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In: Schwartz, Y. e Durrive, L. (orgs.

) Trabalho & Ergologia:


conversas sobre a atividade humana
Niterói: Eduff, 2007

Texto anexo ao capítulo 7

USO DE SI E COMPETÊNCIA1

Exposição de Yves Schwartz


e comentários sobre os esquemas 5, 6 e 7

Em nossas diferentes conversas foi muitas vezes colocada a questão das


competências. Eu gostaria de precisar alguns pontos, se isso é possível,
considerando um tema complicado, mas essencial.
A própria noção de competência se desenvolveu muito, como vimos, a
partir do momento em que as formas de trabalho e de atividade se
complexificaram. Trata-se da passagem, sobre a qual já falamos, da noção de
qualificação à de competência.
Com os acordos firmados em certos ramos produtivos, falou-se muito da
“lógica competência” no interior das relações profissionais. Fala-se também
dos “balanços de competências”, dos “referenciais de ofícios” – que não são
exatamente a mesma coisa, mas há uma ligação. Cada vez com maior frequência
se tem a preocupação de listar as competências, de objetivá-las e de avaliá-las;
de julgar, separar, selecionar em função da idéia que se faz desta noção de
competência -, ou deste “estoque de competências” que teria então vocação
para ser relativamente transparente, relacionado a uma pessoa.
Como para tudo que concerne os problemas “da atividade”, é preciso
saber considerar o a favor e o contra. A atividade não autoriza nenhum
julgamento unilateral, eu não deixarei de repetir.
Nesta passagem da qualificação à competência, há uma forma de
bifurcação, com uma dimensão interessante e potencialmente rica. De agora em
diante, com a noção de competência, nos damos conta de que uma definição
daquilo que uma pessoa coloca em ação no trabalho não pode mais se relacionar
ou se restringir ao posto de trabalho, com uma enunciação frequentemente

1
Tradução de Maria Elisa Borges e Paulo Cezar Zambroni-de-Souza. Revisão técnica de Ana Luiza
Telles, Jussara Brito e Milton Athayde.
muito sucinta daquilo que há para fazer naquele posto – uma herança do tempo
do taylorismo. A noção de “competências” nos sugere abrir amplamente a
investigação acerca do que é requerido no trabalho, para compreender o que
faz uma pessoa. Esta é a dimensão positiva.
Ao contrário, é claro, dentro do campo das relações profissionais, há
 Difícil dizer alguma
toda uma série não de derivas, mas de práticas que
coisa das competências se desenvolvem há vários anos, onde se imagina ser
sem trair o que elas são : possível fechar uma lista de competências, enfim
antes de tudo um “ agir ” “traços de competências”, para saber se uma
aqui e agora.
pessoa as possui ou não.
Existem especialistas de grades de
competências, de avaliação de competências. Penso que existe aí um risco de
voltar a enclausurar a potencialidade aberta no primeiro ramo da bifurcação. O
manuseio desta noção de competência apresenta um poderoso desafio e é por
isso que é interessante precisar um pouco as coisas, se isso for possível.
Antes mesmo de seguir adiante, eu diria que nossa dificuldade para
definir a noção de competência – a noção de “competência no trabalho” – para
falar só disso – não é surpreendente. Tenta-se definir competências não para o
trabalho, mas para as situações de trabalho. Porém, o que é uma situação de
trabalho? Recai-se, um pouco, na armadilha de ficar “entre o mal e o pior”2, de
dificuldade em dificuldade. Será que alguém poderia definir uma situação de
trabalho, no espaço e no tempo, dizendo: “eis uma situação de trabalho, é isso;
ela se define por tal espaço e por tal e tal temporalidade”?
Na realidade, os limites de uma situação de trabalho não são jamais
descritíveis, eles são imprecisos. Aliás, eu penso que são horizontes que se
encaixam uns nos outros. Essa é uma primeira dificuldade. A conseqüência
direta é justamente que jamais se pode padronizar uma situação de trabalho,
devido à indefinição dos horizontes que a cercam.
Se admitimos esta dificuldade, o que poderia ser uma competência
ajustada a uma situação de trabalho, na medida em que esta última não pode
ter definição nem circunscrição clara?
Por outro lado, mas no fundo trata-se da mesma dificuldade, tenta-se
detectar competências numa situação de trabalho, considerando uma certa
atividade. Ora, vimos que a atividade tem algo de sempre indefinível na medida
em que ela é sempre micro “re-criadora”. Vimos que uma situação de trabalho é

2
Usamos esta expressão vulgar – “ir de mal a pior” – para substituir a que o autor utiliza – “de Charybde en
Scylla”. Trata-se de expressão idiomática que remete à mitologia grega (canto XII de Homero, na Odisséia,
acerca do périplo de Ulisses, retornando à terra natal, após a guerra de Tróia. A expressão evoca fugir de um
perigo (o monstro-turbilhão Charybde) para cair em outro pior (monstro Scilla) (NRT).
sempre – para a atividade – o que pudemos denominar “um encontro de
encontros”, um encontro de singularidades, de variabilidades a gerir. Numa
situação de trabalho, a atividade é sempre o centro desta espécie de dialética
entre o impossível e o invivível3.
Percebe-se, portanto, como é difícil delimitar exatamente o que podem
ser as competências da atividade em uma situação de trabalho, considerando
essas duas dificuldades. Vê-se como dificilmente se poderia delimitá-las,
definí-las, catalogá-las, avaliá-las. Pode-se, então, avaliar de imediato a
dificuldade que está em se apropriar de maneira realmente operacional do
conceito de competência, mesmo se, digo e repito: é legítimo examinar a
questão das competências, porque nenhuma atividade humana pode deixar de
lado a possibilidade de as pessoas engajadas numa operação responderem
positivamente e operarem com eficácia com vistas ao objetivo comum, em uma
situação mercantil ou não mercantil. Ninguém pode escapar a esta questão, mas
é preciso imediatamente avaliar a que ponto vai ser difícil dar um sentido
operacional à questão.
É justamente por essas razões que, em conversas anteriores, tive a
oportunidade de sugerir que existem três elementos presentes na noção de
competência e que não se articulam facilmente:
• existe algo que tem a ver com a apropriação de um certo número de
normas antecedentes, ou de elementos do “registro Um”. Dito de outra forma,
algo do âmbito do relativamente codificado, do relativamente transmissível, do
relativamente bem conceitualizado – e que evidentemente estrutura, enquadra
fortemente toda situação de trabalho;
• há um elemento diferente que é, ao contrário, o do domínio relativo
àquilo que uma situação pode ter de histórico e de incessantemente
(parcialmente, mas incessantemente) inédito – o que, evidentemente, é algo
inteiramente diferente;
• existe ainda um terceiro elemento, dado que nesta situação, justamente,
cada um é remetido a gerir o inédito: a pessoa é remetida a si própria, e
portanto remetida a escolhas. Uma dimensão de valores, incontornável, vem
cruzar ou se intercalar, ou se articular com as duas primeiras dimensões: este
terceiro elemento é, consequentemente, de uma natureza absolutamente
diferente.

Percebemos logo como é difícil chegar a uma definição relativamente


operacional das competências, para articular dimensões da experiência humana

3
Invivable, no original (N.T.).
que não são suscetíveis de serem colocadas, digamos, em uma mesma série, que
são “heterogêneas” e que são, de uma certa maneira “incomensuráveis”, isto é
que não podem ser comparadas.
Daí a idéia – mesmo se isso é forçosamente um pouco artificial – para avaliar
essa dificuldade, de mostrar que na noção de competências, elementos
heterogêneos que eu chamo de “ingredientes” se combinam: ingredientes, para
melhor mostrar que, como em uma boa mistura, é preciso um pouco de cada um
deles; mostrar que eles são diferentes uns dos outros, que a pimenta não é a
noz moscada, ou o gengibre, que é diferente; contudo, em uma boa culinária se
deve saber colocar uma pitada de cada um desses ingredientes.
Parece-me que um certo número de ingredientes devem então se articular
no agir em competência. Eu diria “agir em competência”, ao invés de na
competência, justamente porque competência não é uma noção simples e
homogênea.
Um certo número de ingredientes é necessário a todo agir em competência,
para cada pessoa, numa dada situação: é preciso insistir bem nisso. O que não
impede generalidades relativas no que vamos dizer, mas se queremos ser muito
precisos e não deixar escapar qualquer possibilidade de evoluções positivas, é
necessário considerar cada um em sua situação para “caracterizá-la” – em
tendência e com muitas reservas –por um certo perfil de ingredientes. É o que
eu gostaria de evocar agora. Como eventualmente poderíamos caracterizar
esses diversos ingredientes compondo o perfil de uma pessoa, o perfil de seu
tipo de “agir em competência” numa determinada situação?

O primeiro ingrediente é talvez o mais fácil. É, em todo caso, sem dúvida o


mais fácil de ser compreendido, mas isso não quer dizer que ele seja o mais
fácil de ser adquirido. Trata-se de tudo o que concerne ao aspecto, eu diria,
“protocolo” numa situação de trabalho.
Podemos dizer, como já o fizemos, que toda situação de trabalho pode
sempre se caracterizar como:
• respeito a um protocolo, no sentido de um protocolo científico de uma
experimentação;
• e experiência ou encontro, este segundo elemento indicando a dimensão
sempre parcialmente singular de uma situação de trabalho.
• Então, certamente, quando se fala de
 O primeiro ingrediente
“competências”, isto supõe dominar – em parte,
de uma competência: o
relativo domínio dos
porque ninguém pode tudo dominar – o aspecto
protocolos numa situação protocolo, ou seja os saberes científicos,
de trabalho.
técnicos, de ordem econômica, gestionária, jurídica, lingüística, toda uma série
de códigos, de saberes, de linguagens que enquadram uma situação. E é claro
que agir em competência em uma situação dada é, em certo grau e mais ou
menos, dominar uma parte desses elementos de protocolos, que podem ser
avaliados, fixados, determinados – antes mesmo que a ação ou a situação seja
criada, eu diria.
E é todo o poder prodigioso de um conhecimento, do saber, do conceito
que pode construir “in absentia”, isto é, na ausência das próprias coisas, toda
uma série de relações, de interações; que pode prever conseqüências, cadeias
de causalidade, sem mesmo que a coisa exista ou seja construída.
Pode-se, por exemplo, ter toda uma série de competências sobre o
comportamento de um avião supersônico, independente do vôo, porque há toda
uma série de elementos que são perfeitamente definíveis. Assim como pode-se
definir de antemão – para alguém que trabalhe na Previdência Social, por
exemplo, e que trate de documentos – protocolos de tratamento desses
documentos; esses protocolos supõem o conhecimento de técnicas no campo do
seguro-doença. Trata-se do conhecimento e isto faz parte do primeiro
ingrediente da competência.
Esse primeiro ingrediente se opõe ao seguinte, na medida em que ele
supõe um descentramento ou uma descontextualização da pessoa em relação à
sua situação, em relação à sua vida, em relação a seus desejos. Aprender tais
saberes é fazer, de uma certa maneira, abstração do que se pensa sobre a
questão. É uma disciplina, “a disciplina do conceito”, que jamais é fácil, que tem
algo de um pouco doloroso, mas que é absolutamente indispensável.

O segundo ingrediente se distingue bastante do precedente, ele é


claramente heterogêneo: é ao contrário, a capacidade de se deixar apropriar –
quase ser impregnado – pela dimensão singular da situação, pelo histórico, pela
dimensão de “encontro de encontros”.
Lembro que “encontro de encontros” significa o encontro de toda uma
série de interfaces que se deve operar em conjunto, que são os ambientes
técnicos, os ambientes humanos, os procedimentos, os hábitos. Cada um desses
elementos do encontro tem ele próprio uma história e, logo, a interface ou o
pôr em encontro todos esses elementos diferentes (e particularmente, claro,
desses elementos humanos) cria singularidade, eu diria “ao quadrado”, ou a uma
potência qualquer.
É a dimensão “encontro de encontros”, que supõe capacidades ou
competências que são absolutamente diferentes do primeiro ingrediente.
Já tivemos a oportunidade de evocar algumas das
 O 2° ingrediente decompetências deste segundo ingrediente.
uma competência: a 4
Lembraremos o pequeno exemplo , entretanto muito
relativa incorporação
do histórico de uma importante pelo que ele permite pensar, acerca das
situação de trabalho.operárias de componentes eletrônicos, e o agir em
competência da operadora que vimos no esquema 1.
Trata-se da capacidade de se antecipar frente aos espaçamentos entre os
pinos da resistência, que frequentemente não correspondem exatamente ao
que é preciso; antecipar um certo número de eventos, de problemas que podem
tanto vir da vizinha quanto dos materiais enviados, ou da velocidade da base,
não sei. Eu não sei justamente porque é necessário estar na situação local para
sabê-lo! Logo, isso é um agir, uma forma do “agir em competência”, que é
totalmente específico – e que está ligada à historicização da situação, ao
caráter histórico, à infiltração da história na situação de trabalho.
Um exemplo de porte refere-se a tudo o que se pode dizer sobre as
entidades coletivas relativamente pertinentes, a partir desta famosa frase5: “a
17 acabou de entrar, Dodó6, vai ser o teu retorno”. Para que isso funcione,
supõe-se um “agir em competência” coletivamente trabalhado, estocado,
produzido no interior dessas entidades relativamente pertinentes. Isso supõe
também relações entre tais e tais pessoas, supõe que funcione em Miramas7 –
mas não funcionaria em outro lugar, ao menos não da mesma maneira. É toda
uma impregnação da história simultaneamente humana, técnica, viva, da
situação, que permite ao “agir em conjunto” produzir com desempenho – e que é
totalmente diferente do primeiro ingrediente.
Aliás, esse é um problema maior, do qual fala Abdallah Nouroudine em
outra conversa8, o das transferências de tecnologias. De fato, nesse tipo de
projeto a dificuldade se situa na transferência de uma tecnologia que foi
pensada no “não contextualizado”. Justamente, para que funcione, é preciso
contextualizar o não contextualizado: em um país, em uma cultura, em uma
língua.
Neste segundo ingrediente, que é o da impregnação, da inscrição na
história, consideramos:

4
Ver anexo ao capítulo 1 (NT).
5
Ver anexo ao capítulo 5 (NT).
6
Bobo, no original, enigmática forma de nomear um colega de trabalho, analisada no anexo ao capítulo 5.
Como em francês é uma expressão familiar como dodói, em português, optamos por ela (NRT).
7
Cidade francesa onde se localiza um grande centro de triagem ferroviário (NRT).
8
Ver capítulo 4 (NRT).
• por um lado, toda a importância do que chamei o “corpo-si”, porque a
presença no si9 do histórico da situação passa muito, nas relações humanas, por
todas as sensações, por tudo o que é registrado pelo corpo, pela memória, sem
que se pense realmente – o que, por isso mesmo, gera um problema muito
delicado, que é o do pôr em palavras esta segunda forma do agir em
competência, deste segundo ingrediente. Precisamente porque o “corpo-si” é aí
muito importante.
• vê-se também que é preciso um certo tempo, considerando que temos aí
o problema que chamei de temporalidade ergológica. Mas quanto tempo? Tudo
depende das situações e das pessoas. Para que este ingrediente se cristalize e
para que este “agir em competência” se constitua – esta forma que é
impregnação da história –, é necessário uma duração específica, tanto em
relação à pessoa quanto à situação.

Enfim, vê-se de imediato, sem ir mais longe, que precisamente quando se


trata de avaliar este “agir em competência” – considerando o problema da
colocação em palavras e do papel do “corpo-si” no segundo ingrediente –, vamos
nos encontrar em uma situação muito mais difícil que no primeiro ingrediente, o
do protocolo. Desde já percebemos a dificuldade.
Uma vez colocados os dois primeiros ingredientes em sua diferença, penso
que podemos compreender o que chamo de terceiro ingrediente. É claro que eu
recorto dimensões da atividade que na realidade não podem absolutamente se
dissociar umas das outras. Imaginamos a dificuldade para fazer a síntese.
Contudo, penso que é interessante tentar fazer este esforço de análise,
porque, cada um de nós é, tendencialmente, mais desenvolto que outros neste
ou naquele tipo de ingrediente.

O terceiro ingrediente é, em parte, aquele que concerne ao pôr em sinergia


ou a colocação em ressonância os dois primeiros. Isso quer dizer que o
problema é tentar ver, em cada caso, simultaneamente:
• em que ele é expressão de um caso típico que se pode definir, como tudo
o que é da ordem do “protocolar”, pois ele é da ordem do "registro Um" – ou
das normas antecedentes;
• e em que, não obstante, ele supõe um tratamento diferenciado, dado que
ele não corresponde nunca exatamente ao que se antecipa – e isto remete à
pessoa que deve operar este tratamento diferenciado.

 O terceiro
9 ingrediente de
Soi, no original (NT). uma
competência: a capacidade
de articular a face
protocolar e a face
singular de cada situação
de trabalho.
É preciso tentar fazer circular permanentemente o caso típico e a pessoa –
ou o caso singular e a pessoa – ou o caso em sua singularidade. Mesmo que, para
tratar o caso, para tratar a situação, sejam utilizados recursos codificados,
aprovados, do lado do protocolo, estes devem ser ajustados permanentemente
ao que a situação tem de particular. Acho que se trata realmente de algo que
dá muito trabalho, pois este pôr em sinergia ou em dialética dos dois primeiros
ingredientes é um importante trabalho.
Já pudemos dar exemplos, principalmente no setor industrial. Mas isso é
muito característico de todos os tipos de situações de serviço ou de trabalho
social, por exemplo: seja nos guichês de banco ou no trabalho social, quando se
trata de orientar pessoas, seja no caso de jovens em uma Missão Local10, ou no
caso da Proteção Jurídica da Juventude, etc.
Vemos chegar até nós pessoas que se encaixam em determinados
quadros e é preciso conhecer esses quadros. “Quadros”, essa expressão
significa: o que é possível fazer para ajudar essas pessoas, que instituições são
pertinentes, em que quadro jurídico eles se encaixam, o que é possível ou
impossível fazer. São necessários conhecimentos para chegar a ser eficaz
(ingrediente 1). Mas isso deve ser colocado em dialética com o que se percebe
da pessoa, do jovem em questão. Ele mesmo pode corresponder a um perfil,
encaixar-se em certos quadros. Pode-se dizer: “é um jovem de tal grupo e que
vive em tal bairro, onde há um certo número de problemas que eu conheço”.
Poder dizer isto (ingrediente 2) é importante, mas não suficiente para lidar
com a pessoa singular, porque mesmo tais características não serão jamais
suficientes para ter um diálogo fecundo e real com a pessoa, com o jovem que
está face a você: um beneficiário de RMI11, uma pessoa em dificuldade.
Há um trabalho muito complicado que consiste em tentar resolver de
imediato, em estabelecer uma relação entre o tipo, definido abstratamente, e a
pessoa singular. Esta sinergia é uma verdadeira dificuldade, um importante
trabalho. É o ingrediente 3.
Vou tentar ilustrar isso com este esquema 5 abaixo, estas imagens um
pouco estranhas, dado que tais ingredientes não são de fácil expressão. Esse
esquema é a maneira como esses diferentes ingredientes foram representados
por Louis Durrive.

Esquema 5: Os seis ingredientes de uma competência (esquema L.


Durrive)
10
Estrutura administrativa voltada para atendimento de jovens de menos de 26 anos (NRT).
11
RMI: “renda mínima de inserção” – renda que beneficia, na França, as pessoas que não dispõem de
qualquer renda, vinculada a disposições destinadas a favorecer a inserção profissional dos beneficiários (NT).
À esquerda, embaixo, vocês têm o ingrediente 1. Embaixo, à direita,
vocês têm o ingrediente 2. E o ingrediente 3 é colocado em um triângulo
invertido para mostrar que, de alguma maneira, é ele que pode favorecer a
capacidade de colocar em dialética o caso (em outras palavras, o aspecto
protocolar da situação) e o aspecto singular da situação em foco. Abordarei
mais adiante os outros ingredientes que aparecem neste esquema.

Esquema 6: Os ingredientes de uma competência (esquema Y.


Schwartz)

No esquema 6, encontramos algo diferente, totalmente arbitrário e


perfeitamente criticável. Eu tentei pegar dois perfis de competências em um
serviço hospitalar: vocês têm o caso de uma enfermeira e de uma auxiliar de
enfermagem.
No caso do perfil de uma enfermeira que eu representei ali por esses
traços médios, pode-se considerar que seu “ingrediente 1” é relativamente
significativo em relação ao de uma auxiliar, como indiquei aqui em pontilhado.
Isso se deve ao fato de que a enfermeira tem três anos de estudos após o
ensino médio12. Uma formação que lhe permite, assim, dominar um certo
número de conhecimentos sobre as doenças, os cuidados, o corpo humano;
conhecimentos que ela terá necessidade, enquanto que a auxiliar não tem uma
função diretamente de cuidados, ao menos teoricamente – e assim tem um
“ingrediente 1” evidentemente menos elevado – em teoria, ao menos – que o da
enfermeira.
Quanto ao ingrediente 2: ali eu aumentei um pouco as coisas, nesse
esquema. Se eu falo da situação de cuidados, de uma relação com o doente, ou
com um certo doente, pode-se considerar para ilustrar que a auxiliar não tem,
sem dúvida, um conhecimento da doença. Ela tem acerca disso um certo
conhecimento, mas não o mesmo nível do da enfermeira e, certamente, menos
ainda do que o do médico, que está neste esquema. Em compensação pode-se
supor que certas auxiliares de enfermagem têm um conhecimento da situação
histórica do doente: como ele chegou lá, como ele se comporta, como ele se
alimenta, qual é sua relação com a família. Ela pode se impregnar desta
dimensão histórica que se sabe, em uma equipe de cuidados, ter muita
importância. Enquanto a enfermeira, que tem toda uma série de outras tarefas

12
Baccalauréat, no original (NT).
a fazer e deve administrar a prescrição médica, é sem dúvida um pouco menos
implicada nesse encontro singular.
Quanto ao segundo ingrediente, coloquei ali o médico, embaixo, sob os
outros, porque seu trabalho não consiste em visitar o tempo todo as salas do
hospital. Consiste em prescrever e, em seguida, ver como a prescrição foi
recebida, acompanhar a evolução da doença, a terapêutica e o prognóstico, etc.,
mas ele tem uma relação com o paciente muito menos individualizada. Logo, ele
sabe muito menos sobre o paciente do que:
• a auxiliar de enfermagem, muito mais frequentemente confrontada com
o doente, por todos os serviços que ela presta, pela ajuda que ela dá à
enfermeira;
• e que a própria enfermeira, profissional que precisa ter um bom
conhecimento da pessoa que está de cama.

A auxiliar e a enfermeira têm interesse em seguir a evolução da


terapêutica, em ver como o doente reage cotidianamente, em conhecer um
pouco seu ambiente, avaliar suas chances de cura fora do hospital, etc.
Agora, considero o terceiro ingrediente, que é a relação entre, digamos, o
conhecimento da doença, a nosologia e a forma como ela age ou pode agir sobre
tal paciente singular. Quanto ao médico, ele é obrigado a fazer esse vai-e-vem,
já que são conhecimentos de ordem geral, certamente, mas que ele deve
verificar a pertinência e a eficácia sobre um paciente particular.
Entretanto, vê-se aqui que, quanto à enfermeira, também ela faz muito esse
trabalho de vai-e-vem. A auxiliar menos, porque evidentemente lhe falta muito
dos conhecimentos do “ingrediente 1”.
Parece-me que neste assunto a enfermeira é bastante típica, porque é ela
realmente a articulação entre os dois primeiros ingredientes. Eu diria que até
mais que o médico. Seu trabalho é realmente colocar em dialética o
conhecimento geral que se pode ter daquilo que afeta o doente ou daquilo a que
ele foi submetido como escolhas terapêuticas cirúrgicas, e a forma como isso
age sobre ele. Essa é realmente uma situação muito articuladora e muito típica
da enfermeira num serviço hospitalar. Eis aí toda a importância do “ingrediente
3”, do pôr em ressonância, ou em dialética.
Quanto ao quarto ingrediente, ele introduz uma nova ruptura na lista
dos ingredientes e uma nova heterogeneidade. Apreendê-lo nos traz de volta à
nossa discussão sobre a questão da motivação, a qual nós já vimos
suficientemente que não poderia remeter somente à pessoa, mas que ela
remete ao estado de uma relação entre a pessoa e o meio, no qual lhe é
demandado agir.
Eu lembrei naquele momento que toda atividade de
 O quarto ingrediente de
trabalho era uma espécie de dramática, uma
uma competência: o debate
de valores ligado ao arbitragem permanente entre o uso de si “por si
debate de normas, as mesmo” e o uso de si “pelos outros” – os outros
impostas e as instituídas remetendo tanto à vizinhança de trabalho, aos
na atividade. próximos, quanto aos quadros hierárquicos, à
empresa, às suas regras, a toda sorte de ambientes
que demandam à pessoa realizar um certo número de objetivos com os quais ela
compartilha – ou não compartilha ou compartilha mais ou menos – e tudo está aí!
É que tudo efetivamente depende disso: o agir em competência é muito
profundamente determinado por aquilo que pode valer para a pessoa. Valer no
sentido próprio, como meio13 de trabalho, isto é, em que medida ela pode fazer
de forma que este meio de trabalho seja em parte “o seu”. Logo, em que
sentido o debate de normas – que é toda atividade de trabalho – pode se
traduzir para ela por um debate de normas em que o meio se torna em parte,
“seu” meio. Um meio no qual ela possa fazer valer, mais ou menos, um certo
número de suas normas de vida.
Certamente, trata-se de renegociar permanentemente com as normas de
vida dos outros! Mas tal dimensão é essencial para o agir em competência – e
vê-se muito bem como, na medida que isso evolua positiva ou negativamente,
pode por exemplo, desenvolver particularmente o ingrediente 3 precedente.
Tomemos um exemplo.
O ingrediente precedente, este vai-e-vem entre o caso típico e a
singularidade da situação, não é evidente, é um importante trabalho, como
dissemos. É preciso ter no espírito os conhecimentos sobre o caso típico e ao
mesmo tempo trabalhar para compreender em que medida há variabilidades,
derivações, inovações, e inédito dentro da singularidade que se encontra. E
como se pode gerir esta defasagem apoiando-se simultaneamente sobre os
recursos do ingrediente 1 e sobre os recursos do conhecimento do histórico
(ingrediente 2). Esse trabalho de pôr em dialética, por que o fazemos? Até
onde o fazemos? Até que ponto o fazemos, bem ou mal? “O agir em
competência” vai certamente depender muito do que o meio oferece à vocês,
como espaço de desenvolvimento de seus possíveis.

13
Milieu, no original (NT).
Logo, há uma dimensão de valores que chega aqui no agir em competência
– e que vai introduzir um espécie de lacuna, uma descontinuidade na
preocupação de avaliar as competências.

Esquema 7: Os ingredientes de uma competência (2) (esquema Y.


Schwartz)

Tentei ilustrar isso neste pequeno esquema n° 7, mas está muito


desajeitado. Por exemplo, há pouco eu falava de uma auxiliar de enfermagem
com sua série de ingredientes. Suponhamos que tenho aqui (hipótese A), um
exemplo hipotético de auxiliar de enfermagem para a qual a qualidade positiva
do debate de normas, a dinâmica da “transformação em patrimônio” é fraca.
“Transformação em patrimônio”, ou seja, a capacidade de se apropriar, em
parte, do serviço no qual ela trabalha, como sendo o seu, como aquele para o
qual ela vem com um certo prazer, no qual ela trabalha; ela trabalha seus
valores, ela faz novas descobertas e isso é para ela alguma coisa que, do ponto
de vista da saúde, no sentido o mais abrangente, é positivo.
Se o resultado deste debate de valores tem um fraco valor positivo,
pode-se pensar que, por exemplo, também o ingrediente 3 será fraco, o
ingrediente de todo esse trabalho de transformação em dialética do que ela
pode saber sobre o doente, ao mesmo tempo como caso e como pessoa singular,
com um comportamento concreto. Ela não vai se ocupar muito disso, o que vai
ser bastante negativo.
Ao contrário (hipótese B), se ela participa da vida deste serviço porque
ela encontrou lá algo como saúde, como normatividade possível para ela, então
neste momento eu diria que este ingrediente 3 terá tendência a aumentar, isto
é, ela vai tentar ajustar o que ela sabe do caso ao que ela sabe do doente. Bom,
este é certamente um exemplo inteiramente teórico.
Então, com este ingrediente 4 que nos obriga a considerar a questão dos
valores em jogo em toda atividade, introduz-se uma ruptura, uma
descontinuidade. Efetivamente, como avaliar este ingrediente 4 ?
Avaliar este ingrediente: isto significaria dizer que disporíamos de uma
espécie de “escalas de valores”, que se teria uma definição estável do que
seriam os valores ligados às nossas atividades e que se poderia aferi-los. Creio
que uma vez colocada esta hipótese, descobre-se aí, de imediato, seu
despropósito. Como existiria uma definição estável dos valores, ao passo que
falamos sempre de “reprocessamento de valores” no curso mesmo das
atividades?
A atividade concreta de todos os dias nos leva a repensar, a restituir
lugares e significações diferentes àquilo que chamei de valores sem dimensão.
Não existe ponto em exterritorialidade, de onde alguém poderia dizer: “eis
quais são os valores que fazem vocês agirem, e eis a ordem na qual eles se
situam”.
Logo, se admitimos que o “agir em competência” está sob a dependência
deste ingrediente 4, toda problemática avaliativa se encontra apanhada em
completo despreparo.
É preciso então repensar, e de outra forma, a questão da avaliação das
competências. Chamo atenção que este ingrediente 4, principalmente, tem esta
particularidade, certamente delicada a ser gerida, pois avaliar as competências
de uma pessoa é também, de certa maneira, avaliar a si próprio. Em outras
palavras, é avaliar o avaliador...
Este é, por exemplo, todo o problema da motivação. Se a motivação é
“fraca”, como se diz, isto pode dizer respeito à pessoa que não é muito atenta,
nem muito experiente em seu trabalho, mas ao mesmo tempo isso pode dizer
respeito ao meio onde se pede a ela para agir, e que comporta toda uma série
de aspectos constrangedores, de obrigações, de limitações da saúde da pessoa.
Uma empresa ou uma organização que seja, eu diria, muito poderosa, ou
que compreende o lucro aí presente pode, através da avaliação das
competências chegar a uma avaliação sobre ela mesma e sobre o que ela
oferece às pessoas como “meio para viver”. Isso é muito importante. O que
sem dúvida não é fácil, mas é uma pressão ligada à presença do que chamo de
“ingrediente 4” na dinâmica das competências.
A propósito deste ingrediente 4, observa-se que pode-se ter aí uma
dinâmica viciosa ou uma dinâmica virtuosa da avaliação das competências.
A dinâmica viciosa estaria em supor que se pode listar exaustivamente as
competências e as remeter inteiramente à pessoa; faz-se dela, de alguma
forma, a única entidade responsável, totalmente depositária e atributiva das
competências – que seriam, por outro lado, avaliadas por procedimentos
homogêneos, o que é totalmente contestável. Daí, portanto, se individualiza, se
psicologiza e, finalmente, se culpabiliza a pessoa. O que está em causa não é o
fato de que é à própria pessoa que remetemos algo da ordem das competências
– porque esta dimensão aí existe profundamente – mas é o fato de considerar
que tudo depende somente dela.
Ao contrário, pode existir aí uma dinâmica virtuosa de avaliação das
competências, pelo vai-e-vem entre o que pode ser saúde para a pessoa e o que
pode ser transformado no meio de trabalho, onde lhe é pedido estar presente
de uma maneira industriosa: transformar o que deve ser transformado, se não
se quer bloquear desenvolvimentos de competências. Neste momento, a
dinâmica virtuosa da avaliação consiste em instaurar um vai-e-vem permanente
que eu denomino “dialética dos registros entre as normas impostas à atividade
– é preciso sempre impor normas à atividade – e as normas instituídas na
própria atividade”.
Creio que a avaliação das competências encontra este problema. Diria que
tentar engrenar esta dinâmica virtuosa das competências é sem dúvida
bastante raro, mas é certamente uma dinâmica ou um processo a defender.

O quinto ingrediente talvez pareça um pouco complicado, mas no fundo, ele


é bastante simples, porque ele apenas generaliza o que acabei de dizer sobre a
relação entre o ingrediente 4 e o ingrediente 3. O ingrediente 4, como
dissemos, é um pôr em sinergia:

• o que a situação comporta de protocolar, de codificada;


• e o que a situação comporta de sempre relativamente inédito.

Como disse, esse pôr em sinergia não ocorre simplesmente, por conta
própria. É um trabalho que a pessoa deve demandar a ela mesma. É
verdadeiramente “um uso de si por si“, porque ninguém pode descrevê-lo nem
prescrevê-lo. É um importante trabalho.
E se é um trabalho essencial, a questão se coloca como para todo trabalho: o
que nos faz agir? Ora. o que nos leva a fazer este trabalho de pôr em sinergia,
ao menos em parte, está no que o meio de trabalho, portanto a organização do
meio de trabalho, pode eventualmente constituir para nós “nosso” meio –
parcialmente “nosso” meio.
 O quinto ingrediente de
uma competência : a ativação
Se o meio de trabalho vale para nós, mais ou
ou a duplicação do potencial menos, como “nosso” meio de trabalho, vemos
da pessoa, com suas como isso favorece o pôr em sinergia, como a
incidências sobre cada pessoa, – na medida em que percebe que um
ingrediente.
pepino, uma complicação vai se constituindo –,
vemos como tal pessoa vai ao mesmo tempo
buscar:
• no saber – por exemplo, no saber sobre a instalação (se é uma instalação
industrial); ou no saber dos regulamentos ou dispositivos possíveis, para tentar
encaixar14 um jovem, segundo o exemplo precedente (ingrediente 1) ;
• na singularidade da situação (ingrediente 2): “é tal ou tal válvula que
causa problema”, ou: “é um jovem que tem essa ou aquela característica que
está presente aqui”. E ela faz o trabalho de colocar isso em relação para tentar
dar um encaminhamento positivo (ingrediente 3).

O ingrediente 4, ligado ao debate de normas que cada um de nós vive em seu


meio de trabalho, conserva um tipo de laço de retroação sobre os ingredientes
precedentes. É preciso generalizar essa ligação.
Em outros termos, esta idéia é também verdadeira para o conjunto dos
ingredientes, particularmente os ingredientes precedentes. Quando alguém
está engajado numa atividade coletiva, engajado no sentido positivo, em que ele
vê para si alguma coisa da ordem da saúde, não será necessário lhe solicitar
muito para que ao mesmo tempo ele tente se apropriar dos elementos – em
formação profissional, por exemplo – que lhe permitem apreender muito melhor
o que é da ordem do ingrediente 1, digamos do “registro Um”, como
aprendizagens conceituais, disciplinas, saberes técnicos, jurídicos ou
linguísticos. Ele tentará aprender línguas, por exemplo. Penso mesmo que há
toda uma aprendizagem do corpo que se desenvolve tanto melhor quanto se
considera a situação como sua.
Pegarei um pequeno exemplo de um canteiro de obra, extraordinário a meu
ver, um exemplo que pegarei emprestado de Pierre Trinquet. Durante a pausa,
um operário armador15 escuta, enquanto come seu lanche, um barulho que ele
interpreta da seguinte forma: “meus colegas estão com dificuldade para
descarregar a grua”. Bruscamente este operário apaga seu cigarro, pula para o
túnel e de lá ele guia e auxilia a manobra. Isso significa que ele fez a síntese de
toda uma série de elementos para interpretar o barulho: o vento, o canteiro,
tal canteiro em particular, tal equipe de trabalho em tal momento. Ele fez uma
síntese extraordinária de sinais de referência, mas é preciso, eu diria, que seu
corpo esteja à espreita para que ele possa interpretar esse barulho que, para
nós, não quer dizer nada. Isso significava para ele: “atenção, algo
problemáticoa se passa no canteiro – e será preciso talvez que eu intervenha
para ajudar”.

14
Caser, no original, no sentido de colocar, empregar (NT).
15
Coffreur, no original, operário armador, na construção civil (NT).
Vemos primeiramente que se trata “de “ajudar”, isto é de mobilizar um
valor, o que tem valor para ele: ele não é um intruso nesse canteiro, faz parte
dele, mesmo que não seja esse seu trabalho. Além disso, é preciso que seu
corpo e todos seus sentidos fiquem alertas, e que para ele isso leve a uma
síntese, para que ele se diga “sim”, para que, mesmo pensando em outra coisa,
aquele barulho tenha para ele um significado. É o que chamo um dos elementos
da reincidência do ingrediente 5 que foi representado no esquema 5 como um
triângulo contornando todos os outros, agindo justamente sobre todos os
outros.
Em outras palavras, a partir do momento em que um meio tem valor para
você, todos os ingredientes da competência podem ser potencializados e
desenvolvidos.

Chegamos ao sexto e último ingrediente. Esse corresponde exatamente ao


que nós chamamos de entidades coletivas relativamente pertinentes.
Fala-se o tempo todo em “capacidade de trabalhar em equipe”, mas essa
também é uma expressão que não quer dizer grande coisa. Certamente avalia-
se a que ponto, no “agir em competência”, alguma coisa se movimenta em torno
da criação, da qualidade e da perenidade dessas entidades coletivas
relativamente pertinentes. Dissemos a que ponto isso era um filão de eficácia e
de perfórmance e que nada se faria corretamente se não se criasse
permanentemente essas circulações coletivas, visíveis ou invisíveis, formais ou
informais, que estão fora de todas as prescrições ou organogramas, mas que
são a própria vida no trabalho.
Mas qual é este ingrediente, como ele se configura? Eu diria, de uma certa
maneira, se consideramos o perfil dos ingredientes, que é essencialmente a
capacidade de avaliar para si e para os outros, seu próprio perfil de
ingredientes.
Em outras palavras, se alguém está em um canteiro ou em um serviço e
afirma – “eu sei tudo, sei tudo porque estudei muito, por isso, por aquilo, e os
outros não sabem lá muita coisa” – certamente isso criará problemas na equipe
e vai gerar danos no plano da eficácia. Do ponto de vista da transmissão das
ordens, dos objetivos, isso é talvez mais confortável. Sim, mas em alguma parte
problemas vão surgir.

A verdadeira capacidade de trabalhar em


O sexto ingrediente de
equipe está em compreender que cada homem, em
uma competência : tirar
partido das sinergias de
função de sua história, de sua vida escolar, de suas
competências, em situação
de trabalho
possibilidades e impossibilidades, de suas experiências de vida, tem um perfil
mais ou menos diferente: ele tem um perfil que não é o meu, ele é mais rico em
tal coisa que em outra; e quanto a mim, eu devo ser modesto, quando isso se
justifique, e assumir minhas responsabilidades quando sei que sou mais
competente em determinado plano. Por exemplo, no plano do ingrediente 1, sim,
neste caso tenho responsabilidades a assumir até o fim, pois sou engenheiro,
domino coisas que os outros não conhecem.
Mas, por outro lado, devo saber que tal contramestre ou operário que
está na empresa há muitos anos, ou tal secretária que cuidou de centenas de
processos, mesmo que ela não conheça tanto quanto eu o manuseio da
informática ou da internet, domina uma grande quantidade de pequenos
detalhes que se relacionam ao histórico do serviço e que são totalmente
indispensáveis, se quero que o serviço funcione.
Consequentemente, a capacidade de trabalhar em equipe consiste em
assumir suas responsabilidades onde se deve assumi-las, e ao mesmo tempo
consiste em ser modesto onde convém ser. Capacidade que está muito ligada
seja à diversidade das histórias humanas, seja ao reconhecimento e respeito
desta diversidade e à compreensão de que o trabalho coletivo hoje – na medida
em que ele atravessa sempre todos esses ingredientes – supõe uma espécie de
pôr em sinergia esses diferentes ingredientes, não em si mesmo, mas
coletivamente.
Dispomos talvez aqui de uma pista sobre o que seria uma boa direção,
uma boa administração. Trata-se da capacidade de, como em uma culinária,
saber usar os ingredientes, ou seja, de ligar entre si pessoas que têm perfis
diferentes e fazê-las trabalhar juntos, de tal maneira que cada um reconheça
onde seu perfil é diferente do outro, sem criar hierarquias artificiais,
baseadas, por exemplo, em um só ingrediente, como é frequente.
Dei o exemplo16, a propósito da SNCF17, das “entidades coletivas
relativamente pertinentes” em Miramas e do chefe de direção operacional de
triagem (DOT) que faz permanentemente a gestão do que chamei de
desnivelamentos e contra-desnivelamentos.
Ele diz para si mesmo: sou chefe da DOT, tenho responsabilidades para
assumir, não só porque sou melhor remunerado que os outros, é claro, mas
também porque tenho um melhor conhecimento da empresa, dos
procedimentos, de informática... tenho uma boa experiência de triagem. Mas os
outros também: eles têm uma experiência diferente da minha.

16
Ver anexo ao capítulo 5 (NRT).
17
Société Nationale des Chemins de Fer – Sociedade ferroviária nacional francesa (NT).
Consequentemente:
• devo aceitar minhas responsabilidades, porque sou eu quem devo assumir
as consequências se as coisas não funcionam, mas é por isso talvez que sou mais
bem remunerado que os outros;
• ao mesmo tempo, devo estimar em que, do ponto de vista da experiência,
do ponto de vista das relações com os colegas, os outros são talvez mais
evoluídos, enfim, mais “experts” que eu,
• e, permanentemente, ao mesmo tempo que assumo minha posição
hierárquica e minhas responsabilidades que criam desnivelamentos entre eu e
os outros, devo fazer um verdadeiro trabalho de contra-desnivelamentos, isto
é, restaurar igualdades ou superioridades parciais sobre tal ou tal campo,
sobre campos de competência que não são formalizados, que não são bem
conhecidos, que são as vezes invisíveis, mas que são absolutamente necessários
– e que podem, por exemplo, se referir ao ingrediente 2 ou ao ingrediente 3.

Para concluir, de forma muito provisória e relativa em relação a sobre esta


questão das competências:

• por um lado, gostaria de evocar novamente as “dramáticas de uso de si”,


porque a questão das competências é uma outra forma de abordá-las, de
entrever o que há de extraordinário em toda atividade, especialmente em toda
atividade de trabalho. É a necessidade de articular, e frequentemente num
mesmo instante, de colocar em sinergia todos esses ingredientes. Cada um os
articula a sua maneira, com sua história e seu perfil, isto é, consegue colocar
em comunicação dimensões totalmente heterogêneas:
- as do saber, do saber codificado;
- as do saber da história e na história;
- e a de minha relação – em termos de valores - com o meio, o meio humano no
qual eu vivo, e no qual me fazem viver.
Todas as riquezas do corpo, da inteligência, da cultura que, de algum modo,
nutrem e alimentam esses diferentes ingredientes, devem ser postas em
comunicação em todo instante de trabalho e é daí que se diz que, enfim, a
atividade humana é algo extraordinário.
• por outro lado, gostaria de convidar cada um ao seguinte trabalho :
- ou bem simplificamos as coisas relativas à avaliação, ao operacional, nos
dizendo: “tudo isso é complicado demais; para mim, é preciso um método–
chave”. Daí se compreende como se chega às simplificações. Chegar-se-á então
às grades de competência, às avaliações, às listas, ou seja, à idéia de que se
colocará tudo em palavras, como se fosse possível colocar em palavras toda a
complexidade desses ingredientes, das relações entre esses ingredientes,
desta sinergia. E em seguida ficar-se-á contente com isso, porque isso parece
racional;
- ou então nos dizemos: “não, se fizermos isso, aí mesmo é que deixaremos de
lado algo de fundamental, e isso reaparecerá de algum modo”. Todo o problema
é que, em geral, no domínio do trabalho, aqueles que causam os prejuízos não
são geralmente aqueles que por eles pagam. Então, creio que seja urgente
refletir sobre a avaliação de ingredientes heterogêneos. Penso que podemos
ter idéias a este respeito. O uso de si no trabalho não pára de tentar pôr em
sinergia estes ingredientes heterogêneos – mas podemos imaginar modos de
avaliação. Só que, à heterogeneidade dos ingredientes, deve corresponder uma
invenção de meios específicos.

Em outras palavras, a idéia de listar, de colocar sobre um mesmo plano


tudo o que constitui a competência, me parece totalmente absurda. Mas avaliar
não é absurdo, mesmo que quase sempre o seja. Acho que este é um paradoxo
incontornável: é um exercício necessário para uma questão insolúvel. Não se
chegará jamais a objetivar a competência. Mas tentar fazê-lo me parece
normal, porque, repito, todo mundo avalia, talvez intuitivamente, e o faz desde
o momento em que se empreende algo juntos.
É possível, eventualmente, encontrar, inventar maneiras inteligentes e
fecundas, meios de avaliar e diferenciar, para cada um de nós, perfis
diferentes de competência. É totalmente sensato dizer que tal pessoa, do
ponto de vista do ingrediente 2 ou do ingrediente 3 é superior a uma outra.
Acho que é preciso saber dizer isso, caso contrário se tornaria responsável de
“demagogia ergológica”.
Penso, entretanto, que de forma aproximativa, pode-se eventualmente
encontrar encaminhamentos para inventariar, avaliar (a grosso modo, é claro),
esses diferentes ingredientes. O erro aqui está em imaginar que se teria
procedimentos homogêneos, enquanto que os elementos são heterogêneos. E,
de toda forma, é preciso dizer claramente que a questão das competências, do
“agir em competência”, integra o conjunto da relação entre, de uma parte, os
homens e as mulheres e de outra parte seu meio, seu meio de vida, no seio do
qual se encontra o meio de trabalho.
É preciso saber que o conjunto dessas relações complexas está incluído
na noção de competências e que, repito, se simplificamos as coisas, isto pode
ser cômodo, confortável, mas provocamos prejuízos que serão pagos por outra
pessoa, em algum momento.

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