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Fluoretação da água: uma questão de política

ARTIGO ARTICLE
pública – o caso do Estado do Ceará
Water fluoridation: a matter of policy – the state
of Ceará, Brazil

Lana Bleicher 1
Francisco Horácio da Silva Frota 2

Abstract This study tries to analyze how drink- Resumo Este estudo busca descobrir como a fluo-
ing water fluoridation has developed in Ceará retação das águas se desenvolveu no Ceará, con-
state so contributing to nationwide policy under- tribuindo assim para o entendimento da política
standing. Nineteen people involved in this process nacionalmente. Foram realizadas entrevistas com
were interviewed, among the state water compa- 19 atores envolvidos no processo, entre técnicos da
ny, Fundação Nacional de Saúde and Secretaria companhia estadual de abastecimento d´água, da
Estadual da Saúde do Ceará workers and Grupo Fundação Nacional de Saúde, da Secretaria Esta-
Estadual de Controle de Flúor members. A docu- dual da Saúde do Ceará e do Grupo Estadual de
mental search in the files of institutions men- Controle do Flúor. Procedeu-se também a uma
tioned above, besides dental journals, newspapers pesquisa documental nos arquivos dessas institui-
and State Official Daily complemented the finds ções, além de informativos da categoria, jornais
of the interviews. Public Administration actua- de grande circulação e Diário Oficial do Estado,
tion, by means of Sesp Foundation and national que complementou os achados das entrevistas.
programs were analyzed, as well as the state actu- Foram analisadas as atuações do poder público
ation through its water company and also the role federal (Fundação Sesp/Fundação Nacional de
of social control in the process. Finds show that Saúde e programas nacionais) e estadual (com-
although most part of the population receives flu- panhia de abastecimento de água); bem como o
orated water in Ceará state due to the State actu- papel do controle social no processo. Os achados
ation, there was an important role of the Federal apontam que, no Ceará, embora a maior parte da
State in the implementation of this measure. The cobertura populacional por água tratada se deva
State company performance was restricted to à atuação estadual, esta esteve fortemente depen-
large water distribution systems. Fundação Na- dente de financiamento federal para sua imple-
cional de Saúde fluorated small systems and was mentação. Sua atuação foi restrita a grandes sis-
1 Departamento a reference on the matter in the state. It was not temas. A Fundação Nacional de Saúde, além de
de Odontologia Social found evidence of society participation in what atuar em pequenos sistemas, constituiu-se numa
e Pediátrica, Faculdade concerns this theme, which was restrict to acade- referência em relação ao assunto no estado. Não
de Odontologia da UFBA.
Av. Araújo Pinho 62, mic debate. foram encontrados indícios de participação efeti-
4o andar, Canela, 40110-150, Key words Water fluoridation, Health policy, va da sociedade em relação ao tema, ficando este
Salvador BA. Water supply, Sanitation circunscrito aos meios técnicos.
lana@ufba.br
2 Universidade Estadual Palavras-chave Fluoretação da água, Política de
do Ceará. saúde, Abastecimento de água, Saneamento
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Bleicher, L. & Frota, F. H. S.

Introdução com o argumento dos possíveis efeitos colate-


rais que pudesse provocar.
No Brasil, a fluoretação da água está prevista
em lei federal, conta com o suporte de progra-
mas nacionais de financiamento e tem o apoio A fluoretação no Brasil
de gerações de sanitaristas envolvidas em sua
defesa. No entanto, só alcança, ainda, pouco A Fundação Sesp, que mais tarde seria incorpo-
mais do que a metade da população. Para auxi- rada à Fundação Nacional de Saúde, foi respon-
liar a compreensão desse problema, os autores sável pela adição de fluoretos à primeira cidade
analisam o desenvolvimento da fluoretação no brasileira a contar com o benefício: Baixo
estado do Ceará – que ainda não atingiu com- Guandu (ES), em 1953. Neste trabalho, serão
pletamente o potencial de cobertura. São obje- utilizadas as denominações Fundação Sesp ou
tivos deste artigo tratar do papel desempenha- Funasa, conforme o período em questão. A essa
do pelas instituições relacionadas ao saneamen- cidade se seguiram outras, onde a iniciativa se
to – o que nos remete à atuação das diferentes deveu ao poder municipal, cabendo ao nível es-
esferas de governo –, perceber como a imple- tadual somente a assistência técnica, quando
mentação da medida foi influenciada pela polí- solicitada (Batalha3). Esta forma de intervenção
tica de financiamento e discutir a existência de encontra explicação em Costa4, que afirma: As
participação social no processo. O período es- décadas de 50 e 60 poderiam ser caracterizadas,
tudado tem como delimitadores os anos de na perspectiva do modelo gerencial, pela busca da
1983, primeira iniciativa de fluoretação da água autonomia dos serviços de saneamento, que efeti-
em Fortaleza, e 1994, início da fluoretação da vamente experimentam diversas formas de gestão
Estação de Tratamento de Água da Serra da (p. 60). Mais à frente, ele afirma que 54% dos
Ibiapaba. serviços de abastecimento d’água eram munici-
pais.
Rezende & Heller5 apontam que as raízes de
Os primeiros passos da fluoretação tal modelo se encontram na Constituição Fede-
ral de 1934, que estabelecia a organização des-
Conhecer a história da fluoretação é elucidati- ses serviços de caráter local, gerando considerá-
vo: ela surgiu com a descoberta de seu efeito co- vel desnível em relação ao desenvolvimento das
lateral, a ocorrência de manchamento do esmal- políticas de saneamento por todo país. Embora
te dental, nos EUA, em 1908. A comprovação de não tenha sido desprezível o papel do poder es-
que, em doses ideais, seria capaz de reduzir a cá- tadual no início da fluoretação das águas, per-
rie, ocorreu décadas depois – culminando com cebe-se que foi gradualmente se expandindo,
a fluoretação artificial da água em 1945. Entre- passando com o tempo a acumular as funções
tanto, esta medida enfrentou fortes oposições, de estímulo e capacitação das companhias mu-
sendo acusada de atentar contra as liberdades nicipais com parte da execução. Nos anos 70,
individuais, uma vez que caberia ao indivíduo houve o primeiro sinal de participação da esfe-
cuidar de sua própria saúde (Elwell & Easlick1). ra federal com a aprovação da Lei Federal n.
Para entender a controvérsia em torno da 6.050, de 1974, obrigando as estações de trata-
fluoretação da água nos Estados Unidos, é ne- mento d’água, que daí por diante fossem cons-
cessário contextualizá-la nas políticas públicas truídas ou ampliadas, a realizarem planos rela-
americanas, que não foram concebidas como tivos à fluoretação da água (Zanetti6).
um sistema de proteção universal, mas sim co- Cabe assinalar que mais importante que o
mo ações focalizadas, voltadas para os grupos estatuto legal da fluoretação foram os progra-
incapazes de prover seu sustento pela sua não mas que buscaram ampliar o contingente de
inserção no mercado (Teixeira2). Dado que a população abastecida por água tratada, a partir
adição de fluoretos à água é uma medida de de linhas de financiamento. Duas iniciativas
proteção coletiva que independe de motivações importantes ocorreram: em 1975, a Fsesp ela-
individuais e tem um baixo potencial mercado- borou o Projeto de Fluoretação das Águas de
lógico (quando comparada à vigorosa indústria Abastecimento Público, executado pelo Minis-
de bens para cuidados individuais), pode-se su- tério da Saúde em convênio com o Instituto
por que não seria a estratégia mais adequada a Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan). Na
uma política liberal. No Brasil, a fluoretação en- década seguinte, a fluoretação da água foi forte-
controu resistência consideravelmente menor, mente incentivada pela alocação de recursos do
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Finsocial, via Banco Nacional de Habitação, pa- Fluoração da Água em Sistemas de Abastecimen-
ra que as companhias de abastecimento d´água to Público (Ceará11). Os Gecof eram instâncias
adicionassem flúor à água. Em relação ao proje- de interlocução entre as instituições envolvidas
to da Fsesp, Vianna & Pinto7 contrastam a meta com o projeto, mas foram sendo desativados
pretendida pelo Inan (passar de uma cobertura sem que outros fóruns participativos se ocupas-
inicial de 4,5% para 50%) com o resultado al- sem de suas funções. No máximo, a atribuição
cançado: somente 16,9%. Zanetti6 avalia que o de controle de fluoretação migrou para o inte-
programa do BNH foi o primeiro momento de rior das secretarias municipais ou estaduais de
alocação significativa de verbas públicas em um saúde, dando origem aos sistemas de vigilância
programa de saúde bucal. sanitária que se instituíram nos anos 90.
Ao compararmos os dados de cobertura por Costa4 explica que a tendência dentro do se-
água fluoretada em números absolutos, verifi- tor de saneamento durante a década de 1990 foi
caremos que, de 1972 a 1977, a cobertura popu- a substituição da lógica burocrática pela empre-
lacional da fluoretação saltou de 3,3 para 7 mi- sarial, marcada pela flexibilidade e competitivi-
lhões de habitantes, aumentando 3,24 vezes. De dade, encontrando-se expressa no Projeto de
1982 (25,7 milhões) a 1989 (62 milhões), o au- Modernização do Setor de Saneamento (PMSS),
mento foi de 2,4 vezes. No período de 1989 a iniciado em 1993 com financiamento do Banco
1996 (65,5 milhões), o crescimento foi de 1,05 Mundial. O autor chama a atenção para o fato
vezes (Vianna & Pinto7, Pinto8, 9, Campeão10). de que a formulação da política nacional escapa
Percebe-se um alto crescimento percentual du- da comunidade técnica de saneamento e passa
rante os anos 70, período de vigência do pro- para as mãos de economistas do Ministério do
grama do Inan. Durante os anos 80, o aumento Planejamento, ocasionando embates entre estes
da cobertura prosseguiu, embora proporcional- dois grupos.
mente não tão vigoroso, coincidindo com a alo- Oliveira Filho & Moraes12 demonstram co-
cação de recursos via BNH. Os anos 90 regis- mo a criação, durante os anos 90, de programas
tram um aumento pífio, fazendo jus à ausência federais de crédito a concessionários privados
de políticas de financiamento à fluoretação. de saneamento e a interdição de empréstimos
Ao analisar as políticas do setor saneamento ao setor público apontaram o caminho da pri-
nos anos de 1970 e 1980, Costa4 chama a aten- vatização do setor. A resistência por parte de
ção para a principal delas, o Planasa (Plano Na- trabalhadores e outros setores organizados foi
cional de Saneamento Básico), que existiu de capaz de obstaculizar algumas ofensivas, mas
1971 a 1986. O autor considera que o critério não todas. Nesse contexto, em que o saneamen-
de rentabilidade não foi o único a determinar to deixa seu caráter de bem público para tor-
os investimentos, perdurando o embate de duas nar-se serviço explorável pela iniciativa priva-
lógicas: o autofinanciamento e a eqüidade so- da, há riscos de que ocorra no Brasil algo simi-
cial. Isto nos leva a entender porque a estratégia lar ao ocorrido no Reino Unido, onde, de acor-
para o desenvolvimento da fluoretação, nesse do com Lowry e Evans13, não houve progresso
período, tenha aparentemente se voltado para na fluoretação após a privatização de grande
iniciativas com o poder central; e também per- parte das companhias de água.
mite supor que “assessoria e treinamento” não
mais seriam suficientes para sensibilizar as
companhias: dado que elas necessitavam auto- Procedimentos metodólogicos
financiamento, eram necessários repasses fi-
nanceiros. Foram realizadas pesquisa documental e entre-
Ainda que inicialmente a discussão do tema vistas semi-estruturadas. A princípio, foi esta-
tenha se limitado aos círculos técnicos, a ques- belecido que as entrevistas seriam realizadas
tão ganhou espaços mais ampliados com a de- com servidores da Cagece, Funasa e Secretaria
mocratização do país, como foi o caso das duas Estadual da Saúde e membros do Grupo Esta-
primeiras Conferências Nacionais de Saúde Bu- dual de Controle do Flúor do Ceará (Gecof).
cal (1986 e 1993). Outros espaços de debate da Entretanto, ao final de cada colóquio, era solici-
fluoretação foram os Grupos Estaduais de Con- tado que se indicassem mais pessoas que o en-
trole da Fluoretação (Gecof), cuja criação foi trevistado julgasse aptas a contribuir para o es-
estimulada pelo Ministério de Saúde nos anos clarecimento do tema. Deste modo, foi possível
80 (Zanetti6). Tinham por objetivos elaborar, descobrir personagens portadores de relatos ex-
executar, coordenar e supervisionar o Projeto de tremamente ricos, que não haviam sido cogita-
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Bleicher, L. & Frota, F. H. S.

dos durante o período de elaboração do projeto Resultados e discussão:


da pesquisa. Ao final deste processo, foram rea- A fluoretação da água no Ceará
lizadas 19 entrevistas. Este número foi conside-
rado suficiente, pois permitiu que houvesse Duas são as instituições envolvidas no processo
uma certa reincidência de informações, de mo- de fluoretação da água no Ceará: o Sesp, atual
do a abarcar o tema na sua integralidade, tal co- Funasa, que já atuava no estado pelo menos
mo preconizado por Minayo14. desde 1954 (Bastos16); e a Companhia de Água
As entrevistas semi-estruturadas determi- e Esgotos do Ceará (Cagece), criada pelo poder
naram as principais diretrizes norteadoras do estadual em 1971.
diálogo. O roteiro inicial destinado aos servido- Os primeiros municípios a terem suas águas
res da Funasa, Cagece e Secretaria Estadual de fluoretadas no Ceará foram Sobral e Quixera-
Saúde enfocava: os motivos que levavam à deci- mobim, ainda nos anos 70, pela Fundação Sesp
são de realizar a fluoretação; a política da insti- (Bleicher17). A fluoretação das águas da capital
tuição em relação à fluoretação, e como ela se do estado, entretanto, angariou maior atenção.
verificava na prática; as relações institucionais;
e o financiamento. As entrevistas com membros A companhia estadual
do Gecof abordavam o questionamento sobre e a fluoretação de Fortaleza
os objetivos do grupo, suas discussões e deci-
sões. Outros temas não previstos no roteiro ini- Entre 1983 e 1986, período inicial de fluore-
cial foram aflorando, e o roteiro foi sendo am- tação de Fortaleza, foi adicionado flúor à água
pliado à medida que se avançava nesse momen- desta cidade, em função de convênio mediante
to da pesquisa. o qual a companhia estadual de saneamento re-
As entrevistas foram gravadas, transcritas e, cebeu da esfera federal dez toneladas de fluossi-
depois de repetidas leituras, eram assinaladas as licato de sódio. Percebe-se, portanto, que o in-
categorias de investigação existentes no relato, vestimento direto do poder federal na fluoreta-
como “Esfera Federal”, “Esfera Estadual”, “Con- ção da água de Fortaleza foi decisivo para seu
trole Social”. A utilização do programa Hyper- início.
Research, da empresa ResearchWare, permitiu Foi nesse mesmo período que ocorreram as
que os trechos das diversas entrevistas assinala- duas composições iniciais do Gecof – Grupo
dos com o mesmo tema fossem agrupados. Estadual de Controle da Fluoretação. As atas
Desta forma, de posse de todos os fragmentos re- das reuniões do grupo em 1984 sugerem uma
lativos a “controle social”, por exemplo, foi cons- situação favorável à obtenção de recursos finan-
truída a análise. ceiros do Banco de Desenvolvimento Econômi-
A pesquisa documental foi realizada nos ar- co e Social, o que é compatível com o fato de o
quivos dos jornais de grande circulação O Povo, período em questão ser o de vigência do Pro-
com edições de 1976 a 1991, e Diário do Nordes- grama de Fluoretação das Águas de Abasteci-
te, com edições de 1992; informativos do Con- mento Público, do BNDES/BNH/MS; no qual,
selho Regional de Odontologia do Ceará (de segundo Zanetti6, grande soma de recursos do
1983 a 1989) e do Sindicato dos Odontologistas Finsocial foi destinada à fluoretação da água.
do Estado do Ceará (1989); informativos da Ca- Entretanto, em 1986, a fluoretação da água
gece (1989); atas do Grupo Estadual do Contro- de Fortaleza foi interrompida. Na época, o go-
le do Flúor (1985); e Diário Oficial do Estado verno do estado, denominado de transição en-
(1969 a 1989). De posse de cópia dos documen- tre o ciclo dos coronéis (de 1963 a 1982) e o ci-
tos, foram assinalados os trechos que remetiam clo dos empresários (de 1986 aos dias atuais),
aos temas de estudo, que, uma vez agrupados, enfrentou sérias dificuldades para manter a má-
foram analisados. Estes procedimentos permiti- quina administrativa (Farias18). A retomada da
ram remontar o desenvolvimento da política de fluoretação em Fortaleza só ocorreu em 1989
fluoretação da água no Ceará e as visões dos (ETA19), já durante a vigência do ciclo dos em-
atores envolvidos sobre a mesma. presários. Vale salientar que a lógica do equilí-
O processo analítico se deu por triangula- brio orçamentário tem sido um de seus traços
ção, confrontando-se os achados da pesquisa distintivos. O episódio descrito a seguir é ilus-
documental, entrevistas e o diagnóstico reali- trativo. Em 1988, o diretor-presidente da Cage-
zado pelos autores publicado em Bleicher & ce recebeu a visita do Coordenador Nacional do
Frota15. Programa de Fluoretação da Água de Abasteci-
mento Público do Ministério da Saúde. Este úl-
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timo alegava que a interrupção da fluoretação trassem, mediante cálculos financeiros, a me-
havia sido uma quebra contratual, por parte da lhor relação custo-eficácia, ilustrada no entu-
Cagece, do convênio firmado com o Governo siasmo com o Programa Agentes de Saúde, im-
Federal; portanto, caberia à companhia reini- plantado no Ceará antes de se constituir políti-
ciar a fluoretação com recursos próprios. A so- ca nacional. Ora, a fluoretação da água não só
lução apontada era o repasse ao usuário dos tinha um custo per capita mais elevado em mu-
custos adicionais, idéia bem recebida pelo dire- nicípios menores, como também não houve,
tor-presidente da Cagece: É uma forma de obri- por parte do conjunto de atores sociais envolvi-
gar a Companhia a manter a fluoretação, ao mes- dos em sua defesa, possibilidades em demons-
mo tempo em que injeta recursos na empresa, que trar sua eficácia.
necessita de verbas (Fortaleza20). De onde se de- Isto ocorre devido ao fato de não ter havido
duz que a implantação da fluoretação na capital controle epidemiológico da medida. Excetuan-
parecia atraente para a visão empresarial que se do-se o município de Icó (Martildes et al.23),
instalava no governo estadual. abastecido pela Fundação Sesp, não foram en-
Um dos motivos que pode ajudar a explicar contrados registros de levantamentos epide-
a retomada da fluoretação na capital cearense miológicos anteriores e posteriores ao inicio da
foi o lançamento do Programa Nacional de Pre- fluoretação, para comprovar seu efeito. Em For-
venção da Cárie Dental – Precad, pela Divisão taleza não foram realizados estudos com esta fi-
Nacional de Saúde Bucal do Ministério da Saú- nalidade específica: os dados epidemiológicos
de em 1989 (Brasil21). Neste programa, a prio- realizados no município fazem parte dos estu-
ridade foi dada à recuperação dos sistemas que dos nacionais levados a cabo pelo poder fede-
haviam paralisado a fluoretação, meta que se ral. Vários entrevistados fazem referência à au-
pretendia atingir até o final de 1989. Visto que sência de avaliação do impacto da fluoretação
Fortaleza se enquadrava nessa condição, é ra- como um dos fatores que desmotivavam sua
zoável supor que tenha sido um dos sistemas a ampliação: E algumas vezes ele [o secretário de
receber atenção especial do programa. O pró- Desenvolvimento Urbano] abordou a gente
prio governo estadual, em publicação no órgão [dentistas] pedindo, se fosse possível, nós fazer-
de divulgação da Cagece, afirmava que a inicia- mos uma avaliação do benefício. Era importante
tiva era resultante de um convênio firmado para a própria concepção do governo, em ver
com a Caixa Econômica Federal, mas que a par- aquilo ali como uma necessidade mesmo, por
tir do segundo ano, a fluoretação será feita com uma questão de benefício realmente afirmada.
recursos próprios (ETA19). Outro fator apontado nas entrevistas foi a
Apenas mais um sistema operado pela Ca- cultura institucional, exemplificada na fala de
gece recebeu adição de flúor: a Estação Jaburu, um funcionário da companhia estadual: A ques-
que desde 1994 fornece água fluoretada a sete tão primeira é a cultura da empresa, que faltou a
municípios da serra de Ibiapaba. Como a esta- cultura e realmente faltou alguma pressão da so-
ção de tratamento de Fortaleza também é res- ciedade em cima disso. Não tem ainda essa cultu-
ponsável pelo fornecimento de água a mais dois ra, essa consciência da importância da fluoreta-
municípios, com apenas dois sistemas a Cagece ção da água.
fornecia, em 1999, água fluoretada a 2.424.862
habitantes (Bleicher & Frota15). Percebe-se que O poder federal:
o poder estadual se limitou a realizar a fluoreta- Fundação Sesp – Funasa
ção em grandes sistemas. Os pequenos sistemas
de abastecimento são aqueles com maior difi- Em 1999, Bleicher & Frota15 verificaram que
culdade de auto-sustentação, por perderem em a Funasa oferecia água fluoretada a 371.748 cea-
economia de escala. Portanto, realizar a fluore- renses, o que correspondia a apenas 13% da po-
tação em sistemas de grande porte não chega a pulação do Ceará coberta por água fluoretada.
ser comparável à dificuldade em implantá-la Por outro lado, a Funasa realizava, em 1999,
em sistemas pequenos – neste caso seria neces- fluoretação em 38% dos municípios que aten-
sário haver incontestes ganhos sanitários que dia, ao passo que na Cagece este número caía
justificassem o investimento financeiro. para 8%.
Abu-El-Haj22 analisa as políticas de saúde Entrevistas com dentistas da Secretaria Es-
dos governos do ciclo dos empresários e afirma tadual da Saúde do Ceará explicitam a reverên-
que, dentro de sua lógica pragmática, as medi- cia com que a Fundação Sesp era tratada, reco-
das mais bem acolhidas eram as que demons- nhecida como instituição com acúmulo de co-
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Bleicher, L. & Frota, F. H. S.

nhecimento na área: O Sesp já tinha uma histó- Controle social e participação social
ria, uma bagagem de conhecimento nessa questão
da fluoretação de água em alguns municípios do A fluoretação da água é um excelente método
estado do Ceará. preventivo, que atua nos organismos dos indi-
Percebe-se um papel de estimulador da víduos até mesmo quando estes desconhecem
fluoretação, mesmo sobre sistemas da compa- que estão sendo atingidos. Falar em controle
nhia estadual, como revela o trecho de uma en- social da fluoretação remete mais comumente
trevista com funcionário da Cagece: Quem co- ao controle do Estado sobre os indivíduos que
meçou a fazer a fluoretação no estado do Ceará o inverso. O desenrolar dessa política no Ceará
foi o sistema dos SAAE [Sistema Autônomo de é um caso exemplar. Na fala dos atores, quando
Água e Esgoto], que vieram gerenciados pela aparece o termo participação, não é da partici-
Fundação Nacional de Saúde, antiga Fundação pação popular que se fala, mas da categoria
Sesp. Então praticamente em todos os sistemas odontológica e de técnicos do saneamento.
deles, eles usavam fluoretação de água. Isso para Assim, os usuários do sistema de abasteci-
mim foi a maior pressão para a Cagece implantar mento d'água não aparecem como protagonis-
em Fortaleza, porque não se justificava um boca- tas na história da fluoretação, quer na fala dos
do de sistemas de várias cidades pequenas do in- entrevistados, quer nas matérias de jornal. Na
terior já com água fluoretada e Fortaleza sem ter. maior parte dos discursos presentes nestes jor-
No relato dos funcionários da Funasa, há nais, a fluoretação aparece como bandeira exi-
reiteradas menções à formação dos profissio- gida pelas entidades odontológicas, e a popula-
nais que serviam à Fundação: os profissionais ção – sobretudo a mais pobre, desinformada, que
ficavam imbuídos destes referenciais e, usando não conhece seus direitos, que precisa ser esclare-
as palavras de um engenheiro da instituição en- cida – figura apenas como beneficiária passiva.
trevistado, vestiam a camisa, lutavam. Nos lo- A ignorância da população pode, inclusive, fa-
cais em que a fluoretação não era implantada zê-la se opor à fluoretação, ainda que isto tenha
ou era abandonada, isso se devia ao fato de o aparecido somente em um dos relatos, e não
conjunto de profissionais não ter vestido a ca- conste nos documentos. Em um episódio nar-
misa. A entrevista com um dentista da Secreta- rado, a população atribuía ao flúor na água tu-
ria Estadual de Saúde do Ceará também revela do o que acontecia dentro da casa, mesmo antes
esse reconhecimento à qualificação dos recur- da fluoretação ter de fato se iniciado.
sos humanos: A gente tinha deles [funcionários Portanto, o discurso construído é o da fluo-
da Fundação Sesp] uma idéia até de muito res- retação como uma política em que caberia a
peito, porque trabalhavam prevenção, trabalha- participação dos técnicos, um assunto a ser de-
vam a questão do tempo integral, dedicação ex- batido entre os que detêm o conhecimento “le-
clusiva, tinha todo um histórico... gítimo” sobre o assunto. A população fica ca-
Percebe-se um diferencial da Fsesp em rela- racterizada como objeto desta intervenção.
ção às outras instituições, no que tange a seus Sintomático disto é que na composição do Gru-
recursos humanos, o que pode ser cogitado co- po Estadual de Controle da Fluoretação, em
mo fator estimulante à fluoretação. Entretanto, 1989, figurava um representante da comunidade,
uma instituição nos seus moldes, com forte mas não há referência ao modo pelo qual ele
preocupação com a qualificação de seus recur- teria sido escolhido de forma a ter representati-
sos humanos, ênfase na dedicação exclusiva e vidade. Sua presença nem mesmo é recordada,
boa remuneração de seus quadros aparece co- quando indagamos outros membros do Gecof
mo anacrônica para os dias atuais, em que pre- à época.
dominam a terceirização, a ausência de vínculo O não envolvimento de amplos setores da
empregatício e os contratos temporários nas sociedade na questão é visível na fala de um
três esferas de governo. Recomendam-se mais funcionário da Cagece: Realmente faltou algu-
estudos que busquem avaliar o impacto da pre- ma pressão da sociedade em cima disso, eu nunca
carização das condições de trabalho e das pri- vi publicamente alguém chegar aqui na Cagece
vatizações no setor saneamento sobre a quali- reclamando disso, e eu acho que isso foi que retar-
dade dos serviços prestados. dou esse processo.
A cobrança pela fluoretação da água é feita
somente por técnicos: da Cagece, da Fsesp, e
por cirurgiões-dentistas. Entretanto, mesmo a
atuação das entidades odontológicas é vista
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como acanhada, na fala de entrevistados; ha- sobre a companhia estadual. Mostrou também
vendo um sentimento de inoperância da cate- como o debate dessa política esteve circunscrito
goria. ao meio técnico, carecendo de controle social.
Estes achados nos fazem supor que, para a ob-
tenção de patamares mais elevados de cobertu-
Considerações finais ra por água tratada, será necessária a retomada
de uma política de incentivo mediante financia-
O caso do Ceará mostrou como, em um estado mento federal, o impedimento da privatização
de industrialização recente, a atuação da esfera do setor saneamento, a inscrição da medida na
federal teve papel preponderante, quer seja pe- pauta de reivindicações populares e a adoção,
los programas de incentivo à fluoretação, quer por parte das instituições que realizam o abas-
pela ação direta da Fundação Sesp nos municí- tecimento d´água, de uma cultura institucional
pios em que atuava, ou, ainda, como influência que favoreça a fluoretação.

Agradecimento

Esta pesquisa contou com o apoio material da Capes, na


forma de bolsa de mestrado.

Colaboradores

Lana B e Francisco HSF participaram igualmente em to-


das as etapas da elaboração do artigo.

Referências

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