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ENSINAR E APRENDER EDUCAÇÃO FÍSICA NA “ERA VARGAS”:

LEMBRANÇAS DE VELHOS PROFESSORES*


CORRÊA, Denise Aparecida - (PEPGH-PUC/SP; SPQMH/UFSCar)
depiucorrea@ig.com.br
CAPES

Resumo
A vivência do cotidiano das aulas de educação física permite observar aulas predominantemente,
quando não exclusivamente, práticas, desprovidas de momentos de reflexão e discussão.
Professores que, embora trabalhem com turmas mistas, insistem em separar os alunos, a partir do
gênero (masculino e feminino). Contudo, é preciso considerar que este cenário reflete concepções e
práticas historicamente construídas, as quais são influenciadas pelo contexto sócio-político e
cultural de um dado período. O retrospecto histórico da educação física permite observar que com a
sua obrigatoriedade no ensino secundário, disseminava-se, durante o governo Vargas, no contexto
da rede escolar o método de educação física oficial que ficou conhecido como “Regulamento nº 7”
ou “Método do Exército Francês”. Este estudo objetiva desvelar os processos de ensinar e aprender
na educação física escolar na cidade de São Paulo no governo ditatorial de Getúlio Dornelles
Vargas, na perspectiva dos sujeitos que vivenciaram tal momento histórico enquanto alunos e que
posteriormente formaram-se em cursos superiores de educação física e atuaram como professores
no ambiente escolar formal público e/ou privado. Na tentativa de apreender as experiências dos
sujeitos, recorrer-se-á as lembranças de dois professores de educação física, tendo como referencial
teórico a história oral. A análise dos depoimentos possibilitou desvelar alguns aspectos envolvidos
nos processos de ensinar e aprender educação física neste período histórico, dentre os quais
destacam-se: a utilização do método francês, caracterizado como rigoroso, nas aulas de educação
física no âmbito escolar mesmo após o término do regime ditatorial de Vargas e a permanência ao
longo dos anos de práticas legitimadas neste momento histórico, e que se perpetuaram, sendo ainda
hoje desenvolvidas pelos professores de educação física, como as demonstrações de ginástica no
Dia da Independência e o desenvolvimento das aulas separadamente para meninos e meninas.

Palavras-chave: Ensinar e Aprender - Educação Física –Era Vargas

Introdução

Experiências vivenciadas no cotidiano das aulas de educação física no ambiente escolar


permitem observar aulas predominantemente, quando não exclusivamente, práticas, desprovidas de
momentos de reflexão e discussão. Professores que, embora trabalhem com turmas mistas, insistem
em separar os alunos, a partir do gênero (masculino e feminino), circunscrevendo meninas e

*
Referência: CORRÊA, Denise A. Ensinar e aprender educação física na “era Vargas”: lembranças de velhos
professores. In: VI EDUCERE - CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - PUCPR - PRAXIS, 2006, Curitiba.
Anais... Curitiba: PUCPR, 2006. v. 1. (ISBN 85-7292-166-4).
2

meninos a determinado universo de atividades historicamente concebidas como femininas ou


masculinas e, deste modo, reforçando estereótipos e preconceitos.
É preciso considerar, no entanto, que este cenário reflete concepções e práticas
historicamente construídas acerca da educação física, as quais são influenciadas pelo contexto
sócio-político e cultural de um dado período.
Neste estudo, em particular, a educação física será abordada em um período histórico
específico, denominado “Era Vargas”, caracterizado pelo governo ditatorial de Getúlio Dornelles
Vargas, o qual compreende as décadas de 1930 e 1940, ou mais precisamente, desde o governo em
caráter provisório de Vargas a Presidência da República iniciado em outubro de 1930, passando
pelo período constitucional de 1934 a 1937 e seguindo-se o período ditatorial estadonovista,
localizado entre 1937 e 1945, quando Vargas é deposto do poder.
Um breve retrospecto histórico da educação física permite observar que na tentativa de
propiciar a formação de especialistas na área de educação física, o Ministério da Guerra organiza,
por meio de uma Portaria em 1930, o Centro Militar de Educação Física, determinando como
método oficial a ser adotado para o ensino de educação física nesta instituição o Método Francês.
No ano de 1932, foi decretada sua utilização em todas as unidades do exército, inclusive na Escola
de Educação Física do Exército, criada em 1933 e considerada o pólo irradiador do Método Francês
nos estabelecimentos de ensino.
O presente estudo1 tem por objetivo desvelar os processos de ensinar e aprender educação
física no âmbito escolar na cidade de São Paulo durante o referido governo, na perspectiva dos
sujeitos que vivenciaram tal momento histórico enquanto alunos e que posteriormente formaram-se
em cursos superiores de educação física e atuaram como professores no ambiente escolar formal
público e/ou privado.
Na tentativa de apreender as experiências dos sujeitos que vivenciaram o cotidiano da
educação física escolar no momento histórico em estudo, recorrer-se-á as lembranças de dois
professores de educação física, a partir dos depoimentos coletados junto aos mesmos, tendo como
pressuposto a dimensão da história oral no âmbito de propiciar a aproximação do pesquisador com
suas histórias de vida por meio do passado rememorado.

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Trata-se de análise preliminar de fontes documentais e orais da pesquisa em desenvolvimento no curso de doutorado realizado no
Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC/SP, acerca da educação física escolar durante o regime ditatorial de
Getúlio Dornelles Vargas no Brasil no período de 1930 a 1945.
3

Educação Física Escolar na “Era Vargas”: Um Percurso Histórico

A análise histórica do percurso da educação física no Brasil aponta para a influência do


contexto histórico, político e social, que de modo conjuntural atuou sobre seus propósitos e
instrumentalizou sua prática, ora imprimindo-lhe características de cunho pedagógico e esportivo,
ora mantendo-a atrelada às tendências higienistas e militaristas, as quais acabaram por simbolizar
suas raízes.
Trataram-se principalmente as décadas de 1930 e 1940 como momento histórico de
valorização da educação física como instrumento para a incrustação dos pressupostos do ideário do
governo de Getúlio Dornelles Vargas nas várias instâncias da sociedade.
De acordo com CANTARINO FILHO (1982) dentre as alterações estabelecidas pelo
ministro Francisco Luiz da Silva Campos na área da educação, nomeada Reforma Campos, a qual
foi regulamentada em 18 de abril de 1931, destaca-se o estabelecimento da obrigatoriedade da
educação física em todas as classes das instituições de ensino secundário (corresponde atualmente
da 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e da 1ª a 3ª série do Ensino Médio).
A educação formal, via instituição Escola, ganha reformulações em todos os níveis de
ensino com destaque para o Ensino Secundário, considerado pelo Ministro Francisco Luiz da Silva
Campos: “O mais importante (...), pois se destinava a um maior número de jovens e influenciava a
formação da personalidade do adolescente ‘durante a fase mais propícia do crescimento físico e
mental (...)” (CANTARINO FILHO 1982, p.122).
BETTI (1991) destaca que, aliado ao adestramento físico, à relevância dada à educação
física escolar, bem como a educação moral e cívica e a instrução militar, no ensino secundário
durante o governo Vargas, era no sentido de atuarem como “elementos integradores e funcionais
dentro do currículo” no sentido de inculcar no adolescente dentre outros valores, o patriotismo,
concebido como “sentimento de indissolúvel apego e indefectível fidelidade para com a pátria”
(CAPANEMA apud BETTI, 1991, p.85).
Com a obrigatoriedade da educação física no ensino secundário, disseminava-se no contexto
da rede escolar o método de educação física oficial que ficou conhecido como “Regulamento nº 7”
ou “Método do Exército Francês”, cuja origem militar denota forte relação com princípios bélicos.
Tal método criado por Francisco Amoros (1770-1848) - espanhol que lutou ao lado de Napoleão
4

Bonaparte e fundou, na França, a Escola de Joinville-le-Pont - ficou conhecido no Brasil por


ocasião da chegada da Missão Militar Francesa ao país durante o governo Vargas (GONÇALVES
JUNIOR e RAMOS, 2005). Assim:

“A Educação Física Higienista preocupada com a saúde, perde terreno para a Educação
Física Militarista que subverte o próprio conceito de saúde. A saúde dos indivíduos e a
saúde pública, presentes na Educação Física Higienista, de inspiração liberal, são relegadas
em detrimento da ‘saúde da pátria’” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988, p.26-27).

Deste modo, a preocupação com a saúde individual e pública propalada na tendência


higienista perpetuava-se na concepção militarista da educação física, porém adquiriu novos
contornos e direcionamentos uma vez que:

“(...) o objetivo fundamental (...) é a obtenção de uma juventude capaz de suportar o


combate, a luta, a guerra. Para tal concepção, a Educação Física deve ser suficientemente
rígida para ‘elevar a Nação’ à condição de ‘servidora e defensora da Pátria’”
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988, p.18).

A educação física vinculava-se fortemente a idéia de Segurança Nacional, sentida na


preocupação com a eugenia ou ao adestramento físico necessário tanto à defesa da Pátria quanto
para assegurar ao processo de industrialização recém implantado no país, mão-de-obra fisicamente
capacitada.
BETTI (1991) ressalta a estreita vinculação do sistema militar com o sistema educacional
na formação de recursos humanos para a Educação Física:

“As primeiras instituições destinadas à formação de pessoal especializado eram ligadas às


Forças Armadas. Em 1909 foi criada a Escola de Educação Física da Força Policial (...)
Portaria do Ministro da Guerra, de 10 de janeiro de 1922, criou, junto à Escola de Sargentos
da Infantaria, o ‘Centro Militar de Educação Física’” (p.72-73).

A Escola de Educação Física do Exército, criada em 1933 em substituição ao Centro


Militar de Educação Física, tornou-se referência na formação de professores para atuarem nos
estabelecimentos de ensino e nas Escolas de Educação Física civis, constituindo-se pólo irradiador
do Método Francês, instituído como método oficialmente adotado no Regulamento Geral da
Educação Física (CANTARINO FILHO, 1982).
BETTI (1991) aponta que a primeira escola civil criada pelo governo do Estado de São
Paulo junto ao Departamento de Educação Física em 1931, iniciou suas atividades apenas em 1934,
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a qual “(...) também se constituiu sob forte influência militar, pois parte de seu corpo docente foi
treinado nos cursos do Centro Militar” (p.73).
BETTI (1991) ainda acrescenta que a Escola Nacional de Educação Física e Desportos da
Universidade do Brasil, fundada em 1939, a qual também regulamentou a exigência de habilitação
para o exercício da profissão foi estruturada com base na Escola do Exército e seu primeiro diretor
foi um major também proveniente daquela escola militar.
Tais considerações remetem a um retrospecto histórico imbuído de significados que se
expressam nos questionamentos acerca da identidade da educação física, especialmente aquela
desenvolvida no ambiente escolar.
Ainda que décadas tenham se passado e novos conceitos tenham sido discutidos na área na
tentativa de romper com essa herança histórica, observações cotidianas das aulas de educação física
na escola suscitam inúmeras inquietações quanto à estrutura; aos conteúdos eleitos; às opções
metodológicas; ao posicionamento de professores e alunos.
Observa-se que pressupostos e conceitos acerca da educação física vigentes no período
histórico da citada “Era Vargas” parecem configurados no processo de ensino e de aprendizagem e
longe de estarem superados, insistem em figurarem-se como possibilidades de trabalho de muitos
professores.
A esse respeito e referindo-se às tendências que marcaram historicamente a educação física
GHIRALDELLI JÚNIOR (1988) ressalta que:

“Mais complicada ainda é a relação dessas concepções encontradas e a prática cotidiana da


Educação Física, principalmente da Educação Física escolar. Nem sempre alterações na
literatura sobre a Educação Física correspondem a uma efetiva mudança ao nível da
prática” (p.16).

Procedimentos Metodológicos

Os relatos coletados junto aos sujeitos da pesquisa serão submetidos à análise qualitativa,
utilizando como referencial teórico a história oral, no sentido de apreender as experiências dos
sujeitos que vivenciaram e participaram do processo de construção do momento histórico a ser
investigado, estabelecendo relações com as experiências vivenciadas no momento histórico
presente.
Nesta pesquisa serão analisados os depoimentos de dois sujeitos, os quais serão
identificados como Professor A e B, que vivenciaram o período histórico aqui denominado “Era
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Vargas” enquanto alunos e que, em meados da década de 50, formaram-se em cursos superiores de
educação física e posteriormente atuaram como professores no ambiente escolar formal público
e/ou privado.
A história oral, de acordo com MEIHY (1998), parte da idéia do passado em movimento,
cujo processo histórico não está acabado, percebendo-o como algo que tem continuidade, num
constante refazer-se no presente. Para o autor, a razão de ser da história oral está em considerar a
presença do passado no presente imediato das pessoas.
O relato dos sujeitos acerca de experiências vivenciadas no passado, enquanto
representações de vida expressas na oralidade, são documentos portadores de elementos para o
desvelar de um dado momento histórico, pois como menciona DANTE (1992) a história oral
compreende a representação do passado, a palavra daquele que viveu a história assume, portanto,
um papel muito significativo.
FRISCH (1996) aponta a relevância dos “processos de recuperação e reapropriação deste
passado”, uma vez que a essência do percurso trilhado pela história oral não se restringe ao ato de
lembrar em si, mas à “influência do passado rememorado sobre o presente” (p.81).
Considera-se, assim, que os depoimentos não são vazios. Eles estão carregados de
subjetividades e de significados. Neste sentido, os relatos não são substitutos de fontes
documentais, eles são portadores de valores próprios e validados como uma documentação histórica
valiosa.

A “Era Vargas” e a Educação Física Escolar: as lembranças dos Mestres...

De acordo com GONÇALVES JUNIOR e RAMOS (2005), após o término da Primeira


Guerra Mundial, surgiram diversos governos ditatoriais, tendendo a centralizar o poder nas mãos de
um único governante, muitas vezes contando com o respaldo de grupos militares em diversos
países: Hitler na Alemanha; Mussolini na Itália; Salazar em Portugal; Franco na Espanha; Perón na
Argentina e Vargas no Brasil são exemplos deste fenômeno.
Conforme aponta ROSÁRIO (1996) “se Mussoline já tinha conquistado o poder na Itália e
se Hitler se aprestava a seguir-lhe o exemplo na Alemanha, em vários outros países eram içadas
bandeiras de nacionalismos exacerbados” (p.30).
Vargas chega a Presidência da República em caráter provisório em outubro de 1930, após a
derrubada do Governo de Washington Luiz por um movimento armado iniciado na região sul do
7

Brasil, colocando fim ao período denominado República Velha. Tratava-se de substituir o poder
oligárquico, da chamada “política do café com leite”2, reajustando-se às novas necessidades
econômicas que nasciam com a sociedade urbano-industrial. Assumiu a chefia do Governo
Provisório até 1934, quando é eleito indiretamente presidente pela Assembléia Nacional
Constituinte. (OLIVEIRA, 1996)
É, no entanto, somente em 1937, que ocorreu o Golpe de Estado de Vargas, momento em
que se iniciou, propriamente, o que se convencionou chamar de Estado Novo, perdurando até 1945,
com sua deposição do poder.
O fortalecimento da raça, o tipo físico pré-determinado, o desenvolvimento anátomo-
fisiológico e o nacionalismo foram os conceitos defendidos na ditadura estadonovista de Getúlio
Dornelles Vargas, de forte tendência nazi-fascista. Eram comuns aulas de educação física no âmbito
escolar com caráter disciplinarizador e nacionalista, aulas estas que eram dirigidas por oficiais do
Exército brasileiro (GONÇALVES JUNIOR e RAMOS, 2005).
Para GONÇALVES JUNIOR e RAMOS (2005) neste quadro político, econômico, social e
cultural que vivia o Brasil, forjou-se a ginástica militarista. Era objetivo primordial preparar a
juventude, especialmente a masculina, para o combate, a vitalidade, a coragem, o heroísmo e para a
guerra ou, em outras palavras, preparar o “cidadão soldado”, colaborando no “processo de seleção
natural”, eliminando os fracos e valorizando os fortes, com o intuito último de depuração da raça.
Deste modo, como salienta LENHARO (1986):

“O corpo está na ordem do dia e sobre ele se voltam as atenções de médicos, educadores,
engenheiros, professores e instituições como o exército, a Igreja, a escola, os hospitais. De
repente toma-se consciência de que repensar a sociedade para transformá-la passava
necessariamente pelo trato do corpo” (p. 75).

SÉRGIO (1994) afirma que a educação física se consolida neste contexto histórico e:

“veio acrescentar ao exclusivo cuidado pelas almas, específico das teocracias, uma atenção
simultânea pelos corpos, quer visando a saúde, quer assumindo características pré-militares.
(...) O espírito precisava de um corpo destro e, por isso, o adestrava!” (p.70).

Segundo GHIRALDELLI JÚNIOR (1988), a Educação Física Militarista evoca uma


concepção orientada pelos princípios nazifascistas, na qual a educação física e os desportos tinham

2
Trata-se de forma de poder assente e alternado em termos de Governo Federal entre os grandes fazendeiros, de um
lado os criadores de gado e produtores de leite do estado de Minas Gerais, e, do outro, os cafeicultores do estado de São
Paulo (GONÇALVES JUNIOR e RAMOS, 2005).
8

papel preponderante na formação de indivíduos obedientes e adestrados. Neste sentido, o autor


destaca que tal tendência:

“(...) não se resume numa prática militar de preparo físico. É acima disso, uma concepção
que visa impor a toda sociedade padrões de comportamento estereotipados, frutos da
conduta disciplinar própria ao regime de caserna” (p.18).

A este respeito, é importante destacar um trecho da mensagem presidencial enviada ao


Congresso Nacional em 1937, na qual Vargas expressa uma concepção de educação a serviço do
regime autoritário por ele implantado, baseada enfaticamente no controle e na disciplina:

“(...) persiste a necessidade de continuarmos vigilantes e aparelhados para reprimir novos


surtos de anarquia, e desenvolver, sem tropeços, a obra de educação e de restabelecimento
da disciplina, destinada a reforçar as bases do regime.” (BRASIL, 1978, p.720).

Neste pequeno trecho do discurso, nota-se a preocupação do governo Vargas em manter-se


no poder por meio do controle sobre os sujeitos. A disciplina é preconizada como redentora e
amortizadora de conflitos. Neste sentido, parece conveniente a utilização de um instrumento
disciplinador eficaz nas aulas de educação física, as quais estruturadas nos princípios do Método
Francês garantiam a configuração de indivíduos ao mesmo tempo úteis e dóceis.
No sentido de fazer o homem “atingir o mais alto grau de aperfeiçoamento físico (...)”, o
método francês, apesar das inúmeras críticas suscitadas no período para a criação de um método
nacional para a educação física, foi instituído nas unidades do exército em 1931, bem como
disseminado no ensino escolar (CANTARINO FILHO, 1982).
As diretrizes para o ensino da educação física prescritas no documento oficial de divulgação
do Método Francês, o qual se apresenta no formato reeditado datado de 1960, indica a vigência de
seus pressupostos muitos anos após o fim do regime ditatorial de Vargas, em 1945.
No que se refere à adesão dos estabelecimentos de ensino a aplicação do Método Francês é
importante destacar que os mesmos eram rigidamente fiscalizados pela Divisão de Educação Física
e segundo BETTI (1991) “Pesquisa realizada pela DEF no ensino secundário, em 1940, relatou a
adoção do Método Francês em 89% dos estabelecimentos pesquisados, o que atendia a ‘unidade de
doutrina preconizada pela Divisão de Educação Física.’” (p.76). Além disso, é importante destacar
que “De 613 estabelecimentos de ensino secundário pesquisados pela DEF em 1940, a Educação
Física era praticada em 611.” (BETTI, 1991, p.71).
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O relato de um dos depoentes a respeito de sua experiência com o método francês quando
cursava a graduação em educação física em meados da década de 50, revela a permanência do
Método Francês anos após o término do regime ditatorial de Vargas. Seu relato corrobora,
inclusive, as afirmações acerca do caráter disciplinador do método francês comparado a outro
método, o qual denomina de sueco. Como descreve o professor A:

“Na primeira parte da aula ele usava pequenos jogos para o aquecimento, utilizando os
bancos suecos, partes do plinto, colchões de ginástica de solo, arcos, enfim um estilo
completamente diferente do método francês, tornando as aulas alegres, movimentadas, os
alunos se sentiam mais soltos, mais a vontade. (...) Não era aquele movimento rígido do
método francês não. Era uma ginástica mais balanceada, mais gostosa. Começaram assim a
introduzir o método sueco... até então eu nunca tinha ouvido falar dele.”

O professor B compartilhando da mesma experiência comenta a respeito de outros métodos


que passaram a ser trabalhados em substituição ao método francês, os quais chama de
“alternativos”, destacando serem estes menos “cansativos” que o primeiro:

“Na própria escola de educação física, a gente teve experiência com outros métodos, né?
No início era só método francês realmente, então a gente assimilou essas outras
alternativas, né? Estudou essas outras alternativas e... teve oportunidade de por em prática
essas outras alternativas, então eh... não era mais aquele, aquele... método único que... era
cansativo eh... até os alunos gostavam muito pouco, né?

SOARES (1998) descrevendo o momento histórico de derrota da França pela Prússia e o


surgimento dos batalhões escolares promove uma reflexão interessante acerca do caráter
exibicionista desta prática, ressaltando sua utilização como propaganda ideológica:

“Afirma-se então, neste período, em toda França, um desejo de que a educação física possa
contribuir de forma significativa na preparação dos exércitos. Criam-se os batalhões
escolares e proliferam os exercícios militares espetaculares com caráter de exibição sem
qualquer interesse pedagógico. Predomina o interesse propagandístico de uma França forte
e unida” (p.130).

A este respeito, o colunista Affonso Romano de Santa’anna relata uma cena protagonizada
por ele no ano de 1944, que ilustra este sentimento nacionalista e patriótico que caracteriza o
período:
“O fato é que eu marchei diante do ditador. Perninhas finas, cabeça grande, espanto e
ingenuidade nos olhos, sete aninhos, e lá vou eu de tênis e uniforme azul e branco, aluno do
Grupo Escolar “Fernando Lobo” (...) marchando diante do palanque em que estava Getúlio
Vargas.” (SANTA’ANNA, 2004, p.27).
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Interessante notar que nestes eventos muito comuns durante o governo Vargas, além da
efetiva participação das escolas, havia ainda a exibição de exercícios ginásticos, como relata o
colunista:

“Houve um tempo em que havia esse ritual que mobilizava todas as cidades – a parada (...)
Os colégios da cidade entravam numa disputa para ver quem mais brilhava com bandeiras,
bicicletas, flâmulas e ginastas (...)” (SANTA’ANNA, 2004, p.27).

Destaca-se que as apresentações de ginástica na semana da pátria, ou “demonstrações”


também são relatadas pelos professores entrevistados como algo bastante freqüente, como aponta o
depoimento do Professor A acerca destas manifestações em sua época de estudante do ensino
secundário no Ginásio Estadual de Lins:

“As escolas estaduais do interior do Estado de São Paulo, recebiam todos os anos, um plano
de demonstração de ginástica rítmica para treinarem e se apresentarem no Estádio do
Pacaembu, em São Paulo, durante a semana da Pátria. Nós éramos selecionados pelo nosso
professor e treinávamos durante o horário das aulas de educação física o referido plano.
Quando chegava na semana da Pátria, vínhamos de trem para São Paulo onde, na estação da
Luz já havia um ônibus enviado pelo DEF (Divisão de Educação Física) para levarmos ao
estádio do Pacaembu, onde ficávamos alojados. Lá, o (...) responsável pela demonstração
determinava um aluno do terceiro ano da Escola de Educação Física para assumir a turma e,
a partir dali, começávamos os treinamentos até o dia da demonstração no dia 7 de
setembro.”

O relato do Professor B aponta que compartilhou da mesma experiência quando aluno do


ensino secundário na Escola Estadual São Paulo, escola pública localizada na cidade de São Paulo,
acrescentando que na época havia “a ginástica coletiva dos meninos, dos alunos e a ginástica
coletiva das alunas, era no Pacaembu e encerrava o campeonato colegial na semana da pátria. (...)”.
É interessante observar no discurso do Professor B, que as apresentações ocorriam para
os alunos e para as alunas de maneira separada, observando-se inclusive uma participação tardia
das meninas em relação aos meninos nas apresentações, pois segundo o Professor A “As turmas
femininas só começaram a participar dessas demonstrações bem mais tarde”.
Tal fato remete ao contexto histórico turbulento das décadas de 1930, 1940 e 1950 (com
destaque para as duas primeiras), o qual permite supor a existência de papéis sociais de homem e
de mulher, extremamente definidos e diferenciados.
Particularmente no âmbito da disciplina educação física, a preocupação era a da
eminência de uma guerra e como o combate era tido como um papel exclusivamente masculino,
a educação física escolar para o gênero masculino primava pela preparação do cidadão soldado.
11

Por outro lado, para o gênero feminino, era reservada a preocupação com a economia
doméstica (para manutenção da casa), as noções de enfermagem/primeiros socorros (para
atendimentos aos feridos em eventual combate) e a maternidade.
GOELLNER (2003) menciona que na perspectiva da mulher-mãe, configura-se a
prescrição de atividades físicas “autorizadas” para a mulher (ginástica) circunscrevendo suas
práticas corporais a espaços determinados (privado lar) e a tempos previstos (entre as tarefas do
lar) distanciados daqueles exclusivamente masculinos (futebol – público - rua). “Delimitam-se,
pois, domínios sociais através de códigos sexuais” (p.77).
A segregação espacial e temporal entre os gêneros masculinos e femininos, se insere no
ambiente escolar, especialmente nas aulas de educação física, cujos objetivos e métodos
expostos anteriormente, não se adequariam se aplicados coletivamente para meninos e meninas.
Desta maneira, nota-se através dos relatos dos dois professores uma dinâmica de aulas
exclusivamente dicotômica, desenvolvida separadamente para meninos e meninas, sendo que
para os primeiros o professor era do gênero masculino e para as segundas quem ministrava as
aulas era do gênero feminino.
Tal situação é expressa no depoimento do Professor B quando aponta que:

“As professoras davam aula para as meninas e... os professores para os meninos (...) No
Estado também as aulas eram separadas (...) No Estado mesmo eu realmente só dei aula pra
turma masculina.”

Os depoimentos revelam que esta prática bem como as “demonstrações de ginástica”,


também se manifestaram décadas depois, pois as experiências dos sujeitos entrevistados enquanto
alunos, se repetem posteriormente quando, já graduados em educação física, irão atuar na escola.
Neste sentido, o Professor A diz que “Como professor de educação física eu também continuei
participando com meus alunos dessas demonstrações de ginástica coletiva no Pacaembu”.
Atualmente, pode-se observar, ainda que em menor grau, a ocorrência destas práticas, na
qual o professor de educação física parece ser o profissional, no interior da instituição escolar, mais
requisitado para desempenhar a tarefa de organizar os desfiles na semana da pátria. Além desta,
outra prática ainda hoje efetivada por algumas instituições escolares é o desenvolvimento das aulas
de educação física com turmas separadas pelo gênero masculino e feminino.
O relato do professor B descreve bem este fato:
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“Era separado. Aliás, mesmo... quando eu trabalhei com educação física posteriormente,
né? Eu trabalhei durante 24 anos e 11 meses na rede oficial, na rede estadual, eu nunca dei
aula pra turma mista nem pra turma feminina, sempre era o professor com os meninos, com
os alunos e a professora com as alunas. E... há um ano e pouco... só tive uma experiência
numa escola particular, escola comercial particular onde as turmas eram, eram separadas
também, masculino e feminino, mas eu dei aula pra uma turma... pras turmas femininas de
educação física, mas ainda assim eram separadas, né? As aulas eram separadas.”

Considerações Finais

A aproximação com as experiências dos sujeitos que vivenciaram o cotidiano da educação


física escolar na “Era Vargas”, a partir de suas lembranças possibilitou desvelar alguns aspectos
envolvidos nos processos de ensinar e aprender educação física neste período histórico.
Os depoimentos apontaram para a dimensão da utilização do método francês nas aulas de
educação física no âmbito escolar mesmo após o término do regime ditatorial de Vargas, com
destaque para a caracterização do método como rigoroso e rígido, o que sugere o caráter
disciplinador de sua aplicação.
Outro aspecto que emergiu nos relatos foi a permanência ao longo dos anos de práticas
legitimadas neste momento histórico, as quais são desenvolvidas atualmente, como as
demonstrações de ginástica comumente realizadas em comemoração ao Dia da Independência, as
quais, como apontaram os relatos, eram organizadas pelos professores de educação física e o
desenvolvimento das aulas separadamente para meninos e meninas.
Assim, embora os elementos valorizados no âmbito da educação física no período histórico
Varguista em estudo, pareçam relegados ao passado, a vivência no cotidiano das aulas de educação
física apontam para a necessidade do olhar mais cuidadoso para concepções e práticas atualmente
consolidadas nas situações de ensino e aprendizagem desta disciplina escolar.
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REFERÊNCIAS

BRASIL (Presidente) 1930 1945 (G. Vargas). Mensagens presidenciais 1933-1937, Getúlio Vargas.
Brasília, Câmara dos Deputados, 1978. 748p. (Documentos parlamentares, 126)

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Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, 1982.

DANTE, M. Claramonte Gallian – pedaços da guerra: experiências com história oral de vida de
Tobarrenhos. 1992. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo. (Mimeo).

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GONÇALVES JUNIOR, L; RAMOS, G. N. S. A educação física escolar e a questão do gênero no


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