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PERGUNTE AO

O site especific de Nuno Ramos


na Fundação Eva Klabin.

Flávio Rezende de Carvalho


O título da obra – Pergunte ao – deixa em aberto a posição
do conhecedor. O não nomeado talvez tenha a resposta, mas como
encontrar algo ou alguém sem nome, o complemento ausente de uma
sentença incompleta? Pior, haverá mesmo qualquer complemento ou
devemos supor um vazio ainda maior? Um vazio que já está posto antes
e depois de qualquer pergunta ou resposta.
A casa fica escondida ao largo de um viaduto, um chalé alpino
junto ao Corte do Cantagalo. A campainha, os seguranças. Alguém vem
à porta. Entra-se por um pequeno corredor até duas salas contíguas.
Colocam-se sacos plásticos nos sapatos. Tudo parece abafado, a luz
amarela da infância brilhando nos mármores polidos, a impressão de
estar entrando em uma confeitaria sem comida. O que é ser burguês no
Brasil?
A moça aponta para a primeira intervenção do artista – uma
lápide de granito de uns seis centímetros de espessura, cerca de um metro
e meio de largura e uns dois metros de altura, com recortes caprichosos
e regulares nos cantos e uma espécie de cabeça retangular que se
prolonga acima da linha média. Essa placa se ergue verticalmente sobre
a base menor, presa por uma haste de metal a uma estrutura aderida
à parede – um armário antigo com uma imagem de santo em cima.
A lápide está exatamente na frente do armário e a cabeça retangular
de pedra corresponde espacialmente à posição do santo pousado sobre
ele. A pedra está a uma distância de talvez um metro do armário. Você
pode – e acredito que deva – levar sua cabeça até o estreito vão entre a
contra-face da lápide e o armário. É frustrante perceber que não se pode
totalizar a forma do armário de um ângulo tão crítico, contudo, quase
simultaneamente, o espectador percebe que a referida contra-face é
polida, ao contrário da outra, mais bruta. Percebe-se então que o armário
está refletido na lápide e que, embora produza uma visão também
incompleta e precária, esse reflexo acrescenta novas informações sobre
a forma da coisa. Mantém-se um olho em cada miragem na tentativa
de totalizar a forma, mas a dificuldade permanece. Então, você leva
sua cabeça de volta ao centro da sala e, de novo, olha o conjunto de
frente. Uma lápide de granito âmbar, pedra de igreja, não polida, com
os poros à mostra. Rude, anônima, pública. Há pequenas inscrições
apenas riscadas na superfície dura: “permito que doa muito” – “permito
a ventura de ter-te conhecido”. Obviamente, não há como extrair uma
conexão entre esses versos e o resto. A moça convida mudamente a
prosseguir. Caminha-se como quem passa ao parágrafo seguinte, na
esperança de que ele esclareça o que parece ser “o ponto”, a mais
ardilosa tradução de algo inteiramente seu.
A moça abre uma grande sala, oculta por portas de correr. O
resultado da cena é uma sala arrumada e áspera, atulhada de quadros
e móveis; sofás, louças, tapetes. Circunavega-se o ambiente até se
encontrar um novo monólito e novas inscrições. A lápide está na frente
de uma espécie de pequeno altar, um nicho adornado por pequenas
colunas torsas com um fragmento de pintura atribuída a Botticelli
no centro. O nicho é uma espécie de moldura kitsch para a pintura.
Compreende-se que se está entrando em um mundo muito pessoal e que
a casa era um site specific mesmo antes da intervenção do artista.
Os monolitos reaparecem por toda a casa, na frente de estantes
de livros, de pequenos armários orientais. A configuração se repete,
eles impedem a visão frontal e deixam disponível uma pequena brecha
lateral e incômoda por onde se percebe um fenômeno reflexivo. A face
polida da pedra refletindo o que a outra face oculta.
Em frente ao nicho, na parede oposta da sala, há uma lareira
com dois santos sobre as laterais daquele remate tradicional em forma
de aparador. Um monólito grande e horizontal recorta perfeitamente
esse perfil, isto é, a forma da pedra recorta um retângulo de para
cada santo e encobre perfeitamente todo o conjunto. Em cima dessa
lareira, há um tondo atribuído a Michelangelo. A não mais que uns
vinte centímetros de distância da superfície da pintura, foi instalado
um espelho, também redondo, de mesmo tamanho, ligado ao tondo por
hastes de alumínio. A face espelhada voltada para a pintura. A marca
comercial do fabricante do espelho estampada a intervalos regulares
sobre a superfície fosca voltada para nós. Tudo isso está preso à parede,
exatamente como sempre esteve – o que nessas circunstâncias aumenta
a estranheza. Novamente você pode tentar ver a pintura pelo espaço
disponível, mas este é ainda menor. Não se pode repetir a experiência
de conhecer melhor a coisa pelo seu reflexo. Sabe-se – embora Hume
talvez discordasse dessa certeza – que o reflexo da pintura está ali, mas
não se pode ver um único centímetro dele. Pelo ângulo que o artista
impõe, o reflexo no espelho é um tenso nada.
O cômodo seguinte é uma sala íntima, uma pequena biblioteca.
Duas poltronas para ler separadas por uma mesa de centro e uma
estante ao fundo. Um sistema de som reproduz um diálogo entre dois
personagens. Um pergunta ao outro se gravou algo devidamente. Dois
paralelepípedos de vidro, compostos cada um deles por cinco placas de
vidro blindex unidas por cantoneiras aparafusadas de aço, encapsulam
cada uma das poltronas. Como um aquário de ponta cabeça, com a
boca voltada para o chão, cada uma dessas caixas de vidro contém uma
poltrona e uma caixa de som. As vozes dos sujeitos vêm dali, abafadas;
dizem um diálogo obsessivo, insistem exasperadamente na importância
de gravar o que estão dizendo.
A moça conduz a visitação à sala de jantar, ao lado. Um texto
diferente é ouvido ali e, na passagem de uma sala para a outra, os dois
se misturam por alguns momentos. Entra-se na sala de jantar que já
se espera. Uma grande mesa com a louça e a prataria postas. Há um
contraste cromático entre cores escuras, em toda a casa. Vinho, terra,
ocre. A sala é carregada desses tons. Uma mesa para dez lugares com
metade dela, incluindo as cinco cadeiras e espaço para uma enorme
caixa de som, encapsulada em uma grande caixa de vidro blindex. A
metade da mesa mais próxima à porta está intocada. No centro da mesa,
a quinta parede de vidro acompanha o recorte da sopeira de prata e da
mesa. Dentro da caixa de vidro, atrás da cabeceira, dois auto-falantes
gigantes com círculos metálicos de uns dez centímetros no centro
aparecem atrás da cabeceira, como olhos. A caixa invisível parece
viva como um bicho. Ela respira no som das palavras – piadas de salão
contadas sem nenhuma entonação, monótonas e exasperadoras.
Retorna-se pela sala íntima e os dois interlocutores continuam
“gravando”. Sobe-se a escada para o segundo andar e há então uma área
de circulação que conduz a um pequeno teatro e ao quarto de dormir.
Em um recuo, há uma grande escultura de uma freira (ou santa) em
tamanho natural talhada em um bloco único de madeira. A escultura
é uma pose afetada (talvez mediocremente inspirada no Êxtase de
Santa de Teresa de Bernini) e tem menos espiritualidade que um cabo
de vassoura. Ela também está dentro de uma grande caixa de vidro.
Há uma trilha sonora específica para esse ambiente. Uma peroração
intercalada pela interjeição “–Bang! Bang!”. “–Bang!”.
Finalmente, o quarto de dormir. Sem janelas. A cama de casal
inteira dentro de uma caixa de vidro de uns dois metros de altura, com
um orifício circular de uns quinze centímetros de diâmetro acima dos
pés da cama. Introduzido nesse orifício, há um tubo de vidro de diâmetro
pouco menor que desce até a embocadura de um fole controlado por
uma geringonça eletrônica, no chão. A geringonça está programada
para inflar o fole a intervalos regulares de tempo e, em seguida, com os
barulhos mais incríveis, esvaziar seu conteúdo aéreo através do longo
tubo introduzido na caixa de vidro.
Em todos os cômodos há muitos quadros. Aqui e ali, uma
pintura tem aquele dispositivo do espelho – hastes de alumínio ligam a
moldura do quadro ao espelho voltado para a pintura. Em todos eles, há
versos escritos no lado voltado para o espectador. Fica-se pensando na
escolha do artista, por que uns e não outros.

Vanguarda e pedagogia

Toda poética ambiciosa é também uma pedagogia.
A pintura cubista é a melhor – e única, nesse sentido –
explicação do cubismo. Só depois, quando a pintura cubista conquistou
sua condição de possibilidade por seus próprios meios, isto é, quando
a sua linguagem acumulou a massa crítica de muitas “explicações”, foi
possível traduzi-la em palavras. Essa passagem só se completa quando
o cubismo, agora, explica a gramática.
A percepção de que o espaço perspéctico é uma construção
morfológica corresponde a um processo de desnaturalização das causas
que percorre todos os campos do conhecimento. Eventualmente, essa
onda se voltaria sobre si mesma, isto é, sobre o assombroso e comezinho
terreno em que a linguagem e o real se entretecem indiscernivelmente.
Desde então, a arte se tornou, sobretudo, uma discussão sobre os
mecanismos lingüísticos que produzem o valor de arte. Na verdade, hoje
sabemos, ela nunca foi outra coisa, contudo, para que a entendêssemos
assim, foi preciso colocar suas várias pedagogias sob a perspectiva
desse novo conteúdo.
Nem tudo é arte, mas certamente tudo é linguagem. Como
então demonstrar o momento em que a linguagem se torna arte senão
pela sua torção? E, já que tudo é linguagem, como estabelecer esse
retorno da linguagem sobre si mesma sem pressupor uma indistinção
entre arte e vida, entre visualidade e palavra, entre forma e conceito de
forma, entre arte e conceito de arte? Uma pedagogia adequada a esse
conteúdo tem que se valer de uma poética em que essas fronteiras com
que nos habituamos sejam exatamente o ponto em questão.
A Casa Klabin é um gabinete de objetos de arte, um
antiquariato, um lugar vulgarmente associado à arte. Mas onde está a
arte? Na autoria das pinturas, nas peças catalogadas da prataria e da
louça, nos móveis, nos tapetes, onde? Será que a arte se deixa definir
assim pelo gosto de uma senhora em viagem? E mesmo que tudo aquilo
seja autêntico e que o gosto da senhora seja impecável, por isso mesmo,
não ressoaria com mais razão a pergunta sobre o que faz daquilo arte?
Será o preço, a galeria de arte, os traços indiscutíveis do gênio, o aval
dos especialistas, o quê?
O valor de arte não tem garantias, não tem rede de segurança, é
uma atribuição solitária, mas nunca desinformada. A falta de informação,
no caso da arte, é a informação corrente. É essa a informação que está
na base dos juízos e ela é absolutamente democrática, como o atesta a
própria casa. Nenhuma pintura moderna, com exceção de um pequeno
Pissarro, muita coisa pesada e presunçosa, tudo em nome da arte.
Não é minha intenção criticar a coleção, contudo, ela se presta, por
si só, a uma discussão preliminar sobre o valor de arte – e acho isso
tão evidente que me parece impossível que o artista desconsiderasse
esse dado. Mais ainda, creio que ele partiu disso e tirou um proveito
calculado da premência com que essa questão se coloca ali.
O que o visitante de uma exposição de arte espera? A resposta
é a visibilidade das obras. Nuno Ramos propõe um jogo interessante.
Ele nega a satisfação dessa expectativa por meio de algo tão opaco
quanto a face porosa de uma lápide de granito. Ele poderia criar esse
impedimento por qualquer outro meio. Essa escolha precisa, por isso,
revela um apuro formal na opção por aquela pedra, com aquele peso,
aquele corte, aquela cor. Esse cuidado sugere uma barganha. O artista
propõe uma troca e dá garantias, permite que o espectador olhe por trás
da pedra e, nesse momento, surpreende-o com o reflexo da coisa na
face polida. A coisa se plasma na superfície da pedra que a contém e
a detém na superfície. Impenetrável, ela permite, no entanto, que uma
imagem da coisa se forme para nós, espectadores. Imaginar que o artista
pretendeu devolver o valor de arte a si mesmo não parece convincente,
porque armários, quadros e tudo mais, não têm qualquer valor em si
mesmos. Só há reflexão para nós e não parece haver uma devolução e
sim uma absorção tão superficial que insinua, de fato, uma rejeição. A
imagem se forma na pedra como se formaria na retina e o espectador
tem a oportunidade de ver, obliquamente, não a obra e sim a sua relação
habitual com ela.
O homem é o monólito com sua face polida enredada naquela
relação narcísica, assegurado de suas qualidades superiores pela
superioridade do valor de arte que ele, e não a pedra, projeta naqueles
objetos. Mas o monólito se volta para frente também. Sua face bruta não
reflete e não projeta, tampouco sua visibilidade total pode ser isolada
do que está à sua volta. Ele existe como contraponto absoluto, existe
contra tudo, mas declara verbalmente uma permissão.
Quando se quer cinzelar uma inscrição na pedra, o primeiro
passo é riscar regularmente os caracteres. É grafado com esse primeiro
risco que um longo poema cujos versos são iniciados por “Permito...”
se desenrola pelos monolitos. Isso cria um paradoxo – um obstáculo
que permite.
É a posição total do sujeito que a lápide ocupa, expulsando-
nos de nossa centralidade para uma periferia incômoda, para a nostalgia
de um si mesmo naquele reflexo do reflexo que constitui agora nossa
possibilidade de visão. Aquilo que podemos ver do outro lado, aquela
relação direta, está morto para nós, na melhor das hipóteses congelado,
encantado. Essa angústia ecoa nas vozes miasmáticas que não
permitem que a casa durma, que a mantém em uma vigília delirante.
Se a casa dormisse, talvez fosse possível, em sonho, experimentar
outra vez aquela unidade e primazia de que fomos deslocados. As
vozes o impedem com um pesadelo permanente e falante, algo como os
complicadíssimos raciocínios sonambúlicos, completamente ilógicos,
dos quais despertamos exaustos e atônitos, como quem retorna do
inferno.
No verso dos espelhos se desenrola outro poema. Seus versos
se iniciam por “Pergunte...”. São espelhos que não refletem ou, se o
fazem, não nos é dado ver seu reflexo e tampouco a coisa refletida, que
eles encobrem quase inteiramente. Espelhos pelo avesso que ordenam
uma pergunta. Espelhos interditados. Ao mesmo tempo impedidos e
entreditos. Interdictio. Entredizeres. Interdizer. Jogos verbais e jogos
formais, um no outro, um pelo outro, interditos. Proibidos – como a
trilha sonora que reverbera nas caixas de vidro, abafada e evidente.
A casa não iria se dobrar à fraqueza nem ao ligeiro, continuaria
sua vigília modorrenta, orgulhosa das suas relíquias. Venceria
certamente, mais uma vez. Nuno Ramos enfrentou aquela casa. Por isso
a pedra. Por isso o espelho. Para o velho, o velhíssimo, para o peso, a
tonelada. Para o fantasma, seu reflexo vazio. Pra qualquer assombração,
geometria, pureza, rigor. Transparência para todas as suas prisões e para
as vozes abafadas que produzem, nas caixas de vidro blindex. As vozes
vêm dali, de onde mais?
Para os que optarem pela vida, o artista conjuga dois verbos:
permitir e perguntar. O primeiro declara, o segundo ordena – “Permito”,
“Pergunte”. O seu significado contraria a lógica dos materiais. A
permissão está no impedimento absoluto e todas as perguntas que
interessam estão no verso das respostas.
Isso é um bom começo para a arte.

Flávio Rezende de Carvalho

Possui graduação em Educação Artística/História da Arte pela


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002) e mestrado em
História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (2007). Atualmente é Professor I de Artes Plásticas da
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

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