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A leitura espiritual da Bíblia‫א‬

Fr. Raniero Cantalamessa, ofmcap‫ב‬


2008-03-14- Quaresma 2008 na Casa Pontifícia
[Traduzido do original em italiano por José Caetano e Alexandre Ribeiro]

A letra mata, o Espírito vivifica

1. A Escritura divinamente inspirada

Na segunda carta a Timóteo há a célebre afirmação: “Toda a


Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3, 16). A expressão que vem
traduzida por “inspirada por Deus”, ou “divinamente inspirada”, na
língua original é uma palavra única, theopneustos, que contém juntos
os dois vocábulos: Deus (Theos) e Espírito (Pneuma). Tal palavra tem
dois significados fundamentais: um muito familiar e outro nem tanto,
mas não menos importante que o primeiro.
O significado mais familiar é o passivo, aquele projetado em toda a
tradução moderna: a Escritura é “inspirada por Deus”. Uma outra
passagem do Novo Testamento elucida esse significado: “Homens
inspirados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus” (2Pd 1, 21). É,
portanto, a doutrina clássica da inspiração divina da Escritura, aquela
que proclamamos como artigo de fé no Credo, quando dizemos que o
Espírito Santo “falou por meio dos profetas”.
Podemos representar com imagens humanas este evento
misterioso da inspiração: Deus “toca” com seu dedo divino – isto é,
com a sua vivente energia que é o Espírito Santo – aquele ponto
recôndito, onde o espírito humano se abre ao infinito e àquele toque –
em si simples e instantâneo como é Deus que o produz – se difunde
como uma vibração sonora em toda faculdade do homem – vontade,
inteligência, sonho, coração –, traduzindo-se em conceitos, imagens,
palavras.
O resultado que, de tal modo, se obtém é uma realidade teândrica,
isto é, plenamente divina e plenamente humana: as duas coisas
‫ א‬http://www.cantalamessa.org/pt/predicheView.php?id=251
‫ ב‬Fr. Raniero Cantalamessa, Franciscano Capuchinho, foi ordenado sacerdote em 1958.
Doutor em teologia e em literatura, foi professor de história das origens cristãs na
Universidade Católica de Milão e diretor do Instituto de Ciências Religiosas. Membro
da Comissão Teológica Internacional de 1975 até 1981. Em 1977 deixou o ensino
acadêmico para dedicar-se inteiramente ao serviço da Palavra de Deus.
Em 1980 foi nomeado Pregador da Casa Pontifícia. Por causa dessa missão, todos os
anos pregou em cada semana durante a Quaresma e o Advento na presença do Papa e
dos cardeais e dos bispos da Cúria Romana e dos superiores das ordens religiosas.
intimamente ligadas, ainda que não “confusas”. O Magistério da Igreja
– encíclica “Providentissimus Deus”, de Leão XIII e “Divino afflante
Spiritu”, de Pio XII – diz que os dois estados, divino e humano, em si
mantêm-se intactos. Deus é o autor principal porque assume a
responsabilidade por aquilo que está escrito, determinando o conteúdo
com a ação do Espírito; todavia, o escritor sagrado é ainda assim autor,
no sentido pleno da palavra, porque colaborou intrinsecamente na
ação, mediante uma normal atividade humana, de que Deus se serviu
como instrumento. Deus – diziam os Padres – é como o músico que,
tocando, faz vibrar a corda da lira; o som é todo trabalho do músico,
mas ele não existe sem a corda da lira.
Desta obra maravilhosa de Deus é projetado, normalmente, quase
só um efeito: a infalibilidade bíblica, isto é, o fato da Bíblia não conter
nenhum erro, se entendemos corretamente o “erro” como ausência de
uma verdade possível humanamente, em um determinado contexto
cultural, tendo em conta o gênero literário empregado, e, portanto,
exigível da parte de quem escreve. Mas a inspiração bíblica baseia-se
mais além da infalibilidade da palavra de Deus (que é algo de
negativo); baseia sua inexorabilidade, sua força e validade divina
naquilo que Agostinho chamava de mira profunditas, a maravilhosa
profundidade1.
Então somos preparados para descobrir agora outro significado da
inspiração bíblica. Gramaticalmente, o particípio theopneustos é ativo,
não passivo. A própria tradição soube colher em certo momento este
significado ativo. A Escritura, disse Santo Ambrósio, é theopneustos
não só porque é “inspirada por Deus”, mas porque “exala Deus”,
porque transpira Deus!2
Falando da criação, Santo Agostinho diz que Deus não fez tudo e
depois se foi, mas que então “vem a ela, permanece nela” 3. Assim é
com a palavra de Deus: vem de Deus, que permanece nela e ela n’Ele.
Depois de ter inspirado a Escritura, o Espírito Santo é como que
contido nela, a habita e a anima com seu sopro divino. Heidegger disse
que “a palavra é a morada do Ser”, nós podemos dizer que a Palavra
(com letra maiúscula) é a casa do Espírito.
A constituição conciliar “Dei Verbum” recolhe essa vertente da
tradição quando diz que as Escrituras são “inspiradas como são por
Deus (inspiração passiva!), e exaradas por escrito duma vez para
sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra do próprio
Deus, e fazem ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos
1 Testi in H. de Lubac, Histoire de l’exégése médiévale, I,1, Paris,Aubier 1959, pp. 119 ss.
2 S. Ambrogio, De Spiritu Sancto, III, 112.
3 S. Agostino, Conf . IV, 12, 18.
profetas e dos Apóstolos” (inspiração ativa!)4.

2. Docentismo e ebionismo bíblico

Agora devemos tocar um problema muito delicado: como escutar as


Escrituras de modo que elas realmente “emanem” para nós o Espírito
que contêm. Dissemos que a Escritura é uma realidade teândrica, ou
seja, divino-humana. A lei de toda realidade teândrica (como são, por
exemplo, Cristo e a Igreja) é que não se pode descobrir nessa o divino
se não se passa através do humano. Não se pode descobrir em Cristo
a divindade, a não ser através de sua concreta humanidade.
Aqueles que, antigamente, caíram no docentismo, desprezando, de
Cristo, o corpo e a especificidade humana como simples “aparência”
(dokein), perderam sua realidade profunda, e, no lugar de um Deus
vivente feito homem, difundiram sua distorcida idéia de Deus. Do
mesmo modo, não se pode, na Escritura, descobrir o Espírito, a não
ser passando através da letra, isto é, através do concreto revestimento
humano que a palavra de Deus assume nos diversos livros e autores
inspirados. Não se pode descobrir ali o significado divino, se não se
parte do significado humano, da experiência do autor humano, Isaías,
Jeremias, Lucas, Paulo, etc. Assim se vê a plena justificação do imenso
esforço do estudo e da pesquisa entorno da Escritura.
Mas esse não é o único risco que a exegese bíblica corre. Diante da
pessoa de Jesus, não havia apenas o perigo do docentismo, ou seja,
de negligenciar o humano; havia também o perigo de permanecer
nisso, de não ver nele o humano e não descobrir a dimensão divina do
Filho de Deus. Havia, portanto, o perigo do ebionismo. Para os
ebionitas (que eram judeus-cristãos), Jesus era, sim, um grande
profeta, o maior profeta, mas não mais. Os Padres da Igreja os
chamaram de “ebionitas” (ebionim, pobres) porque diziam que eram
pobres de fé.
Isso ocorre diante da Escritura. Existe um ebionismo bíblico, isto é,
a tendência a permanecer na literatura, considerando a Bíblia um livro
excelente, o mais extraordinário livro humano, mas apenas isso.
Infelizmente, nós vivemos o risco de reduzir a Escritura a uma só
dimensão. A ruptura do equilíbrio, hoje, não tende ao docentismo, mas
ao ebionismo.
A Bíblia vem explicada por muitos estudiosos voluntariamente
apenas com o método histórico-crítico. Não falo dos estudiosos não-
crentes, para os quais isso é normal, mas dos estudiosos que

4 Dei Verbum, 21.


professam a fé. A secularização do sagrado em nenhum caso se revela
tão aguda como na secularização do Livro sagrado. Ora, pretender
compreender exaustivamente a Escritura, estudando-a apenas com o
instrumental da análise histórico-filológica, é como pretender descobrir
o mistério da presença real de Cristo na Eucaristia baseando-se
unicamente na análise química da hóstia consagrada! A análise
histórico-crítica, ainda que se deva fazer com o máximo de perfeição,
não representa, na realidade, mais que o primeiro grau do
conhecimento da Bíblia, aquele resguardado à literatura.
Jesus afirma solenemente no Evangelho que Abraão viu “o meu dia”
(cf. Jo 8, 56), que Moisés “escreveu a meu respeito” (Jo 5, 46), que
Isaías “teve a visão de sua glória e dele falou” (cf. Jo 12, 41), que os
profetas e os salmos e toda a Escritura falam dele (cf. Lc 24, 27.44; Jo 5,
39
), mas hoje em dia, uma certa exegese científica hesita em falar de
Cristo, não o vê praticamente em nenhuma passagem do Antigo
Testamento, ou há medo de dizer que o vê, por causa de desqualificar-
se “cientificamente”.
O inconveniente muito sério de uma certa exegese exclusivamente
científica é que essa muda completamente a conexão entre exegeta e
a palavra de Deus. A Bíblia feita um objeto de estudo que o professor
deve “controlar” e em frente ao qual, como se diz de um homem de
ciência, deve permanecer “neutro”. Mas neste caso único não é
permitido ficar “neutro” e não é dado “dominar” a matéria; é necessário
especialmente deixar-se dominar por essa. Dizer de um estudioso da
Escritura que ele “domina” a palavra da Deus, se se pensar bem, é que
quase dizer uma blasfêmia.
A conseqüência de tudo isso é fechar e desprender-se da própria
Escritura; essa torna a ser um livro “sigiloso”, um livro “velado”, porque
– diz São Paulo – o véu foi desvelado em Cristo, quando da conversão
ao Senhor (cf. 2Cor 3, 15-16). Sucede com a Bíblia como a certos tipos
de plantas que fecham suas folhas quando algum corpo estranho as
toca, ou como certas conchas que se fecham e protegem a pérola que
há dentro. A pérola da Escritura é Cristo.
Não se explicam de outro modo tantas crises de fé de estudiosos da
Bíblia. Quando se sonda o porquê da pobreza e aridez espiritual que
impera em tantos seminários e locais de formação, não se demora
para descobrir que uma das causas principais é o modo como é
ensinada neles a Escritura. A Igreja é viva e vive da leitura espiritual da
Bíblia; quebrado este canal que alimenta a vida de piedade, zelo, fé,
tudo resseca. Não se entende a liturgia que é toda construída sobre um
uso espiritual da Escritura enquanto esta é vivida separada da
formação pessoal e negada naquilo que se é ensinado hoje em
primeiro lugar em classe.

3. O Espírito dá a vida

Um sinal de grande esperança é que a exigência de uma leitura


espiritual e de fé da Escritura começa já a ser advertida justamente por
alguns eminentes exegetas. Um deles escreveu: “É urgente que
quantos estudam e interpretam a Escritura se interessem de novo pela
exegese dos Padres, para redescobrir, além de seu método, o espírito
que os animava, a alma profunda que inspira sua exegese; à sua
escola devemos começar a interpretar a Escritura, não somente do
ponto de vista histórico e crítico, mas igualmente na Igreja e pela
Igreja” (I. de la Potterie). P. H. de Lubac, em sua monumental história
de exegese medieval, colocou na luz a coerência, a solidez e a
extraordinária fecundidade da exegese espiritual praticada pelos
Padres antigos e medievais.
Diz então que os Padres não fizeram, neste campo, mais do que
aplicar (com os instrumentos imperfeitos que tinham à disposição) o
puro e simples ensinamento do Novo Testamento; não são, em outras
palavras, os iniciadores, mas os continuadores de uma tradição que
encontraram entre os fundadores João, Paulo e o próprio Jesus. Eles
não só praticaram todo o tempo uma leitura espiritual das Escrituras,
isto é, uma leitura em referência a Cristo, mas também deram a
justificação de tal leitura, declarando que todas as Escrituras falam de
Cristo (cf. Jo 5, 39), que nele era já “o Espírito de Cristo” que era a obra
e se exprimia através dos profetas (cf. 1Pd 1, 11), que tudo, no Antigo
Testamento, é dito “por alegoria”, isto é, em referência à Igreja (cf. Gl 4,
24
), ou “por nossa admoestação” (1Cor 10, 11).
Dizer, portanto, leitura “espiritual” da Bíblia não significa dizer leitura
edificante, mística, subjetiva, ou, pior ainda, fantasiosa, em oposição à
leitura científica que seria, ao contrário, objetiva. Essa, ao contrário, é a
leitura mais objetiva que existe, seja porque se baseia sobre o Espírito
de Deus, não sobre o espírito do homem. A leitura subjetiva da
Escritura (aquela baseada no livre exame) é propagada justamente se
é abandonada a leitura espiritual e lá onde tal leitura foi mais
claramente abandonada.
A leitura espiritual é, portanto, algo bem preciso e objetivo; é a
leitura feita sob a direção, ou à luz do Espírito Santo que inspirou a
Escritura. Essa se baseia sobre um evento histórico e, isto é, sobre o
ato redentor de Cristo que, com sua morte e ressurreição, cumpre o
projeto de salvação, realiza todas as figuras e as profecias, revela
todos os mistérios escondidos e oferece a verdadeira chave de leitura
de toda Bíblia. O Apocalipse exprime tudo isso com a imagem do
Cordeiro imolado que toma nas mãos o livro e rompe os sete selos (cf.
Ap. 5, 1ss.).
Quem quisesse, depois dele, continuar a ler a Escritura prescindindo
deste ato, assemelha-se a alguém que continua a ler uma partitura
musical em clave de “fá”, depois que o compositor introduziu na peça a
clave de “sol”: cada nota daria, nesse ponto, um som falso e destoado.
Ora, o Novo Testamento chama a clave nova “o Espírito”, enquanto
define a clave velha “a letra”, dizendo que a letra mata, mas o Espírito
vivifica (2Cor 3, 6).
Contrapor entre si a “letra” e o “Espírito” não significa contrapor
entre si o Antigo e Novo Testamento, de forma que o primeiro
represente só a letra e o segundo só o Espírito.
Significa, muito mais, contrapor entre si dois modos diversos de ler,
seja o Antigo como o Novo Testamento: o modo que prescinde de
Cristo e o modo que julga, ao invés, tudo à luz de Cristo. Por isso, a
Igreja pode valorizar um e outro Testamento, porque ambos falam de
Cristo.

4. Isto que o Espírito diz à Igreja

A leitura espiritual não se refere somente ao Antigo Testamento; em


um sentido diverso refere-se também ao Novo Testamento; também
esse deve ser lido espiritualmente. Ler espiritualmente o Novo
Testamento significa lê-lo à luz do Espírito Santo doado em
Pentecostes à Igreja para conduzi-la a toda a verdade, isto é, à plena
compreensão e atuação do Evangelho.
O próprio Jesus explicou, por antecipação, a relação entre sua
palavra e o Espírito que ele haveria de enviar (também não devemos
pensar que o tenha feito necessariamente nos termos precisos que
usa, a este respeito, o evangelho de João). O Espírito – lê-se em João
– “ensinará e fará recordar” tudo o que Jesus disse (cf. Jo 14, 25 s.), isto
é, fará compreender a fundo, em todas as suas implicações. Ele “não
falará de si mesmo”, ou seja, não dirá coisas novas em respeito
àquelas ditas por Jesus, mas – como disse o próprio Jesus – tomará o
que é meu e o revelará (Jo 16, 13-15).
Nisto é dado ver como a leitura espiritual integra e ultrapassa a
leitura científica. A leitura científica conhece só uma direção que é a da
história; explica, de fato, o que vem depois, à luz do que vem antes;
explica o Novo Testamento à luz do Antigo que o precede, e explica a
Igreja à luz do Novo Testamento. Boa parte do esforço crítico em torno
da Escritura consiste em ilustrar as doutrinas do Evangelho à luz das
tradições veterotestamentárias, das exegeses rabínicas etc.; consiste,
em suma, na pesquisa nas fontes (Sobre este princípio é baseado o
Kittel e tantos outros subsídios bíblicos).
A leitura espiritual reconhece plenamente a validade desta direção
de pesquisa, mas a essa acrescenta uma outra inversa. Essa consiste
em explicar o que vem antes à luz do que vem depois, a profecia à luz
da realização, o Antigo Testamento à luz do Novo e o Novo Testamento
à luz da Tradição da Igreja. Nisto a leitura espiritual da Bíblia encontra
uma singular confirmação no princípio hermenêutico de Gadamer da
“história dos efeitos” (Wirkungsgeschichte), segundo o qual para
entender um texto é necessário ter em conta os efeitos que esse
produziu na história, inserindo-se nesta história e dialogando com ela5.
Só depois que Deus realizou seu plano, entende-se completamente
o sentido do que o preparou e prefigurou. Se toda árvora, como disse
Jesus, é reconhecida por seus frutos, também a palavra de Deus não
pode ser conhecida plenamente, antes de ter visto os frutos que
produziu. Estudar a Escritura à luz da Tradição é um pouco como
conhecer a árvore por seus frutos. Por isso, Orígenes dizia que “o
sentido espiritual é aquele que o Espírito dá à Igreja”6. Isso se identifica
com a leitura eclesial ou igualmente com a própria Tradição, se
entendemos por Tradição não só pelas declarações solenes do
Magistério (que concernem, do restante, pouquíssimos textos bíblicos),
mas também a experiência de doutrina e de santidade na qual a
palavra de Deus é, como que, novamente encarnada e “explicada” no
curso dos séculos, por obra do Espírito Santo.
Aquilo que ocorre não é, portanto, uma leitura espiritual que tome o
posto da atual exegese científica, com um retorno mecânico à exegese
dos Padres; é muito mais uma nova leitura espiritual correspondente
ao enorme progresso registrado pelo estudo da “letra”. Uma leitura, em
suma, que tenha o modo e a fé dos Padres, ao mesmo tempo, a
consistência e a seriedade da atual ciência bíblica.

5. O Espírito que sopra dos quatro ventos

Diante do monte de ossos áridos, o profeta Ezequiel ouve a


pergunta: “Podem essas ossadas reviverem?” (Ez 37, 3). A mesma
pergunta fazemo-nos nós hoje: poderá a exegese, árida pelo grande
excesso de filologismo, reencontrar o ardor e a vida que tinha em
outros momentos da história da Igreja? O Padre de Lubac, depois de

5 cf. H.G. Gadamer, Wahrheit und Methode, Tbingen


 1960.
6 Origene, In Lev. hom. V, 5.
ter estudado a grande história da exegese cristã, conclui muito
tristemente, dizendo que faltam a nós, modernos, as condições para
poder ressuscitar uma leitura espiritual como a dos Padres; falta-nos
aquela fé cheia de ardor, aquele senso de plenitude e da unidade que
tinham esses, para aquele que quer imitar hoje sua audácia haveria um
risco quase de uma profanação, faltando-nos o espírito do qual
procediam aquelas coisas7.
Contudo, ele não fecha de todo a porta à esperança e diz que “se se
quer reencontrar alguma coisa daquilo que foi nos primeiros séculos da
Igreja a interpretação espiritual das Escrituras, necessita reproduzir,
antes de tudo, um movimento espiritual” 8. A distância de algum
decênio, e com o concílio Vaticano II no meio, parece-me corresponder,
nestas últimas palavras, uma profecia. Aquele “movimento espiritual” e
aquele “ardor” começaram a se reproduzir, mas não porque o homem o
houvesse programado ou previsto, mas porque o Espírito se pôs a
soprar de novo, inesperadamente, dos quatro ventos sobre ossos
áridos. Contemporaneamente ao reaparecimento dos carismas,
assiste-se ao reaparecimento também da leitura espiritual da Bíblia e é,
também isto, um fruto, dos mais saborosos, do Espírito.
Participando de encontros bíblicos e de oração, fico atônito ao
escutar, às vezes, reflexões sobre a palavra de Deus totalmente
análogas às que fazia a seu tempo Orígenes, Agostinho ou Gregório
Magno, ainda que em uma linguagem mais simples. As palavras sobre
tempo, sobre “tenda de Davi”, sobre Jerusalém destruída e reedificada
depois do exílio são aplicadas, com toda simplicidade e pertinência, à
Igreja, a Maria, à própria comunidade ou à própria vida pessoal. Isto
que se narra dos personagens do Antigo Testamento induz a pensar,
por analogia ou por antítese, em Jesus e o que se narra de Jesus é
aplicado e atualizado em referência à Igreja e ao crente por si só.
Muitas perplexidades nos confrontos da leitura espiritual da Bíblica
nascem do não ter em conta a distinção entre explicação e aplicação.
Na leitura espiritual, mais que pretender explicar o texto, atribuindo-lhe
um sentido estranho às intenções do autor sagrado, trata-se, em geral,
de aplicar ou atualizar o texto. É isto que vemos em ação já no Novo
Testamento nos confrontos das palavras de Jesus. Às vezes se nota
que, de uma mesma parábola de Cristo, são feitas aplicações diversas
nos sinóticos, segundo as necessidades e os problemas da
comunidade para a qual cada um escreve.
As aplicações dos Padres e as de hoje não têm, evidentemente, o

7 H. de Lubac, Exégèse médiévale, II, 2, p. 79.


8 H. de Lubac, Storia e spirito, Roma 1971, p. 587.
caráter canônico destas aplicações originais, mas o processo que leva
a esta é o mesmo e se baseia sobre o fato de que as palavras de Deus
não são palavras mortas, “para conservar no óleo”, diria Péguy; são
palavras “vivas” e “ativas”, capazes de libertar sentidos e virtualidades
escondidas, em resposta a perguntas e situações novas. É uma
conseqüência daquela que chamei “inspiração ativa” da Escritura, isto
é, do fato que essa não é só “inspirada pelo Espírito”, mas “transpira”
também o Espírito e o transpira em continuação, se lida com fé. “A
Escritura, disse São Gregório Magno, cum legentibus cresciti, cresce
com aquele que a lê”.9 Cresce, permanecendo intacta.
Termino com uma oração que senti em fazer uma vez para uma
mulher, depois que foi lido o episódio de Elias que, saindo ao céu,
deixa a Eliseu dois terços de seu espírito. É um exemplo de leitura
espiritual no sentido que apenas expliquei: “Obrigado, Jesus, que
seguindo para o céu não deixou somente dois terços de seu Espírito,
mas todo seu Espírito! Obrigado por que não deixou para um único
discípulo, mas para todos os homens!”

9 S. Gregorio Magno, Commento morale a Giobbe, 20,1 (CC 143A, p. 1003).

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