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MÁRIO E O LIMITE

Jorge Cruz
O cinema brasileiro, nos anos 1920, contava com excelentes
técnicos, a maioria estrangeiros, muitos cavadores1 e uma proposta de
profissionalização da indústria elaborada a partir da associação entre
Adhemar Gonzaga (Para Todos) e Pedro Lima (Selecta), que juntaram
forças para constituir a Cinearte e, a partir de 1926, também com o
diretor expoente do chamado Ciclo de Cataguazes, Humberto Mauro
(cf. Mello, 1996, p. 15-16). Segundo Mello, o cinema de então era pré-
griffithiano ou “primitivo”, porquanto não havíamos assimilado, até
aí, as propostas de D. W. Griffith (1996, p. 15) e, tampouco, nenhum
cineasta brasileiro (ou atuante no Brasil) havia proposto inovação
em qualquer sentido que fosse: nem pelos caminhos propostos pelos
realizadores soviéticos (como Eisenstein, Pudovkin, Kulechov, Vertov,
entre outros), nem alemães (Lang, Murnau, etc.) ou franceses (Dreyer,
Gremillier, etc.).
Neste contexto, Mário Peixoto (1908-1992) realizou apenas
um filme em toda a sua vida, Limite4, vindo a concluí-lo em 1931,
portanto ainda jovem, aos 23 anos de idade2 .

Neste breve estudo, e após outro estudo sobre o roteiro


cinematográfico (Cruz, 2003), faremos uma comparação entre o que o
Mário Peixoto escreveu (o roteiro ou scénario, ou seja, a descrição das
cenas do filme), e o filme propriamente dito, através de duas publicações:
o scènario Peixoto, 1996, com o roteiro de limite, manuscrito que foi
publicado em edição facsímile; e o mapa elaborado por Saulo Pereira
de Mello (Mello, 1978), que, nas suas palavras, constitui “um análogo
da partitura de música para o cinema, uma espécie de mapa, onde se
pode seguir todo o filme visualmente e não literariamente” (p. 9), e
no qual, os fotogramas do filme estão impressos ao lado da descrição
textual, o que permite a realização de estudos comparativos bastante
precisos.
Podemos, aqui, adiantar duas inferências não hierarquizáveis:
Mário Peixoto domina o código cinematográfico, isto é, ele sabe onde
está e para onde quer levar a sua história, ou seja, Limite não foi um
acidente; e segunda, ele é um roteirista que já redige o shotscript, ou
seja, o roteiro técnico que vai para as filmagens, sem as preocupações
literárias, por exemplo, de Eisenstein3 . Mas vale destacar que o seu
roteiro é eficaz e claro.
Cabe, destacar ainda que, curiosamente, no scénario, Peixoto
não nomeou as suas personagens, chamou-os Mulher 1, Mulher
2 e Homem, no mapa, Mello os chama pelos nomes dos atores,
respectivamente Olga (Breno), Taciana (Rei) e Raul (Schnoor).

No filme, após os letreiros iniciais, vemos um morro de onde


voam alguns abutres e, em seguida, a partir de uma fusão, vemos as
imagens da seqüência-prólogo (assim chamadas por Mello, 1996,
p. 35)4 , e temos então a situação inicial do filme, três pessoas, duas
mulheres e um homem num barco, perdidos, flutuando no meio do mar.
Estão numa situação gerada por ações anteriores ao início do filme, um
crime qualquer e as fugas da prisão ou do passado.
Peixoto não se preocupa em mostrar como estas três
personagens aí chegaram. Ele não mostra como tomaram o barco e
foram parar juntas neste infinito mar, apenas mostra as suas histórias de
fuga e de desespero. As suas desgraças são narradas em três flashbacks,
dos quais, o primeiro, nos mostra Olga (Mulher 1) e sua fuga da prisão;
o flashback seguinte conta a história, de Taciana; e o terceiro, a de Raul.

II

O flashback que conta a história de Olga é bem constituído já no


roteiro e, conforme sempre ocorre, é melhorado nas etapas posteriores,
filmagem e montagem. Alguns dos elementos deste flashback merecem
ser comentados. Ele é preparado pelo choque das imagens em fusão,
não previsto no roteiro, do enquadramento horizontal da borda do
barco (EXTREMAMENTE LONGO), na parte inferior da tela, com o
movimento da água ao fundo, vemos as linhas verticais de duas grades,
vistas de baixo, e entre elas o rosto e as mãos de Olga, que está presa,
segurando-as e, no fundo da cela, a escuridão. Saltamos, assim, da
horizontalidade para a verticalidade. A câmera se move horizontalmente
para a esquerda, abandonando Olga, e entra numa pura verticalidade,
até alcançar uma parede branca e depois uma porta que é aberta por
uma mão de homem. A câmera desce, acompanha a verticalidade da
porta, a do homem que a abre e, antes dele entrar, faz o movimento
vertical para baixo, até o seu pé, que passa pela porta. A porta se
fecha. A câmera espera que a porta se abra e, de dentro, vemos sair pés
femininos, os pés da mulher, de Olga. Num novo movimento vertical,
agora ascendente “pelo corpo de Olga até as mãos que lutam” (p. 49)5
. O homem quer detê-la, mas “a mulher se afasta, mãos masculinas
pendem” (p. 49-50).
Assim, com a ajuda de um homem que a deseja, conforme
fica sugerido pela imagem de suas mãos segurando as de Olga, e que
quando ela se livra, as “mãos do homem pendem” indicam que ele
foi, aí, abandonado. Esta libertação já estava prevista no roteiro, mas
aparece no filme com algumas alterações, geralmente no que se refere
aos cortes e movimentos de câmera. Apresentamos abaixo o quadro que
permite a comparação entre o roteiro (scénario) e o filme (mapa), em
recorte que trata do flashback de Olga.
Roteiro Mapa (filme)6
[p. 43] [p. 48]
29- fusão Cabelo de mulher 37- corte cabelos revoltos (LONGO7)
30- fusão Máquina um pouco do alto – água e 38- corte A borda do barco
uma beiradinha do barco – mesmo (EXTREMAMENTE LONGO)
plano que cena anterior
31- fusão Grades de uma prisão e rosto de 39- fusão Olga atrás de grades
mulher 1 atrás Câmera abandona
Olga,
Passa
Por parede
Até porta.
Aproxima-se dela.
INÍCIO DO FLASHBACK
[p. 45] (pág. Intercalada no manuscrito) [mesma pág.]
32- fusão Mão de homem abrindo a porta Entra mão de homem
da cela Abre-a, entra
[mesma pág.] [p. 49]
Câmera desce
Até os pés. Ele entra
Fica à porta, de frente,
33-following Mostra chão a parte mais baixa [Vemos a parte de baixo da porta
to shot da porta se abrindo – pés mulher entreaberta8] câmera recua – tempo
saindo - Abre-se a porta. Saem pernas
Femininas.
Param por instantes
Atrás, surgem pés masculinos
Vê-se que Olga é contida.
Câmera sobe
Pelo corpo de Olga até
33-following Mãos de homem que seguram o Mão que lutam. A mulher se afasta,
to close-up braço da mulher – tempo –
[mesma pág.] [p. 50]
Mãos masculinas pendem.
A porta
Câmera desliza - passa por
Parede
Até janela
Gradeada, vazia.
arrancada da mulher e fuga 40- Fusão [rua com casarões, tudo] vazio.
Entram pernas de Olga
Que se afasta
Até sair de quadro (LONGO)
[mesma pág.] [p. 51]
41- Fusão [Cruzamento do povoado] vazio.
A sombra antecipa
A entrada de Olga
Que se afasta (LONGO)
42- Fusão Beiral de
Telhado
Passando.
43- Fusão Copa
De árvores
Passando.
[mesma pág.] [p. 52]
44- Fusão Olga leva mão à cabeça [de costas,
em contra-luz]
Tira chapéu
Câmera avança,
Avança
Até saia,
Gira em volta dela,
Até ver mãos abrindo bolsa
Continua girando até ver Olga pelas
costas.
Olga afasta-se da câmera.
Esta segue-a.
Olga sai pela esquerda. Câmera
continua avançando
[mesma pág.] [p. 53]
Sobre o infinito da estrada,
Vira para a esquerda
Sempre andando e desliza sobre a
paisagem.
Uma queimada. Câmera pára
E volta, refazendo trajeto.
Aparece tronqueira
E logo Olga. Avança
Sobre
Olga (vento) abatida. Tempo
FUSÃO 45- Fusão Olga avança para o infinito
(LONGO)
[p. 47] [p. 54]
35- fusão Roda do trem 46- Fusão Roda [de trem] parada – começa
andar,
Passa pela
Câmera
Entra outra roda,
47- Passa.
FUSÃO Roda
Girando
Com
Velocidade.
[mesma pág.] [p. 55]
36- fusão Botão
48- Fusão Mão girando
Manivela
Com velocidade.
37-following Mulher 1 cosendo 49- Vista Olga costura [vista de cima]
to shot de cima Gira manivela
38- shot Mão trabalhando – linha – agulha 50- Vista Olga costura,
pregando botão frontal Leva a mão
À nuca.
Ajeita cabelos, baixa os olhos
Depois a cabeça – abatimento.
Ergue os olhos,
Baixa a cabeça,
[mesma pág.] [p. 56]
Leva a mão ao rosto.
Permanece
Imóvel – tédio. Tempo.
CORTE Início da 2ª parte
51- Janela ou clarabóia (LONGO)
39- close-up Agulha – carretel – ovo de cerzir – 52- Fusão Ovo de cerzir (LONGO)
pressão – tesoura 53- Fusão Colchetes (LONGO)
54- Fusão Carretel de linha (LONGO)
55- Fusão Botão (LONGO)
[mesma pág.] [p. 57]
56- Fusão Fita métrica (LONGO)
40- close-up Lâmina tesoura virada de frente 57- Tesoura (LONGO)
CORTE
58- Vista Olga parada, quieta, mão na face.
frontal Vira-se,
Enfia a [linha na agulha da] máquina
Vira o rosto
Trabalha,
Vira o rosto.
Resignadamente recomeça a
trabalhar,
CORTE
59- Close Mão costurando (LONGO)
CORTE
[mesma pág.] [p. 58]
60- Fusão Olga costurando à mão
Pára; com os dentes corta a linha.
Prende a agulha no peito,
Estende a mão,
Pega tesoura, corta, usa-a algum
tempo.
Fica olhando
A tesoura.
61- A tesoura
Entra mão
Corre o dedo pelo fio até à ponta,
Retira a mão.
A tesoura
41- fusão Página de um jornal virado de bordo 62- Fusão Páginas de jornal
como o corte da tesoura CORTE
[mesma pág.] [p. 59]
42-following Mulher 1 lendo jornal 63- Pés de Olga.
to shot Câmera sobe
Ao longo do corpo
Até
Jornal.
43- long shot Rua – movimento 64
44- shot Porta correio
45- shot Mulher lendo vê-se por cima do Câmera avança
jornal pessoas que passam
46- close up Notícia no jornal dizendo Sobre jornal: a notícia.
Olga
[p. 49] [mesma pág.]
46 (cont.) que a rapariga recentemente fugida [LEMOS”: “Fuga da prisão. A
da prisão graças à ajuda de um cumplicidade de um carcereiro...]
guarda está sendo cerrada cada dia
mais nas malhas da polícia que
tomou suas medidas

mãos crispam-se e amarrotam o Olga


jornal Vira
A página, vai
Ler a
[mesma pág.] [p. 60]
Notícia. Câmera
47 following Meias de mulher e uma malha que Desce
to close-up correu Ao longo do corpo
(o fio da meia correu) pela perna
até
os pés – Tempo (LONGO)
649 Ângulo de telhado.
CORTE
65 Câmera
Avança (CURTO)
Sobre caixilho.
CORTE
66 Ventania: passam
[mesma pág.] [p. 61]
Coisas.
CORTE
67 Janela aberta,
Surge mulher,
Fecha
Janela.
CORTE
68 Porta bate (o vento
Várias vezes Sopra forte)
48- fusão Roda do trem (achar ângulo 69 Roda de trem
impressionante para sempre que Girando velozmente.
aparecer o trem)
FIM DO FLASHBACK
49- fusão Boca de mulher acabando de falar 70- Fusão Pescoço de Olga – vê-se que ela
close-up (achar ângulo bom talvez de baixo fala.
para cima) CORTE

III

Neste flashback, com um movimento de câmera, Mário


mostra como Olga escapou. A grade não é mais vista de baixo, mas
frontalmente. Temos, então, uma fusão das grades com o casario
(passagem do plano 39 para o 40 do mapa), o que sobrepõe às grades,
as linhas verticais das casas: as portas, as janelas, esquinas, etc., de
novo, com a câmera baixa. Aí, vemos Olga livre, afastando-se, pela
frente do casario, caminhando para o fundo do quadro. Tivemos,
então, a fuga extensa de Olga e, depois, a intensa. Primeiro, escapou
o corpo, depois, seu espírito. Mas ela escapa rumo ao vazio humano
do espaço construído, da vila à natureza, em fusão do beiral de
um telhado para a folhagem das copas das árvores, vistas de baixo
(do plano 42 ao 43 do mapa). Depois de nova fusão, a câmera
abandona-a para reencontrá-la depois, sentada, chorando e, mais
tarde, ela caminha para o infinito solitário.
Diferentemente de Mello, que vê “as cercas, os caixilhos
das vidraças; as portas, as janelas [que] parecem sempre sugerir
prisão. A clarabóia, o aspecto das casas fechadas, como fechadas
estão as janelas; tudo de aspecto decadente sugere a mesma coisa”
(1996, p. 52), nós sentimos aí, apenas a presença da solidão, o
mergulho no solitário de um novo tempo, num futuro incerto (como
sói ser qualquer futuro), numa desterritorialização própria aos
fugitivos em direção a algum infinito, que, neste filme, é sugerido
através de diversas imagens, conforme podemos verificar no Mapa
(Peixoto, 1978), que Mello descreve assim:
“Olga afasta-se da câmera./Esta então segue-a./Olga sai
[de quadro]/pela esquerda. Câmera continua avançando/
sobre o infinito da estrada [...]” (plano 44). O infinito é
sugerido, ainda neste flashback, quando Olga é vista ao
longe, já caminhando pela estrada de barro e, em primeiro
plano, temos, no topo de um poste, os fios que acompanham
a estrada dão-nos a sensação de que ela caminha para o
infinito, mas “o caminhar na estrada é inútil diante das
paralelas da estrada que convergem para o infinito” (Mello,
1996, p. 55).
Depois da sugestão da caminhada em uma reta sem fim,
vamos para o infinito circular em uma nova fusão, agora para uma
roda de trem parada (plano 46) e depois girando (plano 47), de
forma que não vemos o movimento, daí, fusão para a roda de trem
em movimento com o chão ao fundo e, agora sim, o movimento.
Nova fusão para outra roda girando, mas só depois, percebemos
que é uma “mão girando manivela com velocidade” (plano 48).
Todas estas rodas foram vistas em primeiro plano e, agora, a vemos
de cima, “Olga costura/gira manivela” (plano 49). O ponto de
vista, câmera de cima, não estava previsto no roteiro.Mello anota
que “a fuga, pelo trem, leva-a à costura” (Peixoto, 1996, p. 55),
anuncia-a. Temos aí, uma série de primeiros planos de Olga, rosto
e mãos, e planos-detalhe dos objetos de costura, até a fusão de um
detalhe da tesoura entre os dedos de Olga, para as páginas de jornal
(passagem do plano 61 para o 62). Daí, entramos em outra série,
que envolve os pés de Olga, novos casarios até a “roda de trem/
girando velozmente/fusão/pescoço de Olga – vê-se que fala” (do
plano 69 para o 70). E, então, já estamos de volta ao barco do início
do filme.
IV

O flashback, ou a história, de Taciana é bem diferente do


escrito por Mário (cujo quadro comparativo não reproduziremos).
Cabe comentar, a princípio, que a fusão que o inicia, ainda no barco,
não parte de Taciana, mas de Raul, que acabara de rejeitar o conforto
oferecido por Taciana, que coloca a sua mão sobre o ombro do
homem10 (seq. 90, p. 16611 ). Temos uma fusão e a “guelra pulsante de
um peixe” (Mello, 1978, p. 66) que, fora d’água, sufoca, é asfixiado:
as imagens de um barco, atividade de venda de peixes, sombras,
uma fonte, uma lavadeira e outras tantas imagens, que descrevem a
“vida” naquela vila, que diferentemente da de Olga, começa povoada.
Roteiro Mapa
[p. 57] [p. 66]
67-following (no barco) mão de mulher sobre 90 Mão de Taciana sobre o ombro de
to close-up o ombro do homem e este sem se Raul.
virar dá de ombros – ela insiste – Raul sacode o ombro
ele segura-lhe na mão e tira-a do Tentando afastar a mão de Taciana.
ombro – tempo – mostrando o ombro Mão de Raul tenta retirar a mão de
do homem – ouvido e perfil que Taciana
adivinha-se ainda atento aos gravetos
Raul permanece ouvindo
INÍCIO DO FLASHBACK
Início da terceira parte
68- fusão a guelra de um peixe que expira 91- fusão Guelra pulsante de peixe (LONGO)
close-up na praia
69-following praia – barcos chegam cheios de 92- barco oscila.
to long shot peixe – mulheres que compram - - Câmera
[mesma página] [p. 67]
Avança
Sobre proa
CORTE
70-following pés das pessoas em movimento – 93- Garoto
to shot praia – água – tudo em conjunto ao Com peixe
natural e imprevisto – (aproveitar-se Avança para câmera.
da ocasião) Ultrapassa-a – Tempo.
CORTE
71- fusão shot um grupo comprando peixe – mulher 94- Mãos
está – compra um - paga Contam
Dinheiro.
Fica apenas uma das mãos.
CORTE
[p. 59] (pág. Intercalada no manuscrito)12 [mesma pág.]
71- (cont.) - sai do grupo – máquina gira no 95 Homem tira água do barco.
tripé e acompanha a passagem dela Sai de quadro
pela frente da máquina e focaliza um
pouco as costas dela
[mesma pág.] [p. 68]
72- fusão shot Câmera acompanha mulher numa rua
andando – vê-se pelas costas
73- fusão Mão da mulher que tem o peixe 96 Peixe é retirado da cesta.
close-up no cesto e já mais uns legumes – Entra sombra e cesta é retirada.
máquina acompanha e mais uma Ficam sombras.
vez num close-up mostra o cesto e CORTE
já todas as compras feitas – mulher
sempre andando – máquina também
97 Barco
Oscila
CORTE
98 Praia (LONGO)
CORTE

Só depois, então, vemos Taciana, em segundo plano,


distante, após ter comprado, conforme verificaremos mais tarde,
peixe e legumes. Ela caminha, agora sozinha, nunca para o infinito,
sempre há algo, uma possibilidade. Entra numa casa (a sua),
encontra um homem que está sentado no topo da escada, imóvel.
Um detalhe na mão esquerda dele destaca a sua aliança, ela olha
para a sua. Isto parece ligá-la àquele homem sentado, inerte, afinal
“as alianças são como algemas: em nova página intercalada, há
uma mudança: no roteiro, Peixoto faria o encontro entre Taciana e
Brutus em um Botequim, mas no filme, ela já o encontra em casa.
Taciana vê a aliança nas mãos de Brutus e olha a sua – e se curva de
dor; o eterno caminhar – o casamento com aquele destroço humano
que, impassível, toca piano num cinema, é como o caminhar sem
destino, é a suprema limitação da vida” (Mello, 1996, p. 53), enfim,
o motivo que a levará ao seu destino.
Roteiro Mapa
[p. 74]
118- Taciana aparece,
(cont.) Avança,
Afasta-se
CORTE
119 COSTAS DE Taciana
Afastam-se da câmera
Até ficar
De corpo inteiro.
Câmera, então,
Segue
O caminhar
De Taciana
Até a porta.
[p. 75]
119- Entra.
(cont.) Câmera continua a
Avançar, girando agora
Para a direita até
Enquadrar porta toda. Corrige para
Baixo - tempo
CORTE
[p. 61] (pág. Intercalada no manuscrito)
73- (cont.) mulher chega a um botequim bem 120 [Interior da casa de Taciana, ho-mem
a porta está um homem sentado sentado no alto da escada]
numa mesa sujo – barba grande Estático
– os cotovelos fincados na mesa Taciana
– sonhando - Entra.
Pára perto da escada.
Olha o homem.
CORTE
74- fusão Um maço de músicas de piano sobre
close-up a mesa [cf. Seq. 127].
121 Taciana olhando.
CORTE
122 [Visto de baixo – PDV Taciana]
O homem imóvel (LONGO)
CORTE
[p. 76]
75-following Mão de homem – aliança 123- close A aliança [no dedo de Taciana]
to close-up CORTE
76-following (máquina gira) a mulher que o olha 124 [Vista de cima]
to shot e olha para a mão dela Taciana olha (olha aliança);
Baixa cabeça
Agita-se
Angustiadamente. Queda imóvel.
CORTE
77- fusão Mão dela e aliança
close-up
125 [Vista de baixo] Taciana imóvel.
Desespero.
Olha o homem, permanece imóvel.
CORTE
126 [Vistos de cima, ele, de costas,
sentado no alto da escada, ela, de pé,
na base]
Taciana imóvel,
Volta a olhar o homem.
Coloca a cesta no degrau, com força,
Afasta-se,

Taciana o encara, não o enfrenta, interrompe a subida, recua e sai de casa


rumo à rua, agora vazia, onde encontra um homem. Ela pára, conversam
– vistos de baixo, um poste elétrico entre eles aponta para o céu, denota,
então, o infinito entre eles, que é, a um só tempo, o seu caminho e a sua
impossibilidade. Eles retomam os seus caminhos, cada um para o seu
lado. Ela, de novo, pára, brinca com uma criança, a câmera “desliza”
até uma flor ao vento. E Taciana caminha para a solidão, no topo de uma
pedra, diante do mar, com o céu acima de sua cabeça.
Taciana sentada, vagueia o olhar, mostra tristeza, desespero e
a câmera a abandona, “vai para a paisagem” árida das pedras volta para
Taciana, ainda sentada olhando o mar. A câmera a abandona de novo e
o mar se torna “sombrio”, depois “cintilante”, e uma nova fusão mostra
mãos masculinos no teclado de um piano, um copo e, numa nova fusão,
retornamos ao mar cintilante, depois sombrio, fica claro e, de novo,
Taciana ainda olhando o mar.
Roteiro Mapa
80-following Máquina passa mulher e alcança a
to shot porta de uma casa – tempo – mulher
chega abre a porta e entra – porta
fecha-se
81- shot A porta por muito tempo
[p. 65] (pág. Intercalada no manuscrito) [cont. p. 77]
82-following Porta abre-se e mulher sai – caminha 128 A porta.
to middle para lente até chegar a quase close- Taciana sai,
long shot up – máquina gira então e pega-lhe Caminha.
as costas e acompanha-a em shot, A porta.
ora parando ora andando, ora Câmera procura
em fusões e continuando adiante Taciana
conforme o trajeto da mulher – Nota Que
, mulher sempre vista de costas sai se
gradativamente das ruas da vila ora
fala com um – outro – abaixa-se
para fazer festa a uma criança (aí a
máquina avança até uma pequena
flor que brota junto à cerca de uma
casa na beira da estrada e focaliza-a
em close-up algum tempo)13–mulher
sai totalmente da vila
[p. 67] [p. 78]
128- Afasta
(cont.)
129- fusão [Loja de 3 portas de madeira, vista
de cima, com alto do poste em 1º
plano]
homem e Taciana entram em quadro.
Aproximam-se,
Param um diante do outro
CORTE
130 [Vistos de baixo, o homem e
Taciana, com um poste apontando
para o céu entre eles]
O infinito entre eles (falam)
(LONGO)
CORTE
131 [Vistos de cima]
O homem e Taciana um diante do
outro.
Taciana afasta-se, o homem olha-a.
Ela pára. Olham-se mais uma vez.
Falam – gesto.
Afastam-se. Ambos
Saem de quadro
[p. 79]
132- fusão Taciana diante do infinito da estrada.
Anda.
Aproxima-se de criança que saiu
de casa.
Câmera, agora, segue Taciana.
Taciana aproxima-se, aproxima-se
Afaga a criança. Baixa-se junto dela.
Câmera
Desliza para
A direita
Até
Cerca de bambu.
Aproxima-se e baixa
Até flor que se despetala (LONGO)
CORTE
[p. 80]
133 [Do alto, vemos rua de barro]
vazio
Taciana entra.
Atravessa o quadro,
Sai.
Vazio
82- (Cont.) até chegar a sentar-se sobre uma 134- Fusão Rochedo (LONGO)
pedra à beira dum barranco que dá
para o mar
135- fusão Rochedo: mais próximo (LONGO)
136- fusão Rochedo: mais próximo (LONGO)

Voltamos então para Brutus saindo de casa e indo para oi cinema onde
toca piano durante a projeção dos filmes. O público se diverte.
Roteiro Mapa
99-following Tela branca 162 Tela de cinema: vazia.
to shot
100- Pianista fala com os companheiros
following to para os lados – embora invisíveis
shot à lente -
101- Tela branca – apaga-se a luz 163 Escuro [tela negra]
following to Tela ilumina-se: título do filme
shot Começa filme de Carlitos.
Corte no filme
Corte no filme.
CORTE
[p. 77]
164 [Visto de cima]
Brutus tocando.
CORTE
[p. 90]
165 Filme de
Carlitos
Continua.
Corte no filme.
Corte no filme.
Carlitos foge.
CORTE
102- Pianista que toca – máquina afasta 166 [Visto de cima]
following to deixando ver a primeira fila de Brutus tocando.
shot espectadores que ri CORTE
167 Mão de Brutus no teclado.
CORTE
168 Riso.
CORTE
169 Riso.
CORTE
170 Riso: homem
[p. 91]
170- Esfrega nariz
(cont.) CORTE
171 Riso (mulher)
CORTE
172 Riso (homem)
CORTE
173 Edgard Brasil dorme
CORTE
174 Riso (mulher vista de baixo)
CORTE
175 Brutus tocando [igual 166].
CORTE
103 fusão Bocas da fileira toda que riem 176 Platéia ri.
close-up tomadas de uma só vez em ângulo. CORTE
177 Riso (homem: igual 169)
CORTE
178 Edgard Brasil dorme [igual 173].
CORTE
179 Platéia ri [igual 176].
CORTE
[p. 92]
180 Brutus tocando [igual 166].
CORTE
181 Riso: mulher [igual 171]
Esfrega nariz.
CORTE
182 Riso [homem: igual 168].
CORTE
183 Platéia ri [igual 176].
CORTE
184 Edgard Brasil dorme [igual 173].
CORTE
185 Brutus tocando [igual 166].
CORTE
186 Riso [homem visto de baixo: igual
169].
CORTE
187 Riso [mulher vista de baixo: igual
174].
CORTE
188 Platéia rindo [igual 176].
CORTE
[p. 93]
189 Brutus tocando [igual 166].
CORTE
190 Riso [homem: igual 170].
CORTE
191 Platéia rindo [igual 176].
CORTE
192 Riso [homem: igual 168].
CORTE
193 Edgard Brasil dorme [igual 173].
CORTE
194 Riso [igual 172]
CORTE
195 Platéia ri [igual 176].
CORTE
196 Riso [mulher: igual 174].
CORTE
197 Brutus tocando [igual 166].
CORTE
198 Edgard Brasil dorme [igual 173].
CORTE
[p. 94]
199 Brutus tocando [igual 166].
CORTE
200 Riso [mulher: igual 171].
CORTE
201 Platéia ri [igual 176].
CORTE
202 Mãos de Brutus no teclado [igual
167].
CORTE
203 Riso [mulher: igual 172].
CORTE
204 Mãos de Brutus no teclado [igual
167].
CORTE
104- fusão Porta da casa da mulher 2 – não se vê 205 Porta da casa (LONGO)
shot luz pelas frestas – tempo – máquina Panorâmica para
gira para o lado e A janela
- tempo -
[p. 95]
105-shot Janela de venezianas – não se vê luz
pelas frestas – focaliza longo tempo
FIM DO FLASHBACK
106- fusão Ombro do homem na barca – ouvido 206- fusão Orelha e pescoço de Raul (LONGO)
close-up – e perfil – se percebe ainda que CORTE
embora ouça a história está atento a
outra coisa [...]

Da janela da casa, uma fusão nos leva de volta ao barco. Assim,


o flashback de Taciana, apesar de muito diferente no roteiro, tem todos
os seus elementos: de uma outra forma, com novos elementos, mas o
principal está lá.

O flashback de Raul inicia-se a partir de uma fusão do barco,


com as três personagens, para o mar vazio, e daí, outra fusão, esta para
as mãos dadas de um casal que caminha pelas areias de uma praia.
Assim como Taciana, o “crime” de Raul – adultério -, e a sua história
são iniciadas à beira do mar: a natureza e o homem. No caso de Taciana,
a relação”pura” entre o pescador e o mar. No de Raul, a praia vazia, o
passeio do casal de mãos dadas, deixando as pegadas na areia, até o
banho... Retornamos ao barco e, depois, à natureza e, de novo, para
Raul, que se despede de sua amante, caminha, vai ter com o marido
traído, Mário, no cemitério. Temos então mais uma diferença entre o
roteiro e o filme. No primeiro, Mário teria conversado com a esposa de
Raul. No filme, esta já está morta. O diálogo entre os dois no cemitério se dá
sobre a sua sepultura e, o sabemos porque Mário a aponta enquanto “diz”:
“você vem da casa da mulher que não é sua... supondo que ela seja minha
como esta foi sua”. É importante anotar que, em ambos os casos, no roteiro
e no filme, esta situação é definida pelo uso dos letreiros (intertítulos),
conforme quadro abaixo:
Scenario Mapa
[p. 91] [p. 117]
150- (cont.) o fósforo apaga-se – risca outro e 298 (cont.) Avança
apaga-se também – máquina gira e Até
mostra um muro – homem vai até lá Close. Pára
e risca outro fósforo mas deixa-o cair Sempre
porque foi absorto por alguma coisa Tentando acende-lo.
que viu – máquina gira e mostra a Volta-se.
porta de um cemitério - Câmera abandona-o
Passa por paisagem
Até
Muro – tempo.
Raul entra em quadro,
[p. 118]
298 (cont.) Cruza a objetiva
E sai.
Câmera
Corrige
Enquadramento – tempo.
CORTE
299 Nuvens (LONGO)
CORTE
151- Máquina entra devagarinho pela 300 Raul parado.
following to porta do cemitério a dentro e focaliza Câmera
em long shot um túmulo onde está Avança
sentado um homem Sobre portão:
Atravessa-o e
Mostra cemitério – tempo
[p. 119]
152- fusão Homem sentado no túmulo 301- fusão Mário sentado sobre sepultura
shot
153- fusão Mão do homem tamborilando sobre 302- fusão Mão de Mário com aliança sobre
close-up a pedra e brincando com uma aliança sepultura
(se possível ver-se também a parte do CORTE
epitáfio que diz: falecida)
303 Nuvens (LONGO)
CORTE
INÍCIO DA 6ª PARTE
154- fusão Fora do muro homem que estava 304 Raul parado [no portão do cemitério]
shot como que preso pelo Anda até
Centro do portão – tempo
Câmera
Avança até
Suas costas – tempo.
[p. 95] [p. 120]
154- (cont.) que viu, acorda do estado em que caiu 304 (cont.) Raul
e caminha para a porta do cemitério – Afasta-se,
máquina gira e focaliza-o pelas costas Caminha,
– homem pára – máquina chega até Pára,
focalizar-lhe as costas em close-up – Curva-se.
homem anda e máquina fica – homem Câmera
apanha uma flor do mato que cresce Avança
no chão do cemitério – máquina vai Até
como para focalizar suas costas porém Mão – tempo.
quase vira um pouquinho para o lado e Raul anda.
Câmera segue.
[p. 121]
155- mão do homem e flor 1º plano túmulo 305- fusão Flor: câmera segue (LONGO)
following to e homem sentado ao fundo – homem Câmera pára, Raul
shot anda e máquina também – máquina Afasta-se,
pára -
156- middle Homem que se chega ao túmulo e 305 (cont.) Pára diante da sepultura – tempo.
long shot coloca a flor - Depõe a flor,
Endireita-se.
CORTE
306 Os dois parados.
CORTE
157- fusão De cima do braço da cruz os dois
shot homens – o do barco está com a
cabeça baixa
[p. 97]
157- (cont.) parecendo contemplar a flor que
colocou.
158- fusão Dos quatro cantos do cemitério 307
long shot para o túmulo – vê-se árvores etc. –
mostra que o tempo está como que
à espreita deles – prestes a chover
– (subentendendo como os 2 homens
prestes a se altercarem)
(talvez precisem céu – evitar se
possível)
159- fusão Cabelo do homem do barco (se 308
close-up possível faze-lo oscilar um pouco com
o vento)
160- O rosto do homem ainda olhando 309
following to a flor – levanta o rosto e examina o
close-up homem sentado com um ar de receio
e curiosidade
161- Pés do homem – máquina sobe-lhe 309 (cont.) Pés de Mário.
following to até a cabeça da qual só se vê o cabelo
shot pois está de cabeça baixa
162- Cabelo do homem bem penteado 310
following to demais até – tempo -
close-up
[p. 99]
162- (cont.) homem levanta o rosto encara o 311
homem do barco – vira o rosto
novamente e encara a mão do homem
depois olhar sobe – o rosto do homem
do barco – expressão de ironia –
esboça um sorriso forçado
163- Rosto do homem do barco que sente- 311 (cont.) Para Raul. Câmera desce
following to se sem jeito e baixa os olhos e desvia
close-up um pouco a cabeça
164- O chão junto ao túmulo que ele olhou 311 (cont.) Pés: próximo, um sapo.
following to e um sapo
shot
165- Homem do barco enojado que vira-se 311 (cont.) Até rosto, nojo.
following to para ir embora Raul
shot Volta-se
166- O paletó dele retido pela mão do 311 (cont.) Para sair.
following to outro - Mão de Mário o retém.
shot
167- A mesma cena – tempo – mão do
following to homem
close-up
[p. 101]
167- (cont.) larga e homem do barco vira-se 311 (cont.) Mão solta-o
Raul
Volta-se
CORTE
168- O homem do túmulo que por gestos 312 [Mais distante] Raul voltando-se.
following to pede-lhe fogo para o cigarro – ao Pára. Gesto de Mário pedindo fogo.
shot mesmo tempo põe a mão no bolso Raul lança o chapéu sobre túmulo
para tirar um
[p. 125]
312 (cont.) Olham-se
CORTE
169- O rosto do homem do barco – 313 Raul
following to desconfiança – máquina desce e Tira do bolso
shot mostra mão dele que tira lentamente Cigarro
um cigarro – põe na boca, tira fósforos Bate-o,
e acende o seu cigarro e curva-se Leva-o à boca
imediatamente o homem do túmulo Procura fósforos,
que tira do bolso uma piteira e põe Acha-os,
na boca Acende um,
Leva-o ao cigarro
Guarda a caixa.
[p. 126]
313 (cont.) Leva mão ao cigarro. Vai-se
Abaixando
Até perto de Mário.
CORTE
170- Lábio do homem e piteira só – 314 Mário com piteira vazia.
following to máquina gira para o lado e mostra em Raul aproxima-se, Mário afasta-se,
close-up close-up também os lábios
[p. 103]
170- (cont.) do outro ainda encurvado para dar 314 (cont.) Desaparece,
fogo e o seu cigarro - Estranhez de Raul.
CORTE
171- Homem do barco põe-se direito 315 Raul parado,
following to novamente desconcertado - Ergue-se,
shot Tira o cigarro da boca,
Atira-o ao chão,
Fica olhando Mário.
CORTE
[p. 127]
172- Pelas costas do homem do barco 316 Mário, cabeça baixa (LONGO).
following to de cima do ombro – vê-se o rosto Ergue cabeça: desprezo e ódio.
shot do homem do túmulo que guardou Desvia o olhar.
a piteira e encara-o com escárnio – Volta a olhar Raul,
levanta-se e fala-lhe acabrunhado Novamente desvia a cabeça.
Ergue-se,
Sempre de cabeça virada
Olha Raul e fala
CORTE
173- 2º ENQUANTO O SENHOR FAZIA 317- VOCÊ VEM DA CASA DA MULHER
letreiro14 COMPANHIA A MINHA MULHER letreiro QUE NÃO É SUA
EU FAZIA O MESMO A SUA CORTE
174 Homem mostra o túmulo 318 Mário continua falando.
[p. 128]
318 (cont.) Volta-se e aponta.
CORTE
319 Mão entra, dedo aponta
Câmera vai para a terra.
CORTE
320 Mário voltado, apontando.
Olha Raul e fala:
CORTE
175 E FOI BOM – ME ACONSELHOU –
PELO MENOS
[p. 105]
175- (cont.) UM DEVER DE LEALDADE – O 321- SUPONDO QUE ELLA SEJA MINHA
SENHOR TALVEZ NÃO SAIBA letreiro COMO ESTA FOI SUA
MAS: CORTE
176 Homem do túmulo encara o outro e 322 Mário falando,
muda de fisionomia – fala tudo isso Baixa cabeça:
máquina na mesma posição Expressão violenta.
Avança para câmera.
[p. 129]
322 (cont.)- [Para o mesmo quadro, Mário] fala.
fusão CORTE
177 MINHA MULHER É LEPROSA - 323 E SE EU LHE DISSER QUE ÉLLA É
MORPHÉTICA?...
CORTE
324 Mário falando, violento.
VOLTA AO BARCO

VI

Por fim, cabe comentar que dos três, Olga é a única cujo
crime que a levou àquela situação de desespero não é revelado.
Tanto Taciana, quanto Raul, cometeram crimes de adultério: ela,
casada, teve um amante; e ele foi o amante de uma mulher casada.
Olga, no entanto, fugiu da prisão e, diferentemente dos outros,
parece não ser levada à situação extrema no barco, por princípios
morais (ou de culpa).
A partir deste breve estudo das três história contadas em
flashback, podemos constatar que a maioria dos elementos presentes
no filme já estavam previstos no roteiro; e verificar que as opções
do diretor, durante as filmagens, de manter ou alterar os pontos
de vista previstos, por exemplo, no plano 33 (do roteiro), que, no
filme, mostra os pés de Olga deixando a prisão, como no roteiro, e a
sua fuga (plano 39 do mapa), denotam outra interpretação do texto;
algumas vezes do diretor ir muito além do roteiro, como ocorre
nos planos 40 a 45 do mapa, nos quais a fuga de Olga é acrescida
de diversos elementos. Na verdade, aqui, a “arrancada da mulher”
em fuga prevista no roteiro é enriquecida por diversos elementos
lineares que tendem ao infinito e outros que dramatizam a sua
solidão e o sucesso da empreitada, acentuada pela longa duração da
caminhada de Olga pela estrada, rumo ao infinito. Também no plano
35 do roteiro, onde lemos apenas “roda de trem”, no filme, temos
“roda [de trem] parada – começa a andar / Passa pela / Câmera /
Entra outra roda, / Passa. / Roda / Girando / Com / Velocidade”.
Assim, neste flashback, cabe comentar que a idéia de fuga
é mantida, mas no filme é acrescentada a idéia de infinito. A idéia
de distância presente na roda de trem é mantida, mas é acrescentado
o movimentos. A idéia de construção de uma outra vida é mantida,
mas é acrescentado o abatimento, e assim por diante . Vemos, então,
como, neste flashback, as idéias contidas no roteiro manuscrito de
Mário Peixoto estão presentes no filme, mas aqui, elas aparecem
mais detalhadas, mais ricas, foram transformadas, enfim, em
cinema.
Notas bibliográficas:
1- Cavadores são aqueles que arranjam colocações, negócios, etc., até
por meios ilícitos, ou que, mesmo sem aquela competência específica, se
aventuram a dadas realizações.
2- Sobre a idealização e realização de Limite, ver Mello, 1978, 1996a e b.
Cabe destacar que muito pouco se escreveu sobre Limite. Os principais textos
foram escritos por Mello (1978), o texto de introdução ao que ele chamou de
Mapa, e que é constituído pela reprodução dos fotogramas do filme, desde os
letreiros iniciais até o fade final; o seu pequeno livro em que pretende mostrar
ao mundo o valor do filme (Mello, 1996); e os textos de Farias, um que ele
apresentou o filme em 1931 e, praticamente o mesmo, em que ele prefacia o
Mapa de Limite (Mello, 1978).
3- Podemos constatar as preocupações de Eisenstein já no seu texto Palavra e
imagem (1990, p. 13-47).
4- No mapa e nos textos, Mello concebe a seguinte divisão do filme: prólogo,
oito partes da diegese e epílogo.
5- Todos os trechos grifados sem referência são tomados do Mapa, em Mello
(1978).
6- Neste quadro, mantivemos os cortes de linhas da publicação.
7- No mapa, estes comentário sobre a duração dos planos aparecem como
estão aqui, entre parênteses.
8- Os nossos comentários aparecem entre colchetes.
9- A seqüência 43 dp scenário, que diz: rua – movimento, foi deslocada para
este ponto, na montagem.
10- Mello, no mapa, anota que “Raul permanece ouvindo” (p. 66), o que parece-
nos uma inferência sem um motivo que a justifique.
11- Como não reproduzimos os quadros comparativos com os flaskbacks de
Taciana e de Raul, que são extensos, as referências se remetem diretamente ao
mapa (Mello, 1978).
12- Aqui temos um elemento diferente do roteiro manuscrito, uma página,
também manuscrita, intercalada, o que demonstra que Mário Peixoto reviu e
acrescentou elementos no seu texto.
13- Aqui surge, de novo, a sensação de infinito: com a câmera baixa, vemos
um poste que aponta para o infinito do céu, entre um homem e Taciana. Esta
seqüência, mesmo que sintética no scenário, está toda no filme.
14- Segundo nota de Mello, “não há 1º letreiro, provavelmente por esquecimento
de Mário Peixoto” (1996, p. 103).
8- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CRUZ, Jorge. Roteiro: obra invisível. Concinnitas. Revista do Instituto de
Artes/Uerj, Rio de Janeiro, ano 4, n. 4, p. 136-157, mar 2003.
EISENSTEIN, Serguei. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
GRILO, João Mário Lourenço Bagão. A ordem no cinema: vozes e palavras
de ordem no estabelecimento do cinema em Hollywood. Lisboa: Universidade
Nova de Lisboa, Faculdade de ciências Sociais e Humanas, Departamento de
Comunicação Social, 1993. Tese de doutoramento. Mimeo.
MELLO, Saulo Pereira de. Introdução. In: PEIXOTO, Mário. Escritos sobre
cinema. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000a. p. 11-44.
------. Sobre os escritos. In: PEIXOTO, Mário. Escritos sobre cinema. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2000a. p. 95-206.
------. Limite. Rio de Janeiro: Rocco, 1996a.
------. Introdução. In: PEIXOTO, Mário. Limite: “scenario” original. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1996b. p. 11-16.
------. Sobre o “scenario” de Limite. In: PEIXOTO, Mário. Limite: “scenario”
original. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996c. p. 17-25.
------. Introdução. In: PEIXOTO, Mário. Limite (fotogramas do filme Limite).
Rio de Janeiro: Funarte, 1978.
PEIXOTO, Mário. Escritos sobre cinema. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000a.
------. Limite (fotogramas do filme). Rio de Janeiro: Funarte, 1978.
------. Limite: “scenario” original. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996.

Jorge Luiz Cruz

Graduado em Educação Artística História da Arte pela Universidade do Estado


do Rio de Janeiro/Uerj (1983), é mestre em Comunicação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (1990) e doutor em Comunicação e Semiótica
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Puc-SP (2002). Atualmente
é professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem
experiência na área de Artes, em artes plásticas e cinema/vídeo, com ênfase
em Roteiro e Direção Cinematográficos, atuando principalmente nos seguintes
temas: cinema, comunicação, artes, artes plásticas e roteiro cinematográfico.

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