B6 ECONOMIA
O ESTADO DE S.PAULO
A ERA DO PRÉ-SAL q
Lula faz discurso de campanha
Presidente repetiu várias vezes o refrão “O petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado”
Tânia Monteiro
BRASÍLIA
A solenidade era para lançar o
marco regulatório do pré-sal,
masopresidenteLuizInácioLu-
la da Silva fez um discurso de
campanha: “Pré-sal, patrimô-
nio da União, riqueza do povo,
futuro do Brasil”. O slogan, es-
tampado nas pastas do mate-
rial publicitário, foi seguido à
risca no roteiro do discurso do
presidente. O novo modelo de
produção (partilha), o Fundo
Social,a nova estatal e o fortale-
cimento da Petrobrás foram
apresentados como exemplos
contrários à política do gover-
no tucano de Fernando Henri-
que Cardoso (1995-2002), o an-
tecessor.
Em tom ufanista, o presiden-
te chamou as reservas do pré-
sal de “bilhete premiado” e “dá-
O PETRÓLEO É NOSSO
De Getúlio a Lula
1953
Getúlio Vargas assina decreto
de criação da Petrobrás. A
produção na década de 50 era
de 2.700 barris por dia – 27%
do consumo brasileiro. Vinha dos
Campos de Candeias, Dom
João, Água Grande e Itaparica,
todos na Bahia
DIVULGAÇÃO
1962
Para reduzir o custo das
importações, o governo instituiu
o monopólio da importação
de petróleo e derivados.
O Brasil atinge 100 mil barris
diários de produção
1968
A estatal faz a primeira descoberta
de petróleo no mar, no litoral de
Sergipe
1974
A descoberta do Campo de
Garoupa abriu a fase de grandes
descobertas na Bacia de Campos.
brasileiro
1975
O Brasil abre a exploração de
petróleo à iniciativa privada,
por meio dos contratos de risco,
que se revelaram um fiasco
Produção nacional de petróleo
EM MILHARES DE BARRIS POR DIA
54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73
*Previsão Petrobrás
Entrevista
John Forman: ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP)
‘Voltamos à era do monopólio estatal’
Para consultor, modelo de
exploração do pré-sal é
inusitado e não deixa claro
como será a repartição
dos resultados
Nicola Pamplona
RIO
Ex-diretor da Agência Nacio-
nal do Petróleo (ANP), criada
em 1997, durante o governo
Fernando Henrique Cardoso,
na esteira da flexibilização do
monopólio estatal na explora-
ção do petróleo, o engenheiro
John Forman vê na proposta
de novo modelo do pré-sal,
apresentada ontem pelo go-
verno federal, uma volta exa-
TERÇA-FEIRA, 1 DE SETEMBRO DE 2009
diva de Deus”. E todo o discurso
foi pontuado pelo refrão: “O pe-
tróleo e o gás pertencem ao po-
vo e ao Estado, ou seja, a todo o
povo brasileiro”.
Essa foi a primeira das três
diretrizes estabelecidas no dis-
curso. Na segunda, ele senten-
ciou que o Brasil não deve virar
um mero exportador de petró-
leo – o País tem de industriali-
zaroóleo,agregarvaloreexpor-
tar produtos petroquímicos. A
terceira diretriz foi um apelo:
“Não vamos nos deslumbrar e
sair por aí, como novos ricos,
torrando o dinheiro em boba-
gens”.
Com um discurso ensaiado e
sem improvisos – que não é o
costume–, Lulaapelou à mobili-
zaçãopopularem defesa das re-
gras do pré-sal. “Estou seguro
de que o povo brasileiro entrará
de corpo e alma nesse debate,
1976
Descoberto o Campo de
Enchova, na Bacia de Campos
DIVULGAÇÃO
1984
O Brasil ultrapassa 500 mil barris
de óleo por dia, tornando-se o
terceiro produtor da América
Latina, atrás de México e
Venezuela. São descobertos
Marlim e Albacora, as primeiras
reservas gigantes em águas
profundas de Campos. A Petrobrás
produz metade do petróleo
consumido no País
1988
A Petrobrás supera seu recorde,
produzindo petróleo a 492 metros
em Marimbá, na Bacia de Campo.
1996
Ocorre a mais recente descoberta
de campo gigante na Bacia de
Campos: Roncador
1997
É superada a marca de produção
de 1 milhão de barris diários de
petróleo. A lei 9.478 flexibiliza o
monopólio estatal do petróleo
tamente aos tempos do mono-
pólio estatal. Como sinais des-
se movimento, ele cita o esva-
ziamento do órgão regulador
e a concentração de decisões
nas mãos do Conselho Nacio-
nal de Política Energética
(CNPE) e da Petrobrás. Ques-
tionando a falta de informa-
ção sobre detalhes importan-
tes das propostas apresenta-
das pelo governo federal, o ho-
je consultor afirma que o mo-
delo proposto é “inusitado”,
por misturar características
diferentes e, até mesmo, con-
traditórias. A seguir, os princi-
pais trechos da entrevista:
Como o senhor avalia a proposta
apresentada pelo governo?
porque esse não é um assunto
apenas para os iniciados e os es-
pecialistas. Nem tampouco um
tema que deve ficar restrito ao
parlamento”, disse.
Grande parte do discurso foi
usado em uma espécie de louva-
ção à Petrobrás. No ano passa-
do, quando começaram as di-
cussões sobre o novo marco re-
gulatório, Lula tinha outra pos-
tura em relação à estatal e che-
gou a acusá-la de querer virar
dona do petróleo. “O petróleo
não é do governo do Estado do
Rio de Janeiro, não é da Petro-
brás”, afirmou em agosto do
ano passado.
O presidente acusou o gover-
no FHC de tratar a Petrobrás
como “uma herança maldita do
período jurássico”. Chegou a
lembrar, em tom irônico, o pla-
no de marketing para mudar o
nome da empresa para Petro-
2000
A produção brasileira ultrapassa
a marca de 1,5 milhão de
barris/dia de óleo
2005
A Petrobrás bate o recorde
brasileiro de profundidade de
perfuração, com 6.915 metros
além do fundo do
mar, na Bacia de Santos
2006
Em 21 de abril, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva dá
início à produção da plataforma
P-50, no Campo de Albacora
Leste, na Bacia de Campos,
o que permitiu ao Brasil atingir
a auto-suficiência em petróleo.
No dia 23 de outubro, a
Petrobrás atinge a produção
recorde de 1.912.733 barris
de petróleo no Brasil
FÁBIO MOTTA/AE
74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09
Está tudo mais ou menos den-
tro daquilo que foi colocado
nas últimas semanas. Mas
agora ouvi o (ministro de Mi-
nas e Energia, Edison) Lobão
falando que, por enquanto, vai
ter royalties e participação es-
pecial, até que uma nova lei ve-
nha modificar tudo. Esse negó-
cio de contrato de partilha
com royalties e participação
especial é meio inusitado.
Qual é o objetivo da partilha?
Ela é adotada em países que
não possuem um sistema fis-
cal implantado e onde, portan-
to, é difícil ter acesso à renda
do petróleo por meio de co-
brança de impostos. Então co-
mo é que fica? A empresa vai
tirar o petróleo, ficar com
FRASES
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente brasileiro
“Diziam que a Petrobrás era o
último dinossauro a ser
desmantelado no País. Foram
tempos de pensamentos
subalternos”
“O petróleo e o gás pertencem ao
povo e ao Estado, ou seja, a todo
o povo brasileiro”
“(O pré-sal) será um passaporte
para o futuro"
brax, uma ideia que ele atribui
aos “adoradores do mercado.
“Sabe-se lá o que esse xis queria
dizer nos planos de alguns ex-
terminadoresdefuturo”,emen-
dou.“Benditosamigose compa-
nheiros do dinossauro que so-
2007
Em novembro de 2007, é
divulgada a estimativa da reserva
gigante de Tupi, na Bacia de
Santos, entre 5 bilhões e 8 bilhões
de barris de petróleo, na chamada
camada de pré-sal
2008
Em setembro, ocorre a retirada
do primeiro óleo na área do
pré-sal, na palataforma P-34,
no Campo de Jubarte, litoral
do Espírito Santo
WILTON JÚNIOR/AE
2009
No início do ano, entre janeiro e
abril, as companhias privadas
estrangeiras como a americana
Exxon Mobil e a britânica BP,
anunciam as primeiras
descobertas na área do pré-sal.
Em abril, a Petrobrás inicia testes
de produção em Tupi, mas eles
param em julho por falhas nos
equipamentos. Também em julho
e agosto foram confirmados dois
poços secos de petróleo, um da
Hess e outro da BP
uma parte que cobre os cus-
tos e depois dividir com o go-
verno o lucro.
Parece que o governo deixou a de-
cisão sobre os royalties para o Con-
gresso...
O ministro Lobão disse que is-
so é enquanto não vier a nova
lei (dos royalties). Ele está
querendo modificar o modelo
sem explicitar o que é mais im-
portante, que é a repartição
do resultado. Na verdade, ain-
da há muito a explicar sobre a
proposta. O que é área estraté-
gica? Isso vai ser determina-
do quando e por quem? Isso já
está dito? Com base em quê?
Essas decisões, na verdade, fi-
carão concentradas no Conse-
breviveu à extinção, deu a volta
por cima, mostrou o seu valor”.
Lula salientou que, no seu go-
verno, a estatal ganhou liberda-
de para investir. “Passamos a
cuidar com muito carinho do
nossoquerido dinossauro”,afir-
mou. Os recursos da empresa
destinados à pesquisa e ao de-
senvolvimento saltaram, pela
sua contabilidade, de US$ 201
milhões, em 2003, para R$ 960
milhões, em 2008, sugerindo
que foram esses investimentos
que propiciaram a descoberta
do pré-sal.
Para Lula, a empresa e o Bra-
sil vivem um momento diferen-
te do de 1997, quando o governo
quebrou o monopólio do petró-
leo e criou o modelo de conces-
são. “Foram tempos de pensa-
mentos subalternos”. Na pla-
teia, o presidente da estatal, Jo-
sé Sérgio Gabrielli, exibiu um
Ontem
O governo envia ao
Congresso o novo marco
regulatório para o
petróleo brasileiro. Lula
diz que o dia 31 de agosto
é o dia da “nova
independência do Brasil”
lho Nacional de Política Ener-
gética (CNPE).
E o que acontece com a Agência
Nacional do Petróleo (ANP)?
Você vai abrir mão da ANP,
que passa a ser uma fiscaliza-
dora do que já existe aí e,
quando isso acabar, ela natu-
ralmente vai se extinguir. Vai
ter uma empresa que vai ser
dona disso, mas não vai ser a
operadora, e a Petrobrás vai
operar tudo... Quer dizer, nós
estamos voltando a um mode-
lo basicamente monopolista.
Porque, se não se sabe o que
vai ser ofertado, quando vai
ser ofertado e quem vai defi-
nir o que, como é que fica? Co-
mo as empresas vão conse-
largo sorriso e aplaudiu. Termi-
nou o discurso rendendo home-
nagemaosbrasileirosqueparti-
ciparam do movimento pela
criação da empresa, nos anos
1950. Citou Monteiro Lobato e,
sob aplausos, afirmou que é a
“mão invisível do povo, bem
mais sábia e permanente, e não
a mão do mercado, que tece o
destino do País”.
O discurso chegou a arran-
car lágrimas da ministra-chefe
daCasa Civil,Dilma Rousseff. O
Brasil, segundo o presidente,
“está deixando para trás o com-
plexo de inferioridade que lhe
inculcaram durante séculos,
aprendeu como é bom andar de
cabeça erguida e olhar confian-
te o futuro”.
Ao citar o Fundo Social,
emendou: “ Vamos pagar uma
imensa dívida que o País tem
com a educação”. ●
CELSO JÚNIOR/AE
2.005*
2.000
1.800
1.600
1.400
1.200
1.000
800
600
400
200
0
INFOGRÁFICO/AE
guir se preparar?
Mas não há sistema semelhante
em outros países?
O modelo norueguês foi muito
mencionado durante todo es-
se processo (de definição das
regras). Mas lá tem a (estatal)
Petoro, que participa nos blo-
cos, com a distinção de que
ela investe e assume riscos.
Se perdeu, perdeu. Se ganhar,
ganhou. Aqui, pela proposta
que vimos, a operadora vai
correr todo o risco. Ela carre-
ga a Petro-Sal e Petrobrás em
toda a exploração. Se for bem-
sucedida, ótimo. Se for mal su-
cedida, o custo é todo dela.
Desse jeito não é o modelo no-
rueguês. ●