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PSICOLOGIA

E
EDUCAÇÃO
JEAN PIAGET
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ÍNDICE

A posição epistemológica de Jean Piaget 05

O tempo e o desenvolvimento intelectual da criança 14

O desenvolvimento das operações intelectuais 35

Estruturas operatórias concretas - os agrupamentos 53

Estruturas operatórias formais 64

O pensamento do adolescente 73
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A POSIÇÃO EPISTEMOLÓGICA DE JEAN PIAGET

Orly Zucatto Mantovani de Assis

Desde muito jovem, Piaget esteve preocupado em resolver


questões epistemológicas, isto é, questões que se referem à
natureza, possibilidade e processos do conhecimento. Biólogo de
formação e acostumado aos procedimentos da ciência, decidiu
consagrar seus estudos à explicação biológica do conhecimento.
Sua intenção era a de descobrir as relações existentes entre o
conhecimento e a vida orgânica, através da observação e
experimentação, que constituem o método científico. Reconhecendo
que só a Biologia era insuficiente para lhe dar as respostas que
procurava, Piaget recorreu à Psicologia. Ele estava então
convencido de que para responder às questões epistemológicas que
formulara, era preciso reconstruir a psicogênese do conhecimento.
Foi buscando atingir esse objetivo que Piaget empreendeu suas
pesquisas no campo da psicologia genética.
Durante mais de sessenta anos Piaget dedicou-se a
pesquisar o desenvolvimento da inteligência humana na tentativa de
responder questões como as seguintes:
- Como é possível o conhecimento objetivo?
- Qual a origem do conhecimento lógico-matemático?
- Como se dá a passagem de um estado de conhecimento
mais elementar para um conhecimento mais avançado?
Muitos filósofos preocuparam-se também com essas
mesmas questões. Para resolvê-las eles acreditavam ser suficiente
utilizar os métodos de análise reflexiva ou especulação dedutiva.
Suas conclusões eram baseadas em idéias e não em fatos. Há duas
correntes filosóficas principais que explicam de modo distinto o
problema do conhecimento: o Empirismo e o Racionalismo.
Os empiristas admitem que a mente da criança ao nascer é
uma "tábula rasa" na qual as experiências exteriores vão se
inscrevendo progressivamente. O conhecimento é, pois uma simples
cópia da realidade. Eles admitem que o conhecimento provém de
uma informação sensorial, transmitida do exterior para o interior do
sujeito, através dos sentidos. As idéias e conceitos teriam origem na
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experiência sensível e o sujeito teria um papel muito insignificante


em sua aquisição. A mente da criança seria uma espécie de cera
virgem na qual as impressões captadas através dos sentidos seriam
progressivamente impressas.
O pressuposto básico do Empirismo é o de que "nada há na
inteligência que não tenha passado, antes, pelos sentidos". De
acordo com esse pressuposto o processo de aquisição do
conhecimento é explicado por D. Hume da seguinte maneira:
Primeiro uma impressão fere nossos sentidos e nos faz perceber o
calor ou o frio...Dessa impressão, o espírito tira uma cópia que
persiste depois que cessou a impressão que é chamada idéia.
Captando várias impressões a mente extrairia o que há de
comum entre elas, chegando à "abstração". Neste sentido a
percepção propicia um registro puro e imediato do real e o
conhecimento nada mais é do que uma cópia da realidade que aí
está.
Os procedimentos pedagógicos decorrentes desta maneira
de encarar o processo de aquisição do conhecimento consistem em
oferecer dados sensíveis à percepção e à observação dos alunos,
para que eles cheguem à abstração.Com o objetivo de provocar
impressões na mente dos alunos, a pedagogia empirista limita-se
em apresentar objetos, figuras, filmes, experimentos, etc. por meio
de demonstrações feitas perante a classe. O professor realiza a
atividade e os alunos acompanham a demonstração que lhes é feita
representando mentalmente as ações que se passam diante de
seus olhos. Nesse processo, eles são apenas meros espectadores,
algumas vezes interessados, outras vezes indiferentes ou
completamente ausentes. O professor explica um determinado
assunto, valendo-se de figuras, esquemas, filmes, na tentativa de
gravar na mente do aluno uma noção ou uma espécie de impressão
agora não mais sensível, mas intelectual. Desta forma, a
aprendizagem consiste em "tirar uma cópia" da explicação dada pelo
professor. Outras vezes o professor se vale de perguntas com o
objetivo de conduzir o raciocínio da criança, como se a nova forma
de pensar se imprimisse em sua mente e fizesse compreender
aquilo que estava sendo ensinado. Um exemplo típico são os
"problemas padrões" que a criança aprende a solucionar a partir das
perguntas feitas pelo professor, que encaminha o seu raciocínio. O
mesmo problema é resolvido inúmeras vezes, substituindo-se os
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números e os nomes das pessoas, objetos, frutas, etc. Sua estrutura


porém permanece a mesma. Outro problema padrão só será
ensinado, quando o raciocínio do anterior tiver sido fixado.
Os procedimentos didáticos baseados na doutrina empirista,
trabalham isoladamente com cada noção, para que essas não sejam
confundidas umas com as outras pela criança. Em Língua
Portuguesa, por exemplo, estuda-se primeiramente o sujeito e em
seguida, um a um, os outros elementos que formam uma oração. Ao
isolar artificialmente as coisas que deveriam ser relacionadas, tais
procedimentos impedem a criança de compreender, obrigando-a a
recorrer à memorização.
Ao longo de muitos anos, temos observado esse fato, com
relação à prática da alfabetização em nossas escolas. O uso de uma
cartilha, previamente elaborada pelo adulto para ser apresentada e
utilizada pelas crianças, baseia-se em pressupostos empiricistas.
Por outro lado, os racionalistas admitem a existência de
"idéias inatas" ou conceitos "a priori" anteriores à experiência que
lhes propicia apenas a oportunidade de se manifestarem. De acordo
com essa corrente epistemológica as noções de número, espaço,
tempo, causalidade, etc. são pré-formadas no sujeito e não são
elaboradas em função da experiência. Essas categorias do
pensamento ou "formas", ou ainda, "estruturas do pensamento" são
inatas e se impõem à experiência na qualidade de condições prévias
do conhecimento. É aplicando essas categorias ou estruturas à
experiência, que o sujeito organiza e conhece a realidade.
A interpretação racionalista acentua o papel do sujeito no
processo de aquisição do conhecimento em detrimento do papel da
informação captada por meio dos sentidos. O raciocínio dedutivo é o
melhor meio de se atingir a verdade uma vez que os nossos
sentidos podem nos enganar freqüentemente.
No processo ensino aprendizagem a ênfase é colocada
sobre a simples transmissão de verdades do professor ao aluno,
sem que haja preocupação com as idéias espontâneas que a
criança possa ter sobre o que está sendo ensinado. Via de regra, o
professor pensa que o aluno aprendeu o conteúdo, quando
responde corretamente a pergunta que lhe foi feita.
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O princípio pedagógico mais comum decorrente da


interpretação racionalista se reflete nos métodos que se
fundamentam na idéia de que para ensinar basta que o professor
enuncie um fato ou um princípio e que para ter aprendido é
suficiente que o aluno seja capaz de repeti-lo. O aluno assume,
portanto, o papel de simples receptor conformista das verdades
proclamadas pelo professor. Esses métodos são utilizados em todos
as fases da escolaridade desde a educação infantil até a
universidade.
Os procedimentos pedagógicos que se fundamentam na
interpretação racionalista, negligenciando o papel das constatações
empíricas, como se elas fossem desnecessárias para o raciocínio
dedutivo, se atém à linguagem como a fonte principal da aquisição
dos conhecimentos.
Piaget se opõe ao Empirismo e ao Racionalismo e propõe
uma terceira explicação que engloba as duas anteriores.

PIAGET E O EMPIRISMO

As constatações empíricas de Piaget sobre a gênese dos


conhecimentos demonstram a insuficiência da interpretação
"empirista" da experiência. Isso não quer dizer que Piaget negue a
importância do papel da experiência na construção dos
conhecimentos. Ao contrário, o que Piaget questiona é o fato de o
Empirismo considerar a percepção como fonte do conhecimento.

Para ele nenhum conhecimento é devido unicamente às


percepções pois eles são sempre dirigidos e enquadrados pelos
esquemas de ações. O conhecimento procede da ação e toda ação
que se repete ou se generaliza pela aplicação a novos objetos dá
origem a um "esquema", isto é, uma espécie de conceito prático.

De acordo com a perspectiva construtivista, o "estímulo"


proveniente do meio exterior só sensibiliza o sujeito e desencadeia
uma resposta quando seus esquemas de ação podem interpretá-lo
ou assimilá-lo. A resposta dada pelo sujeito é pois manifestação da
ocorrência da assimilação. Em outras palavras, os estímulos
somente são significativos quando o sujeito dispõe de "conceitos
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práticos" (esquemas de ação) ou estruturas mentais capazes de


conferir-lhes significação. Como diz Piaget (1979, p.53):
A ligação fundamental constitutiva de todo conhecimento
não é uma simples associação entre os objetos, pois esta
noção negligencia a parte da atividade devida ao sujeito, mas
sim a assimilação dos objetos aos esquemas deste sujeito.

Esta assimilação prolonga a assimilação biológica e deve


ser entendida como integração de estímulos ou informações aos
esquemas de ação ou estruturas mentais do sujeito. Do mesmo
modo, no nível biológico o organismo integra os elementos do meio
exterior às suas estruturas. Funcionalmente, a assimilação cognitiva
e a assimilação biológica constituem um mesmo processo de
integração. Por outro lado, quando os objetos são assimilados aos
esquemas de ação há necessidade de uma "acomodação", isto é,
de uma modificação, de um ajustamento desses esquemas às
particularidades desses objetos para que possam ser assimilados.
Esta "acomodação" é desencadeada pelos dados exteriores,
resultando, portanto, da experiência. Isto significa que a experiência
não provoca simplesmente o puro registro de impressões ou a cópia
da realidade, mas desencadeia modificações", "ajustamentos"
ativos. Mas a "acomodação" não existe isoladamente ou em estado
"puro" porque ela é sempre acomodação de um esquema de ação.
Para Piaget é a assimilação que constitui o motor do "ato cognitivo".
Em outras palavras, o conhecimento se dá quando o objeto é
assimilado (incorporado, integrado) aos esquemas ou estruturas
mentais do sujeito.

Piaget chama de "esquema de ação" aquilo que numa ação


é generalizável, transponível de uma situação para outra análoga,
ou seja, o que há de comum nas diversas repetições ou aplicações
de uma mesma ação, como, por exemplo, o "pegar", o "sugar". Os
esquemas de ação têm origem nos reflexos com os quais o
indivíduo nasce, mas constroem-se pouco a pouco e se diferenciam
a partir de sucessivas acomodações em função da experiência. Isso
não significa, porém, que os esquemas progressivamente
construídos resultam exclusivamente da experiência. Se assim
fosse, o Empirismo teria razão. As construção dos esquemas não
pode ser atribuída inteiramente a ação do meio exterior pois isso
seria negligenciar sua organização interna. É evidente que o
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conteúdo de cada esquema de ação depende em parte do meio e


dos objetos ou acontecimentos aos quais se aplica, mas sua forma e
funcionamento depende de fatores internos. Em primeiro lugar as
ações dependem do sistema nervoso, o qual é herdado; em
segundo lugar os esquemas derivam sempre de esquemas
anteriores cuja origem remonta aos reflexos ou movimentos
espontâneos iniciais; em terceiro lugar, um esquema admite sempre
ações do sujeito que não derivam das propriedades dos objetos. Por
exemplo, reunir objetos para formar um monte depende de um
esquema aditivo que por sua vez implica a capacidade do sujeito e
não as propriedades desses objetos. O ato de reuni-los e enumerá-
los é do sujeito e não resulta das propriedades particulares desses
objetos. Dispor de objetos de modo a formar uma fileira consiste em
introduzir uma ordem nesses objetos e não tirá-la deles.
Pode-se concluir, portanto, que na construção dos
esquemas de ação que possibilitam ao sujeito o conhecimento da
realidade, interferem fatores externos e internos que estão
presentes nos mecanismos de assimilação e acomodação.
Tais mecanismos são observados desde o nascimento e se
encontram em todos os níveis de evolução do pensamento. É por
meio deles que o sujeito se adapta ao mundo e conhece a realidade.
O conhecimento dessa realidade não resulta de um puro registro ou
de uma simples cópia, uma vez que os estímulos do meio são
transformados pelos esquemas de ação do sujeito. Neste ato de
transformação o sujeito interpreta o "estímulo" , "o objeto", de acordo
com os esquemas assimilativos que possui. No "ato de conhecer" o
sujeito é ativo pois constrói suas próprias categorias do pensamento
ao mesmo tempo que estrutura a realidade por intermédio das
ações que realiza sobre os objetos.

PIAGET E O RACIONALISMO OU PRÉ-FORMAÇÃO

Piaget se opõe ao pré-formismo, uma vez que constatou


durante mais de sessenta anos de pesquisas sobre a psicogênese
dos conhecimentos a existência de estágios que comprovam uma
construção contínua. Assim é que dos 0 a 2 anos, no estágio
sensório-motor em que não há ainda nem pensamento, nem
representação, nem linguagem, observa-se a progressiva
construção de esquemas de ação por meio dos quais a criança
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conhece o mundo. Esses esquemas se organizam segundo certas


leis que são semelhantes às leis da lógica. Neste sentido, quando o
sujeito impõe um objetivo à ação, é contraditório orientar-se para
direção oposta (por exemplo, quando um objeto foi escondido sob
uma almofada "B" e o bebê o procura na almofada "A" onde o viu
desaparecer primeiro). Há nesse estágio uma "lógica das ações"
(relações de ordem, encaixe de esquemas, intersecção,
correspondências entre esquemas) que permite a construção de
noções práticas (permanência do objeto, espaço, causalidade e
tempo) que constituem as subestruturas das noções
correspondentes que serão reconstruídas nos estágios
subseqüentes. De 2 a 7 anos, aproximadamente, ocorre a
interiorização das ações até então puramente perceptivas e
motoras. Surge a representação, a linguagem e as noções do
objeto, espaço, causalidade e tempo são agora reconstruídas no
plano das intuições, permitindo à criança a manipulação simbólica
da realidade. Não há ainda operações reversíveis nem
conservações. Progressivamente as ações interiorizadas vão se
coordenando em estruturas totais (agrupamentos) e se transformam
em operações, cujas características principais são a mobilidade e a
reversibilidade. Estas se constroem no estágio das operações
concretas (7 - 10 anos),assim denominado porque tais operações
permanecem ligadas à manipulação de objetos concretos.
Finalmente por volta dos 11 - 12 anos tem-se o estágio das
operações formais que permitem ao sujeito formular hipóteses e
raciocinar sobre proposições verbais destacadas da constatação
concreta e atual. As estruturas que agora se constroem representam
um arremate final das estruturas operatórias concretas tornando
possível o raciocínio hipotético dedutivo.

PIAGET E O CONSTRUTIVISMO

A interpretação piagetiana do processo de aquisição do


conhecimento representa uma posição intermediária entre o
apriorismo e o empirismo. Para ele o conhecimento é o resultado da
interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento, a qual poderá
ser representada como se segue:

SUJEITO OBJETO
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Nesse tipo de interação não há primazia do objeto sobre o


sujeito, nem deste sobre o objeto. Ao contrário da tese empirista
sobre a preponderância do meio (objeto) e da tese racionalista que
supõe que o papel principal seja representado pelo sujeito no ato de
conhecer, Piaget faz apelo à interação indissociável entre ambos no
ato do conhecimento. Para conhecer um objeto o sujeito precisa agir
sobre ele, transformá-lo, dissociá-lo para depois integrá-lo às
estruturas de pensamento ou a seus esquemas de ação. Isso supõe
os processos de assimilação e acomodação porque à medida que o
objeto vai sendo incorporado às estruturas do sujeito, estas devem
acomodar-se, isto é, modificar-se a fim poderem assimilar o dado
novo. Neste contexto, o ato de conhecer é um fato dinâmico que
resulta do diálogo entre as estruturas do sujeito e as do objeto e no
qual o sujeito é o protagonista de seu próprio conhecimento.

Como se pode observar a ação é fundamental para a


construção do conhecimento. Um outro aspecto que Piaget (1977)
considera também fundamental para a construção do conhecimento
é a interação social que possibilita ao sujeito coordenar seu ponto
de vista com os de seus pares. Sem a interação social jamais o
indivíduo chegaria a raciocinar com lógica, em outras palavras, sem
intercâmbio de pensamento e cooperação com os demais o
indivíduo não conseguiria chegar ao pensamento operatório que
implica na transformação das representações intuitivas em
operações reversíveis, idênticas e associativas.

As implicações pedagógicas da teoria piagetiana à


educação são inúmeras. É importante ressaltar aquelas que o
próprio Piaget extrai de sua teoria como faz Munari (1995) em seu
artigo intitulado: Jean Piaget.

Piaget em seus ’Discursos’ não se preocupa em


explicitar suas opiniões. De início ele enunciou uma regra
fundamental: o constrangimento é o pior dos métodos
pedagógicos (Piaget, 1848, p.22). Uma outra regra tão
fundamental e que ele expõe várias vezes, é a importância da
atividade do aluno. Uma verdade aprendida não é senão uma
meia verdade, a verdade inteira deve ser reconquistada,
reconstruída, redescoberta pelo próprio aluno (Piaget,
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1950,p.35) Esse princípio educativo repousa, para Piaget,


numa realidade psicológica indiscutível: Toda psicologia
contemporânea nos ensina que a inteligência procede da
ação (Ibid). Daí o papel fundamental que o exercício da
pesquisa deve ter em toda estratégia educativa; mas esta
pesquisa não deve ser abstrata. A ação supõe as pesquisas
prévias e a pesquisa não tem valor senão em vista da ação
(Piaget, 1951, p.28).

Uma escola sem coercitividade, na qual o aluno é


convidado a experimentar ativamente para reconstruir por si
mesmo o que deve aprender. Vemos já traçado o esboço do
projeto educativo piagetiano. Mas atenção: não se aprende a
experimentar vendo simplesmente o mestre experimentar ou
se entregando aos exercícios já totalmente organizados: não
se aprende a experimentar senão tateando por si mesmo,
trabalhando ativamente, isto é, livremente e dispondo de todo
tempo (Piaget, 1949, p.39).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AEBLI, H. Didática Psicológica: aplicação à didática da psicologia de


Jean Piaget. Trad. por João Teodoro d’Olim Marote. 3ªed.,São
Paulo: Editora Necional, 1978.

PIAGET, J. Psicologia da Inteligência. Trad. por Nathanael C.


Caixeiro. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1977.

___________. Para Onde Vai a Educação? Trad. por Yvette Braga.


Rio de Janeiro: Livraria José Olimpo Editora, 1993.

MUNARI, A. Jean Piaget, in Construtivismo e Educação. Orgs.


Mucio Camargo de Assis e Orly Z. Mantovani de Assis,
Laboratório de Psicologia Genética, FE/UNICAMP, 1995.

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O tempo e o desenvolvimento intelectual da criança


Jean Piaget

O desenvolvimento da criança é um processo temporal por


excelência. Eu me esforçarei em fornecer alguns dados necessários
para a compreensão desse problema.
Mais precisamente, me reterei em dois pontos: o primeiro
deles é o papel necessário do tempo no círculo vital. Todo
desenvolvimento - psicológico como biológico - supõe a duração, e a
infância dura tanto mais quanto mais superior for a espécie; a
infância de um gato, a infância de um pato duram muito menos do
que a infância da criança porque ela tem muito mais coisa para
aprender. É o que me esforçarei em demonstrar aqui.
Existe um segundo ponto que também gostaria de tratar,
formulado pela questão: O ciclo vital exprime um ritmo biológico
fundamental, uma lei inelutável? A civilização o modifica, e em que
medida? Dito de outra forma, existem possibilidades de aceleração
ou de diminuição desse desenvolvimento temporal?
Para tratar esses dois pontos, só considerarei o
desenvolvimento propriamente psicológico da criança, em oposição
a seu desenvolvimento escolar ou a seu desenvolvimento familiar,
quer dizer que insistirei principalmente no aspecto espontâneo
desse desenvolvimento, e ainda o limitarei ao desenvolvimento
propriamente intelectual, cognitivo.
Para efeito, podemos distinguir dois aspectos no
desenvolvimento intelectual da criança. Por um lado, o que podemos
chamar o aspecto psico-social, quer dizer tudo o que a criança
recebe do exterior, aprende por transmissão familiar, escolar,
educativa em geral; e depois, existe o desenvolvimento que
podemos chamar espontâneo, que chamarei psicológico, para
abreviar, que é o desenvolvimento da inteligência mesma: o que a
criança aprende por si mesma, o que não lhe foi ensinado, mas o
que ela deve descobrir sozinha; e é isso essencialmente que leva
tempo.
Tomemos imediatamente dois exemplos: Numa coleção de
objetos, por exemplo, um ramo de flores onde existem seis prímulas
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e seis flores que não são prímulas, descobrir que existem mais
flores que prímulas, que o todo ultrapassa a parte. Isso parece tão
evidente que ninguém tem idéia de ensinar a uma criança.
Entretanto, como veremos, serão necessários vários anos para que
a criança descubra leis desse gênero.
Outro exemplo banal: a transitividade. Se uma vareta,
comparada a uma outra, é igual a essa outra, e se essa segunda é
igual a uma terceira, será que a primeira- que escondi debaixo da
mesa - é igual à terceira? .Será que A é igual a C, se A é igual a C?
Novamente, isso é de uma evidência total para nós termos a idéia
de ensinar isso a uma criança. Ora, serão necessários mais ou
menos sete anos, como veremos, para que a criança descubra leis
lógicas dessa forma.
Logo é, sobre o aspecto espontâneo da inteligência que
estudarei, sendo o único do qual falarei, porque sou psicólogo e não
educador; e também, porque do ponto de vista da ação do tempo, é
precisamente esse desenvolvimento espontâneo que constitui a
condição preliminar evidente e necessária para o desenvolvimento
escolar, por exemplo.
Nas escolas de Genebra, é aos 11 anos somente que
começamos a ensinar a noção de proporção aos alunos. Por que
não começamos mais cedo? É evidente que se a criança pudesse
compreendê-la mais cedo, os programas escolares teriam situado a
iniciação, às proporções na idade de 9 ou mesmo de 7 anos. Se é
necessário esperar 11 anos, é porque essa noção supõe todas as
espécies de operações complexas. Uma proporção é um produto
entre produtos. Para compreender um produto de produtos, é
necessário compreender primeiramente o que é um produto; é
necessário constituir primeiramente toda a lógica das relações
aplicar depois essa lógica das relações à lógica dos números. Existe
aí um amplo conjunto de operações que permanecem implícitas,
que não distinguimos na primeira abordagem e que estão
encobertas sob essa noção de proporção. Esse exemplo mostra
entre cem outros possíveis como o desenvolvimento psico-social
está subordinado ao desenvolvimento espontâneo e psicológico.
Logo, eu me limitarei ao desenvolvimento psico-social e
partirei de antemão de um exemplo concreto. Trata-se de uma
experiência que realizamos há muito tempo em Genebra e que é a
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seguinte: Apresenta-se a uma criança duas bolinhas de massa de


modelar, de 3 ou 4 centímetros de diâmetro. A criança verifica que
elas têm o mesmo volume, o mesmo peso, que elas são parecidas
em tudo, e pede-se à criança para transformar em cobrinha uma das
bolinhas, ou para amassá-la, ou para dividi-la em pequenos
pedaços. Depois, você faz três perguntas.
Primeira pergunta: será que a quantidade de matéria
permaneceu a mesma ?
Naturalmente, você empregará a linguagem da criança; você
dirá por exemplo: será que existe a mesma quantidade de massa já
que mudamos a bolinha em cobrinha? Ou: há mais ou menos massa
que antes?
Quantidade de matéria, conservação da matéria... Coisa
extraordinária, somente aos 8 anos em média esse problema é
resolvido, por 75% das crianças. Isso é pois uma média. Se você
fizer a experiência com seus próprios filhos, você terá naturalmente
uma idade mais precoce porque seus filhos estão certamente
adiantados com relação à média. Mas para a média, é aos 8 anos. ..
Segunda pergunta: será que o peso permaneceu o mesmo?
E você apresenta e ela uma pequena balança. Se eu coloco a
bolinha num prato e no outro a cobrinha, sabendo que a cobrinha
saiu da bolinha por uma simples mudança de forma, será que o
peso vai ser o mesmo?
A noção de conservação do peso só é adquirida aos 9 ou 10
anos por 75% das crianças, quer dizer com dois anos de diferença
com relação à aquisição da noção de substância.
Terceira pergunta: será que o volume permaneceu o mesmo?
Para o volume, como a linguagem é difícil, você empregará
um processo indireto. Você vai mergulhar a bolinha num copo
d'água; constatar que a água sobe, porque a bolinha ocupará seu
lugar.Você perguntará depois se a cobrinha mergulhada no copo
d'água vai tomar o mesmo lugar, quer dizer, fará subir a água da
mesma maneira.
Esse problema só é resolvido aos 12 anos, quer dizer que
existe novamente uma diferença de dois anos com relação à
solução do problema da conservação do peso.
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Vejamos rapidamente os argumentos dos que não têm a


noção da conservação ou da substância, ou do peso, ou do volume.
O argumento é sempre o mesmo. A criança dirá: antes, era redondo,
depois você afinou a massa. Desde que você a afinou, ela tem mais.
A criança olha uma das dimensões, ela esquece a outra; o que é
marcante nesse raciocínio, é que ela considera a configuração da
partida, a configuração da chegada, mas não raciocina sobre a
transformação mesma. Ela esquece que uma coisa foi transformada
em outra; ela compara a bolinha inicial com a forma final e
responde: mas não, é mais comprida, portanto tem mais.
Ela descobre depois que é a mesma substância, a mesma
quantidade de matéria. Mas dirá: é mais comprida e apesar disso
mais pesada - com os dois anos de diferença que falei, e com os
mesmos argumentos.
Vejamos quais são os argumentos que permitem chegar à
noção da conservação. Eles são sempre os mesmos, em número de
três.
Primeiro argumento, que chamarei o argumento de
identidade. A criança diz: mas não se tirou nada, não se
acrescentou nada; por conseguinte, é a mesma coisa; a mesma
quantidade de massa. E aos 8 anos, ela acha tão extraordinário lhe
fazermos uma pergunta tão fácil, que sorri, dá de ombros, sem
desconfiar que teria dado uma resposta contrária no ano
precedente. Logo, ela dirá: é a mesma coisa, porque você não tirou
nada, nem acrescentou nada. Mas quanto ao peso, é mais
comprido, logo mais pesado. E o argumento precedente retorna.
Segundo argumento: é a reversibilidade. A criança diz: você
afinou a massa, você deverá transformá-la em bolinha e você verá
que é a mesma coisa.
Terceiro argumento: a compensação. A criança diz:
naturalmente se afina terá mais; mas ao mesmo tempo está mais
fina. A massa ganhou por um lado, mas perdeu por outro,
conseqüentemente isso se compensa, é a mesma coisa.
Esses fatos simples nos permitem fazer imediatamente duas
constatações relativas ao tempo, distinguindo no tempo dois
aspectos fundamentais: por um lado a duração, depois a ordem de
sucessão dos acontecimentos por outro, a duração não sendo
senão o intervalo entre as ordens de sucessão.
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1º Primeiramente o tempo é necessário como duração. É


necessário esperar 8 anos para a noção de conservação da
substância; 10 anos para a do peso, e isso em 75% dos indivíduos.
E nem todos os adultos adquirirão a noção da conservação do peso.
Spencer, no seu Tratado de Sociologia, conta a história de uma
senhora que viajava com mais mala comprida de preferência a uma
mala quadrada, porque pensava menos que os vestidos dobrados
na mala quadrada.
Quando ao volume, é necessário esperarmos 12 anos, Isso
não é especial em Genebra. Essas experiências que fizemos entre
1937 e 1940 em Genebra foram retomadas na França, na Polônia,
na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá, no Irã e mesmo em
Aden, nas margens do mar Vermelho, e em todos os lugares
encontramos esses estágios. Mas em média não encontramos
nenhum adiantamento com relação a nossos pequenos genebreses
que estão mesmo numa posição honrosa, como veremos. Quer
dizer que essa é uma idade mínima, exceto naturalmente em alguns
meios sociais selecionados, por exemplo escolas de bem dotados.
Podemos acelerar tal evolução pela aprendizagem? É a
questão que se colocou um dos nossos colaboradores - um
psicólogo norueguês, Jan Smerdslund - em nosso Centro de
Epistemologia Genética. Ele se esforçou em acelerar a aquisição da
noção da conservação do peso mediante uma certa aprendizagem -
no sentido americano do termo - quer dizer por reforço externo, por
leitura do resultado na balança, por exemplo. Mas é necessário
compreendermos que essa aquisição da noção de conservação
supõe toda uma lógica, todo um raciocínio que se dirija às
transformações mesmas, e por conseguinte sobre a noção de
reversibilidade, essa reversibilidade que a criança mesma invoca
quando atinge a noção de conservação. Depois principalmente,
essa noção de conservação supõe a transitividade; um estado A da
bolinha sendo igual a um estado B, estado B sendo igual a um
estado C, o estado A será igual ao estado C, o estado A será igual
ao estado C. Existe correlação entre essas diversas operações.
Smerdslund começou por verificar essa correlação muito
significativa, com relação aos assuntos estudados, entre a noção de
conservação por um lado e a de transitividade por outro. Depois ele
se dedicou a essa experiência de aprendizagem, quer dizer que ele
mostrou à criança, depois de cada resposta, o resultado na balança,
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fazendo com que ela constatasse que o peso era o mesmo. Depois
de duas ou três vezes, a criança repetiu constantemente: será
sempre o mesmo peso, será de novo o mesmo peso, etc.
Haverá assim aprendizagem do resultado. Mas o que é
interessante, é que essa aprendizagem do resultado se limita a esse
resultado, quer dizer que quando Smerdslund passou para a
aprendizagem da transitividade (o que é um outro aspecto, a
transitividade fazendo parte da estrutura lógica que conduz a esse
resultado), ele não pôde obter aprendizagem com relação a essa
transitividade, apesar das constatações repetidas na balança de A =
C, A = B e B = C, Logo existe uma diferença entre aprender um
resultado e formar um instrumento intelectual, formar uma lógica,
necessária à construção de tal resultado, Não formamos um
instrumento de raciocínio em alguns dias. Eis o que prova essa
experiência.
2º A outra constatação fundamental que tiraremos desse
exemplo das bolinhas de massa é que o tempo é necessário
igualmente como ordem de sucessão.
Constatamos que a descoberta da noção de conservação da
matéria precede de dois anos a do peso; e a do peso precede ide
dois anos a do volume. Essa ordem de sucessão foi encontrada em
toda a parte; ela nunca foi invertida, quer dizer que não encontramos
um indivíduo que descubra a conservação do peso sem ter a noção
da substância, enquanto encontramos sempre o inverso.
Por que essa ordem de sucessão? É que, para que o peso
se conserve, é necessário naturalmente um substratum. Esse
substratum, essa substância, será a matéria. É interessante
observar que a criança começa pela substância, porque essa
substância sem peso nem volume não é constatável empírica,
perceptivamente; esse é um conceito puro, mas um conceito
necessário para atingirmos depois a noção de conservação do peso
e do volume.
Logo, a criança começa por essa forma vazia que é a
substância, mas ela começa por aí porque sem isso não haveria
conservação do peso. Quanto à conservação do volume, trata-se de
um volume físico e não geométrico, comportando a
incompressibilidade e a indeformabilidade do corpo, o que, na lógica
20

da criança suporá sua resistência, sua massa, e por conseguinte


seu peso, pois a criança não distingue o peso e a massa.
Essa ordem de sucessão mostra que, para que um novo
instrumento lógico se construa, é preciso sempre instrumentos
lógicos preliminares; quer dizer que a construção de uma nova
noção suporá sempre substratos, subestruturas anteriores e isso por
regressões indefinidas, como veremos dentro em breve.
Isso nos conduz à teoria dos estágios do desenvolvimento. O
desenvolvimento se faz por graduações sucessivas, por estágios e
por etapas, e distinguiremos quatro grandes etapas nesse
desenvolvimento que descreverei brevemente.
Primeiramente, uma etapa que precede a linguagem e que
chamaremos a da inteligência sensório-motora, antes dos 18 meses
mais ou menos.
Em segundo lugar, uma etapa que começa com a linguagem
e que vai até 7 ou 8 anos, que chamaremos o período da
representação, mas pré-operatória, no sentido que definirei mais
adiante. Depois, entre 7 e 12 anos, mais ou menos, distinguiremos
um terceiro período que chamaremos das operações concretas, e,
finalmente, depois de 12 anos, as operações proporcionais ou
formais.
Distinguiremos pois etapas sucessivas. Observemos que
essas etapas, esses estágios são caracterizados precisamente por
sua ordem de sucessão fixa. Não são etapas às quais possamos
determinar uma data cronológica constante. Pelo contrário, as
idades podem variar de uma sociedade à outra, como veremos no
fim dessa exposição. Mas a ordem de sucessão é constante. Ela é
sempre a mesma, e isso por razões que acabamos de entrever,
quer dizer que para atingir um certo estágio, é necessário ter
passado por demarches preliminares. É necessário ter construído as
pré-estruturas, as subestruturas preliminares que permitem
progredirmos mais.
Atingimos pois uma hierarquia de estruturas que se
constróem numa certa ordem de integração e que, coisa
interessante, parecem aliás se desintegrarem na ordem inversa, no
momento da senescência, como os ótimos trabalhos do Dr.
Ajuriaguerra e de seus colaboradores parecem mostrar no estado
atual dessas pesquisas.
21

Descrevamos rapidamente esses estágios, com o fim de


mostrar por que o tempo é necessário tanto tempo para se atingir
noções tão evidentes, tão simples quanto as que tomei como
exemplo.
Comecemos pelo período da inteligência sensório-motora.
Existe uma inteligência antes da linguagem, mas não existe
pensamento antes da linguagem. Distingamos a esse respeito a
esse respeito a inteligência e o pensamento. A inteligência é a
solução de um problema novo para o indivíduo, é a coordenação
dos meios para atingir um certo fim, que não é acessível de maneira
imediata; enquanto o pensamento é a inteligência interiorizada e se
apoiando não mais sobre a ação direta, mas sobre um simbolismo,
sobre a evocação simbólica pela linguagem, pelas imagens mentais
etc., que permitem representar o que a inteligência sensório-motora,
pelo contrário, vai aprender diretamente.
Existe pois uma inteligência antes do pensamento, antes da
linguagem. Tomemos um exemplo. Mostro a uma criança uma
coberta; sob essa coberta, e sem que a criança tenha visto, eu
escondi uma boina basca. Depois do que, eu mostro à criança um
objeto novo para ela, um brinquedo qualquer que ela não conheça,
que ela quer pegar; e depois eu o escondo sob a coberta. Num certo
nível ela vai levantar a coberta para encontrar o objeto, mas ela não
vê o objeto; ela vê somente a boina basca. Imediatamente ela vai
levantar a boina basca e encontrar o objeto em questão. Isso parece
não ter importância, mas é um ato de inteligência muito complexo.
Supõe primeiramente a permanência do objeto. Veremos mais
adiante que a noção de permanência não é inata, mas exige pelo
contrário meses para ser construída. Ela supõe a localização do
objeto - que não é dada logo, porque essa localização supõe por
sua vez a organização do espaço. Ela supõe depois relações
particulares em cima-embaixo, etc. Existe pois toda uma construção
nesse ato de inteligência que parece tão simples. Mas um ato de
inteligência dessa espécie pode se construir antes da linguagem e
não supõe necessária a representação ou o pensamento.
Por que esse período da inteligência sensório-motora dura
tanto tempo, até os 18 meses?
Outra maneira de colocar a mesma pergunta: por que a
aquisição da linguagem é tão tardia com relação aos mecanismos
22

invocados? A linguagem às vezes foi reduzida a um puro sistema de


condicionamento, de reflexos condicionados. Se tal fosse o caso,
haveria aquisição da linguagem desde o fim do primeiro mês,
porque já existem os primeiros reflexos condicionados no começo
do segundo mês. Por que é necessário esperar 18 meses?
Respondemos que a linguagem é solidária do pensamento e supõe
pois um sistema de ações interiorizadas e supõe mesmo, cedo ou
tardem um sistema de operações. Chamaremos "operações" ações
interiorizadas quer dizer executadas não mais material, mas interior
e simbolicamente, e ações que podem ser combinadas de todas as
maneiras; em particular, que podem ser invertidas, que são
reversíveis, no sentido que indiquei há pouco.
Ora, essas ações que consistem o pensamento, essas ações
interiorizadas, é necessário aprender primeiramente a executá-las
materialmente; elas exigem primeiramente todo um sistema de
ações materiais. Pensar, é por exemplo classificar, ou ordenar, ou
correlacionar; é reunir, ou dissociar, etc.Mas todas essas operações,
é necessário primeiramente executá-las materialmente em ações
para em seguida ser capaz de construí-las em pensamento. É por
isso que existe um período sensório-motor tão longo antes da
linguagem; é por isso que a linguagem é tão tardia, com relação ao
desenvolvimento. É necessário um amplo exercício da ação pura
para construir as subestruturas do pensamento ulterior .
E durante esse primeiro ano, ela constrói precisamente todas
as subestruturas ulteriores: a noção do objeto, a do espaço, a de
tempo, sob a forma das seqüências temporais, a noção de
causalidade, em suma as grandes noções das quais o pensamento
se servirá ulteriormente, e que são elaboradas, empregadas pela
ação material, desde seu nível sensório-motor.
Tomemos dois exemplos: 1º) A noção do objeto
permanente. Na primeira abordagem, nada é mais simples. O
filósofo Meyerson pensava que a permanência do objeto era dada
desde a percepção, que não existe meio de perceber um objeto sem
julgá-lo permanente. O bebê nos engana a esse respeito. Tomemos
um bebê de cinco ou seis meses, depois da coordenação da visão e
da preensão, quer dizer quando ele começa a poder segurar os
objetos que vê. Mostrem um objeto que lhe interesse, por exemplo,
esse relógio. Você o coloca na mesa diante da criança, e ela
estende a mão para pegar o objeto.
23

Você esconde o objeto com um pano, por exemplo. Você verá


que a criança retira simplesmente a mão se o objeto não é
fundamental para ela, ou se encoleriza se o objeto tem um interesse
particular para ela, por exemplo se se trata de sua mamadeira. Mas
ela não tem idéia de levantar o pano e procurar o objeto atrás dele.
E não é porque ela não saiba remover o pano de cima do objeto. Se
você coloca o pano sobre o seu rosto, ela saberá muito bem retirá-lo
imediatamente, enquanto não sabe procurar atrás do pano para
encontrar o objeto. Logo, tudo se passa como se o objeto, uma vez
desaparecido do campo da percepção, tenha sido reabsorvido,
tenha perdido toda existência, ainda não tenha adquirido essa
substancialidade que vimos há pouco que são necessários oito anos
para que atinja à sua propriedade de conservação quantitativa. O
mundo exterior é uma série de quadros movediços que aparecem,
desaparecem, donde os mais interessantes podem reaparecer
quando se procede desajeitadamente (por exemplo, dando gritos
com muita continuidade se trata de uma pessoa cujo retorno é
desejado). Mas esses são apenas quadros movediços sem
substancialidade, sem permanência e, principalmente, sem
localização.
Segunda etapa: você verá a criança levantar o pano para
encontrar o objeto escondido atrás dele. Mas o controle seguinte
mostra que tudo não foi adquirido para isso. Você coloca o objeto na
direita da criança, depois o esconde, ela vai procurá-lo; depois você
o apanha novamente, passa lentamente com ele sob os olhos da
criança e coloca à sua esquerda (trata-se dessa vez de um bebê de
9 -10 meses). O bebê tendo visto desaparecer o objeto à sua
esquerda, você verá imediatamente sua busca na direita, onde ele o
encontrou uma primeira vez. Não há pois aqui senão uma semi-
permanência, sem localização. A criança vai procurar onde a ação
de procurar teve êxito numa primeira vez, e independentemente da
mobilidade do objeto.
2º) O que acontece com o espaço?
Aí, novamente, vemos que nada é inato nas estruturas e que
tudo deve ser construído pouco a pouco e laboriosamente. No que
concerne ao espaço, todo o desenvolvimento sensório-motor é
particularmente importante e interessante do ponto de vista da
psicologia da inteligência. Com efeito, no começo, no recém-nascido
não existe um espaço como continente, pois não existe objeto
24

(inclusive o corpo próprio que não é naturalmente concebido como


um objeto). Existe uma série de espaços heterogêneos uns aos
outros, e todos centrados sobre o corpo próprio. Existe o espaço
bucal. descrito por Stem. A boca é o centro do mundo durante muito
tempo, Freud disse muitas coisas a esse respeito. Depois existe o
espaço visual; existe o espaço táctil, existe o espaço auditivo. E
esses espaços são todos centrados sobre o corpo próprio por um
lado, a ação de olhar, de seguir com os olhos, a ação de levar algo à
boca, etc., mas são incoordenados entre eles. Logo uma série de
espaços egocêntricos, poder-se-ia dizer, mão coordenados e não
compreendendo o corpo próprio a título de elemento num
continente.
Enquanto dezoito meses mais tarde, essa mesma criança terá
a noção de um espaço geral que engloba todas essas variedades
particulares de espaços, compreendendo todos os objetos tornados
sólidos e permanentes, inclusive o corpo próprio, a título de objeto
entre os outros, os deslocamentos se coordenando e podendo se
deduzir a se prever relativamente aos deslocamentos próprios.
Dito de outra forma, durante esses dezoito meses não é
exagero falar de uma revolução coperniciana (no sentido kantiano
do termo). Existe aí uma reviravolta total, uma descentralização total
com relação ao espaço egocêntrico primitivo.
Já me estendi bastante para demonstrar que dezoito meses
são muito pouco para construir tudo isso, e que na realidade esse
desenvolvimento é singularmente acelerado durante o primeiro ano.
É talvez o período da infância em que as aquisições são mais
numerosas e mais rápidas.
Passo agora para o período da representação pré-operatória.
Por volta de um ano e meio, dois anos, um acontecimento
considerável se produz no desenvolvimento intelectual da criança. É
agora que aparece a capacidade de representar alguma coisa, o
que chamamos a função simbólica. A função simbólica é a
linguagem, por um lado, sistema de sinais sociais em oposição aos
símbolos individuais. Mas ao mesmo tempo que existe essa
linguagem, existem outras manifestações da função simbólica.
Existe o jogo que se torna simbólico: representar alguma coisa por
meio de um objeto ou de um gesto. Até então, o jogo não era senão
um jogo de exercícios motores, enquanto que por volta de um ano e
25

meio por exemplo, a criança começa a jogar .Um dos meus filhos
fazia circular uma concha sobre uma caixa dizendo: "Miau, porque
um pouco antes tinha visto um gato no muro. O símbolo era
evidente nesse caso, a criança não tendo outra palavra à sua
disposição. Mas o que é novo, é representar alguma Terceira forma
de simbolismo: pode ser um simbolismo gestual, por exemplo na
"imitação indireta".
Quarta forma: será o começo da imagem mental ou imitação
interiorizada.
Existe pois um conjunto de simbolizantes que aparecem
nesse nível e que tornam possível o pensamento, o pensamento
sendo, repito, um sistema de ação interiorizada e conduzindo a
essas ações particulares que chamaremos "operações", ações
reversíveis e ações se coordenando umas com as outras em
sistemas de conjunto, dos quais falaremos dentro em breve.
Apresenta-se aqui uma situação que suscita da maneira mais
aguda o problema do tempo. Por que as estruturas lógicas, por que
as operações reversíveis que acabamos de caracterizar, por que a
noção de conservação que falamos há pouco, não aparecem desde
que haja linguagem e desde que haja função simbólica? Por que é
necessário esperarmos oito anos para adquirir a invariante de
substância, e muito mais para as outras noções em vez de elas
aparecerem desde que haja função simbólica, quer dizer a
possibilidade de pensar, e não mais simplesmente de agir
materialmente? Por essa razão, fundamental, que as ações que
possibilitaram alguns resultados no terreno da efetividade material
não podem ser interiorizadas sem mais e de uma maneira imediata,
e que se trata de reaprender no plano do pensamento o que já
aprendemos no plano da ação. Essa interiorização é na realidade
uma nova estruturação; é não apenas uma tradução, mas uma
reestruturação, com uma decalagem que toma um tempo
considerável.
Darei um exemplo: é o grupo dos deslocamentos que, na
organização sensório-motora do espaço, constitui um resultado final
fundamental. O que os geômetras chamam um grupo de
deslocamentos, é por exemplo que a criança se toma capaz,
circulando em seu apartamento ou em seu jardim quando souber
andar, de coordenar suas idas e vindas, de retomar ao ponto de
26

partida - é a reversibilidade - ou de fazer desvios para chegar a um


mesmo ponto por caminhos diferentes - será a associatividade do
grupo dos deslocamentos. Em suma, ela vai coordenar seus
deslocamentos num sistema total que permite a volta ao ponto de
partida.
Ora, esse grupo dos deslocamentos é adquirido desde um
ano e meio mais ou menos, no plano sensório-motor. Mas isso
significa que o bebê sabe se representar por imagem mental, ou por
desenho, ou pela linguagem, os deslocamentos que ele sabe efetuar
materialmente? Absolutamente. Porque se deslocar é uma coisa e
outra diferente evocar pela representação os mesmos
deslocamentos.
Realizamos outrora, com minha colaboradora Szeminska,
uma experiência cheia de interesse para nós, em crianças de 4 a 5
anos que, numa época em que tinha menos tráfego em Genebra,
iam sozinhas de casa para a escola e voltavam sozinhas da escola
para casa, duas ou quatro vezes por dia. Tentamos representar o
trajeto que elas seguiam entre a escola e a casa não por desenhos,
porque teria sido muito complicado, nem pela palavra, o que teria
sido mais difícil ainda, mas por meio de um pequeno jogo de
construção. Tínhamos uma fita azul para Arve, um papelão verde
para a planície de Plainpalais, representamos a igreja do fim da
planície, o Palácio das Exposições, etc., e a criança devia localizar
os diferentes edifícios com relação à escola. Bem, essas crianças de
4 e 5 anos sabiam seguir o caminho para ir à escola mas não
podiam representá-lo; elas tinham de qualquer modo uma
representação motora. A criança dizia: Eu saio de minha casa, eu
vou assim (gesto), depois assim (gesto), depois eu faço uma volta
assim, depois chego à escola.
Mas colocar edifícios e fazer o caminho, é outra coisa. Uma
coisa é sair de um aperto numa cidade estrangeira onde acabamos
de chegar e aí se reencontrar depois de alguns dias, outra coisa é
evocar sua topografia, se não temos um mapa da cidade à nossa
disposição. Que uma mesma ação seja executada materialmente ou
evocada em pensamento não se trata na realidade da mesma ação.
O desenvolvimento não é linear: é necessário uma reconstrução. O
que explica que haja todo adquirido no nível sensório-motor não
pode ser continuado sem mais, mas deve ser reelaborado no nível
27

da representação, antes de atingir essas operações e conversações


que falamos há pouco.
Chego agora ao nível das operações concretas, por volta de 7
anos em média em nossas civilizações. Mas veremos que existem
atrasos ou adiantamentos devido à ação da vida social. Por volta de
7 anos, constatamos uma modificação fundamental no
desenvolvimento da criança. Ela se toma capaz de uma certa lógica;
ela se torna capaz de coordenar operações no sentido da
reversibilidade, no sentido do sistema de conjunto do qual darei um
ou dois exemplos agora. Esse período coincide com o começo da
escola primária. Aqui novamente penso que é o fator psicológico
que é decisivo. Se esse nível das operações concretas fosse mais
precoce, poderíamos fazer começar a escola primária mais cedo.
Ora, isso não é possível antes que tenha sido atingido um certo
nível de elaboração de que tentarei dar agora as características.
As operações do pensamento, observemos imediatamente,
não são idênticas nesse nível, ao que é nessa lógica para nós, ou
ao que se tomará a lógica do adolescente. A lógica do adolescente -
e nossa lógica - é essencialmente uma lógica do discurso. Quer
dizer que somos capazes - e o adolescente se torna capaz desde 12
ou 15 anos - de raciocinar sobre enunciados verbais, proposicionais;
somos capazes de manipular hipóteses, de raciocinar a partir do
ponto de vista de um outro, sem acreditar nas proposições sobre as
quais raciocinamos. Somos capazes de manipulá-las de uma
maneira formal e hipotético-dedutiva.
Essa lógica, veremos, leva ainda muito tempo para se
construir. Antes dessa lógica, é necessário passar por um estágio
preliminar, e é o que chamarei o período das operações concretas.
Esse período preliminar é o de uma lógica que não se dirige a
enunciados verbais, mas que diz respeito aos objetos mesmos, os
objetos manipuláveis. Será uma lógica das classes, porque
podemos reunir os objetos juntos ou em classes; ou será uma lógica
das relações porque podemos combinar os objetos seguindo suas
diferentes relações; ou será uma lógica dos números porque
podemos contá-los materialmente, manipulando os objetos; mas se
for uma lógica das classes, relações e números, ainda não será uma
lógica das proposições. E entretanto, tratamos com uma lógica, no
sentido em que pela primeira vez, estamos em presença de
operações propriamente ditas, enquanto possam ser invertidas -
28

como por exemplo a adição que é a mesma operação que a


subtração, mas no sentido inverso. E depois, é uma lógica no
sentido em que as operações estão coordenadas, agrupadas em
sistemas de conjunto, que têm suas leis como totalidades. E é
necessário insistir com bastante ênfase sobre a necessidade dessas
estruturas de conjunto para a elaboração do pensamento.
Por exemplo, um número não existe no estado isolado. O que
é representado, é a sucessão tios números, quer dizer um sistema
organizado que é a unidade mais a unidade, e assim
sucessivamente. Uma classe lógica, um conceito não existem no
estado isolado. O que é representado é o sistema total que
chamaremos uma classificação. Assim também, uma relação de
comparação "maior que" não existe no estado isolado; é uma parte
de uma estrutura de conjunto que chamaremos a seriação, que
consiste em ordenar os elementos seguindo a mesma relação.
São essas estruturas que se constróem a partir de 7 anos, e é
a partir desse momento que as noções de conservação se tomam
possíveis.
Tomemos dois exemplos dessas estruturas de conjunto:
1º A seriação. Você dá à criança uma série de varinhas de
diferentes tamanhos e você lhe pede para ordená-las da menor até
a maior. Naturalmente, a criança saberá fazer isso antes dos 7 anos,
mas de uma maneira empírica, quer dizer por tateamentos, o que
não é uma operação lógica. Enquanto a partir dos 7 anos, a criança
se toma capaz de um sistema. Ela vai comparar os elementos entre
eles, até encontrar o menor, que coloca sobre a mesa; depois
procurará o menor dos que restam e o colocará ao lado do primeiro;
e em seguida o menor de todos os que restam e o colocará ainda ao
lado do segundo. Cada elemento sendo maior que todos os que já
estavam na mesa e menor do que os que restavam: você vê então
um elemento de reversibilidade.
Essa operação, que é modesta, é adquirida por volta dos 7
anos, no plano dos comprimentos. Se você traduz essa operação
em termos de pura linguagem, ela se torna muito mais complicada.
Nos testes de inteligência de Burt, que são tão ricos em operações
lógicas, existe o seguinte teste, que estudei outrora com grande
interesse. Trata-se de três meninas que diferem pela cor de seus
cabelos, e pede-se para adivinhar qual delas os têm mais escuros.
29

Os de Edith são mais claros que os de Suzana e ao mesmo tempo


mais escuros que os de Lili. Qual das três os tem mais escuros?
Você vê que é necessário um pequeno raciocínio que não é
imediato, mesmo no adulto, para achar que é Suzana e não Lili. Na
criança, será necessário esperar 12 anos para que esse problema
seja resolvido, porque ele é posto em termos de enunciados verbais.
Não existe entretanto nada mais do que a seriação de que falei há
pouco, mas uma seriação verbal que é diferente das operações
concretas que acabei de descrever .
2º A classificação. Ela só é adquirida por volta de 7-8 anos, se
você toma como critério da classificação a inclusão de uma
subclasse numa classe, quer dizer a compreensão do fato de que a
parte é menor que o todo. Isso pode parecer extraordinário e é
entretanto verdadeiro. Você dá à criança flores que compreendem
seis prímulas e seis outras flores. Você lhe pergunta: Todas as
prímulas são flores? Resposta: Naturalmente. Todas as flores são
prímulas? Resposta: Naturalmente que não. Há na mesa mais
prímulas ou mais flores? A criança vai olhar dizer: Há mais prímulas:
ou: É a mesma coisa, porque tem 6 de um lado e 6 do outro.
- Mas, você me disse que as prímulas são flores. Há mais
flores ou mais prímulas?
Bem, as flores, é o que resta depois das prímulas; não é a
inclusão da parte no todo, é a comparação de uma parte.
Isso é interessante como sintoma das operações concretas.
Observe que com flores, esse problema é resolvido aos 8 anos. Mas
se você pergunta sobre animais, a solução vem mais tarde. Você
pergunta a uma criança: todos os animais são pássaros?
Certamente não. Existem caracóis, cavalos... Todos os pássaros
são animais? Certamente.
- Então, se você olha pela janela, existem mais pássaros
ou mais animais?
- Eu não sei. Seria preciso orientá-los.
Impossível pois de deduzir a inclusão de subclasses na classe
simplesmente pela manipulação de "todos" e de "alguns". E isso
provavelmente porque as flores podem ser reunidas em ramos.
Existe aí uma operação concreta fácil, enquanto fazer ramos de
andorinhas, se torna mais complicado; isso não é manipulável.
30

Chego enfim às operações formais, por volta de 12 anos e


tendo como etapa de equilíbrio 14-15 anos.
Trata-se de uma última etapa, durante a qual a criança se
toma capaz de raciocinar e de deduzir, não somente sobre objetos
manipuláveis como bastões a serem ordenados, esses numerosos
objetos a serem juntados, etc., mas se torna capaz de lógica e de
raciocínios dedutivos, sobre hipóteses, sobre preposições. Existe
toda uma nova lógica, todo um conjunto de operações específicas
que vêm se superpor às precedentes e que podemos chamar a
lógica das proposições, Ela supõe com efeito duas características
novas muito fundamentais. Primeiramente uma "combinatória",
enquanto que até então tudo se fazia passo a passo, por encaixas
sucessivos, enquanto a combinatória liga qualquer elemento a outro
qualquer. Existe por aí uma característica nova, que repousa, sobre
uma espécie de classificações, ou de seriação de todas as
seriações. A lógica das proposições suporá, por outro lado, a
combinação num sistema único dos diferentes agrupamentos que
até então repousavam, seja sobre a reciprocidade, seja sobre a
inversão, sobre as diferentes formas de reversibilidade (grupo das
quatro transformações: inversão, reciprocidade, correlatividade,
identidade). Estamos pois em presença de um acabamento que, em
nossas sociedades, só se constata aos 14 ou 15 anos, e que toma
tanto tempo porque, para chegar aí, é necessário passar por todas
as espécies de etapas das quais cada uma é necessária para a
conquista da seguinte.
Até aqui procurei mostrar o papel do tempo no
desenvolvimento intelectual da criança. Vou falar agora da outra
questão que nos colocamos no começo desse estudo, a saber:
trata-se aí de um ritmo inelutável, ou existem variações possíveis da
civilização ou sobre efeito das sociedades nas quais a criança vive?
Duas respostas podem ser dadas: a resposta de fato e a
resposta de interpretação teórica. Mas as respostas de fato são
infelizmente inseparáveis da interpretação teórica, porque um fato
não é nada em si mesmo se não for interpretado e a interpretação
aqui é sempre delicada.
O estado de fato. Encontramos naturalmente adiantamentos
com relação às idades que indiquei. Existem indivíduos bem
dotados, melhor dotados que outros. Existem gênios, de tempos em
31

tempos. Existem pois adiantamentos, mas esses adiantamentos são


o resultado de uma maturação biológica mais rápida? Isso é muito
possível, porque existem ritmos muito diferentes no crescimento
individual. Ou é um efeito de educação, do exercício, etc. ? Você vê
aqui que o fato bruto não permite resposta e que é necessário uma
interpretação.
Encontramos, por outro lado, adiantamentos coletivos em
certas classes sociais, em certos meios. Mas aqui novamente, trata-
se de uma seleção de bem dotados, ou de uma ação social
propriamente dita ?
De fato, o que encontramos, principalmente nos estudos
comparativos que quisemos fazer, em todas as espécies de países,
sobre essas espécies de resultados, são atrasos espantosos com
relação às idades que acabamos de dar. Por exemplo, os psicólogos
canadenses, que retomaram esses testes detalhadamente e de uma
maneira muito estandartizada, encontram em Montreal mais ou
menos as mesmas idades que em Genebra. Mas retomando os
mesmos estudos comparados na Martinica, eles obtiveram quatro
anos de atraso nas respostas dadas a todos os nossos problemas.
Tratava-se entretanto de crianças escolarizadas segundo o
programa francês de ensino primário, que vai até o certificado de
estudos primário. Apesar disso, as crianças da Martinica têm quatro
anos de atraso na aquisição das noções de conservação, de
dedução, de seriação...
Mas de que se trata aqui? Esse atraso depende de um fator
de maturação, ou seja, de um fator racial? Isso parece muito pouco
provável porque psicologicamente não se encontrou nada
semelhante. Ou trata-se de um fator social, quer dizer de uma certa
passividade no meio social adulto? Os psicólogos que cito (A.
Pinard, M. Laurendeau, C. Boisclair) estariam mais certamente
orientados para essa segunda direção, fornecendo-nos a esse
respeito todas as espécies de índice:
Um dos professores das crianças examinadas tinha hesitado
em muito, antes de escolher sua profissão, entre a vocação de
professor e uma outra possível, a de feiticeiro...Ora, um meio adulto
sem dinamismo intelectual pode ocasionar um atraso geral no
desenvolvimento das crianças.
32

Por outro lado, pesquisas foram feitas no Irã. Em Teerã,


encontramos mais ou menos as mesmas idades daqui; mas, em
alguns analfabetos, do campo, constatamos um atraso de dois anos
e meio, e isso de uma maneira mais ou menos constante. .A ordem
de sucessão permanece a mesma, mas com decalagens.
Eis pois o estado de fato: há variações na velocidade e na
duração do desenvolvimento. Como interpretá-Ias? O
desenvolvimento do qual tentei fazer um quadro muito esquemático
e muito sucinto, pode ser explicado por diferentes fatores.
Distinguirei quatro.
Primeiro fator: a hereditariedade, a maturação interna. Esse
fator deve certamente ser retido em todos os pontos de vista, mas é
insuficiente porque não existe nunca no estado puro ou isolado. Se
um efeito de maturação intervém em toda parte, ele permanece
indissociável dos efeitos do exercício da aprendizagem ou da
experiência. A hereditariedade não é pois um fator que aja isolado
ou seja isolável psicologicamente.
Segundo fator: a experiência física, a ação dos objetos.
Constitui novamente um fator essencial, que não deve subestimar,
mas que, ele também, é insuficiente. Em particular, a lógica da
criança não é tirada das ações que se exercem sobre os objetos. O
que não é absolutamente a mesma coisa, quer dizer que a parte da
atividade do sujeito é fundamental e aí, a experiência tirada do
objeto não basta.
Terceiro fator: a transmissão social, o fator educativo, no
sentido amplo. Fator determinante, naturalmente, no
desenvolvimento, ele e por si só insuficiente, por essa razão
evidente que para que uma transmissão seja possível entre o adulto
e a criança educada, é necessário haver assimilação pela criança do
que lhe procuram inculcar do exterior. Ora, uma assimilação é
sempre condicionada pelas leis desse desenvolvimento
parcialmente espontâneo do qual dei exemplos.
Lembremos a esse respeito a inclusão da subclasse na
classe, a parte menor que o todo. A linguagem contém uma
quantidade de casos nos quais a inclusão é marcada de uma
maneira completamente explícita pelas palavras mesmas. Mas isso
não entra entretanto no espírito da criança enquanto a operação não
for construída no plano das ações interiorizadas. Por exemplo,
33

estudei outrora - e era novamente um teste no qual se tratava de


determinar a cor de um ramo de flores, sendo dado o seguinte
enunciado: Um menino diz a suas irmãs: algumas de minhas flores
são botões de ouro. (Eu tinha mesmo simplificado dizendo: Algumas
de minhas flores são amarelas.) A primeira das irmãs responde:
Então teu ramo é amarelo, ele é todo amarelo; a segunda responde:
Uma parte das flores é amarela; a terceira responde: Nenhuma das
flores é amarela.
Os pequenos parisienses - era uma pesquisa feita em Paris -
respondiam até 9 e 10 anos: " As duas primeiras tem razão porque
dizem a mesma coisa. A primeira disse: Todo teu ramo é amarelo, e
a segunda: Algumas de suas flores são amarelas. É a mesma coisa;
isso quer dizer que há algumas flores e que elas são amarelas". Dito
de outra forma, o genitivo partitivo, a relação da parte ao todo, não
estava compreendida na linguagem por falta de estruturação de
inclusão.
Quero falar de um quarto fator, que chamarei fator de
equilibração. Do momento em que há três fatores, já é necessário
que eles se equilibrem entre eles; mas ainda mais, no
desenvolvimento intelectual, intervém um fator fundamental. É que
uma descoberta, uma noção nova, uma afirmação, etc., devem se
equilibrar com as outras. É necessário todo um jogo de regulação e
de compensações para atingir uma coerência. Tomo a palavra
"equilíbrio", não num sentido estático, mas no sentido de uma
equilibração progressiva, a equilibração sendo a compensação por
reação do sujeito às perturbações exteriores, compensação que
atinge a reversibilidade operatória, no fim desse desenvolvimento.
A equilibração me parece o fator fundamental desse
desenvolvimento. Compreendemos então, ao mesmo tempo a
possibilidade de aceleração, e a impossibilidade de um
aceleramento que ultrapasse certos limites.
A possibilidade de aceleração é dada nos fatos que indiquei
há pouco; mas teoricamente, se o desenvolvimento é antes de tudo
negócio de equilibração, porque um equilíbrio pode se regular mais
ou menos rapidamente seguindo a atividade do indivíduo, ele não é
regulado automaticamente como um processo hereditário que seria
sofrido do interior.
34

Se compararmos aos jovens gregos do tempo em que


Sócrates, Platão, Aristóteles inventaram as operações formais ou
proposicionais de nossa lógica ocidental tal, nossos jovens
contemporâneos que devem assimilar, não somente a lógica das
proposições, mas toda a aquisição de Descartes, Galileu, Newton,
etc., é necessário fazer a hipótese de uma aceleração considerável
durante a infância até o nível da adolescência.
O equilíbrio leva tempo, naturalmente, mas a equilibração
pode ser mais ou menos rápida. Não impede que essa aceleração
não possa ser aumentada indefinidamente, e é nesse ponto que
concluirei. Não creio mesmo que haja vantagem em acelerar o
desenvolvimento da criança além de certos limites. Muita aceleração
corre o risco de romper o equilíbrio. O ideal da educação não é
aprender ao máximo mo, maximalizar os resultados, mas é antes de
tudo aprender a aprender; é aprender a se desenvolver e aprender a
continuar a se desenvolver depois da escola.
35

O DESENVOLVIMENTO DAS OPERAÇÕES INTELECTUAIS

NOÇÃO DE CONSERVAÇÃO
DE QUANTIDADES DESCONTÍNUAS OU DISCRETAS

Orly Zucatto Mantovani de Assis


Comparar quantidades é relacionar suas dimensões ou
colocar em correspondência um a um os seus elementos. É através
desses processos que a criança chega a compreender a
equivalência ou não de quantidades contínuas (massa, líquido) ou
descontínuas (conjuntos de vários elementos).
Tratando-se da correspondência termo a termo é preciso
ressaltar que, saber fazer um elemento de um conjunto
corresponder a um outro elemento de outro conjunto, colocando-os
lado a lado, não basta para que a criança compreenda que ambos
são equivalentes. Já foi visto que, embora a criança seja capaz de
fazer uma fileira de fichas vermelhas igual à outra fileira de fichas
azuis, colocando as fichas uma ao lado da outra, quando se
aumenta os intervalos que separam as fichas de uma das fileiras, a
criança pode passar a negar a equivalência existente entre elas.
Para chegar a admitir essa equivalência como logicamente
necessária há uma evolução do pensamento da criança da simples
“correspondência global ou intuitiva” para a “correspondência
quantificante”. A “correspondência global ou intuitiva” é típica da
criança pré-operatória, cujo pensamento é dominado pela
percepção. Assim é que a equivalência entre dois conjuntos que
possuem o mesmo número de elementos só é admitida se sua
correspondência for percebida. É por isso que a criança que admite
a equivalência de duas fileiras de fichas quando estas estão
colocadas lado a lado, passa a negá-la quando a configuração
espacial de uma das fileiras se modifica. A "correspondência
quantificante” é característica do início do estágio operatório, em
que a equivalência logicamente necessária entre dois conjuntos de
igual número de elementos é admitida independentemente da
configuração desses elementos.
36

Na “correspondência global ou intuitiva” a criança só admite


a equivalência de dois conjuntos quando a configuração espacial de
seus elementos é idêntica. Por exemplo:

Deixa de admiti-la quando, embora possuindo a mesma


quantidade de elementos, os conjuntos apresentem diferentes
configurações espaciais, por exemplo:

Na “correspondência quantificante” a criança admite a


equivalência de conjuntos que possuem a mesma quantidade de
elementos independentemente de suas configurações espaciais.
É importante observar que a criança mais nova (nível 1) não
é capaz de fazer nem mesmo a correspondência termo a termo;
assim sendo, se lhe apresentarmos uma fileira com seis fichas
azuis, pedindo-lhe que façam outra fileira com igual quantidade de
fichas vermelhas, elas a fazem do mesmo comprimento que a
anterior, sem levar em consideração a quantidade de fichas. A fileira
de fichas vermelhas feita pela criança terá um número maior ou
menor de fichas, assim:

As sugestões de atividades que serão apresentadas têm por


objetivo estimular o pensamento da criança, no sentido de fazê-la
caminhar da fase em que ela não é capaz de fazer a
correspondência termo a termo para as fases de “correspondência
global e intuitiva” e, posteriormente, para a fase de "correspondência
quantificante”. Trata-se de um conhecimento lógico-matemático que
será adquirido pela criança quando, ao manipular conjuntos de
vários elementos (animais, conchinhas, folhas, sementes, copinhos
37

de plástico, palitos, botões, etc.) ela chega a compreender que a


quantidade de elementos desses conjuntos se “conserva”
independentemente de sua configuração espacial.

NOÇÃO DE CONSERVAÇÃO
DE QUANTIDADES CONTÍNUAS - LÍQUIDO -

As quantidades contínuas são aquelas cujas partes podem


ser comparadas entre si, sem especificação da unidade. Assim para
se admitir a equivalência ou não de duas porções de massa de
modelar, por exemplo, basta comparar suas dimensões, visto não
ser possível especificar suas unidades e nem tampouco quantificá-
las numericamente. As quantidades descontínuas ou discretas são
aquelas que são comparadas através da quantificação numérica de
suas unidades.
As crianças reagem de diferentes maneiras quando
comparam duas porções idênticas de líquido ou de massa. Assim,
por exemplo, a criança de estágio pré-operatório admite a identidade
das quantidades comparadas desde que sua forma seja a mesma.
Basta transformar a massa ou mudar o líquido de recipiente para
que ela passe a negar a identidade afirmada anteriormente. No
estágio pré-operatório a transformação da quantidade contínua é
concebida como modificação de todos os dados ao mesmo tempo,
sem nenhuma conservação. Desta forma, não é possível o retorno
ao ponto inicial. No estágio operatório, ao contrário, a criança admite
a conservação da quantidade contínua apesar de suas
transformações, isso porque se torna capaz de perceber a ação
transformadora como reversível. Em outras palavras, a criança
compreende que uma ação inversa anula a transformação
observada e conduz ao ponto inicial.
As reações das crianças podem ser categorizadas em três
níveis:
Nível 1: Nenhuma conservação desde que haja
transformação.
Nível 2: Conservação suposta sem certeza e para algumas
transformações.
38

Nível 3: Conservação afirmada com certeza para todas as


transformações observadas.
Os argumentos apresentados pela criança do terceiro nível
são em número de três e são típicos da inteligência operatória. O
primeiro é o da reversibilidade simples: - Há em B (salsicha) a
mesma quantidade de massa que tem em A (bolinha) porque se
pode refazer A (bolinha) a partir de B (salsicha) ou Há em B (copo
mais alto e mais estreito) a mesma quantidade de água do que em
A (copo mais largo e mais baixo) porque se despejarmos a água de
B em A, este ficará igual a A. O segundo tipo de argumento é o da
reversibilidade por reciprocidade: -Tem a mesma quantidade, pois B
(salsicha) é mais comprida, mas é mais fina ou -A água sobe mais
alta, mas é mais estreita. O terceiro tipo é o da identidade: Tem a
mesma quantidade porque é a mesma massa, a gente só enrolou ou
Tem a mesma quantidade de água pois nós só despejamos aqui (B)
ou -Tem a mesma quantidade de água porque a gente não tirou
nem pôs mais.
As situações que propiciam a aquisição da noção de
conservação das quantidades contínuas são aquelas em que a
criança brinca com barro, água, areia, etc.

1-Ausência de Conservação

A = A´ A≠B A ≠ C

2-Conservação em algumas das transformações

A = A´ A≠B A = C
39

3- Noção de Conservação

A = A´ A=B A=C

Argumentos
1. Identidade:
É a mesma água, não se tirou nem pôs. Somente passou de
um copo para outro.
2. Reversibilidade:
2.1. Simples ou por inversão:
Se pusermos a água neste copo (A) outra vez, fica tudo
igual como antes.
2.2. Por reciprocidade:
Neste copo (B) a água está mais alta porque o copo é fino e
alto, neste (A) a água fica mais baixa porque o copo é mais largo
e mais baixo, mas a quantidade é a mesma.

CONSERVAÇÃO DE QUANTIDADES CONTÍNUAS


MASSA

As situações que propiciam a aquisição da noção de


conservação das quantidades contínuas são aquelas em que a
criança brinca com barro, massa de modelar, etc.
As quantidades contínuas são aquelas cujas partes podem
ser comparadas entre si, sem especificação da unidade. Assim, para
se admitir a equivalência ou não de duas porções de massa de
modelar, por exemplo, basta comparar suas dimensões, visto não
ser possível especificar suas unidades e nem tampouco quantificá-
las numericamente. As quantidades descontínuas ou discretas são
40

aquelas que são comparadas através da quantificação numérica de


suas unidades.
As crianças reagem de diferentes maneiras quando
comparam duas porções idênticas de massa. Assim, por exemplo, a
criança de estágio pré-operatório admite a identidade das
quantidades comparadas desde que sua forma seja a mesma. Basta
transformar a massa para que ela passe a negar a identidade
afirmada anteriormente. No estágio pré-operatório a transformação
da quantidade contínua é concebida como modificação de todos os
dados ao mesmo tempo, sem nenhuma conservação. Desta forma,
não é possível o retorno ao ponto inicial. No estágio operatório, ao
contrário, a criança admite a conservação da quantidade contínua
apesar de suas transformações, isso porque se torna capaz de
perceber a ação transformadora como reversível. Em outras
palavras, a criança compreende que uma ação inversa anula a
transformação observada e conduz ao ponto inicial.
As reações das crianças podem ser caracterizadas em três
níveis:
Nível 1– nenhuma conservação desde que haja
transformação.
Nível 2– conservação suposta sem certeza e para algumas
transformações.
Nível 3– conservação afirmada com certeza para todas as
transformações observadas.
Os argumentos apresentados pela criança do terceiro nível
são em número de três e são típicos da inteligência operatória. O
primeiro é o da reversibilidade simples: “Há em B (salsicha) a
mesma quantidade de massa que tem em A (bolinha) porque se
pode refazer A (bolinha) a partir de B (salsicha)”. O segundo tipo de
argumento é o da reversibilidade por reciprocidade: “Tem a mesma
quantidade, pois B (salsicha) é mais comprida, mas é mais fina”. O
terceiro tipo é o da identidade: “Tem a mesma quantidade porque é
a mesma massa, a gente só enrolou” ou “Tem a mesma quantidade
de massa porque a gente não tirou nem pôs mais”.
41

Conservação de Quantidades Contínuas (Massa)

1-Ausência de Conservação

A = A´ A≠B A≠C

2-Conservação em algumas das transformações

A = A´ A≠B A=C

3- Noção de Conservação

A = A´ A=B A = C

NOÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO OPERATÓRIA

Classificar é reunir objetos de acordo com suas


semelhanças. As origens das classificações remontam à atividade
sensório-motora que consiste em reunir e em separar objetos a
partir de critérios funcionais.
No estágio pré-operatório as crianças tendem a classificar
os objetos fazendo "coleções figurais" ou "coleções não figurais" ( cf.
42

Mantovani de Assis. "Uma Nova Metodologia de Educação Pré-


Escolar. p. 15). As "coleções figurais" traduzem uma indiferenciação
entre os aspectos figural e conceptual de um conjunto de elementos.
As "coleções não figurais" consistem em distribuir em pequenos
montes os objetos que se assemelham. Além disso, depois de
construído um amontoado (por exemplo, de círculos) a criança
chega a subdividi-lo em sub-coleções: grandes e pequenos, ou
vermelhos e azuis. Tais comportamentos já são nitidamente
classificatórios, mas não há ainda a operação de inclusão de
classes.
No estágio operatório a criança se torna capaz de reunir em
classes todos os elementos de um conjunto, segundo um critério
único que inclui duas ou mais subclasses numa classe de maior
extensão, como por exemplo quando afirma que, num ramalhete de
cinco rosas e duas margaridas há mais flores do que rosas, pois
todas são flores.
É através da observação do comportamento da criança que
o(a) professor(a) chega a compreender em que nível de
classificação ela se encontra. No nível das classificações figurais as
reações típicas das crianças podem ser categorizadas da seguinte
maneira:
1. Pequenos alinhamentos parciais:
A criança não procura classificar todos os objetos
apresentados, construindo coleções não exaustivas e sem relações
entre si.
Características:
a- A criança estabelece semelhanças entre o primeiro
elemento escolhido e o seguinte, depois, entre o segundo e o
seguinte, e assim por diante, sem qualquer plano preestabelecido e
sem esgotar todos os elementos.
b- Esses elementos ligados por semelhança não estão
reunidos numa totalidade estabelecida antecipadamente e nem
construída como um conjunto total.
c- O alinhamento assim construído só posteriormente se
impõe como uma estrutura de conjunto.
43

2. Alinhamentos contínuos, mas com mudanças de


critérios:
O alinhamento é generalizado para todas as figuras,
constituindo-se assim um alinhamento total. Observam-se a
constituição de sub-coleções que não são previstas pela criança e
nem sempre notadas posteriormente. Essas sub-coleções resultam
do fato da criança esquecer os elementos precedentes ao proceder
a seqüenciação das figuras e ir mudando de critério à medida que
constrói o alinhamento.
3. Os intermediários entre o alinhamento e os objetos
coletivos ou complexos:
São agrupamentos intermediários entre os alinhamentos e
os objetos coletivos ou complexos. Caracterizam-se por constituírem
alinhamentos múltiplos, cujas linhas se orientam em direções
diferentes, como por exemplo em ângulo reto, ou por constituírem
figuras que começam sob a forma de alinhamento e depois se
completam sob a forma de superfícies.
4. Objetos coletivos:
Constituem uma montagem, em duas ou três dimensões, de
elementos semelhantes mas formando, em conjunto, uma figura
inteiriça como se fosse uma peça só.
5. Objetos complexos:
Constituem um agrupamento de forma multidimensional. A
criança perde de vista seu propósito inicial de classificar e em vez
de "juntar" o que é parecido, passa a fazer uma construção
qualquer.
Os comportamentos anteriormente descritos são típicos da
criança de 3-4 anos de idade, que freqüentam as classes de nível 1.
As coleções não figurais são típicas das crianças de 5-6 e 5-7 anos
que freqüentam as classes de nível 2 e 3. Entretanto, espera-se que
a criança das classes deste último nível chegue a adquirir a noção
de classificação operatória. É importante observar que esta
determinação de comportamentos típicos de cada idade não é
rígida. Assim sendo, é bem possível que crianças de nível 2 e 3
façam coleções figurais ao classificar objetos.
44

É classificando os objetos, as pessoas e os animais que a


criança estrutura o real, formando conceitos. A classificação, que
tem sua origem na atividade sensório-motora, vai se aperfeiçoando
à medida em que a criança se desenvolve e se converte na
capacidade para orientar o pensamento científico característico da
adolescência e da idade adulta.
As figuras que se seguem poderão facilitar a compreensão
das fases pelas quais a criança passa até construir a noção de
classificação operatória.

• ESTÁGIO PRÉ-OPERATÓRIO
I- Coleções Figurais:
1- Pequenos alinhamentos parciais:

2- Pequenos alinhamentos contínuos com mudança de critérios:

3-Intermediários entre alinhamentos e os objetos coletivos ou complexos:


45

4- Objetos Coletivos:

5- Objetos Complexos:

II - Coleções Não-Figurais

• ESTÁGIO OPERATÓRIO CONCRETO


III - Classificação Operatória

mulheres + homens = pessoas

A + A’ = B
46

NOÇÃO DE SERIAÇÃO OPERATÓRIA

Seriar é agrupar os objetos de acordo com suas diferenças


ordenadas. A seriação sob uma forma vacilante e não sistemática já
está presente no comportamento da criança desde o estágio
sensório-motor. Podemos observar comportamentos de seriação em
crianças desse estágio quando, por exemplo, um bebê de um ano e
meio constrói uma torre, sobrepondo cubos de tamanhos
decrescentes, ou quando um pouco mais tarde é capaz de fazer
encaixamento de objetos de diferentes tamanhos. O comportamento
da criança nesse estágio engloba a percepção de relações e
comporta também um esquema sensório-motor que supera a própria
percepção. A seriação operatória tem pois sua origem na atividade
sensório-motora.
Do início do estágio pré-operatório até ao início do estágio
operatório concreto encontramos três níveis de seriação.
Nível 1 : Ausência de seriação.
Se apresentarmos à criança uma série de 10 bastonetes, ela
fracassa na seriação, arrumando os bastonetes ao acaso ou
fazendo com eles pares e trios.
Nível 2 : Seriação perceptiva.
A criança consegue construir a série por tentativas mas,
quando lhe solicitamos que intercale novos elementos geralmente
desmancha a série feita e começa tudo outra vez ou faz a
intercalação através de tentativas.
Nível 3 : Seriação Operatória.
A criança constrói a série utilizando um método sistemático,
que consiste em identificar primeiro o elemento menor (ou maior)
depois o outro menor (ou maior) dos que restam e assim por diante.
Este comportamento já é operatório e implica a compreensão de
que um determinado elemento E é, ao mesmo tempo, maior que os
precedentes e menor do que os seguintes. Além disso, a criança
desse nível é capaz de intercalar diretamente e sem hesitações os
novos elementos que lhes são apresentados.
47

SERIAÇÃO

Seriar é ordenar os objetos de acordo com suas diferenças..

1- Ausência de Seriação

2- Seriação Empírica ou Perceptiva

• A série é construída por ensaio e erro

3- Seriação Operatória

• A série é construída por meio de procedimentos sistemáticos.


• A criança entende que qualquer elemento mediano é ao mesmo
tempo maior que e menor que.

or
48

ESTRUTURAÇÃO DO CONCEITO DE ESPAÇO

A estruturação do conceito de espaço deriva das ações que


o sujeito realiza sobre os objetos no espaço. Essas ações são
inicialmente sensório-motoras e mais tarde ações interiorizadas que
se transformam em operações, constituindo sistemas. O conceito de
espaço da pessoa adulta, resulta das manipulações ativas do meio
espacial e não de um "puro registro" imediato deste meio, através da
percepção. Desta forma, a percepção que temos dos objetos como
juntos ou separados no espaço, é função de ações passadas de
separar e juntar e não de registros visuais de sua proximidade ou
separação.
Segundo Piaget, o conceito de espaço é produto de uma
construção lenta e gradual que depende muito mais das ações do
que da percepção. Essa construção se inicia no estágio sensório-
motor. No princípio, não existe um espaço único que englobe os
objetos. Ao contrário, existem "espaços" separados, heterogêneos,
todos centrados no próprio corpo da criança: espaço bucal, tátil,
visual, auditivo, postural. Em seguida, esses espaços vão se
coordenando progressivamente, até que, no final do estágio
sensório-motor, constitui-se um espaço único e objetivo, no qual
todos os objetos e a própria criança estão incluídos e inter-
relacionados. A criança torna-se então, capaz de controlar seus
movimentos no espaço, representando internamente seus próprios
deslocamentos anteriores em relação aos deslocamentos dos outros
corpos. Além disso, ela também se torna capaz de representar os
deslocamentos invisíveis dos objetos. Desta forma, a criança que se
afasta de casa e a perde de vista, é capaz de apontar corretamente
o ponto em que ela se localiza. Assim também quando a criança
encontra um obstáculo que a impede de alcançar um objeto perdido,
ela faz outro caminho e consegue pegar o objeto. Isso acontece
porque a criança foi capaz de representar o deslocamento invisível
do objeto perdido e o desvio que precisava ser feito para encontrá-lo
novamente.
A partir de dois anos de idade, o espaço sensório-motor é
reconstruído no nível de representação. Observa-se então, em
primeiro lugar, o aparecimento de estruturas topológicas (que
incluem a proximidade, a ordem, o fechamento e a continuidade) e
depois o aparecimento mais ou menos simultâneo (em geral aos 9-
49

10 anos) das estruturas euclidianas e projetivas. As estruturas


euclidianas implicam a compreensão do espaço em três dimensões
e as conservações de comprimentos, superfícies e volumes e a
elaboração dos sistemas de referência (horizontal e vertical). As
estruturas projetivas implicam a compreensão das transformações
de perspectivas de um único objeto ou de um sistema de vários
objetos, com coordenação de pontos de vista.
Esta evolução na estruturação do conceito de espaço é
percebida pela análise de inúmeros fatos. Por exemplo, a criança
pré-escolar de 3-4 anos é capaz de distinguir uma figura fechada de
uma aberta, uma figura que tem um furo de outra que não tem.
Entretanto, a capacidade de discriminar as figuras retilíneas e
curvilíneas só se desenvolve muito tempo depois. Portanto, a
criança que sabe distinguir um círculo fechado de um aberto, pode
ser incapaz de distinguir entre figuras fechadas curvilíneas e
retilíneas, como quadrados ou losangos.
No estágio pré-operatório a concepção que a criança tem de
espaço está ligada às suas ações. Desta forma, é capaz de ver uma
coisa em relação a outra e, conseqüentemente, de compreender as
relações de proximidade, separação, ordem e continuidade
existentes entre os objetos. O desenho da criança reflete a sua
concepção de espaço. A figura humana é desenhada corretamente
e as relações entre continente e conteúdo se manifestam nas
"transparências”: batatas dentro da terra, móveis dentro da casa,
etc... As crianças desenham o que sabem e não o que vêem
(realismo intelectual).
Quando se trata, por exemplo, de representar graficamente
o trajeto de casa à escola, a criança pré-operatória o faz em termos
de suas próprias ações. Lembra-se de onde parte e onde chega e
que precisa dobrar uma esquina no caminho. Mas, não é capaz de
recordar um único ponto de referência, e a representação gráfica do
trajeto não tem relação com a planta da escola e do bairro. À vezes
é capaz de lembrar-se de nomes das ruas, mas não de sua ordem
ou dos lugares onde precisa virar. Seu desenho é um círculo, com
alguns pontos colocados ao acaso para corresponder aos nomes de
ruas que conseguiu lembrar.
A criança constrói o conceito de espaço espontaneamente,
sem que nada lhe seja ensinado.
50

ESTRUTURAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO

Para Piaget o tempo constitui uma coordenação de


velocidades distintas: movimentos do objeto para o tempo físico, ou
movimentos do sujeito para o tempo psicológico.
A noção operatória de tempo evolui simultaneamente com
as noções de movimento e velocidade. A noção de tempo resulta de
uma construção prolongada, que se inicia no estágio sensório-motor
e termina no estágio das operações formais.
A forma mais elementar dessa noção é a organização
sensório-motora, que se processa desde o nascimento até a
aparição da linguagem. Quando a criança chora de fome enquanto
não é alimentada, ela tem conhecimento de certas durações, como
a da espera. Quando a criança retira um obstáculo, para depois
pegar o objeto que foi escondido atrás dele, ela estabelece uma
sucessão de acontecimentos entre meios e fins (antes e depois).
Quando, com a aquisição da linguagem, a inteligência
infantil ultrapassa o plano das ações para alcançar o do
pensamento, as noções temporais passam a ser reconstruídas
nesse novo plano. A criança começa por reaprender, nesse novo
plano, o que ela já sabe de uma maneira essencialmente prática.
Sendo capaz de utilizar e prever uma seqüência de acontecimentos,
ou levar em consideração certas durações, torna-se necessário para
ela reconstruir as mesmas noções no plano das representações. As
noções temporais sensório-motoras, lenta e gradualmente, passam
a ser traduzidas em signos e representações, e isto implica uma
nova construção. É por isto que as crianças de 4 a 5 anos
encontram dificuldade para reconstruir uma série temporal simples
no plano das representações, embora sejam capazes de percebê-la
e manejá-la praticamente sem dificuldade. Assim, por exemplo, ela
sabe fazer escoar água de um recipiente superior para um inferior e
prever que os níveis sucessivos desses recipientes serão cada vez
mais baixos no primeiro e cada vez mais altos no segundo.
Entretanto, se pedirmos a essa criança para seriar os desenhos que
ela mesma fez desses vários níveis, vamos observar que ela comete
erros.
No estágio intuitivo ou pré-operatório, a criança irá
reconstruir as noções elementares de sucessão e duração
51

simultaneamente, a partir dos esquemas sensório-motores. Nesse


estágio essas relações são baseadas na percepção imediata interna
ou externa. Disso resulta que a criança age como se cada
movimento tivesse o seu próprio tempo. Piaget se refere a este
fenômeno como "tempo local". Desta maneira, os "tempos" inerentes
a movimentos diferentes não podem ser coordenados. A noção de
"tempo homogêneo" que representa a média comum de todos os
movimentos, com a mesma velocidade ou com velocidades
diferentes, só será construída no estágio operatório concreto.
O conceito operatório de tempo implica a coordenação de
movimentos de velocidades distintas que, por sua vez, requer uma
concepção lógica de movimento e velocidade, que a criança pré-
operatória não tem. Assim é que no estágio pré-operatório, o
movimento e a velocidade são avaliados em termos do ponto final
ou terminal do movimento no espaço percorrido. Nesse caso, a
criança acredita que um objeto fez um trajeto mais longo quando ele
pára antes de outro, mesmo que o primeiro tenha feito um caminho
reto e o último um caminho em zigue-zague e, portanto, tenha
percorrido uma distância maior. A velocidade também é
compreendida pelo esquema de "passar na frente" ou de "estar na
frente". Quando a criança vê um móvel ultrapassar outro ou chegar
à sua frente, ela acredita que ele se locomoveu mais rapidamente.
Mas se a ultrapassagem não é visível (por exemplo, quando os dois
móveis se locomovem sob túneis, sendo um maior que o outro) a
avaliação das velocidades se mostra incorreta. A velocidade não é
então uma relação entre o tempo e o espaço percorrido. Isso ocorre
porque a ordem temporal ainda não está construída. O tempo é uma
coordenação de velocidades distintas e não havendo essa
coordenação a velocidade resulta também de uma intuição parcial.
A construção simultânea da idéia operatória de velocidade e da idéia
operatória de tempo, permite à criança comparar velocidades entre
si, quando não há ultrapassagens visíveis e também comparar os
tempos entre si, quando as velocidades são diferentes.
Os erros próprios das intuições do tempo são modelos do
pensamento pré-operatório, cuja característica é a irreversibilidade.
O tempo operatório é o protótipo do pensamento reversível. Essas
duas formas de pensamento são bastante nítidas quando se trata do
tempo vivido (noção de idade). Para a criança pré-operatória a idade
não se diferencia do tamanho (especialmente da altura). As coisas
52

maiores são mais velhas que as menores e as coisas que param de


crescer também não envelhecem mais. Devido à sua associação
com o tamanho, a idade não tem uma relação necessária com a
data do nascimento. Se Pedro nasceu depois de João, mas com o
tempo o supera em tamanho, é considerado "mais velho".
53

ESTRUTURAS OPERATÓRIAS CONCRETAS


OS AGRUPAMENTOS
Lia Leme Zaia
Estruturas são sistemas de conjunto1, responsáveis pela
nossa capacidade de estabelecer relações lógicas e cujos
elementos, relacionados entre si, não podem ser caracterizados
independentemente destas relações.
Estas estruturas são construídas a partir das relações do
sujeito com o meio ambiente, numa ordem invariável de sucessão.
As estruturas elementares são incorporadas às novas estruturas
como subestruturas.
Desta forma as estruturas elementares não se perdem mas
continuam existindo como parte das mais complexas e estas, por
sua vez, integram outras ainda mais complexas.
O ritmo de construção das estruturas mentais pode variar,
sofrendo influência das solicitações do ambiente, isto é, de acordo
com a maior ou menor possibilidade de atuar sobre objetos
variados, interagir com crianças e adultos, inventar coisas,
solucionar problemas, etc.
Embora seja importante para o desenvolvimento da criança,
não podemos intervir diretamente no ambiente familiar; torna-se,
portanto, necessário enriquecer o ambiente escolar com situações
desafiadoras e estimulantes, de acordo com o seu nível de
desenvolvimento.
Para que uma situação seja estimulante e desafiadora deve
estar um pouco acima das possibilidades atuais da criança, mas
próxima o suficiente para ser compreensível e solucionável.

1
Nos sistemas de conjunto, cada parte se relaciona com todas as outras e
com o todo, de tal maneira que qualquer modificação em uma das partes provoca
modificações no todo e em cada uma das outras partes. Assim, quando uma estrutura
sofre modificações ao acomodar-se a um objeto do conhecimento, todas as outras
estruturas sofrem acomodações para terem condições de se coordenarem com a
estrutura modificada. Da mesma forma, a estrutura de conjunto também se modifica.
54

É necessário, portanto que o professor conheça, não só as


características gerais do estágio de desenvolvimento de seus
alunos, mas, principalmente, as suas estruturas cognitivas, o seu
processo de formação, as estruturas que lhe deram origem e as
estruturas próprias do estágio seguinte.
Conhecendo o processo de construção das estruturas, o
professor poderá diagnosticar o nível de desenvolvimento em o que
aluno se encontra e selecionar questões, atividades e problemas
que lhe possam ser desafiadores.As estruturas elementares já foram
abordadas em outros textos, portanto passaremos por elas apenas
superficialmente para aprofundar o estudo das estruturas mais
elaboradas desse período de desenvolvimento: os agrupamentos.
CLASSIFICAÇÃO
Classificar é estabelecer relações entre os objetos reunindo-
os de acordo com suas semelhanças. Quando a criança separa
objetos de acordo com um critério, isto é, de acordo com um atributo
comum e reúne novamente as classes em um todo, podemos dizer
que está classificando. Assim, quando separa os brinquedos da
casa de bonecas de acordo com o cômodo a que pertencem e,
depois, ao ser solicitada a fazer apenas dois conjuntos, encontra um
critério para reunir algumas classes deixando apenas duas, por
exemplo, coisas de fazer comida e coisas que não servem para
fazer comida, está reunindo classes menores em outras de maior
extensão.
Paralelamente à classificação elementar, que implica a
inclusão de classes, são construídas as classificações duplas, as
matrizes multiplicativas com quatro compartimentos. Esta estrutura
continua evoluindo, dando origem à classificações cada vez mais
complexas que correspondem aos agrupamentos de classes.
Do ponto de vista lógico, agrupamentos são estruturas de
conjunto. Sua composição é limitada, quando comparada com o
grupo (matemático), pois não possui associatividade completa. Não
sendo possível combinar qualquer elemento com qualquer outro,
independente de sua disposição espacial, a sua composição é
gradativa ou por contigüidade. É próxima da rede, mas apenas em
forma de um meio ripado.
55

As propriedades dos agrupamentos são: a composição


(operação direta na qual uma subclasse é incluída em uma classe
de maior extensão), a reversibilidade ou operação inversa (exclusão
de uma subclasse da classe de maior extensão), a associatividade,
limitada à adição de várias classes contíguas, independentemente
da maneira como estão agrupadas, a identidade geral, pela qual
existe um elemento, (a classe nula), que somado a qualquer outro
não o modifica e as identidades especiais ou tautologia, isto é,
outros elementos que desempenham o papel de identidade (a união
de qualquer classe com ela mesma, nada modifica).
As identidades especiais são próprias apenas dos
agrupamentos. Juntamente com os limites impostos à
associatividade, diferencia o agrupamento do grupo lógico
matemático.
Os agrupamentos de classe são os seguintes:
Agrupamento I - composição aditiva de classes: É a
organização em que cada classe se inclui na seguinte, esta na
seguinte e assim por diante, até atingir uma classe que inclui todas
as outras. Cada classe é formada por uma subclasse que a
antecede e sua complementar. A classe complementar é constituída
por todas as classes que a antecedem (ou subclasses) e que não
fazem parte da primeira. Isto significa que uma classe qualquer é
constituída por todas as outras que a antecedem. Esse
agrupamento é simbolizado por Piaget como: A+A’=B, B+B’=C,
C+C’= D...

D D’

C
C’
B
B’

A A’
56

Exemplificando a inclusão hierárquica de classes, podemos


tomar uma subclasse A que pode ser formada pelos carrinhos
vermelhos, A’ pelos carrinhos não vermelhos, ambas as classes
formando B, a classe dos carrinhos de brinquedo, cuja
complementar é B’, a classe dos brinquedos não carrinhos. B e B’
formam a classe dos brinquedos C, cuja complementar, C’, é
constituída por todos os objetos pessoais não brinquedos.
Juntamente com C, C’ forma a classe dos objetos pessoais D, cuja
complementar D’, é formada pelos objetos não pessoais. Ambas
formam a classe E, dos objetos... e assim por diante.
A hierarquia zoológica é um outro exemplo deste
agrupamento. Consideremos a subclasse dos cães dálmatas (A)
cuja complementar seria a dos cães não dálmatas (A’), ambas
formariam a subclasse (B) composta por todos os cães, cuja
complementar poderia ser a dos animais mamíferos domésticos não
cães (B’). As subclasses B e B’ formariam a subclasse C, dos
animais mamíferos domésticos que, com sua complementar C’
(animais mamíferos não domésticos), formaria a subclasse dos
animais mamíferos (D). A subclasse D, juntamente com sua
complementar D’(animais não mamíferos) formaria a classe dos
animais... e poderíamos continuar daí por diante.
É interessante observar que, as classificações zoológicas e
botânicas, de cunho científico, assumem a forma deste
agrupamento. Assim, se em vez de darmos as hierarquias prontas
para as crianças memorizarem, oferecermos amplas possibilidades
de classificarem por si mesmas as plantas e animais, a partir das
espécies de seu próprio meio, das quais conhece as características,
elas poderão chegar à classificações muito próximas daquelas que
desejamos que elas conheçam.
Agrupamento II - adição secundária de classes: Este
agrupamento consiste na inclusão de uma classe e sua
complementar em uma classe de maior extensão que as comporta.
A diferença em relação ao anterior consiste em que, enquanto no
agrupamento I, trata-se de inclusões sucessivas, neste, a classe
superior permanece sempre a mesma e pode ser constituída por
qualquer outra e sua complementar.
A representação lógica desta classe seria: A1 + A’ = B, A2 +
A’2 = B, A3 + A’3 = B, A4+ A’4 = B... em que A1 poderia corresponder à
57

classe dos gatos, A’1 à dos não gatos, ambas constituindo B, classe
dos mamíferos, que pode ser formada também por A2 - classe dos
cavalos - e A’2 - classe dos mamíferos não cavalos; ou por A 3 - dos
macacos e A’3 - dos mamíferos não macacos, e assim por diante.

A’3
A1
A’1 A3
A2
A’2
Neste agrupamento cada soma resulta sempre na classe
completa dos mamíferos, comportando, portanto, vicariâncias, uma
vez que seus termos podem ser substituídos sem alterar a classe
total.
Agrupamento III - multiplicação biunívoca de classes: As
classes podem ser multiplicadas umas pelas outras. O resultado
dessa multiplicação é sempre uma classe de menor extensão,
porque possui os predicados das duas classes multiplicadas. Se
multiplicarmos, por exemplo, a classe dos carros, que comporta
todos os carros, pela classe dos vermelhos, que inclui todos os
objetos vermelhos, tenho a classe dos carros vermelhos, que
comporta apenas os carros de cor vermelha, deixando de incluir
todos os outros carros - não vermelhos - e todos os outros objetos -
não carros. O produto desta multiplicação é, portanto, a interseção
de ambas as classes.
Podemos tomar como exemplo, novamente, os brinquedos
de uma criança. A classe dos brinquedos poderia ser dividida pela
cor, hierarquia (D1 ) e pela espécie, (D2 ). Assim, poderia ser
constituída, por um lado, pela classe dos brinquedos azuis (A1 ), dos
brinquedos amarelos (B1 ) e dos brinquedos vermelhos (C1 ) e, por
outro lado, pela classe dos carrinhos ( A2), pela dos piões(B2 ) e pela
das bolas(C2 ) . A multiplicação lógica dessas hierarquias dá origem
à matriz multiplicativa ou tabela de dupla entrada:
58

D1 A2 B2 C2
D2
A1 A1 A2 A1 B2 A1 C2
B1 B1 A2 B1 B2 B1 C2
C1 C1 A2 C 1 B2 C1 C2
Este agrupamento recebe o nome de multiplicativo biunívoco
porque cada classe da primeira hierarquia (D1), multiplica-se pelas
classes individuais da segunda hierarquia (D2) para dar origem às
classes de menor extensão, situadas nas interseções.
Diversas atividades podem propiciar o estabelecimento
destas relações multiplicativas. Um exemplo clássico, seria o de
colocar diante da criança dois conjuntos, um com objetos verdes
(uma caneca, um carro, uma caneta, etc., todos verdes), formando
uma linha vertical, e outro de folhas de diversas cores, amarela,
laranja, marrom, vermelha (exceto verde) formando uma linha
horizontal. O ponto de interseção ficaria vazio e se perguntaria à
criança, o que poderia ser colocado ali. Para obter a resposta a
criança teria de considerar os critérios de classificação dos dois
conjuntos: objetos verdes de um lado e folhas do outro.
Multiplicando ambos os critérios, teria uma folha verde.
Com crianças menores podemos apresentar diversos
objetos para ela escolher, dentre eles, o que serve para ambos os
conjuntos. Com crianças mais velhas isso não é necessário. Com
estas também é possível trabalhar com palavras, a partir dos
conteúdos escolares já trabalhados. Por exemplo, pode-se oferecer
nomes de diversos personagens portugueses de nossa história para
um conjunto e, para outro, nomes de reis de diversas
nacionalidades, para preencher a interseção a criança poderia
escolher entre diversos nomes de personagens de nossa história,
tendo apenas D. João VI para representar o rei português.
Agrupamento IV - multiplicação counívoca de classes: Na
multiplicação counívoca de classes (um-para-muitos), cada classe
de uma hierarquia pode ser multiplicada por todas classes de outra
hierarquia. Tomemos o exemplo de uma família, sendo a hierarquia
K1 formada pelas classes: A1 - os filhos de x, B1 - os netos de x - e C1
59

-os bisnetos de x. A hierarquia K2 é constituída por A2 - irmãos, A’2 -


primos de A2 - e B’2 - primos em segundo grau de A2.

A2 irmãos primos irmãos primos -2ºgrau


A1 A2 A’2 B’2
A1 A1 A2
B1 B1 A2 B1 A’2
C1 C 1 A2 C1 A’2 C1 B’2

Neste exemplo, A1 corresponde a apenas uma classe de K2,


a classe A2 . Isto é, os filhos de x só podem ser irmãos ente si. Da
mesma forma os netos de x ( A’2) só podem ser irmãos entre si (B1
A’2) ou primos irmãos (B1 A’2), enquanto os bisnetos de x podem ser
irmãos entre si (C1 A2 ), primos irmãos (C1 A’2) e primos em segundo
grau (C1 B’2). O agrupamento quatro forma uma matriz triangular.
SERIAÇÃO
Seriar é ordenar os objetos de acordo com as diferenças.
Quando uma criança coloca objetos em ordem de tamanho (do
maior para o menor ou vice-versa), ou de peso, espessura,
tonalidade, aspereza, etc., executa uma atividade de seriação. Os
objetos que possibilitam estas atividades possuem todas as
características iguais, exceto uma, cujas diferenças são constantes,
podendo ser ordenadas.
O importante em qualquer critério de seriação é que os
objetos ordenados se disponham de forma a poder ocupar apenas
um lugar na série e essa posição seja definida por sua relação com
os que o precedem e com os que os sucedem.
A partir da seriação operatória serão construídas as
correspondências seriais e as seriações de duas dimensões.
correspondências seriais: consistem em construir séries
duplas, como por exemplo, gaiolas e pássaros, bebês e chupetas,
xícaras e pires, de tamanhos gradualmente maiores.
60

seriações de duas dimensões: consistem em dispor numa


matriz objetos que variam em duas dimensões (por exemplo,
tamanho e cor)

Da mesma forma que as classificações, as seriações


operatórias dão origem aos agrupamentos de relações:
Agrupamento V - aditivo assimétrico de relações: As
relações assimétricas são ordenadas2 entre os indivíduos de uma
série, tais como A é menor que B, B menor que C... ou M é mais
claro que N, N mais claro que O e assim por diante.
a b c d
A B C D E
Na série de objetos (A, B, C, D, etc) as letras minúsculas
indicam as diferenças ordenadas entre os elementos. Essas
diferenças comportam a transitividade: A é menor que B e este é
maior que A .
a a’
Assim, se A B, B A
Outra forma de representar seria:

A
a

B b

c
C

Nos agrupamentos de seriação, a reversibilidade assume


uma forma diferente dos agrupamentos anteriores, uma vez que a

2
São ordenadas porque ocorrem em uma única direção.
61

inversão ou negação não é possível, enquanto a identidade geral,


não podendo ser a ausência de diferenças, assume a forma de uma
equivalência entre as diferenças (as diferenças entre A, B, C e D
são equivalentes).
Agrupamento VI - aditivo simétrico de relações: refere-se às
relações simétricas encontradas na hierarquia genealógica -
composições aditivas simétricas - que podem ser combinadas entre
si.
Por exemplo se tomarmos uma família, cujos membros x, y
e z, são seus membros masculinos, podemos estabelecer as
seguintes relações simétricas:

0
(A) x x (ou x = x)

a a
(B) x y, = “irmão de”

a’ a’
(C) x z, = “primo-irmão de”

b b b
(D) x y, x z, = “tem o mesmo avô que”

Essas relações podem ser combinadas, pois se x é irmão de


y e y é irmão de z, então x é irmão de z, ou se x é irmão de y e y é
primo-irmão de z, x é primo-irmão de z.
Agrupamento VII - multiplicativo biunívoco de relações:
Neste agrupamento, os elementos, ordenados assimetricamente em
relação a dois atributos ao mesmo tempo, formam também uma
tabela de dupla entrada, mas comportando as relações próprias de
uma série.

Mais escuro
62

A1 A2 A3 etc.

Maior B1 B2 B3 etc.

C1 C2 C3 etc

Como exemplo de atividade, poderíamos entregar às


crianças alguns cubos em três ou quatro tamanhos diferentes e
tonalidades também diferentes da mesma cor, para que colocassem
bem em ordem. O resultado esperado, para as crianças que já
construíram este agrupamento, pode ser representado como segue:

Agrupamento VIII - multiplicativo counívoco de relações:


Também se refere à hierarquia genealógica, mas neste caso,
estabelecendo relações multiplicativas counívocas (um para muitos).
Assim, tomemos as duas séries:
A1 é pai de B1 e avô de C1
B1 é irmão de B2 e primo-irmão de C3
Multiplicando-as uma pela outra, temos:
Se A1 é pai de B1, e B1 é irmão de B2, então A1 é pai de B2
Se A1 é pai de B1 e B1 é primo-irmão de C3, então A1 é tio de C3.
63

BIBLIOGRAFIA

BRENELLI, Rosely Palermo.(1996). Observáveis e


Coordenações em um jogo de regras: Influência do nível operatório
e interação social. Campinas, Unicamp, Faculdade de Educação,
1986 (tese de mestrado).
BRENELLI, Rosely Palermo. O jogo como espaço para
pensar: a construção de noções lógicas e aritméticas. Campinas:
Papirus,.
MANTOVANI DE ASSIS,(l987) Orly Z. Uma Nova
Metodologia de Educação Pré-Escolar. São, Paulo, Pioneira,
MANTOVANI DE ASSIS, Orly Z. Textos do PROEPRE -
Projeto de Educação Pré-Escolar
PIAGET, Jean. (l975)A Teoria de Jean Piaget. In:
Carmichael. Manual de Psicologia da Criança. Rio de Janeiro.
EPU/EDUSP, p.75 a 115.
PIAGET, Jean e INHELDER, Bärbell. (l983) A Gênese das
Estruturas Lógicas Elementares. Rio de Janeiro, ZAHAR.
ZAIA, Lia Leme. (1996) A Solicitação do meio e a construção
das estruturas operatórias em crianças com dificuldades de
aprendizagem. Campinas, Unicamp, Faculdade de Educação, (Tese
de Doutorado).
ZAIA, Lia Leme.(1995) O papel do jogo na construção das
estruturas operatórias elementares e das estruturas aritméticas. In:
Anais do XII Encontro Nacional de Professores do PROEPRE.
Campinas: Unicamp - Faculdade de Educação, p.123.
64

ESTRUTURAS OPERATÓRIAS FORMAIS


Lia Leme Zaia

COMBINAÇÕES, PERMUTAÇÕES e ARRANJOS


A coordenação das duas reversibilidades: inversão e
reciprocidade dão origem à construção da combinatória, primeira
estrutura do pensamento formal que possibilitará, por sua vez, a
construção das demais.
A combinatória consiste em combinar todas as
possibilidades de uma situação, trate-se de combinar objetos ou
juízos. Essa estrutura de pensamento pode ser observada numa
situação bastante simples, que consiste em fornecer ao sujeito
quatro cores de fichas e solicitar-lhe que faça com as mesmas todas
as combinações possíveis.
Os sujeitos do período operatório concreto só conseguem
realizar algumas combinações, por ensaio e erro. Entretanto,
durante o período operatório formal, torna-se possível esgotar as
possibilidades. Os sujeitos desse período utilizam o método de
manter uma cor, combinando-a com as outras, mudar a cor e
realizar as combinações possíveis com todas que ainda não foram
escolhidas. Valendo-se desse método exaustivo, obtém as 16
combinações: 6 com duas cores, 4 com três, 1 de quatro, 4 de uma
cor e nenhuma (cf. fig 01).

(nenhuma)

Fig. 01
65

Outra maneira de colocar em evidência a estrutura da


combinatória é solicitar ao sujeito que encontre todas as formas
possíveis de colocar juntas as cores duas a duas, como se fossem
pessoas que vão passear aos pares. Aumenta-se gradativamente o
número de cores a serem combinadas, procedendo-se sempre
desta forma.
Os sujeitos de idades menores costumam fazer dois pares,
completando-os com duas fichas da mesma cor. Depois dos seis
anos, mais ou menos, continuam agindo por ensaio e erro, mas
descobrem, com ajuda, as combinações possíveis com quatro
cores. Dos 8 anos até os doze, mais ou menos, procuram um
método, mas acabam por tentativas. Apenas após os 11-12 anos,
passam a utilizar o método de manter uma cor e combinar com
todas as outras.
Uma das situações mais utilizadas para se observar a
estrutura combinatória é a dos arranjos, na qual estão envolvidas
combinações e permutas.
ARRANJOS3
Solicita-se que o sujeito escolha três cores e combine-as,
duas a duas, de todas as formas possíveis. Quando termina
pergunta-se se fez todos os arranjos possíveis, se tem certeza e por
que. Se não tiver certeza, pergunta-se como pode fazer para ter
certeza ao terminar.
Solicita-se que anote em uma tabela, o número de cores
utilizadas, o número de combinações e o de fichas de cada cor.
Sugere-se, então, que escolha mais uma cor e faça novamente
todos os pares possíveis. O procedimento é o mesmo até 7 cores,
no máximo.
Pergunta-se, então, se existe uma forma de saber quantas
combinações poderão ser feitas, com qualquer quantidade de cores,
sem que haja necessidade de ir aumentando uma a uma. Deixa-se
experimentar – depois se pede ao sujeito que explique o processo.
Se não conseguir desta forma, pergunta-se com 10 cores, com 30

3
Piaget , Inhelder e cols. Operações de Arranjo. In: (1980). A origem da
idéia de Acaso na criança. Rio de Janeiro, s/d, pp.269-291.
66

ou 90, quantas combinações e quantas fichas de cada cor serão


utilizadas.
Procedimentos do sujeito
Em um primeiro estágio (pré-operatório), mais ou menos dos
cinco aos sete anos, a criança tem mais dificuldade para inverter os
arranjos já feitos do que para combinar as cores. Forma os pares
por tentativas, sem esgotar as possibilidades.
Trata-se de arranjos empíricos, por tentativas, sem chegar a
suspeitar da possibilidade de usar um sistema, a criança pega
qualquer cor, combinando-a com qualquer outra e, só depois,
verifica se já havia feito essa combinação. Não consegue fazer
permutas e combinações ao mesmo tempo, agindo como se fossem
pares isolados, sem relação uns com os outros.
Em um segundo estágio, operatório concreto, dos sete-oito
aos onze-doze anos, mais ou menos, constroem progressivamente
o senso de regularidade, procurando descobrir um sistema que
garanta todas as combinações.
Iniciam por tentativas, depois percebem que podem
organizar os arranjos em função das primeiras cores colocadas, mas
poucos continuam com o mesmo sistema para todas as cores.
Alguns chegam a compreender empiricamente a lei (n2 ) para
descobrir o número de arranjos possíveis, mas por descoberta
empírica e não por dedução.

Fig. 02
67

Alguns exemplos com números talvez facilitem a


compreensão dos sistemas e das limitações encontradas neste
estágio.
Passa por diversos sistemas, que não permitem garantir
todas as combinações até chegar ao terceiro estágio, operatório
formal, quando atinge a compreensão do sistema de arranjos.
Durante o nível inicial do período operatório formal, nível
IIIA, consegue descobrir a lei – por um número dado (n x n-1),
embora nem sempre compreenda a razão dessa lei e não chegue a
uma generalização construtiva quando muda de uma quantidade de
cores para outra, por não compreender que se trate de um sistema
único. Embora o sistema já esteja completo, ele ainda não dá
origem ao esquema reflexivo que lhe permita antecipar.

com 2 com 3 com 4


elementos Com 5 elementos
elementos elementos
Diz que faz 30,
encontra 25 e não
entende porque.
Cada número,
multiplica por ele
mesmo, com 6,
coloca 6 tentos da
mesma cor em uma
coluna.

depois

Fig. 03
68

Ao atingir o equilíbrio do período operatório formal, nível IIIB,


descobre a lei e compreende sua razão, tomando consciência das
relações inerentes ao sistema adotado, para esgotar todos os
arranjos possíveis. Formula a lei a partir desse sistema formal,
generalizando para qualquer quantidade de cores.
A combinatória, aplicada à realização de experiências, dá
origem ao método chamado científico, que consiste em manter
todas as variáveis constantes enquanto se modifica apenas uma.
Podemos acompanhar a construção deste método, bem como a
exclusão de fatores que não exercem nenhuma influência numa
situação em que se coloca o problema da “A freqüência das
oscilações do pêndulo”.
A FREQÜÊNCIA DAS OSCILAÇÕES DO PÊNDULO
Deixa-se que o sujeito explore o aparelho e descubra tudo o
que pode modificar, isto é, o comprimento do barbante (C), o peso
(P), a altura de soltar (A) e o impulso (I) Uma vez descobertos os
fatores solicita-se que experimente, como desejar, para descobrir o
que faz o pêndulo balançar mais vezes em um mesmo período de
tempo (aumentar a freqüência das oscilações).
69

Procedimentos do sujeito
Durante um primeiro estágio, pré-operatório, observa-se
uma indiferenciação entre as ações do sujeito e as oscilações do
pêndulo, isto é, ao tentar solucionar a tarefa as ações realizadas
pela criança são confundidas com os movimentos observáveis do
pêndulo. Quase sempre, o sujeito explica a maior freqüência de
oscilações pelo impulso dado e intervém sempre nos movimentos do
aparelho. Não há seriação ou correspondências exatas entre os
fatores e suas conseqüências, e muitas contradições são
observadas.
No estágio operatório concreto a criança começa a seriar os
fatores, a estabelecer correspondências entre eles e a freqüência
das oscilações, mas ainda não dissocia os fatores. Esse período
divide-se em dois níveis:
Em um primeiro nível, IIA, torna-se capaz de seriar as
alturas, os comprimentos, os pesos, de julgar objetivamente as
mudanças de freqüência e chegar a correspondências exatas.
Além disto, descobre a correspondência inversa entre o
comprimento da corrente e a freqüência das oscilações, mas ainda
atribui um papel ao peso, ao impulso e à altura de soltar.
Nota-se que não chega a dissociar os fatores, variando
vários ao mesmo tempo. Não existe seriação exata dos pesos e
conclui que o comprimento do barbante não é o único fator a intervir.
Já no nível de efetivação ou de equilíbrio deste estágio, nível
IIB, o sujeito torna-se capaz de todas as formas de seriação e
correspondências que permitem variar os quatro fatores e conseguir
ler os resultados; seriar exatamente os efeitos dos pesos na
experiência bruta e de utilizar tabelas simples de variação.
Entretanto, os fatores nem sempre podem ser separados,
razão pela qual, muitas vezes tiram das operações apenas algumas
inferências de transitividade (A< C se A < B e B < C), não imaginam
a multiplicidade de variações que podem ser tiradas das operações
e variam simultaneamente vários fatores, podendo não variar o fator
que desejam examinar.
Apenas no estágio operatório formal a dissociação de
fatores torna-se possível, embora ainda não seja espontânea.
70

Durante o primeiro nível do período operatório formal, nível


IIIA, o adolescente torna-se capaz de dissociar os fatores, mas
apenas quando se encontra diante de combinações nas quais um
fator varia enquanto os outros permanecem imutáveis; faz algumas
inferências, mas não organizadas suficientemente para servir de
esquema antecipatório.
Como não sabe provocar sistematicamente as operações,
nas quais um fator varia e os outros permanecem imutáveis, torna-
se impossível a exclusão dos fatores inoperantes. Esta dissociação
de fatores através do método de variar apenas um e manter os
outros constantes, possibilitando a exclusão, só ocorre no nível IIIB,
nível de equilíbrio do período operatório formal.
TRAÇÃO DO PESO SOBRE O PLANO INCLINADO4
Trata-se de um problema de equilíbrio que coloca em
evidência as relações de trabalho.A criança é convidada a manipular
um dispositivo composto por uma rampa móvel (A), que pode ser
elevada ou abaixada, um caminhãozinho (M) preso por um cordão a
um suporte de pesos (P), pequenos pesos de 20 gramas, que
podem ser colocados no caminhão ou no suporte. Colocada a
questão: O que faz o caminhão andar? a criança pode realizar
experiências com o dispositivo para descobrir a resposta. Depois do
sujeito dizer o que faz o caminhãozinho subir e o que o faz descer,
pergunta-se: - O que você pode mudar sem que o carrinho ande? ou
sugere-se: - você pode ir modificando o que quiser para descobrir a
regra do equilíbrio do caminhãozinho.
Durante o período pré-operatório, Nível I, constata-se uma
indiferenciação entre as ações do sujeito e os processos objetivos,
isto é, a criança explica os fenômenos observados invocando as
ações que pode exercer sobre o dispositivo. Assim, o dispositivo não
constitui um conjunto independente de causas e efeitos, mas forma
uma unidade com as ações do sujeito e o peso é uma força capaz
tanto de puxar como de empurrar o caminhão.

4
Inhelder e Piaget. Tração do Peso sobre o Plano Inclinado. In:1976. Da
Lógica da Criança à Lógica do Adolescente: ensaio sobre a construção das
estruturas operatórias formais. São Paulo: Pioneira, 1.976, pp.139-150
71

O nível inicial do período operatório concreto (Nível IIA) o


sujeito torna-se capaz de determinar o papel dos pesos, sem
coordená-los com as inclinações. Assim, procura compor os pesos
do carrinho (M) com os contrapesos (P) para manter o caminhão
equilibrado; percebe o papel da inclinação, favorecendo a descida
ou a subida do caminhão, mas não chega a prever que aumentando
a inclinação precisa mais contrapeso (P) para o carrinho subir do
que numa inclinação menor. A inclinação assume um segundo
plano, tendo influência em algumas situações, mas não podendo ser
combinado com os outros fatores.
Durante o Nível IIB (nível de equilíbrio do estágio operatório
concreto) o sujeito descobre o papel da inclinação, assim os três
fatores, peso do carrinho, contrapeso e inclinação da rampa,
passam a ser considerados. Compreende que uma inclinação maior
exige um trabalho superior, mas a noção de trabalho ainda é
qualitativa. Por outro lado, coordena os fatores dois a dois, sem
levar em conta o terceiro fator.
No período operatório formal, Nível IIIA, tem início uma
coordenação qualitativa dos três fatores. Observa-se então que o
sujeito experimenta os extremos e o meio, considera a inclinação ou
no ângulo formado pela rampa e não a altura total e não consegue
descobrir a lei. O progresso apresentado neste nível é a
possibilidade de coordenar os três fatores em uma única ligação,
compreendendo que a inclinação pode ser compensada por mais
pesos P ou menos M.
Já no Nível IIIB, nível de equilíbrio do período operatório
formal, o sujeito descobre a lei do equilíbrio, ou melhor, a
proporcionalidade das alturas e dos pesos, encontrando a proporção
métrica e explicando-a em termos de trabalho.
72

Fig.05

Bibliografia

PIAGET , INHELDER e cols. (1980). A origem da idéia


de Acaso na criança. Rio de Janeiro.

INHELDER, B e PIAGET, J. (1976) Da lógica da criança à lógica do


adolescente. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira.

*****************
73

O PENSAMENTO DO ADOLESCENTE5

Jean Piaget
Adaptação: Orly Z. Mantovani de Assis

Considerando-se os excelentes estudos publicados sobre a


vida social e afetiva do adolescente, é surpreendente que tão pouco
trabalho tenha sido realizado quanto ao pensamento do
adolescente.
Os poucos estudos minuciosos a respeito são muito
valiosos, mas até agora não nos permitiram ter um quadro coerente
de conjunto. Os testes de inteligência nos mostraram o caráter
hipotético-dedutivo do pensamento formal que se constitui a partir
de 11-12 anos. Alguns trabalhos, de outro lado, sobre o
pensamento matemático e físico do adolescente mostraram
principalmente os resíduos do pensamento da criança que
encontramos durante a adolescência, e isso por uma espécie de
permanência dos problemas do plano concreto num plano mais
abstrato.
Neste texto final desejamos verificar se os resultados
apresentados anteriormente, neste livro, que se referem ao
pensamento experimental de adolescentes que se dispõem a
enfrentar aparelhos que os levam simultaneamente à ação e à
reflexão, permitem identificar as grandes linhas desse quadro que
nem os testes, nem o estudo do pensamento verbal, nem mesmo o
do pensamento matemático, permitiram até agora esclarecer.
Do ponto de vista das estruturas lógicas, os resultados
parecem comportar uma conclusão que distingue claramente o
adolescente da criança. Esta chega apenas a lidar com operações
concretas de classes, de relações e números, cuja estrutura não
ultrapassa o nível dos "agrupamentos" lógicos elementares ou dos
grupos numéricos aditivos e multiplicativos. A criança chega, assim,
a utilizar as duas formas complementares da reversibilidade
(inversão para as classes e os números, reciprocidade para as
relações), mas sem fundi-Ias nesse sistema único e total que

5
Este texto foi adaptado do Capítulo XVIII do livro do autor intitulado Da
Lógica da Criança à Lógica do Adolescente.
74

caracteriza a lógica formal. O adolescente, ao contrário, superpõe a


lógica das proposições à das classes e das relações, e assim
desenvolve, pouco a pouco (atingindo seu patamar de equilíbrio por
volta de 14-15 anos), um mecanismo formal fundamentado
simultaneamente nas estruturas do reticulado e do grupo das 4
transformações; estas lhe permitirão reunir, num mesmo todo, além
do raciocínio hipotético-dedutivo e da prova experimental baseada
na variação de um único fator (desde que as outras coisas
permaneçam iguais), certo número de esquemas operatórios que
utilizará continuamente em seu pensamento experimental, bem
como lógico-matemático.
No entanto, a lógica não é tudo no pensamento, e é preciso
verificar, agora, se tais transformações das estruturas lógicas
acompanham outras modificações gerais do pensamento que
comumente - às vezes explicitamente, e freqüentemente de maneira
implícita - se admite serem características do adolescente.
Desejamos tentar mostrar rapidamente, não apenas que isso
acontece realmente, mas ainda que a transformação das estruturas
constitui como que o núcleo a partir do qual se irradiam as diversas
modificações mais visíveis do pensamento dos adolescentes.
Para isso, é preciso começar por eliminar um equívoco
possível. A característica fundamental da adolescência é a
integração do indivíduo na sociedade dos adultos. O critério da
adolescência não deve ser dado, portanto, pela puberdade. A
puberdade aparece mais ou menos na mesma idade em todas as
raças e em todas as sociedades. A integração na sociedade dos
adultos, ao contrário, varia consideravelmente nas várias
sociedades, e até em diferentes ambientes sociais. Ora, para
nossos objetivos, essa transição social fundamental será o fato
essencial.
Portanto, não interessa estabelecer relação entre o
pensamento formal e a puberdade. Não há dúvida de que há
numerosos laços entre o aparecimento das estruturas formais e as
transformações da afetividade, e logo mais falaremos destas
últimas. No entanto, tais relações são complexas e não tem um
sentido único. Por isso, ainda aqui estaríamos diante de uma
confusão preliminar se quiséssemos reduzir a adolescência às
manifestações da puberdade. Por exemplo, não podemos sustentar
que o aparecimento do amor seja característico da adolescência; há
75

crianças que se apaixonam; o que, em nossas sociedades, distingue


um adolescente apaixonado de uma criança também apaixonada é
que, geralmente, o primeiro complica seus sentimentos pela
construção de um romance ou com a referência a ideais sociais e
até literários de todos os tipos. Ora, a invenção de um romance ou
a utilização de modelos coletivos diferentes nem são resultados
diretos das transformações neuro-fisiológicas da puberdade e nem
produtos exclusivos da afetividade; são também reflexos indiretos e
específicos dessa tendência geral dos adolescentes para construir
teorias e utilizar as ideologias de seu ambiente. E esta tendência só
pode ser explicada se considerarmos os dois fatores associados que
continuamente encontramos: as transformações do pensamento e a
integração na sociedade adulta, devendo-se lembrar que esta última
inclui uma reestruturação total da personalidade, na qual o aspecto
intelectual acompanha ou complementa o aspecto afetivo.
No entanto, se o aparecimento do pensamento formal não é
uma conseqüência da puberdade, não deverá ser considerado como
uma manifestação das transformações cerebrais devidas à
maturação do sistema nervoso e, que podem estar em relação
direta, ou indireta, com a puberdade? Realmente, é muito provável
que, se a criança de 7-8 anos (a não ser com raras exceções) não
pode lidar com as estruturas que, em nossas sociedades, o
adolescente enfrenta com tanta facilidade, isso se explica pelo fato
de não ter certo número de coordenações cujas datas de formação
são determinadas pelas etapas da maturação. De outro lado, as
estruturas do reticulado e do grupo são muito provavelmente
isomorfas das estruturas nervosas e são certamente isomorfas das
estruturas dos modelos mecânicos que a cibernética imaginou para
imitar o cérebro 0.2 Portanto, parece evidente que o
desenvolvimento das estruturas formais da adolescência está ligado
ao das estruturas cerebrais. No entanto, esta ligação está longe de
ser simples, uma vez que a constituição das estruturas formais
também depende certamente do meio social. A idade de 11-12
anos, que, em nossas sociedades, marca os seus inícios, é
certamente muito relativa, pois a lógica das chamadas sociedades
primitivas parece ignorar tais estruturas e estas têm uma história
ligada à evolução da cultura e das representações coletivas, da
mesma forma que uma história ontogenética. Se, em sua reflexão
lógica e matemática, os gregos tomaram consciência de uma parte
de tais estruturas, é verossímil que as crianças gregas estivessem
76

atrasadas com relação às nossas; a idade atual de 11-12 anos seria,


portanto, produto, não apenas de fatores neurológicos, mas também
de uma aceleração progressiva do desenvolvimento individual sob a
influência da educação e nada impede que, em futuro mais ou
menos longínquo, essa idade média seja reduzida.
Em resumo, longe de constituir uma fonte de "idéias inatas"
já inteiramente elaboradas, a maturação do sistema nervoso se
limita a determinar o conjunto' das possibilidades e impossibilidades
para determinado nível, em determinado ambiente social, e é
portanto indispensável para a efetivação dessas possibilidades.
Depois, essa efetivação pode ser acelerada ou retardada em função
das condições culturais e educativas; é por isso que tanto o
aparecimento do pensamento formal quanto a idade da
adolescência em geral, isto é, a integração do indivíduo na
sociedade adulta, dependem dos fatores sociais tanto e até mais do
que dos fatores neurológicos.
No que se refere às estruturas formais, notamos muitas
vezes a convergência entre algumas reações de nossos sujeitos e
alguns ensinamentos escolares, a tal ponto que podemos perguntar
se as manifestações individuais do pensamento formal não são
apenas impostas pelo grupo social graças à educação formal e
escolar. Mas a essa hipótese sociológica extrema, os fatos
psicológicos permitem responder que a sociedade não atua por
simples pressão exterior sobre os indivíduos em formação, e que
estes não são, com relação ao ambiente social e nem com relação
ao ambiente físico, simples “tábulas rasas” nas quais as coerções
imprimiriam conhecimentos já inteiramente estruturados. Para que o
meio social atue realmente sobre os cérebros individuais, é preciso
que estes estejam em condições de assimilar as contribuições
desse meio, e voltamos à necessidade de uma maturação suficiente
dos instrumentos cerebrais individuais.
Desse processo circular, que caracteriza os intercâmbios
entre o sistema nervoso e a sociedade, decorrem duas
conseqüências. A primeira é que as estruturas formais não formas
inata ou a priori, e que seriam inscritas previamente no sistema
nervoso, e nem representações coletivas que existam inteiramente
elaboradas fora e acima dos indivíduos, mas formas de equilíbrio
que se impõe pouco a pouco ao sistema de intercâmbios entre os
indivíduos e o meio físico, e ao dos intercâmbios entre os indivíduos,
77

e esses dois sistemas constituem, aliás, um apenas, visto de duas


perspectivas diferentes (distintos apenas para a análise). Portanto,
isso volta ao que dissemos várias vezes.
A segunda conseqüência é que, entre o sistema nervoso e a
sociedade, existe uma atividade individual, isto é, o conjunto das
experiências e dos exercícios feitos pelo indivíduo para adaptar-se
simultaneamente ao mundo físico e ao mundo social. Se as
estruturas formais são leis de equilíbrio e se existe uma atividade
funcional característica do indivíduo, deve-se esperar que o
adolescente - se a adolescência é a idade da integração dos
indivíduos em formação na sociedade dos adultos apresente uma
série de manifestações espontâneas que traduzam essa construção
das estruturas formais de uma maneira vivida e real, e de uma
maneira que assegura, nas ações cotidianas e na vida dos sujeitos,
sua integração na vida social dos adultos.
No entanto, devemos perguntar inicialmente o que é que,
precisamente, significa essa integração. Ao contrário do que ocorre
com a criança, que se sente inferior e subordinada ao adulto, o
adolescente é o indivíduo que começa a considerar-se como igual
aos adultos e julgá-los num plano de igualdade e de total
reciprocidade. Mas a esse primeiro traço se juntam dois outros. Em
segundo lugar, o adolescente é ainda o indivíduo em formação, mas
que começa a pensar no futuro, isto é, em seu trabalho atual ou
futuro dentro da sociedade, e que às suas atividades do momento
junta um programa de vida para suas atividades ulteriores ou
"adultas." Finalmente, e sem dúvida na grande maioria dos casos no
que se refere a nossas sociedades, o adolescente é o indivíduo que,
procurando introduzir-se e introduzir seu trabalho atual ou futuro na
sociedade dos adultos, se propõe também (e, segundo ele, por isso
mesmo) a reformar essa sociedade em algum domínio específico ou
em sua totalidade; a integração de um indivíduo na sociedade adulta
não poderia, realmente, realizar-se sem conflito, e enquanto a
criança procura a solução dos conflitos nas suas compensações
atuais (lúdicas ou reais), o adolescente acrescenta a essas
compensações limitadas a compensação mais geral que é uma
vontade de reformas, ou até um plano para executá-las.
Ora, assim definida em seus três aspectos fundamentais, a
integração do adolescente na sociedade dos adultos supõe
certamente alguns instrumentos intelectuais e afetivos, cuja
78

elaboração espontânea é exatamente o que distingue a


adolescência da infância. Mas, em que consistem tais instrumentos
intelectuais novos, e qual pode ser a sua relação com o pensamento
formal?
Se quisermos nos limitar a uma observação inteiramente
global e ingênua, e sem procurar diferenciar por suas reações
sociais específicas o colegial, o aprendiz, o jovem operário e o
jovem camponês, o adolescente se distingue da criança, antes
demais nada, por uma reflexão que ultrapassa o presente. O
adolescente é o indivíduo que, embora diante de situações vividas e
reais, se volta para a consideração de possibilidades. Em outros
termos, e dando às palavras "teorias" e "sistemas" a significação
mais ampla, o adolescente, ao contrário do que ocorre com a
criança, é o indivíduo que começa a construir sistemas ou teorias.
A criança não constrói sistemas. Seu pensamento
espontâneo talvez seja mais ou menos sistemático (inicialmente
muito pouco, e depois mais), mas é o observador que de fora
percebe isso, enquanto que a criança não toma consciência desse
aspecto, pois seu pensamento não é auto-reflexivo. Por exemplo,
quando há tempos estudamos a "representação do mundo" pela
criança, pudemos observar certo número de reações sistemáticas e
construir o sistema correspondente a tal ou qual nível; no entanto,
fomos nós que o construímos, enquanto que a criança, embora
freqüentemente encontrando espontaneamente as mesmas
preocupações e dando inconscientemente respostas análogas6 não
procura sistematizar suas idéias, pois não tem reflexão, isto é, um
pensamento em segunda potência ou pensamento sobre o próprio
pensamento, e isto é indispensável para a construção de qualquer
teoria.
O adolescente, ao contrário, reflete sobre seu pensamento e
constrói teorias. O fato de que sejam limitadas, inadequadas e,
principalmente, pouco originais não tem importância; do ponto de
vista funcional, tais sistemas apresentam a significação essencial de
permitir ao adolescente sua integração moral e intelectual na
sociedade dos adultos, e isso sem mencionar seu programa de vida
e seus projetos de reforma.

6
Por exemplo, La Formation du Symbole chez I'Enfant, cap. 1 X.
79

Estes são indispensáveis para que o adolescente assimile


as ideologias que caracterizam a sociedade ou as classes sociais,
na medida em que são entidades opostas às simples relações
interindividuais.
Examinemos, desse ponto de vista, um grupo de colegiais
entre 14-15 anos e o baccalauréat [exame francês para jovens entre
18-19 anos, e que tenham terminado a escola secundária]. A maior
parte tem teorias políticas e sociais e deseja reformar o mundo,
explicando à sua maneira os mecanismos e as perturbações da vida
coletiva. Outros têm teorias literárias ou estéticas e situam suas
leituras ou suas experiências do belo numa escala de valores
projetada em sistema. As crises religiosas e a reflexão sobre a fé, ou
contra esta, dominam alguns, e estes partem então para um sistema
geral, isto é, que desejam válido para todos. A especulação
filosófica apaixona uma minoria e, para todo intelectual autêntico, a
adolescência é a idade metafísica por excelência, cujas seduções
perigosas a reflexão adulta terá dificuldade para esquecer. Uma
minoria ainda mais reduzida se orienta desde o início para as teorias
científicas ou pseudo-científicas. Mas cada um tem suas teorias,
mais ou menos explícitas e redutíveis a fórmulas, ou simplesmente
implícitas. Alguns escrevem e têm grande interesse reencontrar os
esquemas de idéias que às vezes foram retomados e prolongados.
Outros se limitam a falar e a meditar, mas cada um tem suas idéias
próprias (e que geralmente acredita terem sido criados por ele), que
o libertam da infância e lhe permitem colocar-se em pé de igualdade
com o adulto.7
Se nos afastamos da escola secundária tradicional e,
sobretudo das classes intelectuais, e examinamos o adolescente
aprendiz, operário ou camponês, encontramos o mesmo fenômeno
sob outras formas: em lugar da elaboração de "teorias" pessoais,
encontramos uma adesão às idéias transmitidas pelos colegas,
desenvolvidas em reuniões ou provocadas por leituras.
Encontramos um pouco menos de crises familiares e ainda menos
crises religiosas, e, sobretudo, menos abstração. Mas sob aspectos
externos diferentes e variados, identificaremos facilmente o mesmo
processo central: o adolescente não se contenta mais com viver as

7
As moças naturalmente se interessam mais pelo casamento, mas o
marido com que sonham é muito freqüentemente "teórico" e suas reflexões sobre a
vida conjugal adquirem muitas vezes o aspecto de "teorias".
80

relações interindividuais que seu ambiente lhe oferece, nem com a


utilização de sua inteligência para resolver os problemas do
momento; procura, além disso, colocar-se no mundo social dos
adultos e, para isso, tende a participar das idéias, dos ideais e das
ideologias de um grupo mais amplo, utilizando como intermediário
certo número de símbolos verbais que o lhes eram indiferentes
quando criança.
Ora, como explicar essa nova capacidade, característica do
adolescente, de orientar-se para o que (visto de fora e por um
observador que o compara à criança) é natural e abstrato, mas que
visto de dentro constitui seu instrumento indispensável de adaptação
ao mundo social adulto e, por conseguinte, seu interesse mais
imediato e mais sentido? Não há dúvida de que aí estamos diante
da manifestação mais direta e mais simples do pensamento formal.
O pensamento formal constitui, ao mesmo tempo, uma reflexão da
inteligência sobre si mesma (a lógica das proposições constitui um
sistema operatório de segunda potência, e que opera com as
proposições cuja verdade depende de operações de classes, de
relações e de números) e uma inversão das relações entre o
possível e o real (pois o real é colocado, como setor particular, no
conjunto das combinações possíveis). São essas duas
características - cuja descrição tentamos até aqui na linguagem
abstrata que convém à análise dos raciocínios - que estão na origem
das reações vividas e sempre impregnadas de afetividade por meio
dos quais o adolescente constrói seus ideais para adaptar-se ao
ambiente social. Se o adolescente constrói teorias isso se explica
porque, de um lado, tornou-se capaz de reflexão e, de outro, porque
sua reflexão lhe permite fugir do concreto atual na direção do
abstrato e do possível. Não queremos de modo algum dizer com
isso que inicialmente exista elaboração de estruturas formais, e
depois, aplicação às reflexões individuais e socialmente úteis, como
instrumentos adaptativos; ao contrário, esses são dois aspectos de
uma mesma realidade e é mesmo porque o pensamento formal
desempenha um papel fundamental, do ponto de vista funcional,
que chega a se estruturar em seus modos gerais e lógicos. Ainda
uma vez, a lógica não é estranha à vida; é apenas a expressão das
coordenações operatórias necessárias à ação.
No entanto, isso não significa que a integração do
adolescente no mundo social dos adultos se faça apenas através de
81

teorias gerais e desinteressadas; existem ainda dois outros aspectos


dessa integração, que são o programa de vida e a reforma da
sociedade atual. O adolescente constrói suas teorias, ou adota,
reconstruindo-as, as que lhe são apresentadas. Além da
necessidade de participar das ideologias adultas, para ele é
indispensável chegar a uma concepção das coisas que lhe dê a
possibilidade de afirmar-se e criar (donde a ligação estreita entre o
sistema construído e o programa de vida) e lhe garanta, ao mesmo
tempo, que terá mais êxito que seus antecessores (donde as
reformas necessárias, onde se misturam da maneira mais íntima as
preocupações desinteressadas e as ambições características da
juventude).
Em outras palavras, nesse novo plano de pensamento e de
realidade que é descoberto pela inteligência operatória formal,
ocorre o mesmo processo que observamos, patamar por patamar,
nos diferentes níveis do desenvolvimento da criança: uma
indiferenciação inicial entre o objeto ou o outro e as atividades
pessoais, seguida de uma descentração no sentido da objetividade
e da reciprocidade. Já no plano senso-motor o bebê começa por
não saber dissociar o que decorre de suas ações e o que pertence
apenas aos objetos ou às pessoas exteriores: inicialmente, vive num
mundo sem objetos exteriores permanentes e sem a consciência de
um eu ou de uma subjetividade interior; depois, por uma série de
descentrações devidas à coordenação progressiva de suas ações,
chega a diferenciar seu eu e a situar seu corpo num universo
espacial e causalmente organizado, composto por objetos
permanentes e por pessoas semelhantes a ele. Mas, com o
aparecimento da função simbólica, a linguagem, a representação e
os intercâmbios com outro ampliam esse universo em proporções
imprevistas, e exigem uma nova estruturação. Nesta segunda
situação, o egocentrismo reaparece sob um novo plano e sob a
forma de uma relativa indiferenciação inicial entre o ponto de vista
pessoal (ponto de vista representativo e não mais senso-motor) e o
dos outros, bem como uma indiferenciação relativa entre o subjetivo
e o objetivo (sempre quanto à representação e não mais quanto aos
esquemas senso-motores). Com as coordenações conseguidas no
nível das operações concretas (7-8 anos), torna-se possível uma
descentração suficiente e que permite à criança pensar
objetivamente as ligações entre classes, relações e números, e de
agir de maneira interindividual segundo um conjunto de relações
82

cooperativas (a cooperação e a constituição das operações


representam, aliás, os dois aspectos de uma mesma realidade).
Mas com a nova ampliação do universo que é provocada pela
elaboração do pensamento formal, inicialmente se manifesta uma
terceira forma de egocentrismo, e assinala uma das características
mais ou menos constantes da adolescência, até a nova
descentração ulterior que será possível por causa do início real do
trabalho adulto.
Esta forma superior de egocentrismo, apresentada pelo
adolescente, é, aliás, a conseqüência inevitável de sua integração
na vida social adulta, pois o adolescente não procura apenas
adaptar seu eu ao ambiente social, mas também adaptar o ambiente
social a seu eu. Em outras palavras, ao pensar no ambiente em que
procura localizar-se, pensará em sua atividade social nesse
ambiente social e nos meios para transformá-lo. Disso decorre uma
relativa indiferenciação entre seu ponto de vista de indivíduo
chamado a construir seu programa de vida e o ponto de vista do
grupo que ele deseja transformar.
Mais concretamente, o egocentrismo característico da
adolescência se manifesta por uma espécie de messianismo de tal
tipo que as teorias através das quais representa ao mundo estão
centradas na atividade reformadora que se sente chamado a
desempenhar no futuro. Aqui, convém não nos limitarmos apenas à
simples observação, mas utilizar também os documentos mais
secretos, entre os quais os trabalhos escritos, não destinados à
publicação imediata, os diários íntimos ou simplesmente as
confidências que às vezes obtemos dos adolescentes quanto a seus
devaneios mais íntimos. Lembremos, por exemplo, as descrições
dos devaneios noturnos que foram solicitadas a uma classe de
colégio. Os alunos mais normais, mais modestos e mais delicados
confessavam, sem preocupação, algumas imaginações e fabulações
que, alguns anos mais tarde, pareceriam a seus olhos sinais de
megalomania patológica... sem insistir nessas representações
específicas, o aspecto geral do fenômeno deve ser procurado na
relação entre as teorias aparentemente abstratas, elaboradas pelo
sujeito, e o plano de vida que traça para si mesmo: percebemos
então que, sob um aspecto exterior impessoal e geral, o sistema
inclui um programa de ação com uma ambição ingênua e muitas
vezes desmedida. Consideremos, como exemplo, alguns antigos
83

alunos de uma pequena classe, numa pequena cidade suíça de


língua francesa. Um deles, que depois se tornou comerciante,
espantava seus colegas por suas doutrinas literárias e escrevia, em
segredo, um romance. Um outro, que se tornou diretor de uma
companhia de seguros, se interessava, entre outras coisas, pelo
futuro do teatro e mostrava, a alguns íntimos, a primeira cena de um
primeiro ato de uma tragédia - e que, aliás, não passou dessa cena.
Um terceiro, apaixonado pela filosofia, buscava simplesmente a
reconciliação entre a ciência e a religião. Nem é preciso lembrar os
reformadores sociais e políticos, de esquerda e de direita. Havia
apenas duas exceções a esses surpreendentes programas de vida:
eram dois adolescentes um pouco dominados por "superegos" dos
pais. e cujas fantasias secretas não eram conhecidas.
Em alguns casos esses tipos de programas de vida têm uma
influência real no desenvolvimento ulterior do indivíduo e pode
ocorrer que encontremos, em seus papéis de adolescentes, o
esboço de algumas idéias que efetivamente desenvolveram mais
tarde. Mas em muitos outros casos, os projetos de adolescentes
parecem mais uma espécie de jogo superior com funções de
compensação, de participação em ambientes realmente
inacessíveis, etc. Pensamos que, nessa espécie de egocentrismo
característico do adolescente, existe mais do que um simples desejo
de ser diferente dos outros: há também um fenômeno de
indiferenciação a respeito do qual convém insistir um pouco mais.
É característico do processo que, em qualquer dos
patamares de desenvolvimento, vá do egocentrismo à descentração,
subordine o progresso do conhecimento a uma revisão constante
das perspectivas. Todos já notaram que a criança confunde o
subjetivo e o objetivo, e, se a hipótese do egocentrismo se limitasse
a repetir isso, seria perfeitamente inútil; sua significação real
consiste, ao contrário, em sustentar que o progresso do
conhecimento não é aditivo e que o fato de acrescentar um
conhecimento a outro não é suficiente para a formação de uma
atitude de objetividade. Esta supõe, ao contrário, uma
descentração, isto é, uma revisão contínua das perspectivas: o
egocentrismo é o estado de indiferenciação que ignora a
multiplicidade das perspectivas, enquanto que a objetividade supõe,
ao mesmo tempo, uma diferenciação e uma coordenação dos
pontos de vista.
84

Ora, é um processo análogo a esse o que encontramos no


nível da adolescência, nesse plano superior do pensamento que é o
das estruturas formais: a ampliação indefinida da reflexão que
permite esse novo instrumento que é a lógica das proposições
conduz, inicialmente, a uma indiferenciação entre esse poder novo e
imprevisto que o eu descobre e o universo social ou cósmico que é
o objeto dessa reflexão. Em outras palavras, o adolescente passa
por uma fase em que atribui um poder ilimitado ao seu pensamento,
quando o fato de pensar num futuro glorioso ou em transformar o
mundo pela idéia (mesmo que esse idealismo adquira a forma de
um materialismo com todas as variedades) parece não somente um
ato de conhecimento positivo, mas ainda uma ação efetiva que
modifica a realidade como tal. Portanto, aí existe uma forma de
egocentrismo do pensamento, bem diferente da encontrada na
criança (que é senso-motor, ou simplesmente representativo, mas
sem "reflexão"), mas que decorre do mesmo mecanismo em função
de condições novas, criadas pela elaboração do pensamento formal.
Existe uma forma para verificar essa interpretação: estudar o
processo de descentração que permite, a seguir, que o adolescente
escape dessa relativa indiferenciação inicial e se cure de sua crise
idealista para chegar novamente ao real, e, portanto, que o conduz
da adolescência ao início real da vida adulta. Ora, essa
descentração se realiza, como no nível das operações concretas,
simultaneamente no plano social e no plano do pensamento.
Socialmente, todos notam a tendência do adolescente para
se reunir em grupos com seus semelhantes: grupos de discussão ou
de ação, grupos políticos, movimentos de juventude, acampamentos
de férias, etc., Trata-se de uma fase de expansão, posterior a uma
de fechamento, sem que possamos sempre distinguir nitidamente
uma da outra. Ora, essa vida social é origem de descentração
intelectual e não apenas moral: é principalmente nas discussões
com os colegas que o criador de teorias freqüentemente descobre,
pela crítica às dos outros, a fragilidade das suas.
No entanto, do ponto de vista da descentração, o fato
principal é o início do trabalho propriamente dito. É ao empreender
uma tarefa efetiva que o adolescente se torna adulto e o reformador
idealista se transforma em realizador. Em outras palavras, é o
trabalho que permite que o pensamento ameaçado de formalismo se
volte para o real. Ora, a observação mostra como essa reconciliação
85

entre o pensamento e a experiência pode ser trabalhosa e lenta.


Basta examinar o comportamento de estudantes que se iniciam
numa disciplina experimental para verificar até que ponto a crença
do adolescente no poder do pensamento pode durar muito tempo e
até que ponto o espírito está pouco inclinado a subordinar as idéias
à análise dos fatos (o que não significa que os fatos sejam
acessíveis independentemente de uma interpretação, mas sim que a
construção interpretativa só adquire valor com a sua verificação
experimental).
A respeito, os resultados dos capítulos do livro Da lógica da
criança à lógica do adolescente apresentam um problema de certa
importância. As reações dos sujeitos aos aparelhos experimentais
muito diferentes mostram que depois de uma fase de elaboração
(11-12 até 13-14 anos) em que o pré-adolescente chega a dominar
algumas operações formais (implicação, exclusão, etc.) mas sem
constituir um método suficiente de verificação, o adolescente de 14-
15 anos chega e espontaneamente, pois é neste domínio que o
verbalismo escolar assinala sua maior deficiência) a utilizar
sistematicamente os processos de controle que implicam uma
combinatória, fazendo variar um único fator com a exclusão dos
outros ("conservando iguais as outras coisas", etc.). Ora, esta
constituição dos instrumentos de verificação experimental decorre
diretamente, como o vimos repetidamente, do pensamento formal e
das operações interproposicionais. Portanto, como é possível - e
este é o problema - que, mostrando-se assim capaz
simultaneamente de dedução e de indução experimental, o
adolescente dê um tal poder a primeira e chegue tão tarde a utilizar
a segunda num trabalho contínuo e efetivo (pois uma coisa é reagir
de maneira experimental a um aparelho anteriormente preparado, e
outra organizar sozinho um trabalho de pesquisa)? O problema não
é apenas ontogenético; é histórico, e a mesma pergunta se propõe
quando procuramos compreender porque os gregos se limitaram
(salvo algumas exceções) a refletir e a deduzir8, e que a ciência

8
Ainda não se encontrou, do ponto de vista sociológico, uma explicação
satisfatória para esse fato. O fato de atribuir as estruturas formais explicitadas pelos
gregos ao caráter contemplativo de tal ou qual classe social não explica porque essa
contemplação não se limitou às ideologias metafísicas e tenha chegado à criação de
uma matemática.
86

moderna, centralizada na física, tenha levado tantos séculos para se


formar.
É para resolver esse problema (e aqui falamos apenas do
adolescente) que nos parece indispensável lembrar, ao lado do
aparecimento do pensamento formal, a indiferenciação relativa do
sujeito e do objeto e que acompanha, nesse novo plano, a sua
utilização, e depois a descentração trabalhosa e lenta que são
provocadas apenas por algumas colaborações sociais e pela
progressiva submissão a um trabalho efetivo.
Verificamos, assim, que as principais características
intelectuais da adolescência decorrem direta ou indiretamente da
elaboração das estruturas formais, e que essa elaboração constitui o
acontecimento central do pensamento característico dessa fase.
Quanto às novidades afetivas que assinalam essa fase, podemos
falar em duas novidades principais e que, como sempre, são
paralelas ou correspondentes às transformações intelectuais, pois a
afetividade representa o fator de energia das condutas, enquanto a
estrutura define as funções cognitivas (o que não significa que a
afetividade seja determinada pelo intelecto, e nem o inverso, mas,
que o intelecto e a afetividade estão indissoluvelmente unidos no
funcionamento da pessoa).
Se a adolescência é a idade da integração dos indivíduos
em formação no universo social adulto (e esta integração coincide
ou não com a puberdade), esta adaptação social decisiva deve
exigir, em correlação com o desenvolvimento das operações formais
ou proposições que garantem a sua estruturação intelectual, as
duas transformações fundamentais exigidas pela socialização
afetiva adulta: os sentimentos relativos a ideais, que se acrescentam
aos sentimentos entre as pessoas, e a formação de personalidades,
caracterizadas pelo papel social e a escala de valores que se
atribuem (e não mais apenas pela coordenação dos intercâmbios
que mantém com o meio físico e as outras pessoas).
Evidentemente, este não é um lugar para nos dedicarmos a
um ensaio de psicologia afetiva, mas é interessante notar, para
concluir, como esses dois aspectos essenciais de adolescência
também são ligados às transformações de comportamento
provocadas pela construção das estruturas formais.
87

No que se refere, inicialmente, a sentimentos relativos aos


ideais, é notável observar até que ponto a criança permanece quase
que inteiramente estranha a eles.
Uma pesquisa sobre a idéia de pátria e sobre as atitudes
sociais ligadas a ela9 nos mostrou que a criança é sensível à sua
família, aos lugares em que mora, à sua cidade, à sua língua
materna, a alguns costumes, etc., mas que permanece
surpreendentemente ignorante e espantosamente insensível no que
se refere, não talvez à sua qualidade ou à qualidade de seus
parentes de serem suíços, franceses, etc., mas à sua pátria
enquanto realidade coletiva. Isso é, aliás, muito natural, pois, se a
lógica de 7 a 11 anos se limita a lidar com objetos concretos e
manipuláveis, nenhuma operação disponível nesse nível permitirá a
elaboração de um ideal que ultrapasse o sensível. Este é apenas
um exemplo entre outros: as noções de humanidade, de justiça
social (por oposição à justiça interindividual que é profundamente
vivida desde o nível concreto), de liberdade de consciência, de
coragem cívica e intelectual, etc., são ideais que comoverão
profundamente, como a idéia de pátria, a afetividade do
adolescente, sem que possam ser compreendidos ou sentidos, a
não ser através de alguns reflexos individuais, pela mentalidade da
criança.
Em outras palavras, dos sentimentos sociais a criança
conhece apenas os afetos interindividuais, pois os sentimentos
morais são vividos apenas em função do respeito unilateral
(autoridade) ou do respeito mútuo. A esses sentimentos, que
evidentemente permanecem no adolescente e no adulto, a partir dos
13-15 anos se acrescentam os sentimentos relativos aos ideais ou
às idéias como tais. Evidentemente, um ideal é sempre mais ou
menos encarnado numa pessoa e continua a ser um elemento
interindividual importante nesse conjunto de sentimentos novos; mas
o problema é saber se a idéia é objeto da afetividade por causa da
pessoa, ou a pessoa por causa da idéia. Ora, enquanto a criança
nunca sai desse círculo porque seus únicos ideais sensíveis são os

9
J.PIAGET e A. M. WEIL, O Desenvolvimento na Criança da Idéia de
Pátria e as Relações com o Estrangeiro, Bull.Intern.des.Sc.Sociales (UNESCO), t.III
(1951), pp.605-21
88

ideais encarnados, na adolescência ocorre uma superação, no


sentido da independência dos ideais e percebemos, sem
comentário, a semelhança entre esse mecanismo afetivo e o
pensamento formal.
No que se refere à personalidade, pode-se dizer que não há
outra noção tão mal definida no vocabulário psicológico - já tão
dificilmente manejável - e a causa disso é que a personalidade se
orienta em sentido inverso ao do eu: se o eu é naturalmente
egocêntrico, a personalidade é o eu descentralizado. O eu é
detestável, e tão mais detestável quanto mais forte, enquanto que
uma forte personalidade é aquela que chega a disciplinar seu eu.
Em outras palavras, a personalidade é a submissão do eu a um
ideal que encarna, mas que o ultrapassa e ao qual se subordina; é a
adesão a uma escala de valores, não abstrata, mas relativa a uma
obra; portanto, é a adoção de um papel social, mas não preparado
como uma função administrativa, e sim de um papel que o indivíduo
irá criar ao representar.
Dizer que a adolescência é a idade da integração no
universo social adulto é, portanto, sustentar que é a idade da
formação da personalidade, pois essa integração é, sob outro
aspecto, necessariamente complementar, a construção de uma
personalidade. Além disso, o programa de vida e o plano de
reformas que, segundo acabamos de ver, constituem, sob o ângulo
das funções cognitivas ou do pensamento, uma das características
essenciais da conduta do adolescente, são ao mesmo tempo o
motor afetivo da formação da personalidade. Um plano de vida é,
em primeiro lugar, uma escala de valores que colocará alguns ideais
como subordinados a outros e subordinará os valores meios aos fins
considerados como permanentes. Ora, essa escala de valores é a
organização afetiva correspondente à organização intelectual da
obra que o recém-chegado ao universo social pretende realizar. Um
plano de vida é, de outro lado, uma afirmação de autonomia, e a
autonomia moral enfim inteiramente conquistada pelo adolescente,
que se considera igual aos adultos, é um outro aspecto afetivo
essencial da personalidade nascente que se prepara para enfrentar
a vida.
Em conclusão, as aquisições afetivas fundamentais da
adolescência são paralelas às suas aquisições intelectuais. Para
poder compreender o papel das estruturas formais no pensamento
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na vida do adolescente, precisamos finalmente inseri-las na sua


personalidade total. Mas, de outro lado, não compreenderíamos
inteiramente a formação dessa personalidade sem aí englobar
também as transformações do pensamento e, conseqüentemente, a
construção das estruturas formais.

Bibliografia
INHELDER, B e PIAGET, J. (1976) Da lógica da criança à lógica do
adolescente. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira,
pp.249-260.

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