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TRABALHO REAL* Formatado: Fonte: Não Negrito

Jussara Brito Formatado: À direita

* verbete publicado em : Dicionário de Educação Profissional em Saúde. Escola Formatado: Fonte: Itálico

Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (org.), Rio de Janeiro, EPSJV, 2006. p. 288-294
Como uma primeira definição de trabalho real (atividade), pode-se dizer que é aquilo
que é posto em jogo pelo(s) trabalhador(es) para realizar o trabalho prescrito (tarefa). Logo,
trata-se de uma resposta às imposições determinadas externamente, que são, ao mesmo tempo,
apreendidas e modificadas pela ação do próprio trabalhador. Desenvolve-se em função dos
objetivos fixados pelo(s) trabalhador(es) a partir dos objetivos que lhe(s) foram prescritos. A
parte observável da atividade (o comportamental) é apenas um de seus aspectos, pois os
processos que geram a produção deste comportamento não são diretamente observáveis.
O esforço conceitual sinalizado na expressão trabalho real está vinculado ao
pressuposto de que as prescrições são recursos incompletos, isso é que desde a sua concepção
elas não são capazes de contemplar todas as situações encontradas no exercício cotidiano de
trabalhar. Nesse sentido, é dada ênfase ao papel das pessoas como protagonistas ativos do
processo produtivo (e não como fator ou recurso humano). Mesmo no caso de tarefas muito
repetitivas, cabe ao trabalhador fazer regulações/ajustes/desvios – mesmo que infinitesimais –
que garantam a continuidade da produção. Isso implica no questionamento de expressões
como “trabalho manual” ou “trabalho de execução”, que não assinalam ao caráter ativo
(mobilização cognitiva e afetiva) do trabalhador.
Fundamentalmente, a defasagem sempre existente entre o trabalho prescrito e o trabalho
real se deve ao fato das situações reais de trabalho serem dinâmicas, instáveis e submetidas a
imprevistos, conforme mostram os estudos realizados no âmbito da Ergonomia da Atividade,
desde do final da década de 60. Portanto, a atividade de trabalho envolve estratégias de
adaptação do prescrito às situações reais de trabalho, atravessadas pelas variabilidades e o
acaso.
Do ponto de vista do sistema sócio-técnico, as variabilidades dizem respeito a
oscilações normais do processo produtivo (por exemplo, quanto à quantidade e tipo de
produtos/atendimentos/procedimentos/ações ao longo do dia, mês ou ano) ou resultam de
imprevistos e disfuncionamentos (falhas ou defeitos em equipamentos, problemas com
instalações, inadequação ou falta de material, problemas relativos aos fluxos previstos e à
comunicação etc.). Do ponto de vista dos trabalhadores, as variabilidades estão ligadas,
principalmente, às características das equipes (qualificações e competências dos diferentes
profissionais, se são majoritariamente compostas de mulheres, de homens ou mistas,
diferenças culturais, de ritmo, etc.) e às mudanças de “estado” de cada trabalhador durante a
jornada, mês ou ano (condições de saúde, problemas extraprofissionais, nascimento de filhos,
desenvolvimento de competências, expectativas e perspectivas profissionais, efeitos da idade,
fadiga etc.). Conseqüentemente, a compreensão da atividade não se limita ao que é posto em
jogo pelo(s) trabalhador(es) para realizar o trabalho prescrito, pois alguns de seus
determinantes são encontrados na história da pessoa ou equipe, na cultura.
A atividade de trabalho (trabalho real) pode ser definida, então, como um processo de
regulação e gestão das variabilidades e do acaso. Compreender a atividade de trabalho é
compreender os compromissos estabelecidos pelos trabalhadores para atender a exigências
freqüentemente conflitivas e muitas vezes contraditórias. Esses compromissos se vinculam a
dois pólos de interesses: os relativos aos próprios trabalhadores (saúde, desenvolvimento de
competências, prazer) e os relativos à produção. A atividade de trabalho é, portanto, sempre
singular, dado que caracteriza o trabalho de indivíduos singulares e instáveis/variáveis,
efetuado em contextos singulares e variáveis (em suas dimensões materiais, organizacionais
ou sociais).
Além disso, a defasagem entre a prescrição e a realidade do trabalho também se deve à
diferença entre o discurso produzido sobre a prática e aquilo que os trabalhadores
experimentam concretamente na prática. Trata-se dos limites das rotinas e protocolos que são
tomados como referência, indicando que há sempre uma parte da atividade que não é
traduzida em palavras. É por isso que a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho chama
atenção que “trabalhar implica sair do discurso para confrontar-se com o mundo”. E nesse
confronto os trabalhadores não “aplicam” os saberes adquiridos (não são “executores”), mas
afetados pela situação de trabalho mobilizam-se, operando com o patrimônio de saberes
adquiridos, produzindo novos elementos.
Observa-se, além disso, que os problemas que os trabalhadores têm que resolver, além
de nunca estarem definidos inteiramente no enunciado formal de suas tarefas prescritas, não
estão totalmente definidos a priori; ou seja, são os trabalhadores que devem ser capazes de
construir estes problemas, como sinalizou há décadas o ergonomista Alain Wisner.
A inteligência do/no trabalho, de acordo com a Psicodinâmica do Trabalho (Christophe
Dejours e outros), se caracteriza pela astúcia a que é necessário recorrer diante das
dificuldades da prática. É uma forma de inteligência criativa, multiforme e móvel, o que
permite uma atuação exitosa nos processos de trabalho, com suas instabilidades. Um outro
traço desta inteligência – que tem como modelo uma divindade feminina da Grécia Antiga,
Mètis – é que suas capacidades estão sempre enraizadas no corpo. A inteligência da prática
está relacionada com ajustes feitos às normas prescritas, visando solucionar as dificuldades
experimentadas no confronto com o real (e não previstas nos manuais, protocolos etc.).
Portanto, o trabalho envolve inteiramente aquele que trabalha, tem sempre um caráter
inventivo e, neste sentido, é enigmático.
A evolução do debate sobre o hiato entre trabalho prescrito e trabalho real tem levado à
efervescência e renovação conceitual da noção de atividade de trabalho – para muitos mais
fértil que a noção de trabalho real. Yves Schwartz, na perspectiva da Ergologia, aponta três
razões para esta efervescência do debate. Primeiramente, porque se trata de uma noção que
não pode ser absorvida totalmente por nenhuma disciplina, na medida em que a atividade
atravessa o biológico, o psicológico e o cultural, o individual e o coletivo, o fazer e os valores,
o privado e o profissional, o imposto e o desejado. Em outras palavras, a atividade faz uma
síntese desses diversos elementos, pois nas situações concretas não é possível separá-los: o
fazer é impregnado de valores, o privado se articula com o profissional etc. Logo, a atividade
de trabalho não pode ser vista apenas de um ângulo, compreendê-la, operar com este conceito,
exige o diálogo entre diversas disciplinas, diferentes campos de saberes. A Ergologia chama
atenção que este debate sinérgico proposto envolve necessariamente os protagonistas do
trabalho em análise, remetendo para a discussão sobre um dispositivo pertinente à geração de
saberes para compreender-transformar positivamente o trabalho.
A efervescência da noção de atividade de trabalho está vinculada também ao seu caráter
de mediação entre o “micro” (o espaço-tempo onde ocorre o processo de trabalho) e o
“macro” (seu contexto social, econômico e político), entre o local e o global. Se
aparentemente a noção de atividade refere-se a um plano muito específico e local do trabalho
(seu nível “micro”), sua acepção tem sido renovada pela indicação de que o foco sobre o
micro remete ao macro – e vice-versa. Dito de outro modo: o foco sobre a atividade de
trabalho permite tanto compreender os condicionantes econômicos e sociais dos processos
produtivos quanto reconhecer a história singular que se faz no cotidiano desses processos. É
nesse sentido que na perspectiva ergológica propõe-se um vai-vem entre micro e macro: um
dado olhar sobre as dificuldades e possibilidades encontradas nas situações concretas de
trabalho, buscando identificar aí as marcas da história de uma sociedade (seu
desenvolvimento científico e cultural, as relações de poder instituídas) e seus valores. Nesse
sentido a atividade de trabalho é sempre um encontro entre “micro” e “macro”: no caso dos
Serviços de Saúde, um encontro entre: de um lado, diferentes profissionais (com seus saberes
particulares e distintas formas de inserção do processo), usuários (com suas histórias de vida e
condições clínicas), chefias, equipes, tecnologias; de outro lado, políticas e programas de
saúde, legislações, a estruturação da rede assistencial etc. Atividade enquanto encontro que
envolve lógicas distintas: a lógica do cuidado, a lógica da gestão do Serviço e a lógica
financeira. O trabalho real acontece neste encontro e é o trabalhador, individual e
coletivamente, que faz a gestão de tudo isso no cotidiano, muitas vezes “se virando”. É nesse
sentido que “trabalhar é gerir” e que a atividade de trabalho envolve sempre criação.
Há ainda uma outra razão para efervescência da noção da atividade. Ela remete,
simultaneamente, às normas antecedentes instituídas e enraizadas nos processos de trabalho e
à tendência dos seres humanos de criar novas normas frente aos desafios do cotidiano
(renormatizações). Ou seja, o trabalho real é um lugar de debates de normas e valores, como
se entende na perspectiva ergológica. Para entender essa afirmação, lembremos que há
normas (antecedentes) propostas-impostas, ligadas a instâncias exteriores aos indivíduos,
assim como há normas instauradas na própria atividade (renormatizações), ligadas ao próprio
indivíduo – pois, conforme Canguilhem, cada um busca ser produtor de suas próprias normas,
re-centrando a situação de trabalho. As normas que o indivíduo (re)inventa não são da mesma
natureza que as normas às quais ele se confronta em seu trabalho. Pensar o trabalho como
reprodução idêntica das normas econômicas e técnicas subentendidas na atividade de trabalho
seria pensá-lo numa perspectiva apenas adaptativa, o que na verdade não dá conta da
complexidade da vida e do trabalho. Do mesmo modo que é impossível eliminar as
variabilidades do meio de trabalho (conforme evidenciou a Ergonomia da Atividade), não se
pode viver sob um regime de total imposição deste meio já-dado, isto é, de suas normas
antecedentes. Frente a elas, na situação real de trabalho, os trabalhadores (re)criam
estratégias, em um movimento contínuo de (re)normatização. É nesse sentido que Yves
Schwartz, na linhagem de Canguilhem, afirma que em toda atividade de trabalho há sempre
uso de si. De um lado, “uso de si pelos outros”, como nos é mais visível; de outro, algo que é
mais difícil de considerar: “uso de si por si”. Sim, pois os trabalhadores precisam – nas
situações reais de trabalho – mobilizar-se, fazer uso de suas próprias capacidades, de seus
próprios recursos e de suas próprias escolhas, além de fazer uso de si para mobilizar redes de
parceiros, para equacionar e gerir os problemas emergentes, as variabilidades, as diferentes
lógicas e as diferentes normas então presentes.
Nesta mesma perspectiva, na abordagem da Clínica da Atividade (Yves Clot e outros)
sinaliza-se que, para uma melhor compreensão da atividade de trabalho, se deve considerar
também o que não se fez e o que não se faz, por não querer ou poder, assim como aquilo que
se tem vontade e pensa fazer em outro momento. Esta abordagem enfatiza que o conceito de
atividade de trabalho deve englobar, além do trabalho realizado e dos obstáculos encontrados,
também as possibilidades de desenvolvimento da atividade, remetendo ao trabalho enquanto
“zona de desenvolvimento potencial” (Vigotski) e às potencialidades do agir individual e
coletivo no trabalho – aquilo de novo que no trabalho cada um pode se tornar.
Todo este debate sobre o “trabalho real” e mais especificamente sobre o conceito de
atividade de trabalho mostra que este é um assunto atraente e complexo, envolvendo vários
aspectos. A dimensão coletiva do trabalho exige ser considerada. Já foi evidenciado pela
Ergonomia da Atividade e pela Psicodinâmica do Trabalho que a organização real do trabalho
se baseia na cooperação espontânea entre os trabalhadores, ao contrário da organização
prescrita do trabalho que busca definir separadamente os papéis, os domínios de competência
e as responsabilidades de cada um. A cooperação não pode ser prescrita: é uma construção
fundada em regras que são produzidas pelos coletivos de trabalho, a partir de critérios de
eficácia e de valores. Esta cooperação depende de condições favoráveis à mobilização
subjetiva – que por sua vez está relacionada à dinâmica do reconhecimento das contribuições
dos trabalhadores (invenções e ajustes feitos) para que não haja uma paralisação da produção.
Trata-se de uma dinâmica que passa necessariamente pela visibilidade do que se faz (das
transgressões), exige a possibilidade de confiança, compreende a existência de um espaço
público interno no meio de trabalho, passa por um julgamento – por parte dos pares, da
hierarquia e dos clientes – sobre o ato profissional e o seu produto, enfim pelo
reconhecimento da contribuição. Logo, o trabalho real apresenta também uma dimensão
subjetiva e intersubjetiva.
Considerar a dimensão coletiva do trabalho implica ainda reconhecer que diferentes
redes são formadas para que as atividades se desenvolvam. Redes que podem envolver
contatos presenciais diretos ou comunicações telefônicas ou escritas, que podem se constituir
e em seguida se desfazer, mas que integram o trabalho real. Por exemplo, no cuidado de
recém-nascidos prematuros, em uma UTI Neonatal, se constitui um coletivo transitório
formado por profissionais da equipe de enfermagem e as mães dos bebês. Outro exemplo:
redes que se criam a partir da ação do PSF, envolvendo inclusive a comunidade.
Para concluir: é muito importante e difícil apreender o trabalho real, especialmente
quando este envolve tão poderosamente um componente relacional, como o trabalho em
saúde. O fundamental é não negar que desvios, ajustes, transgressões, micro-decisões fazem
parte desse universo, pois o trabalho humano é sempre necessário para fazer face aos
acontecimentos.
Para saber mais :
Canguilhem, G. Meio e normas do homem no trabalho. Pro-posições v. 12, n. 2-3 (35-36),
jul.-nov. 2001.
Clot, Y. A Função Psicológica do Trabalho. Petrópolis: Vozes, 2006
Dejours,C. O Fator Humano. São Paulo: Ed. FGV, 1997.
Daniellou, F. (org.). A ergonomia em busca de seus princípios: debates epistemológicos. São
Paulo: Editora Edgard Blücher, 2004.
Schwartz, Y. Actividade. Laboreal, vol 1, n° 1 (63-64), 2005. http://laboreal.up.pt
Wisner, A. A inteligência no trabalho: textos selecionados de ergonomia. São Paulo:
Fundacentro, 1994.

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