Pré-sal: Para empresários, regras impõem limites à participação privada na exploração das novas áreas
O papel destinado à Petrobras no pré-sal e o poder de veto garantido à nova estatal (uma parte da
regulação ainda pouco clara) preocuparam muito as empresas privadas do setor de petróleo e gás. "O
que vimos limita bastante a participação do capital privado. Temos inúmeras empresas trabalhando no
Brasil e precisamos preservar essas conquistas. Não podemos desconstruir o que já conseguimos ao longo
de 12 anos, atraindo capital e 76 empresas privadas", disse o presidente do Instituto Brasileiro de
Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), João Carlos de Luca, após a solenidade de anúncio do marco
regulatório para exploração de petróleo na camada do pré-sal, ontem, pelo governo, no Centro de
Convenções, em Brasília. "A competição é boa para a Petrobras também", completou.
Ele reconhece o papel de liderança da Petrobras, mas alerta para o fato de que, no médio e longo
prazos, uma operadora única limita muito a participação e o desenvolvimento de uma indústria de
petróleo e gás forte, com atração de tecnologia, capital, recursos humanos e múltiplos atores. "Nos
preocupa porque o projeto é tão grande e ambicioso que há espaço para todos", diz De Luca.
O presidente do IBP acredita que, com a operadora única, as outras empresas tendem a ser meras
investidoras, o que vai limitar a atração de capital. Na sua visão, isso, aparentemente, não é o que o
governo quer, de acordo com o que representantes dos empresários ouviram em uma reunião na quinta-
feira da semana passada.
O setor já esperava a ampliação da presença do Estado no marco regulatório do pré-sal, mas mesmo
assim as medidas anunciadas foram recebidas de forma negativa no setor. O executivo de uma grande
empresa fabricante de equipamentos considerou a nova regulamentação como um retrocesso. "Seria
melhor ter mais operadores além da Petrobras, e mais clientes e investidores. Do jeito que está,
voltamos ao que era antes", afirma o executivo, pedindo sigilo sobre sua identidade.
Ele também acha confusa a justificativa para a criação da nova empresa estatal, a Petro-sal. "Ela terá
poder de voto e veto na decisão dos consórcios. Acho que há um conflito tremendo se alguma vez a
Petro-sal vetar um plano da Petrobras como operadora. A mim parece que ela será uma fonte de mais
emprego, mais poder e mais cargos", afirma o executivo.
A medida, por outro lado, pode beneficiar fabricantes mais inclinados a operar melhor tendo um
comprador único. Sob o ponto de vista da mão de obra especializada, uma fonte disse que a nova
regulamentação transforma as sócias privadas em "meros coadjuvantes" e isso pode reduzir o efetivo das
companhias estrangeiras que hoje têm técnicos altamente especializados - geólogos, geofísicos e
engenheiros de reservatório, por exemplo - trabalhando no país. "Quanto mais agentes no mercado, mais
pessoal especializado. E se as empresas não forem mais operadoras, tenderão a reduzir o pessoal
especializado, já que terão participação irrelevante", afirma uma fonte.
O projeto de criação da Petro-sal traz uma série de artigos que tratam da contratação de pessoal, o que
dá margem a dúvidas quanto ao tamanho dessa companhia em curto espaço de tempo. A norueguesa
Petoro tinha cerca de 60 funcionários no ano passado, enquanto a Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), criada em 2004 para prestar fazer estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento energético
brasileiro, já tem 280 funcionários e um orçamento de R$ 78 milhões liberado pelo Ministério de Minas e
Energia.
Entre as empresas do setor, também causou preocupação a decisão do governo de pedir urgência
constitucional na votação dos projetos. Ontem, o IBP começou a encomendar pareceres de juristas para
analisar aspectos constitucionais das propostas. As sugestões que forem consenso entre as empresas
terão que ser entregues até terça-feira. Como se esperava, nem todas as companhias que operam no
país mandaram representantes a Brasília. Estiveram lá executivos da Chevron, Devon, Shell, Queiroz
Galvão, BG, Repsol YPF, Total e Galp. Na lista de empresas que não participaram estão a StatoilHydro, a
ExxonMobil e a BP, para citar algumas.
Oficialmente, as empresas, mesmo as sócias da Petrobras nos campos que terão que ter contrato de
unitização da produção, não quiserem se manifestar ontem.
Para Godoy, o modelo divulgado ontem não tem viés anti-investimento. Ele acredita que a indústria do
petróleo, certamente, vai encontrar mecanismos de participação. "Não acredito que a Petrobras vá se
isolar no desafio de funding e desenvolvimento tecnológico de fornecedores. As empresas vão se
adaptar", comenta.
O desafio das indústrias nacionais, para a Abdib, é criar capacidade e desenvolver tecnologia para a
demanda do pré-sal. "Não dominamos muitas coisas, mas é preciso treinar muita gente e criar um
modelo de financiamento. Os números são astronômicos e temos de viabilizar garantias para esse
financiamento. O mercado vem atrás de tudo o que é rentável", avalia.