Análise crítica
Juiz de Fora
2009
2
Análise crítica
Juiz de Fora
2009
3
Análise crítica
________________________________________________________
Professora Danielle Alves Ribeiro (orientadora) – UFJF
________________________________________________________
Professora Lisia Cordeiro de Aquino
________________________________________________________
Professor Aloysio Libano de Paula Júnior
Juiz de Fora
02/07/2009
4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise crítica sobre a Lei
11.900 de janeiro de 2009, que regulamenta o interrogatório por videoconferência. Para isso
demonstraremos a evolução, histórica e técnica, do interrogatório e suas principais
características. Será abordado ainda as modificações que lei 11.900/09 trouxe a Código de
Processo Penal, seus pontos favoráveis e desfavoráveis, sempre com fundamento na Teoria
do Risco, do Direito Penal Simbólico e Direito Penal do Inimigo, nos pautando na
aplicabilidade do interrogatório por videoconferência em observância aos direitos
fundamentais do contraditório e a ampla defesa, elencados na Constituição Federal, que
ficará demonstrado que estes não foram observados no momento de criação desta lei, uma
vez que esta só teve como preocupação tranqüilizar a população, fugindo assim do objetivo
central do processo penal, que é o de proporcionar ao acusado um processo justo.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
3 - O INTERROGATÓRIO 17
CONCLUSÃO 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA 39
8
INTRODUÇÃO
Assim como, no direito, toda alteração causa divergência, não poderia ser
diferente no caso da implantação do interrogatório por videoconferência, causando
um racha nos doutrinadores, sendo estes argumentos, favoráveis e desfavoráveis,
analisados no final do Capitulo 3.
Ao agir dessa forma o Estado faz com que a parcela mais fraca da
sociedade sofra ainda mais mazelas, pois são cada vez mais marginalizadas, uma
vez que os riscos, na maioria dos casos, se emanarão deles (segundo os
dominadores das previsões). Consubstanciado nessa teoria, o Estado toma atitudes
incompatíveis com e Estado Democrático de Direito, pois edita leis que diminuem e
1
BECK, Ulrich. “Momento cosmopolita” da sociedade de risco. Com Ciência, 2008, p. 1.
12
Como não poderia ser diferente, essa (má) influência atingiu o Direito
Processual Penal, pois uma vez acusado, este sofrerá, caso não seja “favorecido”,
limitações de seus direitos, pois sempre será considerado um fator de risco para a
sociedade. E quando condenado isso se torna muito pior, pois a partir desse
momento o Estado e a sociedade tem “certeza” de que ele é não mais um risco, mas
sim uma verdadeira “catástrofe”. Por esse motivo o Estado, com “aval” de toda a
sociedade, cria normas cada vez mais “duras” aos que realmente são atingidos por
elas. Fazendo da lei penal um simples tranqüilizador da opinião publica.
2
Se você me perguntar: o que te preocupa mais, minha resposta é: o que me deixa irritado,
desamparado e amargo é que os mais pobres dos pobres, os mais vulneráveis são os mais atingidos.
Estamos experimentando um estado de socialismo para os ricos, ao custo dos pobres – nacional e
globalmente. Há uma injustiça ultrajante que acontece agora que está para explodir politicamente nos
próximos meses e anos. [BECK, Ulrich. “Momento cosmopolita” da sociedade de risco. Ob. cit., p. 2].
3
o Direito penal conhece dois pólos ou tendências de suas regulações. Por um lado, o trato com o
cidadão, em que se espera até que este exteriorize seu fato para reagir, com o fim de confirmar a
estrutura normativa da sociedade, e por outro, o trato com o inimigo, que é interceptado prontamente
em seu estágio prévio e que se combate por sua perigosidade.[JACKOBS, Günther, CANCIO MELIÁ,
Manuel. Direito Penal do Inimigo. Trad. CALLEGARI, André Luis, GIACOMOLLI, Nereu José. Livraria
do Advogado, 2005, p.42]
13
Na atualidade o Brasil passa por uma fase onde leis penais de cunho
simbólico são cada vez mais elaboradas pelo legislador infraconstitucional. Tais leis
trazem uma forte carga moral e emocional, revelando uma manifesta intenção pelo
Governo de manipulação da opinião pública, ou seja, tem o legislador infundindo
perante a sociedade uma falsa idéia de segurança.
4
"Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranqüilizar a opinião pública, ou seja,
um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um direito penal de risco simbólico, ou seja, os
riscos não se neutralizam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-
se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um direito penal promocional, que
acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia." [BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio
Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, v. I, 2003 p. 631.].
5 O conceito teórico de segurança pública é o de uma atividade estatal voltada à preservação da
ordem pública e, como corolário, da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A ordem pública é
objeto da segurança pública e, esta, o instrumento do Estado, disposto a manter ou estabelecer a
ordem pública, caracterizando- se pelo emprego da coerção, no desempenho da vis absoluta, por ele
legitimamente monopolizada. [MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Curso de Direito Administrativo.
12 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 404].
14
Processual Penal, fazer uma “inversão ao colocar o homem na linha de fins da lei: o
homem, existindo para a lei, e não a lei existindo para o homem” 6.
6
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4 ed., Rio de Janeiro: Revan,1999,
p.112.
15
Após toda esta evolução o interrogatório passa a ser visto como meio de
prova, e principalmente, como meio de defesa do réu. O ponto máximo de sua
transformação, no Brasil, foi a promulgação da lei 11.719, de junho de 2008, que
alterou o artigo 400 do Código de Processo Penal 7, a qual determinou que o
interrogatório seria o último procedimento na audiência de instrução e julgamento.
7
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta)
dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas
pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem
como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
interrogando-se, em seguida, o acusado. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
17
3. O INTERROGATÓRIO
8
“o interrogatório, pois, na lei em vigor, é meio de prova. Fato de ser assim não significa que o réu
não possa valer-se dele para se defender. Pode, ele é excelente oportunidade para fazer alegações
defensivas... o objetivo do interrogatório é provar, a favor ou contra, embora dele possa aproveitar-se
o acusado para defender-se”. [TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997, p. 359]
9
“ao contar a sua versão do ocorrido o réu poderá fornecer no juízo elementos de instrução
probatória, funcionando o ato, assim, como meio de instrução da causa. Todavia, essa não é a
finalidade a qual se predispõe, constitucionalmente, o interrogatório, sendo a sua qualificação como
meio de prova meramente eventual, insuficiente, portanto, para conferir-lhe a natureza vislumbrada
pelo Código Processual Penal”. [CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 260]
18
10
"... o direito ao silêncio é uma garantia individual do cidadão, que realmente acentuou o caráter de
meio de defesa do interrogatório, mas sem retirar-lhe a força de ser um meio de prova, pois do
mesmo modo que o réu pode calar-se, sem nenhuma conseqüência, pode abrir mão dessa garantia
e, com isso, produzir prova (em seu favor ou contra). No mesmo sentido atua o fato de não haver
intervenção das partes no interrogatório, dando realce ao seu caráter defensivo, embora sem excluir,
repita-se, o aspecto de meio de prova". [NUCCI, Guilherme de Souza. Interrogatório, confissão e
direito ao silêncio no processo penal. R. EPM. Apamagis, 1997, p.113]
11
O interrogatório, em regra, é ato público, podendo qualquer pessoa assistir a ele. A finalidade dessa
publicidade é comprovar que as declarações do réu foram prestadas espontaneamente, sem
qualquer tortura. Porém, quando da publicidade do ato puder resultar escândalo, perigo de
perturbação da ordem ou inconveniente grave, o interrogatório far-se-á a portas fechadas, o número
19
de pessoas presentes será limitado, sendo conveniente que dentre elas esteja o defensor, de acordo
com o artigo 792, §1º do Código de Processo Penal.
12
HC 95289 / SP - SÃO PAULO
HABEAS CORPUS - Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 21/10/2008 Órgão Julgador: Segunda Turma
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: AÇÃO PENAL. Processo. Tráfico de entorpecentes. Procedimento especial. Defesa e
interrogatório prévios ao juízo de recebimento da denúncia. Procedimento não observado.
Condenação do réu. Prejuízo presumido. Nulidade processual. Processo anulado desde a denúncia,
inclusive. HC concedido para esse fim. Precedentes (HC nº 88.836-MG; 2ª Turma; Rel. Min. CEZAR
PELUSO; j. 08/8/2006, in RT 856/512; HC nº 94.027-SP; 2ª Turma; Rel. orig. Min. ELLEN GRACIE; p/
ac. Min. JOAQUIM BARBOSA; j. 21/10/2008). Inteligência do art. 38, caput, da Lei nº 10.409/2002. A
inobservância do rito previsto no art. 38, caput, da Lei nº 10.409/2002, que prevê defesa e
interrogatório prévios do denunciado por crime de tráfico de entorpecentes, implica nulidade do
processo, sobretudo quando tenha sido condenado o réu.
13
RHC 87172 / GO - GOIÁS
RECURSO EM HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO
Julgamento: 15/12/2005 Órgão Julgador: Primeira Turma
EMENTA: PROCESSO CRIMINAL. Defesa. Cerceamento caracterizado. Ré interrogada sem a
presença de defensor, no dia de início de vigência da Lei nº 10.792, de 2003, que deu nova redação
ao art. 185 do Código de Processo Penal. Sentença que, para a condenação, se valeu do teor desse
interrogatório. Prejuízo manifesto. Nulidade absoluta reconhecida. Provimento ao recurso, com
extensão da ordem a co-réu na mesma situação processual. É causa de nulidade processual
20
absoluta ter sido o réu qualificado e interrogado sem a presença de defensor, sobretudo quando
sobrevém sentença que, para o condenar, se vale do teor desse interrogatório.
14
Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua
residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.
§ 1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.
§ 2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória,
uma vez devolvida, será junta aos autos.
§ 3º Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por
meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo
real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da
audiência de instrução e julgamento. (Incluído pela Lei nº 11.900, de 2009)
Art. 222-A. As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua
imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio. (Incluído pela Lei nº 11.900,
de 2009)
15
"Daí a relevância de esse ato ser realizado cara a cara, entre Magistrado e acusado, quando o
primeiro poderá sentir as reações do interrogando: se vacila ou é firme no que diz, se demonstra
sinceridade ou desonestidade, se revela arrependimento ou frieza quanto ao ato delituoso que
praticou". [PINTO, Ronaldo Batista. Prova Penal Segundo a Jurisprudência. São Paulo: Saraiva,
2000. p. 139.]
16
Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte:
(Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º. 12.2003)
21
I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente;
(Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º. 12.2003)
II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; (Redação dada
pela Lei nº 10.792, de 1º. 12.2003)
III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as
respostas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º. 12.2003)
17
Art. 193. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de
intérprete. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º. 12.2003)
18
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos
concedidos à acusação e à defesa;
22
Porém tal lei não pode ser considerada uma inovação no país, pois como
observado no capitulo 3.2 deste trabalho, vários estados já se valiam desse método,
porém só em 2005 o Estado São Paulo institui, nos mesmos moldes que a lei
19
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.511.
24
Porém essas alterações não foram bem recebidas por toda a doutrina
especializada, no próximo capitulo iremos demonstrar os argumentos favoráveis e
desfavoráveis sobre a lei 11.900/09.
22
CAPEZ, Fernando. Interrogatório e outros atos processuais por videoconferência. Revista Jurídica
Consulex. Ano XIII. nº 292. 15 de março de 2009, p. 31.
23
Art. 222 (…)§ 3° Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser
realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante
a realização da audiência de instrução e julgamento.
24
Art. 222-A. As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua
imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio.
25
Esse ponto gerará (certamente) muita controvérsia pelo seguinte: o Ministério Público nem sempre
conta com verba apropriada para isso e, de outro lado, quando se trata de réu pobre ele não pode
arcar com as despesas do ato. Quem faz jus à justiça gratuita deve ser excepcionado (sob pena de
se cercear a defesa). [GOMES, Luiz Flávio. Videoconferência: Comentários à Lei nº 11.900, de 8 de
janeiro de 2009, 2009, p.1.]
27
Sabemos que são gastos pelo Estado milhões de reais mensais com
despesas de escolta para interrogatórios de réus presos.
Além da despesa em si, o Poder Público necessita de um
contingente significativo de Policiais Militares para esse mister, os
quais são colocados também em risco, pelo fato de serem “alvos” de
tentativas de resgates de presos a caminho do fórum.26
26
. CAPEZ, Fernando. Interrogatório e outros atos processuais por videoconferência, ob. cit., p.32
28
Outro ponto defendido por essa parte da doutrina diz respeito à celeridade
que o interrogatório por videoconferência trará ao processo penal, pois ocorre em
alguns casos a quase impossibilidade de levar o acusado a Juízo, causando assim
um excesso no tempo de prisão do acusado antes de sua condenação. Tal fato
ocorreu em um processo da Comarca de Franco da Rocha-SP, onde vários lideres
do PCC – Primeiro Comando da Capital, grupo criminoso nacionalmente conhecido,
foram liberados pelo Supremo Tribunal Federal, pois o processo corria a quatro anos
sem sentença, com fundamento que os réus não foram apresentados quase uma
dezena de vezes. Segundo Fernando Capez, “Com a videoconferência isso não teria
ocorrido”.
27
Importante ressaltar que, no dia da escolta, através do conhecido “bonde”, via de regra, os presos
são separados desde cedo, independente do horário do interrogatório, passando por um longo
período de espera nos fóruns. Muitas vezes essa espera vem acompanhada de fome e sede, além do
próprio constrangimento que o preso sofre ao ser visto publicamente com uniforme prisional e
algemado, constituindo grave atentado ao princípio fundamental da dignidade humana, plasmado no
artigo 1º, inciso III, do Texto Constitucional. [CAPEZ, Fernando. Interrogatório e outros atos
processuais por videoconferência, ob. cit., p.32]
28
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
29
29
Recurso de habeas corpus. Processo Penal. Interrogatório feito via sistema conferencia em real
time. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi artigo 563
do CPP. Recurso desprovido” (STJ, RHC 6272/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 3/4/97,
impetrante Evaldo Aparecido dos Santos)
INTERROGATÓRIO JUDICIAL ON-LINE.Valor-Entendimento – O sistema de teleaudiência utilizado
no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação
reservada entre o réu e seu defensor e faculta, ainda, a gravação em compact disc, que será
anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o
acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar
com seu defensor em canal de áudio reservado.”(TACRM/SP – Apelação nº 1.384.389/8 – São Paulo
– 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U., Voto nº 11.088).
Hábeas Corpus – Pretensão de se anular instrução realizada pelo sistema de videoconferência –
Alegação de violação dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa –
Nulidade inocorrente – violação não caracterizada porque mantido o contato visual e direto entre
todas a partes e porque facultada a permanência de um defensor na sala de audiência e outro na
sala especial onde o réu se encontra – Medida que, ademais acarreta celeridade na prestação
jurisdicional e sensível redução de custos para o Estado- Ordem denegada”( Tribunal de Justiça de
São Paulo, Hábeas Corpus nº 428.580-3/8)
30
Giancarlo Sandro Caselli, ex-chefe do pool antimáfia italiano atualmente responsável pelo sistema
carcerário da Itália afirma que: “Os interrogatórios são feitos por circuito interno de televisão. Dessa
maneira não há constrangimento para testemunhas e existe mais segurança para os setores que
estão investigando os mafiosos.” Explicou ainda que: “Para evitar que os mafiosos fossem resgatados
ou fizessem ameaças às testemunhas durante os interrogatórios, o Ministério Público passou a
utilizar o que eles chamam de videoconferência.” [GÜNTHER, Ulrich N. Proteção de Vítimas e
Testemunhas no Processo Penal na Alemanha. Revista Direito Mackenzie. Número 2. Ano 1, p.10]
30
Boa parte da doutrina que é contrária a adoção deste ato jurídico seguem
a mesma linha de pensamento do Ministro, pois alegam que este é o único momento
do réu para apresentar sua defesa diante do Estado Juiz, onde é notável toda a
sensibilidade e percepção entre as partes (juiz e réu) ficará prejudicada justamente
pelo desprovido sentimento causado pela imagem fria e desumana, demonstrando
assim a inconstitucionalidade e o possível julgamento não justo como também
prejudicar a situação do acusado por não ter realizado o contato físico com o
magistrado.
31
D’URSO, Luíz Flávio Borges. O interrogatório por teleconferência: uma desagradável Justiça virtual.
Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 2002, p.1
31
32
artigo 7º, nº5, “que toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de
um juiz ou de outra autoridade autorizada por leia exercer funções judiciais
33
[FILHO, Antonio Magalhães Gomes. Direito a Prova no Processo Penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p.106].
34
Além disso, como o sistema punitivo é demasiadamente falho, essa mudança poderá acirrar as
polaridades sociais no âmbito do processo e os erros judiciários já existentes.
Não é novidade que o perfil básico da população carcerária é constituído de jovens pobres,
predominantemente negros, semianalfabetos, aprisionados com menos de 30 anos de idade, sem
advogado, com antecedentes criminais, cumprindo pena que varia entre quatro e quinze anos de
prisão. [TAVARES, Katia. Videoconferência compromete autodefesa. Conjur. 2009, p.01.]
32
local hostil. Onde o mesmo poderá estar sofrendo de coação, abusos ou até mesmo
tortura, sendo lhe privada as garantias mínimas para uma livre manifestação, que
ocorreria se o mesmo estivesse diante do magistrado35.
Segundo Luiz Flávio Borges D’Urso não seria possível garantir uma fiel
reprodução da realidade através de uma tela de computador, segundo ele não
haverá a garantia de que o mostrado no vídeo estará de acordo com a realidade,
como a voz do acusado, cor de pele, entre outros elementos fundamentais para o
seu reconhecimento36.
Uma vez que a doutrina a favor diz que utilização do interrogatório por
videoconferência reduziria os custos do Estado com o transporte de preso, a parte
contrária afirma que isso não pode ser afirmado, pois a utilização da
videoconferência, como a própria lei diz, será em casos excepcionais. Sendo assim,
a redução seria muito pequena, só ocorrendo uma profunda redução se este tipo de
interrogatório fosse regra. Outro ponto não observado (ou não mencionado), com
relação ao custo, seria implantação do interrogatório por videoconferência no país,
isso também geraria um grande ônus ao Estado, uma vez que este mecanismo não
é barato e o número de varas criminais no país ultrapassa a casa dos milhares e
como já demonstrado em outros países, como no Reino Unido que gastou cerca de
5,3 milhões de libras em apenas 156 varas judiciais 37.
35
“O interrogatório que, para o acusado, se faz em estabelecimento prisional, não acontece com total
liberdade. Ele jamais terá suficiente serenidade e segurança, ao se ver interrogar na carceragem - ou
outro lugar, na Cadeia Pública. Estará muito próximo ao carcereiro, ao "chefe de raio", ao "xerife de
cela", ao co-imputado preso, que, contingentemente, deseje delatar. O interrogado poderá, também,
ser um "amarelo"; ou se ter desentendido com alguma quadrilha interna e, assim, perdido a paz, no
cárcere. Em tal passo, o primeiro instante do exercício do direito de defesa, no processo, ou
autodefesa torna-se reduzida. O inculpado não será, pois, ouvido, de forma plena (art. 5º, inc. LV, da
Constituição da República).”[PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Interrogatório à distância. Boletim
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, ano 8, nº 93, 2000, p.16]
36
“Além disso, o reconhecimento do réu, pela vítima ou testemunha, por meio de uma tela de
computador, é surreal: será possível transmitir a exata cor de pele, cabelos, olhos etc., ou a altura do
réu, sua dimensão corporal, seus trejeitos, sua exata voz, elementos essenciais para o
reconhecimento de alguém?”[ D'URSO, Luíz Flávio Borges e COSTA, Marcos da. Videoconferência:
limites ao direito de defesa. Revista Jurídica Consulex. Ano XIII. nº 292. 15 de março de 2009, p. 33]
37
Para que se tenha uma idéia das dimensões desse mercado, estima-se que apenas em 2002 o
Reino Unido teria gastado cerca de 5,3 milhões de libras esterlinas em já defasados sistemas Sony
Contact 1600, e, mesmo assim, apenas 156 varas judiciais (cerca de 20 milhões de reais em valores
atuais) puderam ser atendidas (dados do Home Office britânico). Bem, só o estado da Bahia tem
1.039 varas judiciais. Basta, portanto, fazer os cálculos para se imaginar quais seriam os valores
envolvidos em um país de tamanho continental como o Brasil, lembrando-se que estamos falando
apenas do hardware, sem incluir o licenciamento anual de softwares, do cabeamento e da
33
imprescindível manutenção. Os custos são tão altos, mas tão altos, que muitos órgãos judiciais
passaram a cobrar pela realização de videoconferências, no intuito de repassar aos jurisdicionados
uma parcela dos gastos estratosféricos advindos da implantação do sistema, ao custo de 300 dólares
a hora, incluindo o valor da transmissão, do aluguel do satélite e do manuseio e empréstimo do
equipamento. [COSTA, Aldo Campos. Não é certo que videoconferência reduzirá custos. Conjur, São
Paulo: 15 de janeiro de 2009, p.1].
34
Antes de qualquer coisa gostaria de informar que somos contra essa lei.
Mesmo a considerando uma ótima lei, cheia de pontos positivos que poderiam
melhorar e muito o Processo Penal brasileiro, porém a mesma não pode ser
aplicada em um país onde grande parcela da população já tem seus direitos e
garantias fundamentais ameaçados. Como pode ser possível em um país onde, em
sua grande maioria, os presídios são superlotados uma lei privar o acusado (ainda
não condenado, pois ainda está sendo julgado) de comparecer em juízo para
exercer seu direito de autodefesa, sob a justificativa do risco de fuga?
Ficando claro que esta lei tem como intuito apenas tranquilizar uma
parcela população, o chamado por Eugênio Raúl Zaffaroni de direito penal simbólico.
Acreditamos que tal medida até possa vir a diminuir as fugas em transporte de
presos, mas não achamos correto que os réus, já privado de tantos outros direitos,
venham a ser privado de mais um direito fundamental tão importante, o de
comparecer a juízo fisicamente, não virtualmente, para poder exercer seu direito de
defesa e de contraditório, ou seja, interrogatório deve ser feito sempre na presença
do juiz e do réu para satisfazer o princípio do contraditório e da ampla defesa, como
prevê a Constituição Federal e o Pacto de São Jose da Costa Rica.
38
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Ob. cit., p.530.
36
Dessa forma, não vemos com bons olhos a utilização do interrogatório por
videoconferência, pois sua criação foi pautada no Direito Penal do Inimigo, com o
objetivo de isolar os presos e passar para a população a idéia de que o Estado está
37
agindo para proporcionar uma maior segurança. Um direito penal que está
preocupado em aplicar penas privativas de liberdade, minimizando cada vez mais os
direitos fundamentais para atingir esse fim.
5. CONCLUSÃO
Não vemos com bons olhos a criação da lei 11.900/09 baseada na teoria
do risco e com objetivo de resolver problemas de segurança pública. Não pode uma
lei processual penal ser utilizada com finalidade de tranqüilizar uma parcela da
população, tranqüilizar não resolve e só deturpa suas finalidades.
39
Art.185, §1º O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em
que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério
Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.
39
Vale apena deixar aqui registrado que no estado de Alagoas um réu foi
absolvido em processo onde o tribunal do júri foi realizado no próprio presídio 40,
processo número 001.06.020921-7/TJ-AL. Em relação a esse procedimento proferiu
de forma brilhante a desembargadora Elisabeth Carvalho Nascimento, do TJ-AL,
"Está na hora do Judiciário se aproximar da sociedade. O juiz deve sair de trás de
seu bureau para a sociedade”. Ficando demonstrado que podemos resolver os
problemas relacionados com o interrogatório de maneira criativa e inteligente, sem
contrariar direitos e garantias fundamentais.
40
O preso José Márcio da Silva, 31 anos, conhecido como Índio, foi absolvido do crime de homicídio
nesta terça-feira, no primeiro júri popular realizado dentro de um presídio no País, em Alagoas. Silva
ficou livre da condenação por quatro votos a um. Iniciado por volta das 8h, o júri popular ocorreu na
sede da Diretoria de Unidades Penitenciárias (DUP), em Maceió, e foi presidido pelo juiz da 9ª Vara
Criminal, Geraldo Cavalcante Amorim. Segundo o magistrado, a iniciativa tem como objetivo a
economia de recursos com o deslocamento de réus presos, além de garantir a segurança dos
agentes penitenciários envolvidos com o transporte de detentos e diminuir os riscos de fuga. Amorim
afirmou que pretende fazer outro julgamento dentro do presídio ainda nesta semana.De acordo com a
presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), desembargadora Elisabeth Carvalho
Nascimento, a idéia de realizar julgamentos no presídio surgiu com o histórico de interceptações de
bandidos durante o transporte de presos para os fóruns. "Está na hora do Judiciário se aproximar da
sociedade. O juiz deve sair de trás de seu bureau para a sociedade", afirmou.Silva era acusado de ter
assassinado com um tiro Carlos Alberto Ribeiro Macedo, em 2006, sob a ponte do vale do Reginaldo.
O mesmo réu é processado por outro homicídio e tem um segundo julgamento marcado para o
próximo dia 22, também na 9ª Vara Criminal. [RIOS, 2009, p.1]
40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 16. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009.
TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.