Camões
1. Vida
1) Data e lugar de nascimento: crê-se que nasce em 1524 / 1525, mas não
há documentos que o acreditem. Tampouco se sabe qual foi o seu lugar de
nascimento, há hipóteses que assinalam Lisboa e outras que mesmo defendem
a sua origem galega (Filgueira Valverde relaciona o apelido Camões com o
topónimo pontevedrês Camos). Morre o 10 de Junho de 1580.
2) Formação: não se sabe onde adquire a sua formação, mas crê-se que estuda
filosofia e literatura na Universidade de Coimbra sob a protecção dum tio
que era Padre (D. Bento).
3) Procedência social: tudo parece indicar que pertencia à pequena
nobreza, que naquela altura vivia numas condições económicas bastante
adversas. Camões mostrou sempre o seu inconformismo com esta situação,
razão pela que um dos seus biógrafos diz que era demasiado pobre para viver
como fidalgo e demasiado fidalgo para viver como pobre.
4) Passagens significativas da sua vida:
a) Atribuíram-se-lhe vários desterros, entre os que destaca um desterro para
Ceuta onde teria exercido de soldado e perderia o olho direito, uma perda
que refere nos seus versos.
b) Atribuíram-se-lhe várias relações amorosas, entre as que destaca a que
manteve com a Infanta D. Maria, irmã do rei D. Manuel I, a qual
inspiraria alguns dos seus textos. Um exemplo é “Perdigão perdeu a
pena”, umas redondilhas em que o perdigão, que é um auto-pseudónimo do
autor, quer subir demasiado alto e tem um final trágico.
c) Conhece-se a sua passagem pela cadeia como consequência dum conflito
com um funcionário da Corte. Esteve um ano em prisão e saiu depois de
ser perdoado pelo rei e pelo agredido, mas com a condição de viajar para a
Índia para servir a Coroa.
d) Na Índia:
■ Parece que sentiu uma grande decepção com Goa pela ambição dos
portugueses, cidade que que literariamente chamaria Babilónia (terra de
exílio dos israelitas) por considerá-la uma terra má e à que se refere com
expressões negativas. Esta identificação da Índia com Babilónia baseia-
se na composição “Sóbolos rios que vão / de Babilónia a Sião”.
■ Participou em várias expedições marítimas e numa delas Camões iria
perde-lo tudo por causa duma tempestade nas proximidades da costa da
Indochina. Segundo a lenda, nesta tempestade:
Morre uma moça chinesa com a que Camões teria uma relação
amorosa e que baptizara literariamente como Dinamene. Pouco
depois teria escrito os sonetos elegíacos dedicados a Dinamene.
Correu grande risco o manuscrito de Os Lusíadas (cujo primeiro
canto teria sido redigido na Índia, segundo alguns biógrafos), que
Camões teria salvado das águas.
e) Camões abandona a Índia e, com a ajuda económica das suas amizades, vai
para Moçambique, onde contrai cada vez mais dívidas.
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f) Regressa de novo a Lisboa, parece que também com a ajuda económica dos
seus amigos, um dos quais parece que foi João de Barros 1. Em Lisboa
publica Os Lusíadas (1572) e consegue sobreviver com uma tença anual
concedida pela Monarquia como reconhecimento ao seu serviço à pátria
como soldado e escritor. Com tudo, Camões é apresentado pelos seus
biógrafos como um homem orgulhoso e insatisfeito, contestatário com a
falta de reconhecimento dos seus valores, tanto como homem de letras
como de armas. Esta é uma interpretação tirada dos últimos versos de Os
Lusíadas, em que diz que silencia a sua voz porque não quer já mais cantar
para gente vil e desagradecida.
g) Camões morre em 1580, mas não temos dados exactos do que acontece
com os seus restos, que parece que foram enterrados sob uma placa em que
se lia Aqui jaz Luís de Camões, príncipe de poetas, viveu pobre e miserável
e assim morreu. O terramoto de 1755 arrasou o seu sepulcro e hoje os
seus restos estão presumivelmente nos Jerónimos de Lisboa.
2. Obra
2.1. Lírica
A obra lírica de Camões só foi publicada postumamente, sob o título de
Rimas2. Crê-se que Camões teria projectado publicar a sua obra, que já estaria pronta
num manuscrito sob o título de Parnaso Lusitano, mas este seria-lhe roubado.
Esta parte de obra de Camões apresenta, ainda na actualidade, muitos
problemas de edição já que circulam muitas variantes dos textos, textos atribuídos
a Camões que não são dele (de Diogo Bernardes, poemas do Cancioneiro Geral3) e
textos atribuídos a outros autores que são em realidade de Camões. Deste modo, na
actualidade não há nenhuma edição aceite por toda a crítica (algumas atribuem-lhe
mais de mil textos, e outras menos de quinhentos). Com tudo, podemos citar as de:
a) Júlio da Costa Pimpão;
b) Leodegário de Azevedo Filho, edição muito diferente às tradicionais.
1
Entre as seis cartas conservadas de Camões há algumas dirigidas a João de Barros.
2
Bocage publicaria uma obra com o mesmo título pela admiração que sentia por Camões.
3
Publicado em 1516, antes do nascimento de Camões.
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Significado Significante
1. pluma (das aves) 1. pena
2. instrumento da escrita 2. penar
3. mágoa 3. apenado
4. condena 4. depenado
5. rocha 5. ...
3) Estrofes:
a) Cantiga (mote + glosa).
b) Vilancete (mote + glosa).
c) Trova: estrofes dum número indeterminado de versos que não estão sujeitos
a nenhum mote.
Composição Comentário
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Da que se disse que foi uma vendedora mulata que o mantinha (Faria e SOusa); uma bailarina índia
(Teófilo Braga); uma cocinheira (Carolina Michaëlis); simplesmente uma mulher morena à que
Camões chama preta de modo carinhoso.
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VOLTAS DO CAMÕES
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Composição Comentário
Soneto – prólogo em que Camões apresenta a
sua obra literária:
- Referências ao processo da comunicação
Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento, literária:
o gosto de um suave pensamento Mensagem amorosa.
me fez que seus efeitos escrevesse.
Autor como agente da escrita (escrevesse).
Porém, temendo Amor que aviso desse Destinatário: Ó Vós [...] quando lerdes.
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho co’o tormento, - Humilitas: escureceu-me o engenho, breve livro.
para que seus enganos não dissesse. - Poema egotista. Camões insiste em que ele
canta verdades puras, não defeitos (erros).
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes - Apresentação de temas recorrentes da sua
num breve livro casos tão diversos, lírica:
Fortuna: Enquanto quis Fortuna que tivesse.
verdades puras são e não defeitos;
e sabei que, segundo o amor tiverdes, Passagem do tempo, ligada à Fortuna,
tereis o entendimento de meus versos. que é sempre para pior. Assim,
contrapõe-se o passado (tempo de
esperança) com o presente (tempo de
desengano).
Eu cantarei de amor tão docemente, Soneto – prólogo:
Por uns termos em si tão concertados,
Que dous mil acidentes namorados - Processo de comunicação literária:
Faça sentir ao peito que não sente.
Mensagem amorosa: cantarei de amor.
Farei que o amor a todos avivente,
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Autor: Eu cantarei.
Destinatário: Faça sentir ao peito que não
sente / Farei que o amor a todos avivente.
- Temas recorrentes:
Pintando mil segredos delicados, Amor e os seus efeitos contraditórios:
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente. Brandas iras, suspiros magoados, / temerosa
ousadía e pena ausente.
Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Imagem da mulher: senhora protótipo do
Contentar-me-ei dizendo a menor parte. amor cortês e da literatura petrarquista.
É uma mulher esquiva e doce ao mesmo
Porém, para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
tempo (desprezo honesto [...] vista branda e
Aqui falta saber, engenho e arte. rigorosa), intangível, superior ao poeta e de
qualidades inefáveis (contentar-me-ei
dizendo a menor parte), descrita só do ponto
de vista psicológico.
- Humilitas, usada para sublinhar a grandeza
da mulher: aqui falta saber, engenho e arte.
- Definição poética do conceito de amor
Que se estabelece em termos dialécticos
a partir da oposição entre a dor e a
Amor é fogo que arde sem se ver; felicidade que produz.
É ferida que dói e não se sente; Mas, ao ser um conceito paradoxal, há
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer; também uma vontade de unificar as ideias
do discurso através da palavra amor (com
É um não querer mais que bem querer;
a que começa e termina o poema).
É solitário andar por entre a gente; - Forma:
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder; Forma circular (o poema começa e
termina com a mesma palavra) e cheia de
É querer estar preso por vontade; paralelismos (anáfora).
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Também seria possível assinalar uma
forma antitética, já que o último terceto é
Mas como causar pode seu favor
introduzido com a partícula adversativa
Nos corações humanos amizade, mas.
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
É uma definição baseada no paradoxo, tanto no
contido como na forma, já que o amor, apesar dos
seus efeitos negativos, é quem de unir corações,
pelo que é um conceito paradoxal.
Um mover d’olhos, brando e piedoso, - Definição duma mulher – ideia (descriptio
sem ver de quê; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
puellae), da que só faz uma descrição
de qualquer alegria duvidoso; psicológica e, no caso de ser física, tem de ser
seguindo os cânones da época. É uma mulher
um despejo quieto e vergonhoso; intangível, superior ao poeta (celeste
um repouso gravíssimo e modesto; formosura) e também contraditória (encolhido
uma pura bondade, manifesto ousar, medo sem ter culpa).
indício da alma, limpo e gracioso;
- Referências mitológicas: Circe, feiticeira da
Odisseia, uma obra que Camões conhece
um encolhido ousar, uma brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
muito bem.
um longo e obediente sofrimento: - Inspiração em Petrarca.
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Não há coisa, a qual natural seja, - Contradições do amor: desejo vs. razão:
Que não queira perpétuo o seu estado;
Não quer logo o desejo o desejado,
- Estrutura antitécia, já que primeiro pede e
Por que não falte nunca onde sobeja. justifica o desejo (qualificando-o como uma
lei natural, igual do que a lei da gravidade),
Mas este puro afeito em mim se dana; mas afinal considera-o uma baixeza
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da Natureza, (influencia da teoria neoplatónica)
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2.2. Épica
A) O género da epopeia
1) Definição:a epopeia é uma composição narrativa de carácter histórico em
que se reflectem diferentes aspectos dum povo através das aventuras dalguns
heróis. Normalmente está protagonizada por um herói central.
2) História da epopeia:
a) Literatura grega: a Odisseia de Homero apresenta o protótipo de herói
épico, Ulisses, e a partir desta obra desenvolver-se-ia o género épico.
b) Literatura latina: imita o modelo da Odisseia, e a obra mais importante é
a Eneida de Virgílio, que recolhe as aventuras de Eneias e a convenção das
lutas entre deuses.
c) Renascença: as obras épicas mais importantes são:
■ Orlando furioso, de Ariosto (narrativa cavaleiresca).
■ Orlando enamorado, de Boiardo (narrativa cavaleiresca).
■ Jerusalém libertada, de Torquato Tasso (épica que elogia a história
cristã servindo-se do motivo das cruzadas).
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A) A epopeia em Portugal
Desde o século XV há chamamentos para a elaboração dum poema épico
em Portugal sobre as descobertas. Por exemplo:
1) Cancioneiro Geral.
2) Poemas lusitanos de António Ferreira.
B) Os Lusíadas (1572)
1) Título:
supõe uma declaração de princípios, já que lusíadas é um neologismo
criado pelo humanista André de Resende que designa os portugueses, os
filhos do deus Luso (propriedades semidivinas).
2) Personagens:
a) O protagonista da obra é o povo português, que é apresentado através das
façanhas de Vasco da Gama na sua viagem do Restelo a Calecut.
b) A obra também apresenta as lutas entre deuses mitológicos, uma convenção
do género. Assim, Baco apresenta-se como inimigo dos portugueses, Vénus
como a sua protectora e Júpiter como moderador. Isto introduz um
elemento sobrenatural, importante sobre tudo no Canto IX.
3) Acções: a viagem de Vasco da Gama é o fio condutor, já que através dela
conta-se toda a história de Portugal desde a fundação de Lisboa até o
momento em que Camões está com a pena na mão a escrever Os Lusíadas.
Para isto relatam-se histórias de modo retrospectivo e prospectivo (mediante
as personagens sobrenaturais, como Adamastor). Encontramos assim um
entrecruzamento de planos:
História de Intervenções do
Viagem Deuses
Portugal poeta
Estrofes 1 – 18:
Proposição: diz que
vai cantar ao peito
ilustre lusitano. Os
Inês de Castro,
primeiros versos são
apresentada como
uma tradução de Virgílio
Estrofe 19: apresenta rainha depois de morta
(arma virumque cano).
os portugueses e focalizando sobre tudo
Invocação às musas
navegando, pelo que o amor, não os
portuguesas, que
supões um começo in elementos políticos
denomina Tágides /
medias res. (como António
Tégides.
Ferreira).
Dedicatória ao rei D.
Sebastião quando ainda
é muito jovem, já que
vê nele a grande
esperança de Portugal.
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