Nildo Viana
Quando Marx escreveu O Capital afirmou que partia do ponto de vista do proletariado.
Este, segundo a teoria marxista, é o sujeito histórico que abole não só a sociedade
burguesa mas a sociedade de classes em geral. O mais desenvolvido modo de produção
classista da História - o capitalismo - explora, domina e aliena o proletariado. Este
resiste, se levanta e coloca em xeque o capitalismo. Por isso, é o seu ponto de vista que
pode revelar as contradições da sociedade burguesa e realizar o que Marx chamou "a
crítica desapiedada do existente". Hoje, o marxismo foi apropriado por outras classes
(burguesia, burocracia, etc.) para expressar um ponto de vista estranho ao do
proletariado. Trata-se, então, de nos reapropriarmos do marxismo como "expressão
teórica do movimento operário" (Korsch), inclusive na análise da URSS e Leste
Europeu.
Há também aquelas que julgam que a URSS não é nem socialista nem capitalista.
Trata-se de um modo de produção ou uma sociedade pós-capitalista mas não socialista.
Os conceitos são vários: Modo de Produção Tecno-Burocrático, Modo de Produção
Corporativista, Modo de Produção Estatal, Economia Estatal Totalitária, Sociedade
Militar, etc.
Ainda na década de 30, A. Ciliga defenderia a teoria de que a Rússia vivia sob o
Capitalismo de Estado. Para ele, Stálin e Trótski: "...queriam fazer passar o Estado pelo
proletariado, a ditadura burocrática sobre o proletariado pela ditadura do
proletariado, a vitória do Capitalismo de Estado sobre o Capitalismo Privado e sobre o
Socialismo por uma vitória deste último... Já tivemos provas suficientes de que o atual
sistema da Rússia preservou todas as características essenciais do Capitalismo:
produção de mercadorias, salários, mercados para a troca, dinheiro, lucros,
redistribuição parcial dos lucros entre os burocratas, sob a forma de altos salários,
privilégios, etc." [3].
[1]
Pannekoek, Anton. A Luta Operária. Coimbra, Centelha, 1977, p. 73.
[2]
Rosemberg, A. História do Bolchevismo. Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1989, p. 275.
[3]
Cit. por: Jerome, W. & Buick, A. A Natureza da URSS. Porto, Afrontamento, 1977, p. 219.
Depois destes, vários outros pensadores, militantes e grupos defenderam, de forma
diferente, a mesma tese. M. Rubel, baseando-se nos escritos de Marx e Engels sobre a
Rússia Czarista, coloca o surgimento do Capitalismo de Estado Russo como provocado
pelo atraso econômico do país. As relações de produção dominantes na Rússia
impulsionaram o Estado soviético a desenvolver o método capitalista da "acumulação
primitiva" e consolidar o Capitalismo de Estado. Outro exemplo é C. Castoriadis,
quando ainda se auto-intitulava marxista, que defendia a URSS como um capitalismo
burocrático. As relações de produção predominantes na URSS seria uma relação de
classe que opunha o proletariado à burocracia, classe que dispõe dos meios de produção
e com isso efetua a exploração através do trabalho assalariado. Para ele, o capitalismo
burocrático e o capitalismo privado viveriam em um constante conflito que resultaria na
vitória de um sobre outro.
Mas, para concluir, devemos expor as teses de três teóricos que, na década de 70,
retomaram a concepção do Capitalismo de Estado da URSS. Eles são: o autonomista
português João Bernardo, o bordiguista Jean Barrot e o maoísta Charles Bettelheim.
Para Jean Barrot, foi o movimento do capital que gerou o capitalismo russo. Mas, para
ele, o Capitalismo de Estado não é, como era para Bordiga, uma fase necessariamente
transitória para o capitalismo privado. Segundo Barrot, "a partir de 1914 a potência do
capital escapa à burguesia - visto que esta procura, antes de mais nada, controlar o seu
progresso, o capital encontra novos agentes capazes de levar a bom termo o seu
crescimento. O fenômeno existia já no século XIX (Mehemet Áli), mas alargou-se aqui a
todo um conjunto de países subdesenvolvidos ou relativamente atrasados. O mais
notável exemplo é, sem dúvida, o da revolução russa. A Rússia tem um proletariado
importante pelo seu número e pela sua concentração, mas que se encontra rodeado -
cercado- por uma massa camponesa enorme. A burguesia nacional é ali relativamente
débil, já que o desenvolvimento econômico foi sobretudo o produto do capital
estrangeiro e do Estado. A revolução expropria o primeiro e destrói o segundo. Depois
do refluxo do movimento na Europa, o capital é assumido, não por uma "nova" classe -
o que suporia novas relações de produção, já não capitalistas mas outras-, mas por
uma burguesia cujo papel social é o mesmo, embora com modos de constituição e
funcionamento diferentes dos da burguesia clássica: possui os meios de produção por
intermédio do Estado -por conseguinte, digamos, a título coletivo, o que não exclui
aliás uma autonomia mais ou menos larga das empresas (...). A burguesia de Estado
formou-se a partir de antigos militantes operários, de quadros da indústria ou da
administração" [4].
Charles Bettelheim reavalia suas análises sobre a URSS, a qual ele definia como uma
[4]
Barrot, Jean. O Movimento Comunista. Lisboa, Etc, 1975, p. 258.
sociedade socialista, e passa a defini-la como um Capitalismo de Estado. A principal
diferença e os demais teóricos do caráter capitalista da Rússia está na explicação da
origem do capitalismo russo. Para Bettelheim esta origem se encontra na solução dada à
questão da aliança operário camponesa. As contradições no campo e as limitações da
política do partido bolchevista reforçaram a tendência do campesinato, principalmente o
médio, a exercer uma prática política pequeno-burguesa e este foi o principal elemento
que, aliado a outros, provocou o retrocesso da revolução de outubro através da
autonomização crescente do Estado que acabou reproduzindo as relações de produção
capitalistas [5].
João Bernardo, por sua vez, afirma que a tecnocracia é uma classe social que pode dar
um "novo fôlego" ao capitalismo. O partido bolchevique cumpriu este papel e criou o
Capitalismo de Estado russo. Este se diferencia do capitalismo clássico pela forma de
realização da lei do valor, lei fundamental do modo de produção capitalismo. No
capitalismo privado a lei do valor se realiza nos preços do mercado e no Capitalismo de
Estado no jogo dos planos. Daí decorrem diversas outras diferenças como a forma de
distribuição da mais-valia e a forma de reprodução dos "Capitalistas de Estado" mas o
fundamental do modo de produção capitalistas, a lei do valor, continua existindo e se
realizando. J. Bernardo considera que o capitalista monopolista de Estado tende a se
transformar em Capitalismo de Estado integral, do tipo soviético. A questão a ser
resolvida é: ou o socialismo construído pelo proletariado através da autogestão social ou
a barbárie capitalista comandada pela tecnocracia reproduzida como burguesia de
Estado [6].
Depois deste breve histórico das teorias de Capitalismo de Estado, passemos para a
análise da formação desta teoria. A determinação fundamental que levou ao surgimento
do capitalismo de "novo tipo" foi o desenvolvimento insuficiente das forças produtivas.
A Rússia era um país pré-capitalista em transição para o capitalismo.
Entretanto, o desenvolvimento insuficiente das forças produtivas não gera, por si só, o
Capitalismo de Estado ou, como dizem alguns, a "burocratização". O atraso da Rússia
Czarista forma as condições determinadas nas quais se desenvolveram as lutas de
classe. Essas condições dadas colocam as possibilidades históricas que poderão ser
concretizadas e que serão definidas através das lutas de classes. A Rússia poderia ter
caminhado para o Socialismo, o Capitalismo Privado, o Capitalismo de Estado, etc.,
pois a História é aberta. isto, contudo, não quer dizer que ela seja arbitrária: No presente
se revelam as tendências de desenvolvimento futuro e a tendência que irá prevalecer
depende da ação humana expressa na luta de classes.
Marx e Engels já haviam observado que a burguesia não lançaria mais as massas em
uma luta revolucionária devido ao medo de que estas se voltassem contra ela. A
burguesia se tornou contra-revolucionária a partir da segunda metade do século XIX. Na
Rússia atrasada, a burguesia nascente não iria assumir um papel revolucionário e não
romperia sua aliança com o Czarismo. Lá o mais provável seria a realização de uma
"revolução burguesa sem burguesia". Com o regime czarista em crise e com a pouca
[5]
Cf. Bettelheim, Charles. A Luta de Classes na União Soviética. vol. 1. 2a. edição, Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1979.
[6]
Cf. Bernardo, João. Para Uma Teoria do Modo de Produção Comunista. Porto, Afrontamento, 1975.
possibilidade de implantação do capitalismo privado, divido a debilidade da burguesia
russa, restava com tendências principais: o Capitalismo de Estado e o Socialismo.
É neste país em transição para o capitalismo, que contava com aproximadamente 70%
da população formada por camponeses e com uma classe operária em formação, que
surge o bolchevismo. Lênin, o principal líder e o mais influente teórico bolcheviche,
escrevia, em 1902, que o proletariado jogado a si mesmo chegaria no máximo a uma
consciência sindical e isto significa ficar nos limites da ideologia burguesa. A
consciência de classe seria introjetada "de fora" pelos intelectuais revolucionários do
partido de vanguarda [7]. Esta é, claramente, uma ideologia da tecnocracia, pois reproduz
a divisão entre dirigentes e dirigidos, entre trabalho intelectual e trabalho manual. O
partido sendo a "vanguarda" da classe, então, a conquista do poder estatal por ele passa
a ser equivalente à ditadura do proletariado. Em 1902 já estava justificado o Golpe de
Estado de outubro de 1917.
O partido substitui a classe operária como "sujeito revolucionário" e por isso deve ser
coerente e eficiente nas suas ações políticas. Para isso ocorrer deve haver centralização,
disciplina e unidade de ação. Isso tudo torna o "centralismo democrático" uma
necessidade. Neste sentido, ideologia e organização estão unificadas e se
complementam.
O proletariado russo, apesar da ideologia da "nulidade operária" criada por Lênin, cria
os sovietes (conselhos operários) na revolução de 1905 e novamente na revolução de
fevereiro de 1917 [8]. O próprio Lênin reconheceu a espontaneidade revolucionária do
proletariado na revolução de fevereiro: "Em fevereiro de 1917 as massas organizaram
os sovietes antes mesmo que algum partido tivesse tido tempo de lançar esta palavra de
ordem. O grande gênio criador do povo, temperado pela amarga experiência de 1905,
que o tornara consciente, eis o artifície desta forma de poder proletário" [9]. Com a
revolução de fevereiro se implanta uma dualidade de poderes: de um lado, o poder
contra-revolucionário expresso no Estado Czarista, de outro lado, o poder
revolucionário expresso nos sovietes.
[7]
Cf. Lênin, W. Que Fazer? São Paulo, Hucitec, 1988.
[8]
Cf. Volin. A Revolução Desconhecida. São Paulo, Global, 1980; Trótsky, Leon. A Revolução de 1905.
São Paulo, Global.
[9]
Cit. por: Medvedev, Roy. Era Inevitável a Revolução Russa? Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1978, p. 49.
[10]
Cf. Brinton, Maurice. Os Bolcheviques e o Controle Operário. Porto, Afrontamento, 1975.
O bolchevismo realiza, através do exército vermelho, a contra-revolução na Ucrânia
destruindo a coletivização camponesa lá realizada [11]. Abole as frações dissidentes
internas do partido como os "Comunistas de Esquerda", a "Oposição Operária" e os
"Centralistas Democráticos" [12]. A insurreição de Kronstadt declarada pelos
marinheiros pretendia reestabeler os sovietes, como demonstra o Izsvestia de Kronstadt
de 6 de março de 1921: "Nossa causa é justa. Somos pelo poder do sovietes e não dos
partidos. Somos pela eleição livre dos representantes das massas trabalhadoras. Os
sovietes falsificados, monopolizados e manipulados pelo partido comunista sempre
foram surdos às nossas necessidades e exigências; a única resposta que recebemos foi
a bala assassina" [13]. O massacre de Kronstadt demonstrou que dessa vez não seria
diferente. Com a dominação bolcheviche nascida da fusão do partido com o Estado
surge uma camada burocrática que cresce cada vez mais. A burocracia dominante surge
de quadros do partido, do Estado Czarista, das indústrias, da pequena burguesia e em
menor grau do campesinato e até mesmo da classe operária. A burocracia (Burguesia do
Estado) se fortalece e consolida enquanto classe dominante durante o período do
"comunismo de guerra" e durante a NEP (Nova Política Econômica). A ascensão de
Stálin demonstra essa consolidação. A classe dominante, expressa perfeitamente no
stalinismo, encontra a partir de então, dois obstáculos: a burocracia dissidente liderada
por Tróstski e o campesinato. A repressão à "oposição unificada" que vai até os
processos de Moscou e a "estatização forçada", que proporcionou a chamada
"acumulação socialista primitiva" através da superexploração dos camponeses,
removem estes obstáculos [14]. O Capitalismo de Estado passa a predominar na URSS.
Mas resta saber: o que é o Capitalismo de Estado? Desde Marx sabemos que a
definição de um modo de produção se encontra nas relações de produção dominantes
em uma sociedade.
[11]
Cf. Machnó, Nestor. A "Revolução" Contra a Revolução. São Paulo, Cortêz, 1988.
[12]
Cf. Kollontai, Alexandra. A Oposição Operária. 1920-1921. São Paulo, Global, 1980.
[13]
Cit. por: Arvon, Henri. A Revolta de Kronstadt. São Paulo, Brasiliense, 1984, p. 43.
[14]
Geralmente se fala em "coletivazação forçada" mas isto nao é correto, pois "um kolkhoze, ou aquilo
que deveria ser uma propriedade coletiva, é um organismo que, pela sua própria natureza difere
essencialmente de uma associação cooperativa. Na realidade um kolkhoze é um organismo estatal que
tende a transformar os camponeses em operários agrícolas que cumprem suas tarefas por medo de
sanções penais" (Mett, Ida. O Camponês Russo Durante e Após a Revolução. Porto, A Regra do Jogo,
1975, p.).
Na URSS, os trabalhadores estão separados dos meios de produção e só possuem a sua
força de trabalho como mercadoria para vendê-la ao capital. Entretanto, assim como no
capitalismo privado, eles só recebem, em forma de salário, o necessário para sua
reprodução enquanto força de trabalho e produzem um excedente que é apropriado pelo
capital, a mais valia. Como se vê, o fundamental das relações de produção capitalistas
estão presentes na URSS.
[15]
Marx, Karl. A Miséria da Filosofia. 2a. edição, São Paulo, Global, 1989, p. 143.
[16]
"Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as
relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De forma de desenvolvimento das
forças produtivas, estas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução
social. A transformação da base econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa
superestrutura. Ao considerar tais alterações é necessário sempre distinguir entre a alteração material -
que se pode comprovar de maneira cientificamente rigorosa - das condições econômicas de produção, e
as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas
quais os homens tomam consciência deste conflito, levando-o as suas últimas consequências" (Marx, K. -
Contribuição à Crítica da Economia Política. Segunda Edição, São Paulo, Martins Fontes, 1983, p. 24 -
25).
No capitalismo privado, os proprietários individuais justificam a exploração através do
título de propriedade privada. No Capitalismo de Estado, ao contrário, a burocracia
justifica a exploração ao declarar que a propriedade dos meios de produção pertencem
ao povo mas é dirigido pelo Estado, ou seja, pela burocracia. A expressão jurídica da
propriedade burguesa no capitalismo privado se caracteriza por afirmar a sua existência
e compromisso justificar o controle sobre as forças produtivas e no Capitalismo de
Estado se caracteriza por afirmar sua "inexistência" e é justamente isso que justifica o
controle sobre as forças produtivas realizado pelo "coletivismo burocrático". A
propriedade real está presente em ambos os casos mas a propriedade jurídica está
presente apenas em um. Pois, na URSS, a propriedade pertence ao povo e se pertence a
todo mundo quer dizer, no final das contas, que "não pertence" a ninguém.
[17]
Cf. Bettelheim, Charles. A Luta de Classes na União Soviética. Vol. II. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1983.
cria a necessidade de submissão à lei do valor. Cria-se também, uma competição
embora num nível bem inferior em comparação com o capitalismo privado. A dinâmica
da acumulação de capital sob o Capitalismo de Estado é impulsionada principalmente
pela competição internacional que se realiza no mercado mundial.
A URSS não só explora os camponeses soviéticos como também avança sobre outros
países realizando uma verdadeira expansão imperialista. A fase imperialista do
Capitalismo de Estado russo é demonstrada tanto através do "velho imperialismo"
(dominação político-militar direta), como ocorreu no Afeganistão, quanto através da
exploração dos países do Leste Europeu no comércio internacional. Existe entre a URSS
e o Leste Europeu uma "troca desigual" e o exemplo da Hungria deixa isso bem claro:
"no caso da Hungria, enquanto esta, de 16 Rublos passou a pagar 36 par tonelada de
petróleo importado da URSS, o que significou o aumento de 131% (na verdade, 125% -
NSV), os preços das máquinas que ela vendeu à URSS tiveram um aumento de apenas
33%" [18]. A URSS se não bastasse isso, implantou no Leste Europeu "empresas mistas"
com 50% de capital soviético e 50% de capital nacional. Isso além das empresas que
foram cedidas pela Alemanha Oriental como pagamentos de indenização pelas
destruições da II Guerra Mundial e se tornaram propriedades soviéticas [19].
[18]
Tragtenberg, Maurício. Reflexões Sobre o Socialismo. 3a. edição, São Paulo, Moderna, 1989.
[19]
Cf. Borsi, Emil. Formação das Democracias Populares na Europa. Lisboa, Avante!, 1981.
manter a unidade da classe dominante. A repressão era o meio mais eficiente e utilizado
para reproduzir sua dominação, tal como expressa nos campos de concentração
(GULAGS) e nos hospitais psiquiátricos, pois, como escreveu um soviético dissidente,
a oposição era uma "nova doença mental na URSS" (V. Bukowski). Mas esta repressão
contava com o reforço da dominação ideológica realizada pelos aparelhos culturais e
educacionais do Estado soviético. Nas instituições educacionais havia o ensino
obrigatório do chamado "marxismo"-leninismo, a ideologia oficial do capitalismo
estatal russo. Entretanto, estes aparelhos culturais e educacionais também eram
garantidos pela repressão, pois não havia liberdade de imprensa e de produção
científica, artística e cultura. O monopólio estatal dos meios de produção cultural
produziu, conseqüentemente, o "monopólio" da produção cultural.
Toda essa repressão e controle tem como objetivo reproduzir as relações de produção
capitalistas na URSS. A resistência operária e camponesa se expressavam, num
primeiro momento, como luta de classes na produção. Os camponeses dos kolkhozes,
por exemplo, preferiam produzir nas suas parcelas individuais de terras do que nos
kolkhozes e isto provocava uma baixa produtividade do trabalho. A resposta da
burocracia era a tentativa de submeter a produção individual à exploração realizada
através das trocas comerciais, o que, por sua vez, gerava novos conflitos sociais. Nas
fábricas, os operários se encontram submetidos aos métodos tipicamente capitalistas de
controle da produção, por exemplo, o sistema Taylor, e por isso apresentam também
uma baixa produtividade do trabalho. A burocracia tentou resolver a questão com os
"incentivos materiais" (idéia importada da Europa Ocidental) mas, como demonstrou a
História, fracassou totalmente. A repressão generalizada na sociedade russa acontecia
justamente por causa do descontentamento e resistência crescente das classes
exploradas. A burocracia utilizava como "arsenal ideológico" as acusações aos
dissidentes de "contra-revolucionárias", "loucos", "agentes do imperialismo", etc., para
justificar a repressão. As burocracias das repúblicas "soviéticas" utilizavam-se das
tradições nacionalistas, acirradas pela opressão russa, para incentivar mobilizações de
trabalhadores como o objetivo de pressionar Moscou para conseguir uma repartição
mais favorável da mais-valia.
A resistência operária na produção atinge níveis elevados quanto a sua luta contra o
aumento da produtividade e da extração de mais-valia chega ao ponto de apelar para as
greves e se exige melhores salários; pois isto significaria uma diminuição na extração de
mais-valia por quanto isso não fosse acompanhado pelo aumento da produtividade ou
da jornada de trabalho, o que efetivamente não ocorria. A resistência operária fora do
local de produção se expressa na formação de sindicatos independentes e de
organizações clandestinas de esquerda. A burocracia reage, obviamente, com a
repressão crescente e generalizada na sociedade russa.
[20]
Claudin, Fernando. A Oposição no "Socialismo Real". Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983, p. 287.