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SANCHES, M. A. (Org.) Congresso de Teologia da PUCPR, 9., 2009, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2009.

Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/congressoteologia/2009/

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GENEALOGIA DO TRABALHO RELIGIOSO:


ESTUDOS PRELIMINARES

Leandro Inácio Leite1

PRELIMINARES

Este artigo pretende analisar textos doutrinários e manifestações dos órgãos colegiados
da Justiça do Trabalho sobre a relação entre trabalhadores religiosos e as instituições
religiosas para as quais prestavam serviços.
Dessa análise busca-se evidenciar as tendências legislativas e doutrinárias majoritárias
no transcorrer do período republicano estudado. O corte epistemológico é realizado na análise
prioritária das reclamatórias trabalhistas propostas por trabalhadores pertencentes a
denominações não católicas, e dentre estas, principalmente, as denominações evangélicas
neopentecostais.
Para este artigo, irrelevante a nomenclatura eclesiástica atribuída ao trabalhador
religioso, conceituando-se este como aquele que está à frente da denominação que representa,
ou, aquele que tem como única fonte de sustento pessoal e familiar o que recebe da
instituição religiosa que representa.
Uma abordagem genealógica sobre os textos legais mostra-se adequada, pois a análise
genealógica proposta tem como vantagem a percepção de que o fenômeno que se pretende
analisar não aparece em um momento mágico na história; ao contrário, o pensar sobre o fato
social da maneira como ele é concebido hoje é o mesmo que observar um rio que, ao
percorrer a História, recebe água dos mais variados afluentes ideológicos.
A pesquisa genealógica, como nos diz Foucault (1979), antes de se prestar para indicar
a origem dos fatos, apresenta as circunstâncias que propiciaram não o surgimento, mas a
eclosão de um modus. Este agir já se fazia presente mesmo antes de ser constatado. Todavia, é
a eclosão, o tornar-se generalizado ou útil para o contexto analisado, que permite à pesquisa
genealógica demarcar o seu instante inicial de estudo.
Para a análise genealógica dos julgamentos de reclamatórias trabalhistas entre o
trabalhador religioso e a denominação a que está ligado observa-se que é relevante
compreender o modo como se constituiu o seguimento evangélico no Brasil, mais

1
Bacharel em Direito. Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Teologia da PUCPR.
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propriamente, a chegada dos primeiros grupos evangélicos no país, retrocedendo-se no tempo


até pouco antes da Proclamação da República.

PRIMEIROS GRUPOS EVANGÉLICOS

Rubens Alves (1981, p. 129) indica a chegada dos primeiros grupos protestantes no
início do século XIX. Esses grupos evangélicos iniciais pensavam a religião trazida como
integrante exclusivamente de sua cultura, não pretendendo nem integrá-la nem deixar-se
mesclar pela cultura religiosa existente no Brasil, a qual era quase totalitariamente católica.
É com a chegada dos grupos evangélicos vindos dos Estados Unidos da América do
Norte que aporta no Brasil um protestantismo missionário proselitista caracterizado pela
conceituação do Catolicismo como “paganismo mascarado” (ALVES, 1981, p. 131). A
contrapartida católica em defender-se através de perseguições aos protestantes que se
estabelecem no Brasil influencia na demarcação dessa divisão entre protestantes e católicos
(ALVES, 1981, p. 131).
Desse embate entre católicos e protestantes, Rubens Alves apresenta-nos dois fatos
relevantes para este estudo: primeiro, que o pensamento católico era inquestionável nas
instituições civis brasileiras; segundo, que com a chegada do protestantismo missionário, o
embate fez com que este se aliasse àquilo que poderia abrir-lhe caminho; alianças essas que
contrastavam com o pensamento dominante e culminaram por influenciar o próprio
protestantismo:

Protestantismo, religião de estrangeiros e brasileiros marginalizados, acuados pela


intolerância católica, em busca de um lugar ao sol e de ar para respirar, é
compreensível que ele tenha pesado e medido suas palavras, aplaudindo com
entusiasmo a causa Republicana, a separação da Igreja e do Estado, bem como todas
as iniciativas semelhantes de se diminuir o poder do Catolicismo que o ameaçava,
sem entretanto voar mais alto. (ALVES, 1981, p. 129)

Instituída por um positivismo que se pensava separado de instituições religiosas, a


República deve, agora, legislar tanto para o grupo católico majoritário quanto para os aliados
republicanos protestantes.
A pretensão da República em separar o Estado da Igreja, o estabelecimento no Brasil
dos protestantes aliados à causa republicana e o embate entre protestantes e católicos são três
conjunturas sociais existentes à época que influenciaram no processo legislativo sobre o
arcabouço legal que fundamentará as decisões judiciais sobre o vínculo de emprego do
147

trabalhador religioso.

GENEALOGIA LEGISLATIVA

A Lei, uma vez publicada, deve atingir a todos que sob sua jurisdição se encontram.
Não pode ser analisada a priori com as suposições que constituem cada cidadão
individualmente. Todavia, embora o romantismo jurisdicional tenda a idealizar a formação da
Lei fora de seu contexto social para depois aplicá-la, é inegável que tanto legisladores quanto
julgadores possuem posicionamentos pessoais que abarcam uma ideologia sobre a qual
firmarão seus posicionamentos.
Embora o tempo se encarregue de apresentar novas interpretações ao texto legal que
permitem maior amplitude social à letra da lei, essas posições ideológicas da Lei não ficam
desapercebidas ao se observar o contexto social que antecede ou segue ao texto legal.
O Pe. Eugênio Carlos Callioli, Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia
Universidade da Santa Cruz em Roma, apresenta, no decorrer da evolução legislativa
nacional, duas tendências em relação à postura do Estado em face do “fator religioso”
(CALLIOLI, 2002, p. 9):
a) Aconfessionalidade: período entre a Proclamação da República e a Constituição de
1934, no qual a produção legislativa tende a laicização, o que, todavia, flexibiliza-se pouco a
pouco;
b) Reaproximação: período iniciado com a Constituição de 1934 até o presente. A
legislação permite o desenvolvimento das entidades religiosas. O Estado tende, agora, a
aproximar-se das entidades religiosas visando uma cooperação quando os interesses de ambos
coincidam.
Sobre estas tendências deve-se sempre ter em mente a existência de dois grandes
campos religiosos da incidência legislativa: o católico e o protestante.
Ainda sobre o ordenamento legislativo brasileiro e a sua relação com a religião,
Callioli ressalta a umbilicalidade existente entre a Igreja Católica e o Império, sendo a Igreja
tida, à época, como um “departamento ordinário do governo” (CALLIOLI, 2002, p. 10).
Compreender a Igreja como mero “departamento do governo” ressalta tanto a união
Estado/ Igreja quanto a ingerência daquele nesta por uso dos direitos do padroado (MATOS,
2009).
Entre a Constituição do Império e a Proclamação da República (1824-1889) o Brasil
sentia os ventos de movimentos europeus como o “iluminismo, a maçonaria, o liberalismo
148

político e os ideais democráticos americanos e franceses” (MATOS, 2009), o que conduziria o


Estado à abertura para religiões não-católicas.
Todavia, Pio IX, no intento de aumentar a autonomia da Igreja Brasileira, ataca a
maçonaria (Encíclica Quanta cura e seu Sílabo de Erros) e desencadeia a “Questão
Religiosa” (1872-75), o que conflita com interesses dos estadistas nacionais (simpatizantes
das novidades européias e, muitos deles, maçons), enfraquece o Império, e, indiretamente,
auxilia na liberdade religiosa no país, que, no caso dos protestantes, desde o início do séc.
XIX, almejavam esse objetivo (MATOS, 2009).
Em contraposição aos documentos legislativos do Império, a Proclamação da
República trouxe uma ideia claramente antireligiosa para fundamentar a separação entre
Estado e Igreja.
A Constituição do Império de 1824 ressaltava, conforme já afirmado, essa
umbilicalidade Estado/Igreja em dispositivo que indica expressamente a Religião Católica
Apostólica Romana como „Religião do Império‟, impedindo, inclusive, em outro artigo, a
eleição dos que não professassem a Religião do Estado:

Art. 5.º – A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do


Império. Tôdas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou
particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.
(BARRETO, 1971, p. 05).2
Art. 95 – Todos os que podem ser eleitores são hábeis para serem nomeados
deputados. Exceptuam-se:
3.º) Os que não professarem a religião do Estado. (BARRETO, 1971, p. 23)

Por fim, havia artigos (art. 103, 106, 141) que dispunham que o Imperador e outros
agentes políticos deviam se comprometer a manter a Religião Católica Apostólica Romana:

Art. 103 – O Imperador, antes do ser aclamado, prestará nas mãos do presidente do
Senado, reunidas as duas câmaras, o seguinte juramento: “Juro manter a religião
católica apostólica romana, a integridade, e indivisibilidade do Império, observar e
fazer observar a Constituição política da nação brasileira e mais leis do Império, e
prover ao bem geral do Brasil, quanto em mim couber”.
(BARRETO, 1971, p. 27/28).

Apesar de manter-se ligada à Religião Católica, a Constituição do Império, garantindo


a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, não impedia a
existência de outros grupos religiosos, porém limitava a atuação deste (art. 5º; art. 179, 5.º):

2
A grafia dos textos das Constituições do Brasil citadas foi mantida em conformidade com a obra indicada.
149

Art. 179 – 5.º) Ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que
respeite a do Estado, e não ofenda a moral pública. (BARRETO, 1971, p. 42).

A primeira Constituição Republicana, em 1891, extingue qualquer vinculação explícita


do Estado com grupos religiosos, apresentando essa posição nos arts. 11 e 72:

Art. 11 - É vedado aos Estados, como à União:


2 .º) Estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos têrmos seguintes:
§ 3º) Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente
o seu culto, associando-se para êsse fim e adquirindo bens, observadas as
disposições do direito comum.
§ 6.º) Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7.º) Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de
dependência ou aliança com o govêrno da União, ou dos Estados.
§ 28) Por motivo de crença ou de função religiosa, nenhum cidadão brasileiro
poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nem eximir-se do cumprimento
de qualquer dever cívico. (BARRETO, 1971, p. 110, 137, 139, 140)
As Constituições Republicanas posteriores trataram do tema quase que repetindo os
artigos existentes na que a antecedia. Reforçavam postura de separação, mas explicitavam,
cada vez mais, o ideal de cooperação que se tem atualmente. Abaixo, observam-se os textos
constitucionais:

CF/1934 – Art. 17 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos


Municípios:
II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem
prejuízo da colaboração recíproca em prol do interêsse coletivo;
(BARRETO, 1971, p. 254).

CF/1937 – Art. 32 – É vedado à União, aos Estados e aos Municípios:


b) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;
(BARRETO, 1971, p. 443).

CF/1946 – Art. 31 – À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é


vedado:
II - estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício;
(BARRETO, 1971, p. 18).

CF/1967 – Art 9º - À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é


vedado:
II - estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvencioná-los; embaraçar-lhes o
exercício; ou manter com êles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada a colaboração de interêsse público, notadamente nos setores
150

educacional, assistencial e hospitalar; (BARRETO, 1971, p. 348).

CF/1969 – Art. 9º - À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é


vedado:
II - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
exercício ou manter com êles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada a colaboração de interêsse público, na forma e nos limites da lei
federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar; e
(BARRETO, 1971, p. 727).

Como observado, apesar da separação Estado/Igreja iniciada com a República, esta


separação não teve contornos de opressão, permitindo, gradativamente, o estabelecimento de
uma igualdade de tratamento jurídico entre a Igreja Católica e demais denominações
religiosas, o que, atualmente, mesmo com a manutenção da laicidade do Estado, não impede
nem a cooperação entre Estado e Igreja nem a liberdade religiosa das instituições.
No que diz respeito à relação Estado/Igreja, Callioli (2002, p. 11-24) ressalta alguns
Princípios Informadores do Ordenamento Jurídico Atual, dentre os quais:
a) Princípio da Autonomia: O art. 19 da Carta Constitucional de 1988 afirma a
laicidade do Estado, todavia, não o coloca contrário à atividade religiosa, mas autoriza-a e não
exclui colaboração entre Estado e Igreja:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
b) Princípio da Cooperação: Indica que tanto Estado quanto Igreja interessam-se pelo
Ser Humano, e, embora a esfera de atuação de cada um possa ser peculiar, o cuidado do Ser
Humano não prescinde a nenhum dos dois. Os textos dos quais este princípio pode ser
depreendido são o art. 19 da Constituição Federal e o art. 5º, VI:

Art. 5º - VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o


livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias;

c) Princípio da Liberdade Religiosa: Reconhecido em diversos documentos


internacionais (como, por exemplo: a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem; a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou Pacto de São José da Costa Rica). No
Brasil, o art. 5º, VI, bem como o art. 19, ambos da Constituição Federal de 1988, descrevem
151

esse princípio. A liberdade religiosa engloba a dignidade da pessoa humana e a Constituição


de 1988 chega a reconhecer esse direito como “um direito inato e anterior à lei”, conforme art.
5º, caput:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

Os três princípios acima descritos podem ser depreendidos da Carta Constitucional de


1988, e, com maior ou menor semelhança, das demais Constituições Republicanas, ficando a
abrangência dos textos legais condicionada apenas à interpretação da Lei pelo Judiciário.
Em relação a dispositivos legais pertinentes à questão trabalhista, no que se refere ao
tema do trabalho religioso, nada surge no início do período republicano.
Nos primeiros anos da República, várias foram as conquistas sociais da classe
trabalhadora, lutas estas que conduziram a uma evolução legislativa, conforme apresentado
por Amauri Mascaro Nascimento (1987). É com a compilação e aprimoramento das normas
esparsas trabalhistas existentes até a década de 1940 que a relação de emprego passa a ser
gerida pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
A CLT, por sua vez, não menciona nada em especial sobre o vínculo de emprego entre
os trabalhadores religiosos e as instituições a que estão ligados, limitando-se as discussões
sobre esse tema, a partir de então, àquilo que se entende por Empregador e Empregado:

Empregador – CLT - Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou


coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige
a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de
emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações
recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores
como empregados.
Empregado – CLT - Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que
prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e
mediante salário.

Da definição descrita na CLT para Empregador e Empregado, o trabalhador religioso


somente seria considerado empregado da instituição religiosa à qual estava ligado se sua
relação jurídica fosse enquadrada na definição legal de empregado.
Até o momento, inexiste norma expressa proibindo a caracterização do trabalhador
religioso como empregado celetista. Entretanto, doutrinadores e o Judiciário convencionaram
152

(como pode ser observado pela jurisprudência majoritária) que o trabalhador religioso não
possui vínculo empregatício com a instituição a que esteja ligado.
Ressalva deve ser feita, na questão legislativa, ao recente e ainda não internalizado
Acordo entre Brasil e Santa Sé (BALDISSERI, 2009), que trata dos trabalhadores religiosos
católicos e será posteriormente mencionado neste artigo como paradigma da compreensão
jurídica da mudança de concepção da religiosidade pós-moderna.

GENEALOGIA DOUTRINÁRIA

Primeiramente, importa conhecer o posicionamento doutrinário majoritário na


atualidade sobre o tema proposto (vínculo de emprego do trabalhador religioso), e,
posteriormente, retroceder até o mais próximo da Proclamação da República para vislumbrar
se é possível identificar nuances de mudança nesse período.
A título de conhecimento ressalta-se que a doutrina comumente excetua a relação entre
trabalhador religioso e instituição religiosa no que diz respeito ao exercício de atividades de
natureza não espirituais ou vocacionais, sendo exemplos dessas atividades o ministrar aulas
em estabelecimento de ensino não ligado à instituição religiosa da qual o trabalhador religioso
faz parte. Nestes casos, o vínculo de emprego tem sido considerado existente.
Todavia, o foco do presente artigo é exatamente a verificação dos posicionamentos
jurisdicionais nas relações de trabalho em que o trabalhador religioso atua em atividades
entendidas como sendo de natureza espiritual ou vocacional, diretamente ligadas à instituição
religiosa da qual é integrante. Nesses casos, a doutrina majoritária atual compreende pela
impossibilidade de caracterização do vínculo de emprego de religioso.
Alice Monteiro de Barros (2005) comunga do entendimento doutrinário majoritário,
podendo seu posicionamento ser sintetizado na afirmação de que “em se tratando de trabalho
de natureza espiritual e vocacional, com a finalidade de propagar a fé, ele não se situa dentro
dos limites fixados pelos art. 3º e 442 da CLT” (BARROS, 2005, p. 448).
Nascimento mantém a mesma posição de Barros, seja na 14ª edição de seu livro
(NASCIMENTO, 1997, p. 410), seja na sua 5ª edição (NASCIMENTO, 1987, p. 336-337), da
qual é possível transcrever a afirmativa de que:

O trabalho religioso não configura um contrato de emprego. Tal se dá porque o


trabalho religioso não é considerado profissional, no sentido técnico do termo. Os
seus propósitos são ideais, o exercício de uma vocação. O fim a que se destina é de
ordem espiritual não profissional. A atividade religiosa é desenvolvida
desinteressadamente e não como meio de obtenção de utilidades econômicas. Paul
153

Durand salienta que o trabalho dos religiosos para as suas ordens não visa a
obtenção de um salário. A retribuição que recebem os clérigos por tais serviços não
tem natureza salarial. A atividade ou trabalho é simplesmente o acessório, cujo
principal é o “aperfeiçoamento moral ou a prática de caridade para com o próximo.
(NASCIMENTO, 1987, p. 336-337).

Negam, também, a existência de vínculo de emprego entre trabalhador religioso e a


instituição a que ele está filiado, entre outros doutrinadores atuais: Délio Maranhão
(SÜSSENKIND, 2000, p. 326) e Ives Gandra da Silva Martins Filho (MARTINS
FILHO, 2002, p. 39-40).
Em textos mais antigos é possível, igualmente, observar que a posição atual da
doutrina não sofreu alterações no passar dos anos.
Nascimento cita jurista argentino que, em 1968 já afirmava que “os serviços que
prestam os trabalhadores nos templos e outros lugares destinados ao culto não oferecem
caráter laboral, pela ausência de lucro próprio das atividades religiosas, de finalidade
altruística, benéfica e inclusive ultraterrena” (NASCIMENTO, 1987, p. 337).
Barros apresenta posicionamentos doutrinários mais antigos, porém não contraditórios
à doutrina majoritária atual. Primeiramente, cita Célio Goyatá que, em artigo escrito em 1953,
afirma que o trabalhador religioso ligado à instituição religiosa por votos não é considerado
empregado (BARROS, 2005, p. 446).
Ainda segundo Barros, em texto de 1958, J. Antero de Carvalho, citando Dorval de
Lacerda, propõe que o trabalhador religioso seja classificado como autônomo por não poder
se verificar em sua relação com a instituição a qual está ligado os “requisitos próprios do
contrato de trabalho” (BARROS, 2005, p. 448)
Pelo exposto, observa-se que, pelo menos desde o início da vigência da CLT, a
doutrina majoritária entendia por inexistente o vínculo de emprego entre o trabalhador
religioso e a instituição a qual este estava ligado por votos.

GENEALOGIA JURISPRUDENCIAL

Igualmente ao método utilizado em relação à legislação e à doutrina, convém


retroceder no tempo para verificar as mudanças nos posicionamentos dos tribunais superiores
sobre a existência da relação de emprego entre as instituições religiosas e o trabalhador
religioso.
Elencam-se decisões de órgãos colegiados para ilustrar que não houve mudanças
154

significativas no posicionamento jurisprudencial sobre a inexistência de vínculo de emprego


entre trabalhador religioso e a instituição religiosa que o acolhe.
Em 1955 já era possível observar julgado do Tribunal Superior do Trabalho (TST –
Processo n.º 7.963/55; Relator Min. Carvalho Júnior) negando a existência de vínculo de
emprego entre uma igreja e um colportor, elencando entre as razões da decisão que:

As obrigações assumidas pelo colportor resultam do chamado de uma vocação


religiosa, do apelo que sente em sua alma para dedicar-se a uma nobre missão
espiritual. E é nesse sentido místico que assume o encargo, sem outro objetivo senão
o de servir à sua religião (BARROS, 2005, p. 450).

Em 1962 o posicionamento dos Tribunais Regionais mantinha-se semelhante, como


pode ser observado pelo julgado abaixo:

as normas que disciplinam as relações entre o pastor, o templo e seus fiéis têm sua
fonte de inspiração no Poder Espiritual. O pastor protestante, a exemplo do padre da
Igreja Católica Romana, sem atividade leiga, vive de espórtulas tiradas das
prebendas, donativos dos crentes. Confundir espórtulas com salários,
contraprestação de serviço, importa em deformação da crença religiosa, em farsa de
princípios, no reconhecimento de trabalho mercenário. O pastor é carente de ação no
foro trabalhista pela inexistência de relação empregatícia. (Ac. 687/62, TRT, 1ª Reg.,
LTr., 30:184). (NASCIMENTO, 1987, p. 338).

Mesmo após a Constituição de 1988, a jurisprudência atual mantém entendimento pela


inexistência do vínculo empregatício do trabalhador religioso, como demonstram os julgados
elencados por Barros (2005, p. 439-446) e por Martins Filho (2002, p. 46) dentre os quais
serve de exemplo decisão do TST abaixo relacionada:

RELAÇÃO DE EMPREGO – TRABALHO RELIGIOSO – PASTOR. Inexiste


contrato de trabalho entre um pastor e sua igreja. Apesar da atividade intelectual e
física, o traço de união é a fé religiosa, decorrente da vocação, sem a conotação
material que envolve trabalhador comum (TST, 1ª Turma, RR 104323/94, Re. Min.
Ursulino Santos, Acórdão n. 4842/94, in DJ 25.11.94).

MUDANÇAS DE PARADIGMA

Uma nova compreensão do trabalho religioso começa a ser vislumbrada tanto pelo
Judiciário quanto pela doutrina. Essa mudança de posicionamento, todavia, não se pauta em
nova perspectiva sobre o trabalhador religioso, mas no desvirtuamento das instituições
religiosas, situação que ganha maior relevância nas denominações evangélicas
neopentecostais.
Esse desvirtuamento se caracteriza pela compreensão de que o objetivo de certas
155

instituições religiosas não fica restrito à propagação da fé, mas visa contraprestações
financeiras na prestação de seus serviços religiosos (ROSSI, 2008, p. 108-116).
Embora o fenômeno neopentecostal tenha surgido no Brasil com maior amplitude na
década de 1970, com o surgimento da terceira onda (ROSSI, 2008, p. 108-116), a
compreensão desse desvirtuamento pelo judiciário é mais recente.
Rodrigo Carelli (2004, p. 85) elenca acórdão do TST que, apesar de entender o vínculo
inexistente, vislumbra a possibilidade deste em caso de desvirtuamento da instituição
religiosa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - PASTOR EVANGÉLICO - RELAÇÃO DE


EMPREGO - NÃO-CONFIGURAÇÃO - REEXAME DE PROVA VEDADO PELA
SÚMULA Nº 126 DO TST. O vínculo que une o pastor à sua igreja é de natureza
religiosa e vocacional, relacionado à resposta a uma chamada interior e não ao
intuito de percepção de remuneração terrena. A subordinação existente é de índole
eclesiástica, e não empregatícia, e a retribuição percebida diz respeito
exclusivamente ao necessário para a manutenção do religioso. Apenas no caso de
desvirtuamento da própria instituição religiosa, buscando lucrar com a palavra de
Deus, é que se poderia enquadrar a igreja evangélica como empresa e o pastor como
empregado. No entanto, somente mediante o reexame da prova poder-se-ia concluir
nesse sentido, o que não se admite em recurso de revista, a teor da Súmula nº 126 do
TST, pois as premissas fáticas assentadas pelo TRT foram de que o Reclamante
ingressou na Reclamada apenas visando a ganhar almas para Deus e não se discutiu
a natureza espiritual ou mercantil da Reclamada. Agravo desprovido. (4ª Turma,
Min. Ives Gandra Martins Filho, TST: AIRR – 3652/2002-900-05-00; Publicado no
DJ 09/05/03).

Sobre a percepção do desvirtuamento é importante ressaltar o recente Acordo entre


Brasil e a Santa Sé no qual as Altas Partes mencionam a inexistência de vínculo de emprego
entre trabalhador religioso católico e a Santa Sé, todavia, ressalvando hipótese de
desvirtuamento:

Artigo 16 - I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante


votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e
portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si
mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da
instituição eclesiástica. (BRASIL, MRE).

Pendente de internalização, a menção a desvirtuamento da instituição no Acordo


demonstra a plausibilidade dessa ocorrência, sendo, talvez, o primeiro texto legal explícito em
indicar tanto o desvirtuamento quanto em afirmar a inexistência de vínculo empregatício entre
o trabalhador religioso e a instituição religiosa.
156

CONCLUSÕES PRELIMINARES

A perspectiva genealógica proposta neste artigo releva pontos cruciais para a


percepção do objeto de estudo deste artigo, qual seja, a compreensão pelo judiciário sobre a
inexistência de vínculo de emprego entre trabalhador religioso e instituição religiosa.
Primeiramente, pelo estudo genealógico do tema proposto é possível observar que o
questionamento judicial sobre a existência de vínculo de emprego entre trabalhadores
religiosos e instituições religiosas, mesmo não estando volumosamente sempre presente no
judiciário, não pode ser admitido como um fenômeno recente.
Segundo, inegável as mudanças que ocorreram na compreensão da religiosidade pós-
moderna. Após essa nova compreensão de religiosidade, o Judiciário, com respostas pautadas
em pressupostos ideológicos não tão generalizáveis hodiernamente faz com que a “justiça”
proposta pelos julgadores produza a injustiça que se pretende evitar.
Terceiro, o recente aumento no número de reclamações trabalhistas nos tribunais
trabalhistas indica, ao menos, a necessidade de se verificar quais os afluentes sociais que
propiciaram esse acréscimo.
Entre a chegada dos primeiros grupos evangélicos ao país, o início da República com a
separação oficial entre Estado/Igreja e o atual arcabouço legislativo com a recente assinatura
de Acordo entre Brasil e Santa Sé, observa-se, pelo breve estudo genealógico empreendido,
que nem a legislação nem a jurisprudência nem a doutrina sofreram mudanças significativas
desde a época da Proclamação da República até o presente.
Mesmo após as mudanças de interpretação comumente trazidas por novas
Constituições, tanto doutrina como jurisprudência mantiveram-se inalteradas, cooperando
para que não se configurasse a relação de emprego entre a instituição religiosa e o trabalhador
religioso.
O recente surgimento da hipótese de desvirtuamento da instituição religiosa (quando
ocorre alteração de objetivos da instituição, a qual, principalmente, passa a visar lucro em sua
atuação) demonstra o vislumbre, pelo Judiciário, de que mudanças ocorreram no campo
religioso.
Fenômeno religioso sobre o qual paira certa bruma de inacessibilidade (em parte
devido ao consagrado Princípio de Separação Estado/Igreja), o Judiciário mantém-se
cauteloso na análise e assimilação desse desvirtuamento, continuando a compreender o
trabalhador religioso sem as atuais perspetivas monetarizantes da religiosidade pós-moderna.
É, porém, necessário, para enfrentar esse novo modelo de religiosidade, que o
157

Judiciário o compreenda e julgue os processos envolvendo o trabalhador religioso


considerando essas novas concepções que já estão internalizadas tanto nas instituições
religiosas quanto nos trabalhadores religiosos e demais fiéis. Tais julgamentos, todavia, ainda
são incipientes pelo que se constata da jurisprudência pátria.
A tendência dos julgamentos de reclamatórias trabalhistas envolvendo trabalhadores
religiosos que tinham negado o vínculo empregatício com a instituição religiosa à qual
estavam ligados pode ser alterada através de melhor compreensão sobre o desvirtuamento da
instituição religiosa, o que, através da análise genealógica da legislação, doutrina e
jurisprudência, evidencia-se pela monetarização religiosa cujas raízes podem ser observadas
na religiosidade neopentecostal evangélica desde o início da década de 1970 e já se encontra
disseminada em toda religiosidade pós-moderna por meio da chamada Teologia da
Prosperidade.
O Judiciário tem compreendido o desvirtuamento da instituição religiosa e a
consequente existência de vínculo empregatício entre o trabalhador religioso e a instituição
religiosa quando esta, no intuito de negociar produtos religiosos, faz uso de um trabalhador
religioso para intermediar a relação entre igreja/fornecedora e fiel/consumidor.
Aberta a cunha do desvirtuamento da instituição religiosa no já cimentado
pensamento doutrinário nacional sobre a relação de trabalho entre instituição religiosa e
trabalhador religioso, a possibilidade de caracterização do vínculo de emprego deste
trabalhador religioso tem se demonstrado mais palatável ao Judiciário.
O posicionamento jurisdicional nos julgados que decidem pelo vínculo empregatício
do trabalhador religioso conseguem refletir uma alteração na própria religiosidade pós-
moderna, a qual não pode mais ser delimitada a um grupo religioso apenas.
Embora no espaço aberto pela jurisprudência atual e minoritária pareça somente ser
inserida a questão do desvirtuamento, os textos bíblicos que mencionam ser o trabalhador
digno de seu salário (Lc 10,7; 1Cor 9,14; 1Tm 5,18) podem ganhar contornos de maior
efetividade ao relacionarmos seu conteúdo não apenas à dignidade do trabalhador, mas,
igualmente, à dignidade tanto do trabalho quanto do próprio salário.
Interpretação que não causa espanto mais à religiosidade pós-moderna monetarizada
nem à religiosidade social tradicional, ainda mais quando observamos que para a Dignidade
da Pessoa Humana do trabalhador religioso é imprescindível avançarmos sobre o já
consagrado Direito ao Trabalho Digno e, como Robert Castel (NARDI, 2002, p. 141-146),
compreendermos aquilo de que tanto Jesus Cristo quanto o apóstolo Paulo já forneciam
vislumbres: que a Dignidade do Salário é capaz de fornecer o liame entre a Dignidade do
158

Trabalhador e a Dignidade do Trabalho.

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