.
Fumo saía e no ar se misturava. Mas que um tanto perdesse a claridade
Cale agora Lucano a triste morte Dos olhos meus, e turva a mente houvesse,
De Sabelo e Nasídio, e atento esteja Não fugiram com tanta brevidade,
Que o que lhe vou dizer é de outra sorte. Nem tão ocultos, que eu não conhecesse
Cale-se Ovídio e neste quadro veja Puccio Sciancato, única ali vinda
Que, se Aretusa em fonte nos há posto Alma que a forma própria não perdesse;
E Cadmo em serpe, não lhe tenho inveja. O outro chora-lo tu, Gaville, ainda.
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A FELÍCIO DOS SANTOS CLÓDIA
Felício amigo, se eu disser que os anos Era Clódia a vergôntea ilustre e rara
Passam correndo ou passam vagarosos, De uma família antiga. Tez morena,
Segundo são alegres ou penosos, Como a casca do pêssego, deixava
Tecidos de afeições ou desenganos, Transparecer o sangue e a juventude.
Era a romana ardente e imperiosa
“Filosofia é* esta de rançosos!”
Que os ecos fatigou de Roma inteira
Dirás. Mas não há outra entre os humanos.
Co´a narração das longas aventuras.
Não se contam sorrisos pelos danos,
Nunca mais gentil fronte o sol da Itália
Nem das tristezas desabrocham gozos.
Amoroso beijou, nem mais gracioso
Banal, confesso. O precioso e o raro Corpo envolveram túnicas de Tiro.
É, seja o céu nublado ou seja claro, Sombrios, como a morte, os olhos eram.
Tragam os tempos amargura ou gosto, A vermelha botina em si guardava
Breve, divino pé. Úmida boca,
Não desdizer do mesmo velho amigo,
Como a rosa que os zéfiros convida,
Ser com os teus o que eles são contigo,
Os beijos convidava. Era o modelo
Ter um só coração, ter um só rosto.
De luxuosa Lâmia, — aquela moça
Que o marido esqueceu, e amou sem pejo
MARIA O músico Polião. De mais, fazia
Maria, há no seu gesto airoso e nobre, A ilustre Clódia trabalhados versos;
Nos olhos meigos e no andar tão brando, A cabeça curvava pensativa
Um não sei quê suave que descobre, Sobre as tabelas nuas; invocava
Que lembra um grande pássaro marchando. Do clássico Parnaso as musas belas,
E, se não mente linguaruda fama,
Quero, às vezes, pedir-lhe que desdobre
Davam-lhe inspiração vadias musas.
As asas, mas não peço, reparando
Que, desdobradas, podem ir voando O ideal da matrona austera e fria,
Levá-la ao teto azul que a terra cobre. Caseira e nada mais, esse acabava.
Bem hajas tu, patrícia desligada
E penso então, e digo então comigo:
De preconceitos vãos, tu que presides
“Ao céu, que vê passar todas as gentes
Ao festim dos rapazes, tu que estendes
Bastem outros primores de valia.
Sobre verdes coxins airosas formas,
Pássaro ou moça, fique o olhar amigo, Enquanto o esposo, consultando os dados,
O nobre gesto e as graças excelentes Perde risonho válidos sestércios...
Da nossa cara e lépida Maria.” E tu, viúva mísera, deixada
Na flor dos anos, merencória e triste,
A UMA SENHORA QUE ME PEDIU Que seria de ti, se o gozo e o luxo
Não te alegrassem a alma? Cedo esquece
VERSOS A memória de um óbito. E bem hajas,
Discreto esposo, que morreste a tempo.
Pensa em ti mesma, acharás
Perdes, bem sei, dos teus rivais sem conta
Melhor poesia,
Os custosos presentes, as ceatas,
Viveza, graça, alegria,
Os jantares opíparos. Contudo,
Doçura e paz.
Não verás cheia a casa de crianças
Se já dei flores um dia, Loiras obras de artífices estranhos.
Quando rapaz,
Baias recebe a celebrada moça
As que ora dou tem assaz
Entre festins e júbilos. Faltava
Melancolia.
Ao pomposo jardim das lácias flores
Uma só das horas tuas Esta rosa de Poestum. Chega; é ela,
Valem um mês É ela, a amável dona. O céu ostenta
Das almas já ressequidas. A larga face azul, que o sol no ocaso
Co´os frouxos raios desmaiado tinge.
Os sóis e as luas
Terno e brando abre o mar o espúmeo seio;
Creio bem que Deus os fez
Moles respiram virações do golfo.
Para outras vidas.
Clódia chega. Tremei, moças amadas;
Ovelhinha dos plácidos idílios,
Roma vos manda esta faminta loba.
Prendei, prendei com vínculos de ferro,
Os volúveis amantes, que os não veja
Esta formosa Páris. Inventai-lhes
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Um filtro protetor, um filtro ardente, Clódia arranca
Que o fogo leve aos corações rendidos, Uma rosa da fronte, e as folhas deita
E aos vossos pés eternamente os prenda; Na taça que enche generoso vinho.
Clódia... Mas, quem pudera, a frio e a salvo, “Celio, um brinde aos amores!” diz, e entrega-lha.
Um requebro afrontar daqueles olhos, O cortejado moço os olhos lança,
Ver-lhe o túrgido seio, as mãos, o talhe, Não a Clódia, que a taça lhe oferece,
O andar, a voz, ficar mármore frio Mas a outra não menos afamada,
Ante as súplices graças? Menor pasmo Dama de igual prosápia e iguais campanhas,
Fora, se ao gladiador, em pleno circo, E taça igual lhe aceita. Afronta é esta
A pantera africana os pés lambesse, Que à moça faz subir o sangue às faces,
Ou se, à cauda do indômito cavalo, Aquele sangue antigo, e raro, e ilustre,
Ovantes hostes arrastassem César. Que atravessou puríssimo e sem mescla
A corrente dos tempos...Uma Clódia!
Coroados de rosas os convivas Tamanha injúria! Ai, não! mais que a vaidade,
Entram. Trajam com graça vestes novas Mais que o orgulho de raça, o que te pesa,
Tafuis de Itália, finos e galhardos O que te faz doer, viciosa dama,
Patrícios da república expirante, É ver que uma rival merece o zelo
E madamas faceiras. Vem entre eles Deste pimpão de amores e aventuras.
Célio, a flor dos vadios, nobre moço, Pega na taça o néscio esposo e bebe,
E opulento, o que é mais. Ambicioso Com o vinho, a vergonha. Sombra triste,
Quer triunfar na clássica tribuna Sombra de ocultas e profundas mágoas,
E honras aspira até do consulado. Tolda a fronte do poeta.
— Machado de Assis

Mais custoso lavor não vestem damas, Os mais, alegres,


Nem aroma melhor do seio exalam. Vão ruminando a saborosa ceia;
Tem na altivez do olhar sincero orgulho, Circula o dito equívoco e chistoso,
E certo que o merece. Entre os rapazes Comentam-se os decretos do senado,
Que à noite correm solitárias ruas, O molho mais da moda, os versos últimos
Ou nos jardins de Roma o luxo ostentam, De Catulo, os leões mandados de África,
Nenhum como ele, com mais ternas falas, E as vitórias de César. O epigrama
Galanteou, vencendo, as raparigas. Rasga a pele ao caudilho triunfante;
Chama-lhe este: “O larápio endividado,”
Entra: pregam-se nele cobiçosos
Aquele: “Vênus calva”, outro: “O bitínio...”
Olhos que amor venceu, que amor domina,
OCIDENTAIS

Oposição de ceias e jantares,


Olhos fiéis ao férvido Catulo.
Que a marcha não impede ao crime e à glória.
O poeta estremece. Brando e frio,
Sem liteira, nem líbicos escravos,
O marido de Clódia os olhos lança
Clódia vai consultar armênio arúspice.
Ao mancebo, e um sorriso complacente Quer saber se há de Célio amá-la um dia
A boca lhe abre. Imparcial na luta, Ou desprezá-la sempre. O armênio estava
Vença Catulo ou Célio, ou vençam ambos, Meditabundo, à luz escassa e incerta
Não se lhe opõe o dono: o aresto aceita. De uma candeia etrusca; aos ombros dele
Vistes já como as ondas tumultuosas, Decrépita coruja os olhos abre.
Uma após outra, vêm morrer à praia, “Velho, aqui tens dinheiro ( a moça fala),
E mal se rompe o espúmeo seio àquela, Se à tua inspiração é dado agora
Já esta corre e expira? Tal no peito Adivinhar as coisas do futuro,
Da calorosa Lésbia nascem, morrem Conta-me...”O resto expõe. Ergue-se o velho
Súbito. Os olhos lança cobiçosos
As volúveis paixões. Vestal do crime,
À fulgente moeda. - “Saber queres
Dos amores vigia a chama eterna,
Se te há de amar esse mancebo esquivo?”
Não a deixa apagar; pronto lhe lança
—“Sim.”-Cochilava a um canto descuidada
Óleo com que a alimente. Enrubescido
A avezinha de Vênus, branca pomba.
De ternura e desejo o rosto volve
Lança mão dela o arúspice, e de um golpe
Ao mancebo gentil. Baldado empenho!
Das entranhas lhe arranca o sangue e a vida.
Indiferente aos mágicos encantos, Olhos fitos no velho a moça aguarda
Célio contempla a moça. O olhar mais frio, A sentença da sorte; empalidece
Ninguém deitou jamais a graças tantas. Ou ri, conforme do ancião no rosto
Ele insiste; ele foge-lhe. Vexada, Ocultas impressões vêm debuxar-se.
A moça inclina lânguida a cabeça... “Bem haja Vênus! a vitória é tua!
Tu nada vês, desapegado esposo, O coração da vítima palpita
Mas o amante vê tudo. Inda que morto já...”
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Não eram ditas
Estas palavras, entra um vulto...É ele? VELHO FRAGMENTO*
És tu, cioso avante!* I
A voz lhes falta, ...........................................Reinava
Aos dois, contemplam-se ambos, interrogam-se; Afonso VI. Da coroa em nome
Rompe afinal o lúgubre silêncio... Governava Alvarenga, incorruptível
Quando o vate acabou, tinha nos braços No serviço do rei, astuto e manso,
A namorada moça. Lacrimosa, Alcaide-mor e protetor das armas;
Tudo confessa. Tudo lhe perdoa No mais, amigo deste povo infante,
O desvairado amante. “Nuvem leve Em cujo seio plácido vivia
Isto foi; deixa lá memórias tristes, Até que uma revolta misteriosa
Erros que te perdôo; amemos, Lésbia; Na cadeia o meteu. O douto Mestre**
A vida é nossa; é nossa a juventude.” A vara de ouvidor nas mãos sustinha.
“Oh! tu és bom!”- “Não sei; amo e mais nada. ...........................................................
Foge o mal donde amor plantou seus lares. II
Amar é ser do céu.” Súplices olhos Que lance há aí, nessa comédia humana,
Que a dor umedecera e que umedecem Em que não entrem moças? Descorada,
Lágrimas de ternura, os olhos buscam Como heroína de romance de hoje,
Do poeta; um sorriso lhes responde, Alva, como as mais alvas deste mundo,
E um beijo sela esta aliança nova. Tal, que disseras lhe negara o sangue
Quem jamais construiu sólida torre A madre natureza, Margarida
Sobre a areia volúvel? Poucos dias Tinha o suave, delicado aspecto
Decorreram; viçosas esperanças De uma santa de cera, antes que a tinta
Súbito renascidas, folha a folha, O matiz beatífico lhe ponha.
Alastraram a terra. Ingrata e fria, Era alta e fina, senhoril e bela.
Lésbia esqueceu Catulo. Outro lhe pede Delicada e sutil. Nunca mais vivo
Prêmio à recente, abrasadora chama; Transparecera em rosto de donzela
Faz-se agora importuno o que era esquivo. Vergonhoso pudor, agreste e rude,
Vitória é dela; o arúspice acertara. Que até de uns simples olhos se ofendia,
E chegava a corar, se o pensamento
Lhe adivinhava anônimo suspiro
Ou remota ambição de amante ousado.
Era vê-la, ao domingo, caminhando
À missa, co´os parentes e os escravos
A um fundo, em grave e compassada
Procissão; era ver-lhe a compostura,
A devoção com que escutava o padre,
E no agnus dei levava a mão ao peito,
Mão que enchia de fogos e desejos
Dez ou doze amadores respeitosos
De suas graças, vários na figura,
Na posição, na idade e no juízo,
E que ali mesmo, à luz dos bentos círios
(Tão de longe vêm já os maus costumes!)
Ousavam inda suspirar por ela.
III
Entre esses figurava o moço Vasco.
Vasco, a flor dos vadios da cidade,
Namorador dos adros das igrejas,
Taful de cavalhadas, consumado
Nas hípicas façanhas, era o nome
Que mais na baila andava. Moça havia
Que por ele trocara ( erro de moça!)
O seu lugar no céu; e este pecado,
Inda que todo interior e mudo,
Dois terços lhe custou de penitência
Que o confessor lhe impôs. Era sabido
Que nas salas da casa do governo,
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Certa noite, de mágoa desmaiaram Ia a passo o corcel, como ia a passo
Duas damas rivais, porque o mangano Seu pensamento, certo da conquista,
As cartas confundira do namoro. Se ela visse o brilhante cavaleiro
Estas proezas tais, que o fértil vulgo Que, por amor daqueles belos olhos,
Com aumentos de casa encarecia, Derrotar prometia na estacada
E a bem lançada perna, e o luzidio Um cento de rivais. Subitamente
Dos sapatos, e as sedas e os veludos, Vê apontar a ríspida figura
E o franco aplauso de uns, e a inveja de outros, Do ríspido negreiro; a esposa o segue,
O cetro lhe doavam dos peraltas. E logo atrás a suspirada moça,
Que lentamente e plácida caminha
IV
Com os olhos no chão. Corpilho a veste
E, contudo, era em vão que à ingênua dama
De azul veludo; a manga arregaçada
A flor do esquivo coração pedia;
Até à doce curva, o braço amostra
Inúteis os suspiros lhe brotavam
Delicioso e nu. A indiana seda
Do íntimo do peito; nem da esperta
Que a linda mão de moça arregaçava,
Mucama, — natural cúmplice amiga
Com aquela sagaz indiferença
Desta sorte de crimes, — lhe valiam
Que o demo ensina às mais singelas damas,
Os recados de boca; — nem as longas,
A furto lhe mostrou, breve e apertado
Maviosas letras em papel bordado,
No sapatinho fino, o mais gracioso,
A todas co´a simbólica fitinha
O mais galante pé que inda há nascido
Cor de esperança, — e, olhares derretidos,
Nestas terras: — tacão alto e forrado
Se a topava à janela, — raro evento,
De setim rubro lhe alteava o corpo,
— Machado de Assis

Que o pai, varão de bolsa e qualidade,


E airoso medo lhe imprimia o passo.
Que repousava das fadigas longas
Havidas no mercado de africanos, VII
Era um tipo de sólidas virtudes Ao brioso corcel encurta as rédeas
E muita experiência. Poucas vezes Vasco, e detém-se. A bela ia caminho
Ia à rua. Nas horas de fastio, E iam com ela seus perdidos olhos,
A jogar o gamão, ou recostado, Quando ( visão terrível!) a figura
Com um vizinho, a tasquinhar nos outros, Pálida e comovida lhe aparece
Sem trabalho maior, passava o tempo. Do Freire, que, como ele namorado,
Contempla a dama, a suspirar por ela.
V
OCIDENTAIS

Era um varão distinto o honrado Freire,


Ora, em certo domingo, houve luzida
Tabelião da terra, não metido
Festa de cavalhadas e argolinhas,
Nas arengas do bairro. Pouco amante
Com danças ao ar livre e outros folgares,
Recreios do bom tempo, infância d´arte, Dessa glória que tantas vezes fulge
Que o progresso apagou, e nós trocamos Quando os mortais merecedores dela
Por brincos mais da nossa juventude Jazem no eterno pó, não se ilustrara
E melhores de certo; tão ingênuos, Com atos de bravura ou de grandeza,
Tão simples, não. Vão longe aquelas festas, Nem cobiçara as distinções do mando.
Usos, costumes são que se perderam, Confidente supremo dos que à vida
Como se hão perder os nossos de hoje, Dizem o último adeus, só lhe importava
Nesse rio caudal que tudo leva Deitar em amplo in-folio as derradeiras
Impetuoso ao vasto mar dos séculos. Vontades do homem, repartir co´a pena
Pingue ou magra fazenda, já cercada
VI
De farejantes corvos, — grato emprego
Abalada a cidade, quase tanto
A um coração filósofo, e remédio
Como nos dias da solene festa Para matar as ilusões no peito.
Da grande aclamação, de que inda falam Certo, ver o usuário, que a riqueza
Com saudade os muchachos de outro tempo, Obteve à custa dos vinténs do próximo,
Varões agora de medida e peso, Comprar a eterna paz na eterna vida
Todo o povo deixara as casas suas. Com biocos de póstumas virtudes;
Grato ensejo era aquele. Resoluto Em torno dele contemplar ansiados
A correr desta vez uma argolinha, Os que, durante longo-áridos anos,
O intrépido mancebo empunha a lança De lisonjas e afagos o cercaram;
Dos combates, na fronte um capacete Depois alegres uns, sombrios outros,
De longa, verde, flutuante pluma, Conforme foi silencioso ou grato
Escancha-se no dorso de um cavalo O abastado defunto, — emprego é esse
E armado vai para a festiva guerra. Pouco adequado a jovens e a poetas.
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VIII
Jovem não era, nem poeta o Freire;
Tinha oito lustros e falava em prosa.
Mas que és tu, mocidade? e tu, poesia?
Um auto de batismo? quatro versos?
Ou brancas asas da sensível pomba
Que arrulha em peito humano? Único as perde
Quem o lume do amor nos seios d´alma
Apagar-se-lhe sente. A névoa pode,
Qual turbante mourisco, a cumeada
Das montanhas cingir da nossa terra,
Que muito, se ao redor viceja ainda
Primavera imortal? Um dia, ao vê-la
De tantos requestada a esquiva moça,
Sente o Freire bater-lhe as adormidas
Asas o coração. Que não desdoura,
Antes lhe dá realce e lhe desvinca
A nobre fronte a um homem da justiça,
Como os outros mortais, morrer de amores;
E amar e ser amado é, neste mundo,
A tarefa melhor de nossa espécie,
Tão cheia de outras que não valem nada.

NO ALTO
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma coisa estranha,
Uma figura má.
Então, volvendo o olhar ao sutil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.
Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,
Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro estendeu-lhe a mão.

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