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Meninas do Rio: o que cantam e contam nas paradas do proibidão1

Aldo Victorio Filho2


Aristóteles de Paula Berino 3

“Onde foi que erramos?” É possível que você já tenha recebido um e-mail com este título.
Interpelando o que foi feito da admiração pelas mulheres, a mensagem reproduz trechos de músicas
feitas desde os anos 30 do século passado até a década presente. Entre as músicas lembradas,
prevalece até os anos 90 uma imagem delicada do desejo. Ouvíamos coisas assim: “Tu és, divina e
graciosa, estátua majestosa”. E também: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”. Ou
então: “O que é que a gente não faz por amor?” Acontece que mais recentemente esta devoção
mudou o tom: “Vou te jogar na cama e te dar muita pressão!”.
A pergunta sobre o erro cometido indaga sobre uma suposta banalização da aventura
amorosa e conseqüente desvalorização da mulher. Apreciação que nos conduz a um elemento
substantivo aí presente, relevante de ser destacado se queremos conhecer o que está sendo disputado
agora ao redor desta representação sobre a identidade feminina. Enquanto todas as outras canções
estão relacionadas a um universo em cima de tudo adulto, o Bonde do Tigrão é tocado
particularmente para a diversão de jovens. Ou seja: pode surpreender não apenas a figuração
feminina nas canções de hoje, se comparadas com aquelas feitas em outras épocas, mas também o
fato de encontrarmos narrativas juvenis no plano mais alto da difusão cultural: o circuito comercial.
Desviando a atenção da sempre inquietante absorção do mercado, é destacável a novidade da
crescente centralidade da imagem do jovem, neste caso das jovens mulheres, na produção musical,
novidade esta, cujas potencialidades precisam ser investigadas como fontes indiciárias da atuação
feminina desses últimos anos. Pois, as idéias circulantes que constituem a contemporaneidade têm
evidenciado que as posições e territórios nos quais originalmente são identificados e/ou localizados
os atores sociais, não os definem, nem tão pouco engendram o seu o devir. O fato das meninas
aparecerem em músicas colonizadas pela mídia/mercado, não significa apenas essa superficialmente

1
Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no Seminário Internacional Fazendo Gênero 7, em agosto de
2006, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Site do evento:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/index.html
2
Professor Adjunto do Departamento de Ensino da Arte e Cultura Popular do Instituto de Artes da Universidade do
Estado do Rio de do Programa e do Programa de Pós-Graduação em Artes - Linha de Pesquisa Arte, Cognição e
Cultura. Membro do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e Arte e do GRPESQ Cotidiano Escolar e Currículo.
3
Professor Adjunto do Departamento de Educação e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal
Rural do Rio de do Programa (IM/UFRRJ/Nova Iguaçu) e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ). Membro do GRPESQ Estudos Culturais em Educação e
Arte e do GRPESQ Currículos, redes educativas e imagens.
desesperançada constatação, mas veicula outras significações da atuação das mulheres no universo
machocrata.
Sob a perspectiva do jogo tática versus estratégia, a estética feminina pode significar a
geração de uma emergente ética feminista. Do mesmo modo que a performance discursiva das
personagens presentes nas músicas não são redutíveis às etiquetações tradicionais e conservadoras
que são comumente emitidas pelo olhar masculinizado. O olhar e modo de construção da mulher
irreal e irrealizada, aquele cuja pró-ação no campo erótico e sexual representa o inaceitável,
inominável e impensável desmonte do mais significativo e precioso bunker masculino: o
protagonismo sexual. Construção estruturada em discursos míticos não resiste a enunciação do seu
avesso.
Com a perspectiva acima indicada, o que vamos dispor aqui são notícias sobre meninas da
cidade do Rio de Janeiro. Escrito ainda na forma de um apontamento, este é um trabalho onde
apresentamos algumas informações e pensamentos a respeito de acontecimentos juvenis que estão
vindo à tona com algumas dessas meninas. Acontecimentos que permitem vislumbrar novos
feminismos em pauta na cidade, produções de diferenças que conflitam as identidades vistas como
unidades terminais e buscam estabelecer formas de permanência e transigência no urbano tardio das
metrópoles contemporâneas. Trabalhamos esta pesquisa com uma fonte bem definida: as canções
do funk chamadas de proibidão.
Importante dizer que se trata de um olhar respectivo, interessado e possível à nossa vida
como professores lecionando na Educação Básica nos últimos anos. É de dentro das escolas que
privilegiamos saber e desconhecer o que vai pelos corações e mentes das meninas: a realização de
suas vidas através da emoção, enlevamento que provocam com seus gestos, as roupas que vestem e
as músicas que selecionam, entre outras práticas que levam a efeito. Aqui, na perspectiva exclusiva
deste trabalho, vamos nos dedicar a dizer sobre as músicas que escutam. O que cantam e contam
com elas? O que diz esta audição sobre o que vivem e o que demonstram não querer como mulheres
é o que pesquisamos.
Deste modo, quando nos debruçamos sobre o cotidiano de nossas escolas para investigá-las
não nos afastamos da territorialização a qual pertencemos e produzimos como seus professores/as.
Então, a primeira questão que enfrentamos na pesquisa do cotidiano escolar é sobre nossa
cumplicidade e demais ligações com este universo. A importância de realçar nossa condição de
amálgama com o que narramos é ao mesmo tempo útil para evitarmos o pretenso afastamento que o
termo pesquisar impõe e evocar a tensão observador/narrador e campo/narrado, cuja consideração é
indispensável à deflagração da discussão que propomos.
O proibidão é um formato característico da cultura popular hoje na cidade do Rio de Janeiro
entre a favela e o asfalto. São cds com canções produzidas particularmente nas comunidades onde a
presença (e relativo controle) de líderes do tráfico, local de moradia de soldados do movimento e
território concentrado da escassez e de marginalização de considerável parcela empobrecida da
população, tem proporcionado o surgimento de ações culturais reativas aos modos de vida no lugar,
à identificação dos seus sujeitos e a segregação produzida na cidade. No caso do proibidão, são
canções de enaltecimento de traficantes e narrativas sobre o cotidiano militar dos conflitos com as
facções rivais e com a polícia. Exibem também éticas e práticas de pertencimento aos grupos de
traficantes. Mas, cada vez mais, as letras movem-se entre assuntos mais ordinários da vida dos
jovens, deflagrando representações amplificadas para a cidade.
O nome proibidão, é claro, provém do caráter ilegal da produção e reprodução destas
músicas. Ilegalidade que não impede sua ampla difusão. As canções são bastante conhecidas entre
os jovens, não apenas aqueles moradores das favelas, mas também das camadas empobrecida e
média suburbana, alcançando ainda a classe média que vive em lugares mais valorizados
socialmente. Como professores, verificamos isso facilmente entre nossos alunos. Em qualquer lugar
da cidade onde lecionamos percebemos que as letras destas músicas foram aprendidas. Embora o
repertório destas canções aparentemente não varie muito, uma audição atenta, principalmente em
série das dezenas de cds lançados, permite a recepção de outras vozes, não redutíveis à imaginada
identidade do tráfico. Nota-se que a freqüência da participação das meninas nos cds é crescente,
abrindo para estas poesias funk narrativas mais representativas e complexas a respeito da vida dos
jovens na cidade e a reflexão de novas subjetividades em pauta na contemporaneidade.
Para o estudo que realizamos nesta pesquisa, fizemos até agora a escuta de
aproximadamente 120 canções, distribuídas em oito cds. Alguns destes chegam a conter até trinta
músicas, mas nem todas inéditas. É comum a mesma música aparecer em outro cd. Em razão do
formato flexível da produção na mídia digital, os cds são recriados, copiados com facilidade. Por
outro lado, sem muita sofisticação, não existe a informação que precise a época de lançamento de
cada produto. Isso só poderia ser feito se a aquisição for realizada logo após o seu lançamento (o
que não foi o nosso caso) ou de modo aproximado através de indícios presentes nas próprias
músicas. O mais antigo que escutamos é uma cópia feita há pelo menos sete anos. O mais recente,
lançado em 2006. Portanto, este é o período que estipulamos entre o lançamento das primeiras
canções que analisamos e as últimas conhecidas.
Também não existem registros sobre autoria das letras disponíveis nos cds. Mas muitas
canções trazem referências sobre os cantores (os MCs) que narram sua participação nas músicas,
através da saudação que realizam. Narrativas que contêm também a identificação das comunidades
onde vivem, dos grupos (os “bondes”) e da facção do tráfico dominante na área. Em algumas
músicas, MCs afirmam seu próprio pertencimento ao tráfico ou então prestam homenagens aos
chefes nos morros, aos traficantes presos (geralmente lembrados como companheiros e amigos) ou
mortos. Muitas das canções são gravadas ao vivo, nos bailes funk. Alguns destes artistas chegam a
adquirir grande popularidade, cantando em vários bailes em uma mesma noite. Existem ainda
aqueles que conseguem posteriormente contratos e a realização de gravações comerciais.
Como artefato cultural e produto midiático, o proibidão não pode ser apropriadamente
entendido ser não for relacionado à criação das festas funk. Os bailes, em razão da sugestão que
promovem a violência, propaganda negativa fortemente feita pela grande mídia, são proibidos ou
controlados pela vigilância policial e judiciária, até onde isto é possível de ser realizado. É ali que a
“massa funkeira” reúne seu maior aglomerado e muitos jovens encontram a sua principal atração
identitária. Nele, realizam sobre tudo suas estéticas, almejam a beleza e promovem a figuração da
existência como arte e imaginada felicidade. Fulgor que faz também da favela lugar de trânsito e
partilha em relação ao resto da cidade. Os bailes são também freqüentados pelas classes média e
alta. A cultura funk, portanto, não é uma vivência exclusiva das comunidades onde surgiu, mas é
difusa: copiada, reinventada e modelada em toda a cidade. Mesmo os cds do proibidão, diante do
seu circuito de divulgação, transmissão e troca, são um suporte material e cultural desta mistura,
isto é, das mestiçagens entre as vivências diversas do urbano no Rio de Janeiro.
Então, como as vozes das meninas entram nos proibidões e o que anunciam em relação as
suas vidas e a cultura cosmopolita?
Nos primeiros cds ouvidos não existe qualquer participação feminina. De uma forma geral, a
narrativa dominante no proibidão reproduz uma imagem viril e suficiente dos homens. São mortais
e implacáveis nas ações que promovem. A demonstração de força e capacidade de submeter é um
elemento pregnante nas vozes masculinas que narram o cotidiano e o fundamental de suas vidas.
Linguagem caracterizada diante da militarização do tráfico, mas também da experiência sempre
ostensiva da ação policial nas favelas. Mas a própria propagação do proibidão e sua eficácia na
expressão e comunicação dos modos de vidas destes jovens permitiu que os temas ali tratados
fossem ampliados para outros problemas da existência. No lugar do caráter inicialmente
monocórdio das mensagens sobre a vida do tráfico, o fluxo do proibidão entre os jovens e o seu
trânsito na cidade passou a diagramar uma tensão e até um diálogo entre diferentes sujeitos, agora
também presentes na composição dos cds.
Uma voz privilegiada desta virada na recepção e autoria do proibidão será o das meninas.
Isto acontece quando os cds produzidos nos últimos três anos passam a incluir questões relativas a
vida sexual dos rapazes. De um modo geral, nestas narrativas a voz masculina procura reafirmar a
supremacia masculina, especialmente através de uma autoridade patriarcal. Vejamos um exemplo
desta postura na canção que diz ser um “lanchinho da madrugada” a amante conquistada para uma
aventura esporádica:
A minha mina está em casa dormindo lá no sofá
Enquanto eu estou no baile preparado para zoar
Vou pegando as mulher... Se pensar que é minha mina
Só pego naquela hora para fortalecer no dia
Não compara com a de fé tu é lanchinho da madrugada
Mas se mexer com a fiel tu vai entrar na porrada
Minha mina não liga é para nada
As minas que eu pego na pista é lanchinho da madrugada.
No mesmo cd, outra música demonstra que para os rapazes trata-se de um poder na verdade
suspeito, já que a imagem que prevalece sobre as mulheres cede a convicção de elas são obscuras,
imprevistas e improváveis de se realizar sexualmente:
Eu não entendo essas mulheres
Vem de cima que embaixo esquenta
Vem boceta, vem boceta...
As mulheres manda diferente
Quando elas estão com fogo elas dão para qualquer um
Então vem, vem...
Em uma faixa posterior, o cantor dá voz a uma garota invertendo a autoridade sobre o corpo
feminino:
Você quer que te chame de quê?
Uma voz feminina responde:
Cachorra!
Neste curto diálogo há uma mudança significativa no plano da relação entre os rapazes e as
moças. Não se trata mais da voz masculina dominadora que identifica sua parceira. Pelo contrário,
ela é que deve dizer sobre si, autorizando uma imagem (“cachorra”) no lugar simplesmente aceitar a
imposição de um signo ou de uma marca.
Ainda no mesmo cd, em uma canção onde há apenas uma voz feminina, diz a garota:
Não deu conta, eu como mesmo
Tu tá marcando, eu tô comento.
Se nas canções narradas pelos rapazes, a esperteza de possuir as amantes é masculina, aqui
não. Trata-se de uma conquista feminina, isto é, das próprias “amantes”.
Em outro cd, uma voz feminina insiste na representação positiva das amantes e na falta de
qualidade da “fiel”
Se ele marcar, o seu marido eu vou comer
Fiel é o caralho! Escuta o que eu vou dizer:
As amantes estão na pista, o seu marido eu vou comer
As amantes estão com tudo e as fiéis não estão com nada.
Também neste cd, a conduta feminina defendida é mesmo o da errância e o do desvio:
Como o Mais Forte falou, tem que ter uma amante
Vou te dar um papo reto, se liga nessa parada
Quando a menina é amante não quer dizer que ela é mamada
Tem que ter, tem que ter, tem que uma amante
Vou te dar um papo reto e papo de traficante
É claro que todo bandido tem que ter uma amante
Se ele é todo bom ele te leva até o céu...
Até então a voz feminina parece divergir da moral dominante, contudo, sem corromper a
imagem da virilidade masculina. Mas nem isto está garantido com a emergência das garotas no
proibidão. Em outro cd, canta uma moça:
Uh! Uh! Uh! Miniatura de peru!
Anda cara faz força! Quero ver roçar nas coxas!
Vou mandar um papo reto, você tem que saber
Tu esculacha as amantes, eu te pergunto por quê?
Pelo que eu te conheço, você não é grandes coisa
Teu peru é tão pequeno que não roça nem nas coxas!
Tu é raquítico e desnutrido, a fiel não te alimenta
Tu depende das amantes, mas para elas não compensa.
Para além da superfície dos signos, planura que os segmentos conservadores utilizam para
desqualificar esta produção estética duplamente ameaçadora, porquanto popular e juvenil, a poesia
funk reflete o vicejar de novas maneiras de ser e estar nos coletivos contemporâneos. As tribos
femininas atravessam as inexpugnabilidades masculinas por meio da reinvenção da palavra.
Enunciam outras ordens que embora não lhes garantam a proteção há muito necessária, reordenam
os territórios e os fertilizam de possibilidades para o universo feminino. O que defendemos é que
justo nos espaços nos quais a atenção se afasta, justo nessas periferias simbólicas, que a ação tática
se ocupa e floresce. No meio da música/arte, que para a episteme oficializada, seria de segunda
categoria, um limbo estético de baixa intensidade, a reinvenção do cosmo feminino avança seu
acontecimento de primeira ordem e imensa intensidade.

Referências bibliográficas:

ALVES, Nilda (org.) e OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Pesquisa do/no cotidiano das escolas: sobre
as redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
BLASS, Leila Maria da Silva (org.) PAIS, José Machado. Tribos urbanas: produção artística e
identidades. São Paulo: Annablume, 2004.
ESSINGER, Sílvio. Batidão: uma história do funk. Rio de Janeiro: Record, 2005.
MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo: resumo da subversão pós-moderna. Rio de Janeiro:
Record, 2004.
CANEVACCI, Massimo. Culturas extremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Rio
de Janeiro: DP&A, 2005.

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