importância da leitura
Introdução
Dissertação é uma tipologia presente em diversos gêneros. Deve ser compreendida tanto
do ponto de vista da construção como da leitura.
Leitura é um complexo processo presente na vida de todo ser humano, em diversos con-
textos. É fundamental, para o amplo desenvolvimentos de nossas habilidades de comu-
nicação e interação com o mundo, desenvolver o máximo possível nossas habilidades
leitoras.
O tipo de texto escrito por Lygia Fagundes Telles é muito comum para todos nós. Nele
estão inseridos os textos que, em sua forma de composição, partem de um tema abs-
trato e propõe alguma forma de análise ou interpretação do real. Esse tipo de texto é
denominado dissertativo.
Nas palavras de Othon Garcia, para que seja dissertativo, basta que o texto tenha,
como forma de organização principal, o que se poderia chamar de “exposição ou expla-
nação de idéias.”
Vamos destacar algumas características dos textos dissertativos, retiradas de Platão e Fiorin:
a) São textos temáticos: apresentam-se como uma análise de um dado tema. Nos tex-
tos dissertativos, o objetivo principal não é contar uma história ou descrever algo,
mas desenvolver um raciocínio sobre um assunto.
b) Sua ordenação obedece às relações lógicas: por desenvolver um raciocínio, o texto
dissertativo organiza-se por uma relação de lógica entre suas partes. Assim, seu
autor parte de um tema e apresenta idéias sobre o assunto, de tal forma que cada
nova idéia acrescentada seja solidária com as anteriormente expostas.
c) Seu tempo é o presente, de valor atemporal: por procurar falar de um tema de
forma ampla e generalizada, não pensando apenas em um caso isolado, o tempo
verbal mais comum no texto dissertativo é o presente.
“A seleção natural só tem olhos para o indivíduo, a ela não interessa o futu-
ro de qualquer espécie. Haja vista quantos milhões delas acompanharam os
dinossauros nas extinções em massa. Não existe grandiosidade nos desígnios
da evolução, ela segue curso inexorável, mero resultado da soma aritmética
de pequenas conquistas individuais que conferem microvantagens na hora da
reprodução. A evolução não moveu um dedo para impedir que o homem mo-
derno, filho de caçadores e coletores que matavam por comida,
inventasse a poltrona e a geladeira. Como resultado dessa ruptura, com a tra-
dição de escassez permanente vieram a obesidade, o diabetes,
a hipertensão e os infartos do miocárdio.”
Drauzio Varella
(VARELLA, Drauzio. Borboletas da alma. São Paulo: Cia das Letras, 2006.)
A produção de dissertações e a importância da leitura Universidade Anhembi Morumbi
No fragmento do texto de Drauzio Varella encontramos as três características dissertati-
vas anteriormente destacadas:
a) O texto é temático, apresentando uma análise sobre a mudança do hábito alimen-
tar humano, desenvolvido há milhões de anos, e a atual abundância de comida.
b) Há uma relação lógica entre as partes, pois o texto inicia-se com uma informação
sobre a seleção natural. A partir dela, avança no raciocínio e conclui que, como ela
só tem olhos para o indivíduo, nada fez para impedir que nós mudássemos nossa
forma de estar no mundo, criando a vida sedentária e todas as doenças decorren-
tes dessa nova atitude.
c) Observam-se alguns verbos no passado, mas a maior parte de suas frases analíti-
cas estão escritas em um presente generalizador, comum a todos os seres envolvi-
dos naquele processo: “A seleção natural só tem olhos para o indivíduo, a ela não
interessa o futuro de qualquer espécie”. “Não existe grandiosidade nos desígnios
da evolução, ela segue curso inexorável”.
Produzindo um dissertação
Boa parte dos textos que produzimos ou lemos, sejam eles estruturados nas tipologias
narrativa ou dissertativa, apresentam-se organizados em três grandes momentos: o co-
meço, o meio e o fim. No caso dos dissertativos, essa estrutura básica é constituída pelo
que convencionou-se chamar “introdução”, “desenvolvimento” e “conclusão.”
Definição semelhante é encontrada em Francisco Moura, quando afirma: “a estrutura-
padrão de um texto dissertativo é constituída de introdução, desenvolvimento e conclu-
são”.
Quando vamos produzir um texto dissertativo, portanto, devemos levar em conta esses
três aspectos. Observemos, com mais detalhes, as especificidades de cada parte:
• Introdução: é o momento em que autor apresenta ao leitor o tema e seu ponto de
vista. Especialmente quando pensamos no universo escrito, é fundamental explicar
ao leitor do que se trata e qual será nossa posição frente ao assunto.
• Desenvolvimento: é a parte principal do raciocínio. Quando defendemos um ponto
de vista, de forma mais ou menos explícita, precisamos expor os motivos que nos
levam a pensar daquela forma sobre o tema.
• Conclusão: como estamos construindo um ponto de vista, precisamos “fechar”
nosso raciocínio.
É claro que os diversos textos não seguem, necessariamente, essa estrutura tão rígida.
Tudo depende do tamanho do texto, do objetivo do autor ao escrevê-lo, do contexto em
que será publicado, entre outros fatores. De qualquer forma, ao compormos uma disser-
tação, devemos seguir um esquema de racicínio, no qual estejam articulados introdução,
desenvolvimento e conclusão.
Com o intuito de definir parágrafo, Luiz C. Figueiredo afirma que eles “são como ‘pra-
teleiras’ que dividem uma seqüência de informações ou pensamentos. Servem para
facilitar a compreensão e a leitura do texto, dar folga ao leitor, que acompanha, passo a
passo, a linha de raciocínio desenvolvida pelo escritor.”
Para que essa linha fique clara, especialmente se pensarmos no esforço de compreensão
que será feito pelo leitor, a organização dos parágrafos torna-se fundamental.
(2) Por exemplo, o mito da mãe-mártir. Primeiro engano: nem toda mulher nas-
ce para ser mãe, e nem toda mãe é mártir. Muitas são algozes, aliás. Cuidado
com a mãe sacrificial, a grande vítima, aquela que desnecessariamente deixa
de comer ou come restos dos pratos dos filhos, ou, ainda, que acorda às 2 da
manhã para fritar (cheia de rancor) um bife para o filho marmanjo que chega
em casa vindo da farra. Cuidado com a mãe atarefada que nunca pára, sem-
pre arrumando, dobrando roupas, escarafunchando armários e bolsos alheios
sob o pretexto de limpar, a mãe que controla e persegue como se fosse cuidar,
não importa a idade das crias. Essa mãe certamente há de cobrar com gestos,
palavras, suspiros ou silêncios cada migalhinha de gentileza.
Eu, que me sacrifiquei por você, agora sou abandonada, relegada, esquecida?
E por aí vai...”
(LUFT, Lya. “Faxina nos mitos”. Revista Veja, n. 1901, 20/04/2005)
Já no segundo, o tema do texto continua o mesmo, mas uma nova idéia foi acrescenta-
da. A autora nos apresentará um tipo específico de mito, o da “mãe-mártir”; esse pará-
grafo inteiro terá como tópico organizador esse tema.
Dissertação e Argumentação
Em nossa tradição escolar, é muito comum a associação dos termos “dissertação” e “ar-
gumentação”, como se fossem sinônimos. No entanto, é importante destacar que temos
aí dois fenômenos lingüísticos distintos.
Como vimos, dissertação é uma tipologia, uma forma de organização interna de alguns
textos. Já argumentação, ou persuasão, pode ser definida como a soma dos procedi-
mentos lingüísticos utilizados em um dado texto que têm por objetivo convencer o recep-
tor/leitor de alguma coisa.
Analisando esses elementos, pode-se afirmar que essa embalagem procura persuadir o
leitor de que o adoçante é um produto delicioso, fazendo um apelo à vontade de con-
sumi-lo. Assim, é possível dizer que ela procura convencer o leitor, de forma explícita, a
comprar o produto Linea sucralose.
Novamente de acordo com Platão e Fiorin, “todo texto é argumentativo, porque todos
são, de certa maneira, persuasivos. Alguns se apresentam explicitamente como discursos
persuasivos, como a publicidade, outros se colocam como discursos de busca e comu-
nicação do conhecimento, como o científico. Aqueles usam mais a argumentação em
sentido lato; estes estão mais comprometidos com raciocínios lógicos em sentido estrito.”
Tendo como base nossa amplitude de definições de texto, já podemos, inicialmente, en-
tender a leitura como um processo de atribuição de sentido a combinações sígnicas de
diferentes naturezas.
Segundo Vincent Jouve, a leitura é uma atividade complexa, que apresenta algumas
facetas.
• Um processo neurofisiológico: “ler é, anteriormente a qualquer análise do conteú-
do, uma operação de percepção, de identificação e de memorização dos signos.”
• Um processo cognitivo: “depois que o leitor percebe e decifra os signos, ele tenta
entender do que se trata.”
• Um processo afetivo: “se a percepção do texto recorre às capacidades reflexivas do
leitor, influi igualmente – talvez, sobretudo – sobre sua afetividade.”
• Um processo argumentativo: “o texto, como resultado de uma vontade criadora,
conjunto organizado de elementos, é sempre analisável como ‘discurso’, engaja-
mento do autor perante o mundo e os seres.”
Nesse sentido, “ler” é um processo amplo, uma forma de interação com os signos que
se dá de um ponto de vista neurofisiológico, cognitivo, afetivo e argumentativo.
Já para o educador Paulo Freire, ler é um ato social, muito importante e que todo ser
humano realiza, independentemente de ser alfabetizado ou não. Para ele, a leitura é,
antes de mais nada, um processo socializado.
“A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não
pode prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem
Nesse outro sentido para o termo “leitura”, o destaque recai na interação entre o indi-
víduo e o mundo. Todas as pessoas, independentemente de sua escolaridade, lêem a
realidade. Afinal, para Freire, a compreensão de um texto é sua inserção em uma dado
contexto.
Uma outra definição pode ser vista em R. Dell’Isola. Diz a autora: “ler é interagir, é
construir significado para o texto. Quando se invoca a natureza interativa do tratamento
textual, é preciso ter em mente todos os tipos de conhecimento que o leitor utiliza duran-
te a leitura – conhecimentos e crenças sobre o mundo, conhecimentos de diferentes tipos
de texto, de sua organização e estrutura, conhecimentos lexicais, sintáticos (...).”
Paulo Freire
Nessa terceira concepção, destaca-se o papel interativo entre texto e leitor. Para a atri-
buição de sentido, ele realiza uma série de procedimentos, mobilizando vários conhe-
cimentos diferentes, que vão de seu repertório pessoal ao conhecimento da estrutura
interna do texto em questão. Nessa forma de ver a leitura, o sentido não está encerrado
no texto; depende, sim, das estratégias mobilizadas pelo leitor para ter dele alguma
compreensão.
Aprofundando melhor a relação entre texto e leitor, Vicent Jouve atribui máxima impor-
tância ao conhecimento prévio no ato de ler.
Essa é uma situação extrema (páginas em línguas desconhecidas), mas os leitores reali-
zam essas estratégias o tempo todo, com os mais variados textos. E, a partir delas, vão
construindo suas hipóteses de sentido para o que lêem.
Tendo como base o conceito de memória, Eni Orlandi afirma que as interpretações re-
lacionam-se com ela de duas formas: primeiro, pelo viés institucional, conjunto de vozes
socialmente constituídas que aparecem como os “interpretantes” previsíveis de um dado
texto.
Em uma outra obra, a autora destaca esses mesmos dois aspectos ligados à interpreta-
ção, usando termos diferentes: previsibilidade e legitimidade. Sobre o primeiro item (pre-
visibilidade), diz: “os sentidos se sedimentam de acordo com as condições em que são
produzidos; e, dada a relação entre os textos, o conjunto dessas relações indica como o
texto deve ser lido.” (ORLANDI, 2006)
Assim, podemos entender que toda a leitura se dá a partir de uma certa previsibilidade,
pois o sentido de um texto vai se sedimentando de acordo com a situação comunicativa
em que foi produzido.
Além disso, um texto é sempre o resultado de um diálogo com outros já existentes, que
lhe fornecem sustentação, Nesse sentido, os intertextos estabelecidos por um texto in-
dicam modos de como devemos lê-lo. Os textos que participam da construção de um
outro indicam caminhos para sua compreensão que não devemos desprezar.
Eis aí um grande desafio para o leitor: para interpretar um texto, é preciso ter em mente
esses dois aspectos. Assim, o sentido de um texto passa pelo contexto de sua produção.
Isso implica que, ao iniciar uma leitura de uma obra, com o intuito de interpretá-la,
O sentido de uma obra também está relacionado com os outros textos que a constituem.
Quando discutimos o conceito de intertextualidade, vimos que um texto nunca é total-
mente original; ele constrói-se a partir de outros, já existentes. Entrar em contato com
parte desse conjunto é também fator relevante para a interpretação textual.
Retomando, aliás, o conceito de leitor que o define como aquele que “se assume como
tal na prática da leitura, numa ordem social dada, em um lugar específico” (ORLANDI,
2006), podemos entender que só nos tornamos efetivamente leitores quando somos
capazes de caminhar pela previsibilidade de leitura de um texto, bem como de, a partir
dele, construirmos leituras legítimas.
Esse é o segundo aspecto da leitura destacado por Orlandi. Legitimidade não deve ser
compreendida como única leitura possível de um texto. Pelo contrário, como elemento
de um processo histórico, um texto pode receber, no decorrer do tempo, novas significa-
ções.
Interpretar a tela de Picasso, como qualquer outra obra, exige que conheçamos um pou-
co do contexto de produção do quadro (a vida de seu autor, de seu país, especialmente
sobre Guernica, pequena localidade basca bombardeada pelos nazistas em 26 de abril
Guernica, Picasso
de 1937, durante a Guerra Civil Espanhola). Além disso, interpretá-la nos solicita tam-
bém saber um pouco sobre a proposta do artista, suas técnicas, suas outras telas, seus
contemporâneos, suas influências, entre outros fatores.
Bibliografia
DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret. Leitura: inferências e contexto sociocultural. Belo Hori-
zonte: Formato, 2001.
FIGUEIREDO, Luiz Carlos. A redação pelo parágrafo. Brasília: Editora da Universidade
de Brasília, 1999.
FIORIN, José L., SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto; leitura e redação. São Paulo:
Ática, 1996.
Materiais Complementares
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
PACHECO, Agnelo C. A dissertação. São Paulo: Atual, 1988.
PITA, Ana Lucia, PITTA, Suely. Dissertação: o parágrafo e seu desenvolvimento. São Pau-
lo: Anhembi Morumbi (documento em PDF)
PITA, Ana Lucia, PITTA, Suely. Leitura inferencial e leitura crítica. São Paulo: Anhembi
Morumbi (documento em PDF)