MODERNO)
FRIEDRICH HACKER
COM UM PREFÁCIO DE KONRAd LORENZ
TRADUZIDO DO alemão POR MARIA EMILIA FERROS MOURA
LIVRARIA BERTRAND
APARTADO 37 - AMADORA
Título da edição original da obra: AGGRESSION - DIE BRUTALISIERUNG DER MODERNEN WELT
PREFÁCIO
Também não serão poupadas censuras do género a este livro, uma vez que ele se
propõe expor a agressividade humana na sua verdade, «como ela realmente é», ou
seja, sem parcialidade nem simplificações. Os desvios Patológicos da agressividade
oferecem uma fonte de documentação que a torna aberta a declarações quanto à
função normal de defesa da espécie, que este instinto desenvolve nas complexas
estruturas dos diversos impulsos humanos. O estudo da motivação humana
demonstra muitas analogias com o das glândulas endócrinas e respectivas funções.
Os efeitos contrários de factores «antagónicos» contrabalançam-se de tal forma que
se consegue um equilíbrio vital indispensável. Nenhum dos efeitos é supérfluo e
nenhum pode ter como resultado um rendimento maior ou menor, a fim de que o
equilíbrio não seja ameaçado. Um excesso de secreção da tiroideia provoca a
doença de Basedow e uma ligeira hipossecreção faz surgir a mixodema, doença
frequente em certos vales dos Alpes. Seria demonstrar um desconhecimento total
quanto à natureza das glândulas
de secreção interna se se fizesse a pergunta de a tiroideia ser «boa ou má» e aliás
ninguém poria um Problema deste género. No que se refere à agressão, também
não viria a propósito pôr * assunto dessa forma e, no entanto, as pessoas teimam
em fazer * pergunta e teimam igualmente numa resposta negativa. Impõe-se
portanto que se agradeça profundamente a Friedrich Hacker ter-se Proposto tratar
na sua obra a análise da múltipla e complexa interacção a que chama «polaridade»
existente entre a agressividade e as motivações do comportamento humano que se
lhe opõem e a contrariam. Friedrich Hacker pretende fazer um estudo preciso e
completo do campo de actuação dos impulsos humanos e referir-se muito
particularmente ao papel desempenhado pela agressividade neste sistema. Para se
correr o risco de um tal empreendimento torna-se necessário ter a coragem de
apresentar novas teorias, mas a ciência não avançará se não se efectuarem
iniciativas do género.
KONRAD LORENZ Altembergue-sobre-o-Danúbick
junho, 1971
AFORISMOS SOBRE A VIOLÊNCIA
contraviolência.
14. A explosão, de violência no seu máximo está Para a acção planeada a frio, da
mesma forma que o sintoma para a estratégia.
24. Não existe uma linguagem de violência; os que só a ela entendem não
passam de autómatos Pensantes e desconhecem sentimentos.
lhe ceder.
A MINHA OPINIÃO
Goethe, os objectos que nos deviam servir adquiriram vida e não querem
voltar à condição que lhes fora atribuída.
Pode-se demonstrar objectivamente o constante paradoxo desta simetria, que se traduz nos
campos antagónicos pela experiência vivida da consciência absoluta de valores e legitimação
existente em cada um deles.
Um e outro procuram assim legitimar a sua própria agressão mediante complicados sistemas
de justificação que tanto mais se assemelham quanto mais possibilitam e perpetuam a
violência que explicam. Assim foi sempre e talvez sempre assim seja, enquanto ignorarmos
as possibilidades ainda não exploradas do
28 AGRESSIVIDADE
Através de uma provisória visão global da agressão, que só mais tarde vai
ser diferenciada pela exposição dos seus diversos aspectos e disfarces, pode-
se desenvolver uma breve teoria conjunta deste fenómeno e que, até nova
informação, nenhuma investigação comprovada anulou. Ela encontra-se
além do mais de acordo com as concepções desenvolvidas a partir da teoria
dos instintos e com as que se baseiam nas teorias da frustração.
título uma vitória eleitoral. Nos Estados Unidos, do mesmo modo se imputa
frequentes vezes a responsabilidade do aumento de agitação e do crime à
complacência dos juizes do Supremo Tribunal e à excessiva aceitação da
pressuposta inocência do culpado. Sem que verdadeiramente se dê conta do
que acontece por toda a parte, se reclama mais intolerância e mais
severidade. Como oposição à violência segue-se um contra-ataque e um
sobreataque até não se poder avançar nem descer mais.
Reinhard Heydrich, comandante das forças SS, chefe da Polícia de Segurança e da SD, chefe
dos Serviços Secretos alemães e vice-protector dos Boémios e Moravos, foi ferido
gravementenum atentado de que foi vítima em 27 de Maio de 1942,
AGRESSIVIDADE 39
vindo a sucumbir aos ferimentos oito dias mais tarde. A Gestapo. respondeu ao
atentado com uma reacção de superextermínio. Sem esperar pela captura dos
culpados (a intensa busca imediatamente efectuada foi praticamente infrutífera,
embora o preço oferecido como recompensa tivesse ascendido gradualmente a
meio milhão de marcos alemães), as autoridades escolheram arbitrariamente a
povoação de Lidice para servir de exemplo. Lidice não tinha a mínima relação com o
atentado; foi, porém, arrasada. Cento e noventa e nove homens foram mortos a tiro
nos seus postos, as mulheres envia-das para campos de concentração e as crianças
levadas para vários asilos. As autoridades alemãs esforçara,m-se por ocultar o facto
de se terem servido da aldeia como bode expiatório, mediante alegação não
provada de atitudes subversivas demonstradas pela mesma.
Dois jovens exilados ch,ecos, Jan, Kubis e Jose Gabcik, que tinham sido
esp@e@ialmente treinados na Escócia para execução de missões especiais, foram
lançados de pára-quedas nas proximidades de Praga, onde entraram em contacto
com a resistência checa, depois -do que planearam o golpe em to-dos os
pormenores, tendo-o seguidamente executado.
Curda, um checo exilado que foi enviado para Praga juntamente com Kubis e
Gabcik, mas que mais tarde se escondeu na casa da mãe, numa aldeia do Sul da
Boémia, assistiu horrorizado à liquidação de Lidice. Quando a Gestapo anunciou
mais medidas de represália em massa, no caso de os autores do atentado não
serem descobertos, dirigiu-se a Praga e contou à Polícia Secreta o que sabia sobre o
atentado. Curda não sabia, porém,
o AGRESSIVIDADE
revelar à Gestapo o lugar onde se encontravam os dois bombis @tas’ mas levou-os
até junto de um outro combatente da Resistênlcía, de nome Morawetz, que
recolhera os -dois checos descidos em pára-quedas após a sua chegada a Praga.
Morawetz e o filho foram -Presos; a Sr., Morawetz turtou-se à prisão no último
instante, suicidando-se. Mesmo sob tortura, pai e filho mantiveram um silêncio
obstinado. Quando o pai sucumbiu, no entanto, às torturas infligidas pelos carrascos
em frente do filho, este deixou finalmente escapar o esconderijo dos autores do
atentado, na igreja ortodoxa de Cyril e Methoius, que ficava situada no bairro antigo
de Praga.
são. Abriu um hotel para estrangeiros, situa-do numa ilha do mar Báltico, e adquiriu
extensas propriedades; o seu hotel servia principalmente de ponto de encontro às
mulheres de antigos comandantes do Serviço Secreto.
Heydrich fora sempre o mestre incontestado da agressão brutal de que acabara por
ser vítima. A sua figura tinha o efeito. «de uma chicotada»; era como o fio de aço.
Com a sua mania fria e racional de criticar qualificava os complexos de fidelidade
condicionados a sentimentos como sinais de fraqueza; foi ele também que, segundo
se diz, após o assassínio de Roelira e de outros chefes da Polícia Secreta,
pronunciou as palavras: « A lealdade é a minha honral» Ele próprio era a
desconfiança em pessoa, w inventor da superdesconfiança», como Hitler lhe
chamava. Sabia tudo sobre todos e fora ao ponto de organizar dossiers sobre
Hininiler e Hitler, bem como um registo volumoso de dados referentes a si mesmo.
42 AGRESSIVIDADE
A evolução da violência nos nossos tempos não principiou com Heydrich e Lidice,
mas apenas alcançou um ponto elevado que a partir daí já foi frequentemente
ultrapassado. A relatividade e arbitrariedade da diferenç@ entre violência ao serviço
do bem e do mal, da justi@a e injustiça, entre uma violência legal e ilegal,
disciplinada e violadora da ordem, construtiva e destrutiva, admitida e proibida
tOTna-se especialmente significativa através da observação da interligação dos
actos de violência. Os conceitos de valor modificam-se, variam e invertem-se
segundo o ponto de vista do observador e a do participante e segundo a posição de
invasor ou invadido. O que a-os olhos dos invasores
46 AGRESSIVIDADE
Segundo o que ele contou e não foi provado, nunca conhecera os pais; Nash foi
criado num orfanato e finalmente adoptad(> por um casal de fanáticos religiosos.
Desde a mais tenra idade nascera em si um ódio profundo contra a mentira de
todas as religiões e atribuía culpas aos pais adoptivos e à sociedade por nunca ter
aprendido uma profissão a sério. O seu carácter formou-se -na mentira; viera ao
mundo como filho das autoridades e da assistência e portanto também devia morrer
pela intervenção das autoridades.
Pouco depois de ter sido posto em liberdade, começou a sua lista de assassínios,
que obedeciam numa totalidade a um plano estipulado. Deixava passar um certo
espaço de tempo entre os assassínios, mudava sempre de residência e, no entanto,
deixava a escolha das suas vítimas ao acaso, contanto que estivessem dentro do
tipo de pessoa pretendido. A primeira série de nove pessoas seria constituída por
marinheiros ou por pessoas que lhe lembrassem marinheiros. A segunda série, mais
uma vez de nove pessoas, devia ser constituída por crianças e a terceira por
mulheres. Depois do undécimo assassínio- segundo o seu relatofoi impedido de
cometer mais crimes, por ter sido preso, mas jurou apesar disso que no caso pouco
provável de ser posto em liberdade era sua intenção dedicar-se a completar a sua
série de crimes.
Nash nunca nem em nenhum momento teve dúvidas quanto ao êxito do caso no
sentido pretendido. A sua certeza na vitória, que, depois de a sentença ser
pronunciada, ele expressou por um grito de alegria, nunca sofreu o mínimo abalo,
porque ele sabia que a sua própria narração dos crimes sádicos, a que ainda
acrescentava mais pormenores conferidos pela imaginação, moveria os jurados
contra si e levá-los-ia a pronunciar um veredicto de culpabilidade,
independenteinente do que os psiquiatras tinham a dizer sobre ele. Foi
precisamente isso o que aconteceu depois.
Os três peritos judiciais designados pelo tribunal para exame da sua imputabilidade
classificaram-no como uma personalidade sádica e psicopata «(psicopata fanático»,
no sentido empregue por K. ScImeider). Dois dos psiquiatras afirmaram também
peremptoriamente que o acusado sofria de megalomania, alucinações ocasionais e
de loucura sistemática e classificaram-no como esquizofrénico, paranóico.
A dona da casa, a bela actriz de cinema Sharon Tate, estava nessa altura em
adiantado estado de gravidez. Polanski, o marido, e que então se encontrava
em Londres, é especialista em cenas profundamente semelhantes à cena
representada pelas onze horríveis mortes verdadeiras, Encontrou-se num
automóvel ,parado em frente da mansão dos Polanski, situada em Beverly
Hills, o cadáver de um jovem atingido com três tiros e no jardim os corpos de
um homem e de uma mulher mutilados por mais de setenta facadas; no
luxuoso living roam encon-
54 AGRESSIVIDADE
O começo esclarecedor dos casos aconteceu quatro meses mais tarde e foi
devido a surpreendente traição. Susan Atkins (Sadie Glutz), que se
encontrava detida na prisão de mulherios de Los Angeles por suspeita de
delitos de pouca importância, fez às companheiras de prisão um relato
pormenorizado de como se tinham dado os crimes, que ela dizia cometidos
por dois componentes do grupo a que ela própria pertencia. Sentindo-se
importante por terparticipado activamente num acto de violência conhecido
em todo o mundo, não podia suportar por mais tempo o -encerramento numa
cela, mantendo-se anónima e desconhecida por todos e misturada com
delinquentes vulgares. Repetiu as suas afirmações, sem indício de remorsos,
ante o procurador da República e o Supremo Tribunal. Não se considerava
culpada, uma vez que cgmetera os crimes obedecendo a ordens e sob
influência opressiva de Charles Manson, o chefe do grupo. Depois da
enumicraçã o de todos os pormenores terminou a confissão com o cómico
pedido de um gelado de banana.
roduto da venda das suas memórias Linda quer recolher ao eserto e dedicar-
se à contemplação e procura do seu próprio eu.
Pela sua integração na família Manson entregara como dote a Manson cinco
mil dólares pertencentes a um amigo do marido. Quando o ainigo, depois de
descobrir o roubo, se apresentou nos
AGRESSIVIDADE 57
Manson não tinha muito a perder. O facto de sobre ele pesar a ameaça de
morte não o assusta. (Má muito que estou morto!», afirmou ante o tribunal,
mas -nunca poré!@ diante do júri. Durante o tempo em que permaneceu na
prisão, onde aliás passou a maior parte da sua vida, nunca se considerou
mais do que um cadáver em pé. Também não tinha a certeza se não seria
realmente Jesus Cristo. Ainda não decidira o que ou quem era na realidade,
mas sabia o que os outros viam nele: na verdade um monstro sádico.
«Querem ver em mim o que na verdade
58 AGRESSIVIDADE
Mainson, filho de uma prostituta dada ao vício da bebida e cedo incurável, era um
homenzinho pequeno de quem ninguém falava e em quem ninguém reparava antes
de o horrível crime cometido ter feito com que a sociedade lhe atribuísse poderes
hipnóticos irresistíveis e o visse como Rasputine ou com a atracção de uni «Che
Guevara de Hollywood». Manson não é um hippy nem um revolucionário, mas um
simples criminoso medíocre não só em essência,mas também no corpo, inculto, se
bem que versado e cheio de todas as imagens fantasistas da astrologia e de um
fascismo elementar e primitivo. O que para os outros corresponde à noção de herói
não passava para ele de palavreado pseudocientífico de Hubbard e do mundo
fantástico de Robert Heinlein (Um Homem Num Mundo Estranho).
Tate tinham alugado. Esta casa tornou-se «o objectivo» legítimo do castigo que
Manson queria aplicar. Tudo o que fosse dotado de vida e movimento na casa devia
ser eliminado. Os órgãos executivos concordaram sem hesitações; Manson
descreveu-lhes as futuras vítimas de assassínio como «pigs», sub-homens e
objectos legítimos de agressão. A forma como os apelidou surtiu o efeito pretendido.
Os soldados da morte não tinham que examinar as inspirações legítimas -mas
apenas que as executar. Manson, no papel de representante, porta-voz e general de
causa elevada, ditou as suas ordens do aquartelamento geral. O seu bando, dirigido
à distância, desempenhou-se da sua missão. Apenas Charles Watson, que por
distúrbio mental não pôde até agora ser chamado a depor em tribunal, já tinha
experiência no desempenho de actos de violência; as mulheres, que nunca tinham
cometido assassínios, estavam um tanto inibidas e precisamente por isso, levadas a
um estado de pronunciada histeria por meio de drogas, mostraram-se
particularmente selvagens e de uma violência grotesca. Depois de ter recebido a
notícia da carnificina de Sharon Tate e dos seus convidados, Manson, para quem a
matança fora mal executada, decidiu imediatamente preparar uma segunda, desta
vez exemplar...
O perito em assassínios e que, no entanto, nunca matara pelo próprio punho, queria
que fosse executado melhor trabalho,.que se matasse mais fria e profissionalmente.
Primeiro, introduziu-se sozinho na casa das vítimas, escolhidas inteiramente ao
acaso, e ao fechar o casal La Bianca em quartos separados utilizou o truque de lhes
falar calmamente para evitar a possibilidade de pânico e de histeria. Assegurou-lhes
em tom convicto que na-da de grave lhes sucederia e depois mandou entrar Watson
e mais duas raparigas, que desta vez tinham de efectuar a carnificina de uma forma
mais (diropa». Com o ritual dos assassínios, Manson pretendia demonstrar toda a
sua dureza, frieza e impassibilidade e -Com o sangue derramado pelas vítimas a
alianç a indestrutível da «família».
O pro @esso contra Mansone as cúmplices foi quase tão bizarro e inverosimil como
os actos com que s.e relacionava. Manson nunca foi submetido a um exame
psiquiátrico. A princípio pôde desempenhar o seu papel de advogado de defesa e
levar Susan Atkins a renegar a confissão feita. Em seguida são-lhe negadas
capacidades intelectuais de autodefesa. Ele renuncia a usar da Palavra no debate
em sua defesa; fá-lo depois, no entanto, mas
AGRESSIVIDADE 61
Pri@Cíp
pio pensou--se que ele apenas pretende retardar o processo, que já dura há
seis meses, mas ele desaparece para sempre. Suspeita-se da sua morte;
talvez tivesse sido morto. p@or.um dos membros da «família» Manson ou
um dos seus inimigos. Os jurados e substitutos passaram todo o tempo que
durou o processo sob vigilâ ncia -no Hotel Embaixador (c, mesmo em que
Robert Kermedy foi morto) e eram levados para o tribunal em autocarros
blindados. O compreensível desejo dos jurados de poderem retomar a sua
vida familiar, desorganizada por um tão prolongado período de ausência, foi-
como garantia de uma completa objectividade -recusado a princípio pelo juiz
e.finalmente concedido. Ante a impaciência dos jurados, que insistiam pelo
fim do processo fosse por que preço fosse, tornava-se um perigo atender a
objectividades. Deipois de te-rem ficado detidos durante sete meses e meio
num hotel, os jurados recebem subitamente permissão para regressar a suas
casas. O processo continua.
Os jurados não tinham, ao que se diz, assistido a esta reportagem de, faux
pas de Nixon. Manson não deixou,,porém, escapar a oportunidade de triunfo
que assim se proporcionava às suas ideias megalómanas mediante a dorava-
nte histórica ligação do nome do presidente americano ao seu: mostrava
orgulhoso aos jurados o jornal obtido clandestinamente e que o considerava
culpado. Tudo se passou como num filme: é o triunfo de HollywGod sobre si
mesma. O esquema torna-se um facto; o chamado cliché de Hollywood na
sua polarização simplificada torna-se urna realidade horrível, brutal,
inverosímil, a única verdade existente.
Urn só voto não tem qualquer influência nas eleições nacionais. Se, de facto, a
maior parte de todos os cidadã os, com base nesta teoria egoísta e racional, fossem
passear em vez de votar, o acontecimento eleitoral e o próprio processo
democrático tornar-se-iam essencialmente falsos, sem valor e irracionais.
A bonita esposa do advogado, que contava trinta anos e era uma estiniada e hábil
enfermeira de Vancôver (Canadá), desaparecera -há semanas sem deixar rasto.
Duas das suas amigas, enfermeiras também, ainda a tinham visitado na noite de 17
de Novembro de 1958 e comunicado o desaparecimento, dado que no dia seguinte
Olga Duncan, sempre extraordinariamente pontual, não comparecera no trabalho
nem atendera o telefone. A princípio pôs-se a hipótese do suicídio. Devido às suas
difíceis relações com a sogra, a jovem, nos últimos tempos, parecia
bastantedeprimída. O marido, a quem imediatamente informaram do que se
passava, confirmou conflitos conjugais ocasiona-dos por discussões contínuas -entre
a -mulher e a mãe; dizia ter sempre tomado, o partido da mulher, mas não mostrara
energia suficiente ante a mãe, de quem também gostava e por razões de ordem
pro,@issional que o detinham em Los Angeles tinha de deixar muitas vezes a
mulher sozinha na sua casa comum em Santa Barbara.
nar um advogado famoso que fizera carreira rapidamente. Nunca se pôde apurar a
data de nascimento da mãe. As suas próprias
AGRESSIVIDADE 65
informações oscilavam entre os anos 1900 e 1913. Elizabeth Duncan, que foi
considerada pelos psiquiatras do tribunal corno mentirosa patológica, dizia ter-se
casado antes de vir para Santa Barbara de 11 a 20 vezes (algumas delas com várias
pessoas ao mesmo tempo). Contradizia-se com frequência e já não se recordava dos
factos com precisão. Esta respeitável senhora recebia os seus re-ndimentos como
interveniente em negócios de prédios. Desde que vivia em Santa Barbara -estivera
sempre sozinha. Sem quaisquer outros recursos além dos que granjeava com o seu
próprio esforço, proporcionara a melhor -e mais dispendiosa educação ao filho ama-
do; tinha por ele um orgulho superior a tudo, desejava mas não podia afastar-se
dele, admirava a sua forma de conduzir os processos no tribunal e durante muito
tempo soube impedir que ele tivesse relações íntimas com mulheres. Um ano e
meio antes do assassínio surgira uma grave discussão entre mãe e filho por causa
de uma transacção comercial. A mãe sentiu-se tão ofendida que castigou o seu filho
«Frankie» (que ao que se diz partilhou a mesma cama com ela) tentando suicidar-se
com narcóticos. No hospital foi tratada pela enfermeira Olga Kupczky, que teve
assim oportunidade de travar conhecimento com Frank. Casaram pouco tempo
depois, apesar dos protestos violentos da convalescente Elizabeth Duncan. Levada
pela idolatria que nutria pelofilho, não conhecia o significado da palavra «barreira»
quando se tratava de tudo o que com ele se relacionasse. A princíPio tentou evitar o
casamento por todos os meios; ameaçou Olga pessoalmente e pelo telefo-ne,
insultou-a e tornou-se sua inimiga declarada. Frank casara com Olga secretamente,
mas não ousava confessá-lo à mãe, a cuja casa regressava obedientemente todas
as noites. Em breve, porém, a astuta e enérgica mãe se encontrava na posse do
segredo. A sogra reforçou a sua campanha de ameaças mediante inúmeros
telefonemas e visitas à nora, sem que o filho a conseguisse impedir. Olga fugiu;
num período de poucas semanas mudou de casa quatro vezes, manteve secreto o
número do telefone, mas acabava sempre por ser descoberta pela sogra. O
advogado, usualmente tão hábil e enérgico, oscilava desamparadamente entre as
duas mulheres. Tentou conciliá-las, pediu-lhes calma, zangou-se e discutiu com a
mãe, mas, no entanto, apesar de todo o amor que dizia ter pela mulher, que
entretanto ficara grávida, abandonou-a ao seu destino.
A mãe Duncan espalhara o boato de que Olga não era casada com o filho e
esperava uma criança de outro homem. Foi mesmo
66 AGRESSIVIDADE
mais além na sua farsa e @hegou ao ponto de conseguir que Ralph Winterstein-um
criminoso defendido em tempos pelo filho -se fizesse passar por Frank Duncan no
tribunal e a sua melhor amiga, a Sr.@ Short, por tia de Olga. Com base em falsas
declarações de testemunhas e identidades forjadas, a mãe Duncan conseguiu de
facto a anulação do casamento do filho. Só alguns meses mais tarde é que Frank
descobriu que alguém requerera em seu nome a anulação do casamento no
tribunal. Quando quis esclarecer o assunto com a mã e, esta afirmou-lhe ter agido
apenas no interesse dele, uma vez que Olga não o merecia e a devia deixar. Frank
recusou indignado separar-se, dada a gravidez da mulher, -mas não foi porém capaz
de cortar relações por completo com a mãe. Continuou a não a tomar totalmente a
sério, via as razões da sua atitude à luz de um excessivo amor maternal e esperou
confiadamente que mais tarde ou mais cedo ela viria a reconciliar-se com a nora
que detestava.
Enquanto isso, porém, a mãe Duncan não ficara inactiva e tentou todos os meios
para contratar assassinos pagos que matassem a nora. Com a ajuda da sua amiga,
a Sna Short, que era conceituada dona de uma pensão e já desempenhara com
êxito no tribunal o papel de falsa tia para a anulação do casamento, a Sr.a Duncan
entrou primeiramente em contacto com uma criada de nome Barbara Reed. A Sr a
Duncan contou-lhe que Olga a ameaçava continuamente e fazia chantagem com
ela, que era uma mulher indigna do filho e a quem, portanto, convinha a todo o
custo eliminar. De acordo com um plano estudado em todos os pormenores, a Sr.a
Reed deveria atingir Olga com ácido, depois do que a mãe Duncan a anestesiaria
com clorofórmio.
O plano prosseguia com um «passeio» de automóvel que terminava numa queda
para o mar do alto duma falésia. Prometeu 500 dólares à Sr.a Reed pela sua ajuda.
Esta pediu-lhe um prazo para pensar; ainda nesse mesmo dia os escrúpulos
sentidos levaram-na a entrar em contacto com Frank Duncan. Contou-lhe a oferta
que a mãe lhe fizera. Mais uma vez o advogado foi falar indignado com a mãe, mas
deixou-se convencer facilmente por ela de que a Sr.” Reed inventara toda a história.
Mediante intervenção da sua amiga dona da pensão, a Sr.” Dun.can fez uma
proposta idêntica a um dos marinheiros, que a primeira conhecia de passagem, mas
ele não pareceu tomá-Ia muito a sério. Recorreu em seguida a Ralph Winterstein, o
antigo cliente do filho, que se fizera passar pelo advogado Dun-
AGRESSIVIDADE 67
a~i-no e acabou finalmente por encontrar uni contacto apropriado na pessoa da Sna
Esperanza Esquivel, uma mexicana em adiantado estado de tuberculose, dona de
uma taberna miserável e que emigrara ilegalmente, o que a fazia viver num terror
permanente de deportação. A Sr.” Duncan e o seu grupo de damas da alta
burguesia sabiam precisamente qual o grupo a contactar na procura de assassinos
dispostos a executar o seu plano. Nada pergunt@rani à toa, mas apenas dedicaram
atenção aos indivíduos cuja vida sabiam ser pouco limpa ou encontrarem-se numa
situação de degendência em relação ao advogado Duncan; tratava-se
essencialmente de chefes de pequenos grupos. (Santa Barbara não é unicamente
uma estância termal para milionários e artistas junto do oceano Pacífico, dotada de
bosques magníficos, relvados cercados de palmeiras, museus, o imponente edifício
em que se criou o Centro Hutchins «for the study of democratic institutions»; é
também habitada nalguns dos seus bairros por inúmeros mexicanos pobres e outros
agrupamentos miseráveis.) A Sr.a Esquivel era realmente a pessoa desejada.
Conhecia dois rapazes frequentadores da sua taberna e que não tinham trabalho.
Charnavam-se eles Baldonado e Moja. Proporcionou pois um encontro entre os dois
mexicanos, a Sr.’ Duncan e a Sr.a Short. Os -dois mexicanos, que tinham recebido
um pequeno adiantamento, arranjaram um automóvel de um amigo e uma pistola.
Esperaram em frente da casa da nora da Sr.” Duncan até as duas enfermeiras
amigas saírem, pouco antes da meia-noite; com o pretexto de lhe vireni trazer uni
recado do marido conseguiram que Olga lhes abrisse a porta, atordoaram-na com
repetidas pancadas na cabeça, aplicadas com a coronha da pistola, meteram-na no
carro e dirigiram-se para as montanhas. Olga, que nessa altura já recobrara os
sentidos, lutava com todas as forças para se defender. Os dois rapazes, que ao
aplicarem as fortespancadas tinham inutilizado a pistola, estrangularam a vítima,
que continuava a defender-se. Acabaram por enterrar Olga Duncan num sítio
escondido sem terem a certeza de ela estar realmente morta já nessa altura. Depois
de executarem o crime regressaram de manhã cedo cobertos de sangue,
trabalharam ainda durante todo esse dia para limparem as manchas de sangue do
automóvel, comunicaram à Sna Duncan o bom termo da sua missão e esperaram
pacientemente durante alguns dias pelo pagamento da ;soma estipulada. Só
quando a cobrança não correu como foi estabelecido e a Sr.a Duncan ainda acusou
de extorsão os executores
AGRESSIVIDADE 69
das suas ordens é que Baldonado, furioso com a sua atitude, confessou.
P
OUCA admiração poderá causar o facto de que os criminosos e os loucos, em
esp@cial os criminosos loucos, sejam estranhos, agressivos e violentos. São estas
mesmas características que os tornam criminosos e loucos. Podem-nos desper- ,tar
compaixão ou indignação, benevolência ou um desejo de -vingança, mas reportar-
nos-emos impreterivelmente a um plano superior. Quanto mais baixo eles descem
maior é a nossa certeza de -nos encontrarmos dentro da razão e da moral e mais
acreditamos na diferença fundamental que deles nos distingue. É-nos tanto mais
fácil negar e desconhecer a agressividade em nós existente quanto mais a
apercebemos nos outros de uma forma tão violenta e manifesta,
5e
duzir conscientemente processos que por definição, uma vez que são
inconscientes, devem ficar ocultos. As interpretações que se baseiam -nas
formas de expressão de tendências inconscientes desconhecidas e ocultas
não podem esperar uma confirmação imediata do indivíduo a que se
referem. É este o paradoxo da psicologia das profundidades, cujos doentes
«são os únicos clientes que nunca têm razão». A exactidão e verdade de unia
relação significativa afirmada pela interpretação não se vêem imediatamente
prova-das nem desrilentidas pelo assentimento ou recusa que provocam. É
inteiramente possível que sejam na realidade a exactidão e a verdade da
interpretação as causadoras da resistência e da recusa. Não se
pode,portanto, ter confiança na razão ou na sinceridade. Este facto, uma vez
reconhecido, presta-se mais do que qualquer outro à manipulação, estratégia
do poder e arbitrariedade. Até mesmo só a possibilidade de acusação de
perturbação mental e a hipótes@ -totalmente contrária à psicologia, mas
psicologicamente muito eficaz -da existência de motivações inconscientes
nos outros (semprenos outros) bastam para se depreciar os argumentos do
opositor e votar as suas opiniões à troça e ao desprezo. A recusa de uma
teoria basta portanto para provar a sua exactidão aos olhos do que a
formula; este apenas precisa por sua vez de se convencer que o que a recusa
- tal como o doente mental -nega a sua adesão por motivos inconscientes e
por conseguinte para ele inteiramente desconhecidos. Com base nas suas
interpretações, que encontram na forSa a legitimação dos seus objectivos, os
governantes podem criticar uma falta de objectividade, se bem q e a pessoa
desta forma não seja tornada culpada de qualquer t ição subjectiva e nem
sequer tenha consciência ao ponto de ustificar e racionalizar todas as ilusões
sensoriais e as mais primitivas deturpações da realidade, que a seus olhos se
encontram assim legitimadas. Ninguém acredita mais fanática e
sinceramente na própria razão e justiça do que o doente mental; é
precisairiente na obstinação da sua crença que reside a perturbação do seu
espírito.
u rã i
A nossa suposição de que o inimigo que garante a nossa disciplina interior é agressivo,
violento, mau, astuto, traidor e per@ verso parece normal (patriótica e conveniente) por já
estar tão divulgada. Corresponde no entanto a uma projecção espontânea ou dirigida, à
exteríorização de tensões e conflitos internos que
76 AGRESSIVIDADE
line, Castro, Nasser e Mao Tsé-Tung são seguramente loucos, visto não se
terem cingido às nossas craveiras e imagens racionais.
Este o motivo por que toda a atitude, por mais agressiva e violenta
que,possa ser, nunca éconsiderada nem entendida como tal desde que
este3a em conformidade com as instituições, as razões de Estado, as
tradições e a voz da consciência.
A consciência individual, que, cunhada pelas instituições, as servia porque por elas
sc sabia legitiniada e utilizava as mesmas legitimações frente ao eu, dirige-se então
desiludida e revoltada contra essas mesmas instituições. As reivindicações
individuais, que até aí eram dissimuladas, reprimidas e ocultas em nome, a favor e
com a ajuda das instituições, voltam-se agora indignadamente contra a hipocrisia
das mesmas. De acordo com este novo esquema de legitimação, a consciência
individual (ou
AGRESSIVIDADE 89
O estudo da agressão
Dada a multiplicidade quase infinita das origens e dos efeitos da agressão, esta
possui um efeito vital para os âmbitos da investigação referentes à biologia,
genética, ciência comparada do comportamento, medicina, farmacologia, química,
psicologia, psj_ quiatria, sociologia, antropologia e, con"uentemente, a filosofia, a
teologia -moral, a política, a ciência das comunicações, pedagogia, etnologia,
religião e portanto quase todos os -ramos de investigação, ciências físicas, naturais
e do espírito. A restrição a apenas um ou a Aguns destes âmbitos, com exclusão ou
com uma menção ocasional dos outros, torna mais precisos os resultados
98 AGRESSIVIDADE
Basta consultar a História e olhar em volta para se tornar imediatamente claro que o
homem é um agressor instintivo. De acordo com a sua verdadeira essência é e
permaneceu uma fera
AGRESSIVIDADE 99
que, graça@ tanto à sua inteligência e poder criador como à falta dos
mecanismos de inibição existentes em todos os animais, se torna
particularmente perigosa e rápida. De acordo com esta teoria, -a violência e
a agressão são a verdadeira essência do homem, a sua caracterização
original, o instinto e princípio básico de toda a vida. Por detrás da fachada
pouco segura da civilização e através do verniz que lhe é dado pela cultura, o
homem esconde, por cobardia e comodidade, a sua verdadeira natureza
agressiva: a violência.
Robert Ardrey defende a teoria de que não foi o homem quem descobriu as
armas, mas as armas que criaram o homem, quando a jovem espécie
humana triunfou do seu Concorrente, o Australopithecus afficanus. A
descoberta e aperfeiçoamento das armas e a sua utilização nunia luta contra
os opositores constituem mecanismos genéticos, programados de antemão.
Da mesma forma que a ave constrói o ninho, também o homem obedece a
100 AGRESSIVIDADE um imperativo territoríal. Devido a uma obrigatoriedade
biológi,ca natural existenteno seu ser, o homem luta pela posse, bem corno pelo
maior prestígio possível. A obtenção do respeito dos seus companheiros de raça,
que ele apenas pode conq@iistaT por luta violenta, é para si uma necessidade
fortemente instintiva. A violência rege o mundo. Foi ela que gerou o homem e lhe
concedeu a sua preponderância sobre os animais. O homem só pode sobreviver
através da violência. O perigo de morte que o ameaça consiste em (poder esquecer
este princípio natural e biológico para se deixar embalar pela ilusão da eliminação
da violência e
Desmond Morris profetiza que a nossa sociedade, cada vez mais monótona, verá
aumentar a necessidade de violência inerente à natureza biológica do homem. O
homem moderno, saturado de bem-estar, evadir-se-ia pela violência, de acordo com
esta ,teoria, da existência anónima destes zoos humanos que são as nossas
cidades, destas gaiolas que nós mesmos edificámos. A violêncía permitir-lhe-ia
afirmar-se e encontrar-se a ele mesmo.
Gloríficação da violêncía
Não se. poderia dizer mais a favor do statu quo. Uma vez que as anarquias explicam
todo o acto criminoso como feito político, torna-se fácil -paira o establishment punir
uma oposição política como crime. A provocação permanente não desmascara a
violência latente, obrigando-a a concretizar-se, mas desencadeia-a e m,obiliza-a. Ela
fornece-lhe umanova justificação, permitindo-lhe apresentar-se não só como atitude
legítima, mas como necessidade absoluta. A fuga à realidade é uma atitude
apolítica e antipolítica. Leva à troca das possibilidades realizáveis, que são
necessariamente de ordem política pela justificação da sua indignação. Cai assim
inesta violência e na cegueira que teoricamente condena, mas que, precisamente,
devido à radicalidade da sua (degíti,ma» indignação, IpratiZindiscriminadamente ao
mesmo tempo que as provoca e egiti por parte do adversário.
Wilfredo Pareto, nascido em Gênova no ano de 1848, declarou que o poder, o sinal
mais manifesto de superioridade, é o que define as élites. Todo o poder é alcançado
pela violência e conservado pela astúcia. A única forma. de organização natural
assenta nas diferenças e desigualdades e exclui as classes domina-
AGRESSIVIDADE 105
No capítulo intitulado «Da guerra e dos guerreiros», que faz parte da obra
Assim Falou Zaratrusta., Nietzsche escreve: «Pro-
Sartre, Fanon, EldrigeCleaver, Che Guevara, Ho Chi Minh, Mão Tsé-Tung elogiam,
celebram e fazem um ritual da sua própria violência; apresentam-se como
instrumento de libertação, como fonte de união e de abnegação. O egoísmo das
suas ideologias, que nada tem de sagrado, santifica a violência como contra@
violência e celebra a destruição do homem como triunfo da humanidade.
Os apóstolos da violência afirmam que esta não passa para eles de um instrumento
destinado a instaurar uma melhoria da ordem, que desejam seja por que preço for-
este preço é precisamente o da violência. Cegos e fascinados pela atracção que
sobre eles exerce esse processo que glorificam, acabam por ver no meio um fim
absoluto, se bem que tal como os românticos e anarquistas sejam
«fundamentalmente conta ela».
108 AGRESSIVIDADE
Nenhuma descrição por mais simples que seja pode permitir que se ignore.a
complexa constituição do homem. Este é apresentado sucessivamente como
ser político (zoon Politicon), um ser com inteligência e capacidade criadora,
apto a uma auto-reflexão (selbst reflexion) e poder de representação. Dada a
sua feição
110 AGRESSIVIDADE
«Podemos tomar como facto incontestável», continua, «que tudo o que tem
vida morre e regressa ao estado anorgânico; morre por razões internas.»
Declara que «a finalidade de toda a vida é a morte e inversamente: oquenão
tem vida é anterior ao ser vivo».
Na sua obra Man against Hímself, escrita há mais de dez anos, Karl Merminger
descreve as formas manifestas ou ocultas do suicídio (autodestruição inconsciente
pelo álcool, tabaco, acidentes, doença psicossomática, etc.). Acontece, no entanto,
frequentes vezes que a agressão dirigida para o interior se torna paranóica
mediante o mecanismo defensivo da projecção. As necessidades interiores
agressivas que ameaçam envolver o indivíd,uo em conflito com a sociedade, a
suamoral e a sua própria consciência projectam-se em grupos que lhe são estranhos
e que assim se transfwinam automaticamente em inimigos.
Paula Heimann afirma que -entre as atitudes que caracterizam o reportório psíquico
do homem faz parte a procura de objectivos nobres, corri a ajuda dos quaís realiza e
dissimula o seu desejo de destruição: «Na experiência subjectiva o impulso de
destruição, essa energia que impele o homem à crueldade contra si mesmo e contra
os objectos, encontra-se em ligação com a representação da morte, como medo e
simultaneamente desejo da mesma.»
René Spitz atribui à agressão um papel que se assemelha às ondas de uma emisão
de rádio. «O desenvolvimento do indivíduo e do seu mecanísmopsíquíco, bem como
a demonstração das suas capacidades, seriam impossíveis sem a agressão.»
O homem «erudíto»
o progresso.
ficações, maior polarização, mais forte percepção do -perigo ou, por outras
palavras, um estado que comporta riscos crescentes de contraviolência até à
explosão. A influência mútua da revolta e da ameaça traduz-se por uma
situação explosiva e um equilíbrio -instável que ameaça acabar de um
momento para o outro. A imagem que fazemos do inimigo assemelha-se
extraordinariamente àquilo que somos na realidade. O inimigo atribui-nos
exactamente os inesmiDs vícios que lhe condenamos e julga-se na posse das
mesmas virtudes que pensamos ser os únicos a possuir.
Graças ao Seu p@d melhor @ roi a @4 @,r ascinante e virulento, a violência é a sua
demons rogi, Ista. A organização técnica da força fria
c1CIVem servir à motivação e explicação das acÇões que s.e prop, apagar os sei
()c. A verdadeira manipulação sabe, de facto, ,I'S vest As suas manifesta , ‘os e
ermanece irreconhecida e Ilimitada. simples acon ci o,
e então surgire ser entendidas como
Esta obra não pretende ser uma Bíblia e muito menos um ABC da forca, nem mesmo
uma directiva para o seu emprego ou um incit@mento. Não s.e pretendeu fazer um
tratado moral
Todos os gregos são homens, mas nem todos os homens são areeos. Toda a
violência é agressão, mas -nem toda a agressão é @ioi'ància. A agressão e a
violência confundem-se muito faciln-wnte, porque a violência pretende ser a única
forma eficaz de agressão. Impõe-se uma diferenciação rigorosa entre as duas.
Todas as formas de agressão podem afinal levar à violência.
O grau e a profundidade do conhecimento minoram o perigo de uma regressão à
vio-lência. Uma persipectiva concreta das manipulações e manobras, que, à força
de decretarem que a violência é inevitável, acabam por a criar, é imprescindível
como parte desse conhecimento. A forma manifesta, crua, desenfreada e primitiva
da agressão, na verdade a violência, que, além disso, de forma alguma é tão
espontânea, natural, necessária e eficaz como pretende ser, quer constituir a
solução que exclui todas as outras. Torna-se assim um perigo que aplicatodas a-s
outras alternativas como necessidade de sobrevivência.
AS FONTES DA AGRESSÃO
ve
1 suspeita de uma superagressividade genética, fundamentada na existência desta
«dupla masculinidade». As investigações recentemente efectuadas por KessIer e
Moos contestam, no entanto, qualquer relação, entre os cromossomas XYY e a
tensão, agressiva.
Neir. a cólera nem a raiva arrastam necessariamente a violência. Na inaior parte das
vezes esfumam-se rapidamente e cedem lugar à razão@ e ao contrôle. O ódio,
porém, que se dirige sempre contra alguma coisa ou alguém tem, como o amor,
feição de compromisso; permanece-semuitas vezes fiel durante toda a vida ao
objecto que provoca o ódio. Estes sentimentos são muitas vezes reprimidos de
forma agressiva, mas não declaradamerite violenta. Transferem-se, ritualizam-se e
projectam-se sobre uma imagein do inimigo sem se atingir o plano de agressividade
AGRESSIVIDADE 139
O álcool e as drogas
cional que garante uma enorme margem de lucro, só raramente recorra à violência.
Um quilo de ópio vendido ilegalmente pelos camponeses turcos custa cerca de vinte
dólares; depois de os cristais pardacentos terem sido purificados por vários
processos e dis-tribuídos aos consumidoTes de Nova lorque, o quilo passa a custar
cerca de 10 000 dólares. O lucro redunda em cerca de cinquenta mil por cento.
O medo
Frente aos mais fracos, manifesta-se a agressão que não se ousa apresentar ante os
mais fortes. O pai pode gritar com os filhos Porque foi repreendido por um superior a
quem não ousou responder. A agressividade reprimida e armazenada vai-se
acumulando, muitas vezes, até poder ser descarregada em grupos de adversários
que o permitam. Só muito raramente e em casos patológicos é que a tensão se
torna tão insuportável que a agressão tem de ser descarregada em qualquer
objecto. As agressões são às vezes reprimidas com aenergia do desespero, até
aparecer um objecto que, permita a sua explosão sem risco. Todas as minorias e
maiorias oprimidas, as mulheres, as crianças, os negros e os subordinados, se
prestam a este objectivo.
Uma repressão excessiva da agressividade por medo (ou para eliminação do medo)
ou também um rigorismo excessivo da coinsciência (sob efeito, do medo) provocam
um contrôle conformista do comportamento, mas também uma maior predisposição
ao medo,. A consciência de agressão pode ser eliminada, mas a repressão não.
pode.
Espíríto e humor
Depressões e paranóia
lência dirigida contra eles mesmos como ultima ratio, uma vez que,
destruídas todas as possibilidades, nada mais lhes resta.
O acto do suicídio destina-se a por fim à tensão insuportável (e dadas as
circunstâncias também ao sofrimento insuportável). A maioria dos suicídios
que se concretizam não obedecem, no
homem resiste a muita coisa, mas não a tudo. Nem só de pão vive o homeni; a
excitação e os estímulos não são uma necessidade de luxo, mas uma necessidade
vital.
O homem precisa do mundo que o rodeia para poder manter o seu equilíbrio interior
e capacidade funcional.
Estas -deduções nem sempre são, todavia, regular e inteiramente confirmadas ?ela
realidade: há muitos homens que, para quebra de monotortia, curiosidade ou
necessidade de mudança, procuram -situações de estimulos de carácter um tanto
perigoso para o seu equilíbrio, ,mas que os entusiasmajrn e excitam. Interrogaram-
se vários indivíduos sobre máximas banais universalmente aceitesque pertencem à
esfera da medicina e estã o libertas de feição moral (a penicilína é um bom
processo de cura, a limpeza frequente dos dentes é saudável, torna-se aconselhável
um ,exame médico anual, @etc.). As respostas demonstraram que estas ideias
resistiam melhor aos hábeis esforços persuasivos dos interlocutores, quando
anteriormente submetidas a uma análise e discussãGeríticas. O indivíduo que adere
a uma opinião desde sempre aceite e nunca posta em dúvida re,negá-la-á com
facilidade.
O indivíduo julga~se na posse de uma verdade sólida, inas se a
AGRESSIVIDADE 159
vir seriamente posta,em dúvida acabará por a abandonar, muitas vezes sem se dar
conta da viragem que em si s.e processa. Em co-ntrapartida, o indivíduo imunizado
por uma crítica anterior na base da moderação e objectividade resistirá à tentação
de mudar de parecer, -mesmo frente a promessas aliciantes ou ameaças de castigo.
Tudo isto nos parece conhecimento de longa data. A ciência porém impõe como
ponto de honra não ceder aos manipuladores da opinião pública, aspirando a
desenvolver métodos que dificultem essas manipulações. O autor da experiência de
imunização neste domínio, William Mcguire, declara que um dia recebeu um
telefonema de um conhecido publicitário que ouvira falar das suas conhecidas
experiências. O director oferecia-lhe um lugar na firma. O investigador recusou, com
o fundamento de que ,estava nomoniento a trabalhar para descobrir o processo de
ata- ,que aos anúncios e persuasão e não a forma de os tornar mais eficientes, o
que devia ser o objectivo da agência. «Talvez ainda possamos usar o seu ponto de
vista contra a concorrência», foi a resposta do homem de negócios.
emuito pior que o fumo. E quem estaria disposto a desistir do. automóvel,
porcausa do perigo -de acidentes? Na vida nada se faz sem risco; e, ao
aceitar-se o perigo imensamente maior de se andar de automóvel, pode-se
continuar calmamente a fumar. É evidente que também se p(?de fazer a
experiência de se deixar de fumar. De qualquer maneira, porém, a pessoa
tentará atenuar o sentimento desagradável de desarmonia entre dois
factores opostos e que podem ser acções, opiniões ou sentimentos. Quem,
após longa reflexão, acabar por comprar um Mercedes em vez de um jaguar
procurará confirmar a esperteza da sua decisão mediante informações
recolhidas posteriormente; acreditará piamente nos comentários elogiosos
feitos pelos donos do Mercedes e não,ouvirá as críticas. P@ode-se ser levado
a cometer qualquer acto com uma razão determinada, mas, uma vez o
mesmo realizado, surgirá a procura de motivos válidos e a utilidade do
mesmo. A tendência pronunciada a uma justificação racionalizada no sentido
-de uma consequência lógica é visível em todos os campos.
É certo que estes resultados são muito esquemáticos e, por assim dizer, não
psicológicos, urna vez que deles dificilmente se colhe o esperado comportamento
individual. Um elemento de
AGRESSIVIDADE 165
O que se faz dentro das quatro paredes não diz respeito a ninguém. No pequeno
espaço ocupado pela família moderna, que cada vez tende a tornar-se mais
pequeno, reina esta liberdade ilimitada qxie é interdita ao indivíduo nos âmbibitos
mais vastos que dominam a sua existência.
O pai ama o filho e queT-1he bem; sente-se, portanto, no ,dever de lhe dar
uma educação enérgica o mais cedo possível. É,eviden,te que não tem a
sensação de se comportar como agressor. É para bem da criança e no, seu
interesse pessoal que têm de se lhe ensinar boas maneiras e fazer-lhe perder
o gosto pelo mal. O educador recorre, assim, ocasionalmente, a métodos de
força, quando nada mais resulta.
de acordo. A criança que bate no irmãozinho que estava a chorar é, por seu lado,
castigada pelos pais, embora estes quando estão nervosos -também dêem algumas
vezes uma palmada ao recém-nascido. É evidente que, muitas vezes, os pais podem
fazer o que proíbem à criança. Não são maiores, mais crescidos e mais fortes? É até
mesmo um estímulo para a criança poder vir a ser colmo os Pais. Quando for adulto
-poderá ficar a pé o tempo que quiser e fazer o que lhe apetecer. Também não
haverá necessidade de apresentação de um motivo para todos os desejos. Poderá
manda-r, em vez de obedecer. Os pais sabem que a criança tende para o bem mas
ignora o que é o «bem». Há, portanto, que lhe mostrar a diferença entre o bem e o
mal, de uma vez para sempre. A criança por si não quer prejudicar nem magoar
ninguém. A sua agressividade é inocente e não obedece a premeditação; cresceTá,
no entanto, em força e poder. Mesmo assim, nunca é demasiado cedo para lhe
mostrar que não s.e castigam os outros sem razão e que não se podem impor pela
força todos os desejos, pois que este princípio é basicamente falso, mau, perigoso e
proibido. O seu seguimento implica ser-se abandonado pelos outros; fica-se só e
não se é protegido por ninguém.
Uma pequena -palmada, aplicada na ocasião -própria, é um bom método, ainda que
a criança sensível e mimalha se ofenda. A criança tem de se habituar a uma certa
dureza, que mais tarde não lhe será poupada; esperamos que a criança aprenda a
dominar-se e não será necessário educá-la e dominá-la pelo castigo ou ameaça de
castigo. A palmada como castigo tem, aliás, apenas a qualidade de gesto simbólico
ou talvez mais a concessã o de uma oportun-idade -para que não se verifique a
sova. Será uma espécie de avivamento da memória em relação a acontecimentos
seme-
170 AGRESSIVIDADE
lhantes, ocorridos anteriormente. Se a criança bateu numa outra mais fraca e -mais,
pequena, infelizmente nada mais resta do que lhe dar uma sova, o que quase custa
mais ao educador consciente do que à própria criança, A. sova tem como fim
diminuir a freq@ência futura dos acontecimentos que a provocaxam. já não vive-
mos no estado paradisíaco do recém-nascido ao qual nada se exige, masno
universo real do adulto ao qual já se podem impor tarefas -e pedir
responsabilidades. A criança sentir-se-á culpada quando protestac contraria os
desejos do educador. No caso de a criança ser castigada, sabe que pelo menos não
está a ser alvo de uma injustiça. A agressão positiva é legítima, porque a causa que
a provocou foi uma desobediência injustificada e impertinente.
-er e identifica-o como parte de si, e tudo o que não lhe dá prazer é sentido como
-mau e atribuído ao mundo que o rodeia. A nossa defesa natural contra os perigos
exteriores está melhor desenvolvida do que contra os perigo@ interiores; ao
conseguirmos a projecção (que, tal como a interiorização, é sempre inconsciente e
assim permanece) dos perigos para o exterior, podemos defender-nos melhor dos
perigos que apenas são exteriores aparentemente, e esta nossa atitude é
perfeitamente inocente e objectiva. Temos necessidade de um inimigo e gostamos
de assumir o papel de vítima; é este o esquema normal da agressão, que começa
desde a primeira infância e se conserva como uma folha estereotipada até à idade
mais avançada. Nós nunca somos agressivos, mas sim os outros. E s.e temos de ser
agressivos é unicamente para nos defendeirmos e porque os outros a tal nos
obrigam.
fazer com e a partir do ser humano. muito mais do que de qualquer animal;
o animal possui uma programaçã o imutável dos seus instintos e repressões,
cujo equilíbrio se deve a estímulos determinados, e para sobreviver necessita
de um determinado ambiente. O homem encontra-se programado de uma
forma muito menos definida; os seus instintos são malcáveis e mutáveis.
Não está tão exclusivamente programado, desde o princípio e, portanto,
-possui mais possibilidades de selecção e muito mais liberdade no que se
refere à estruturação do seu próprio mundo e do que o rodeia. A espécie
humana é, potencialmente, mais livre do que todas as -espécies de animais
e, portanto, muitG mais apta a ser educada, dirigida e governada. O mesmo
se passa com a criança em particular, que sofre inteiramente todas as
possíveis influências do meiocultural em que nasceu; este meio é
determinado por todo o gênero de influências e impõe-se-lhe.
Cada sistema educacional opera, por assim dizer, púT via dupla; por uni
ladomolda e forma o aluno através da persuasão ,exterior e da
obrigatoriedade interior, e por outro esti-mula-o no sentido de uma
inteTiorização, e automatização dos esquemas e processos de acção
impostos. Só os conceitos de valor que se adequam a uma interiorização,
graças à sua utilidade prática e justificação moral, são de molde a inserir-@s-
e na educaçã o tradicional.
Falsos rótulos
submetido a uma violência maior. Há, todavia, uma excepção a abrir no caso
dos que são violentos com razão e que têm de deserripenhax funções de chefia
porque, como os pais, são mais poderosos e mais fortes e só utilizam a violência ao
serviço de objectivos superiores, para estabelecer a ordem e a disciplina e para
educação da vítima sobre a qual ela recai. A proibição do emprego da violência -não
é manifestamente absoluta, pois, caso contrário, nem os pais nem os estadistas
poderiam utilizá-la fossem quais fossem as circunstâncias. Estes aplicam-na,no
entanto, e, a acreditar nas suas palavras, bemcontra a vontade e até demasiado
tarde, pois que uma dose menor de violência aplicada na devi-da altura teria
evitado um remédio mais tardio, mais forte emais violento. A consciência que têm
da sua responsabilidade leva-os a coagirem. Os pais e os -estadistas nã o poderiam
actuar de outro modo, uma vez que querem resolver as dificuldades
experimentadas pelas crianças e indivíduos.
A parede-tabo que protege e defende a violência está tão cheia de buracos como
um queijo gruyère. As regras de abolição da violência são confirmadas por
excepções que se tornam fatalmente regras, impondo e preconizando a violência.
Somente são compactas e impenetráveis as partes da parede por detrás da qualse
encontram os poderosos. A moral sistematicamente proclamada impõe-nos como
dever nunca tomarmos em relação aos outros atitudes que não gostaríamos de ver
praticadas contra nós. Nesta lição encontTa-se englobado um factor que não está
sistematícamente proclamado, mas é muito prático: em certas condições
excepcionais pode-se fazer o que é proibido. Não fazemos uso da violência, nem
temos esse direito, salvo, em caso de legítima defesa, da defesa dos mais fracos,
incapazes de se defenderem a si mesmos, ou da defesa de princípios. Os pais são
pais e os es-tadistas são estadistas, porque delimitam, definem e deterininam, com
uma lógica irrefutável, as condições excepcionais que justificam estas medidas
excepcionais. As crianças são crianças e os indivíduos são indivíduos, porque para
eles não existem, ainda que raramente, excepções que possam invocar e justificar.
A criança é posta frente a todo o género de experiências incessantemente
confirmadas que demonstram que a violência, em determinadas situações que
fazem parte de um vasto rol de excepções, pode ser um meio admitido, necessário
e insubs,tituível na condição de não ser declarada como tal, mas rotulada de forma
diversa como, obra moral, tomada de respon-
AGRESSIVIDADE 173
Paraíso e obrigatoriedade
Todos os processos que têm como objectivo refrear a violência apresentam uma
feição agressiva. A educação não dispensa um certo número de obrigações. Toda a
teri-tativa de suprimir a agressão edu@catíva, consíderando-a como prejudicial e
negativa, está logicamente condenada a falhar. A supressão da obrigato-
176 AGRESSIVIDADE
p@ico,logica1nente de uma outra forma, mas, não com menos gravidade -do
que as crianças a quem os pais batem e que podem -precisamente ver neste
castigo um testemunho de interesse e afectividade.
dura por parte de outrem fica por esse preçG autorizado a utilizar a
mesma atitude. Vínga-se inconscien temente dos sofrimentos de que
não, se pôde queixar com receio de aumentar os maus tratos. «É
assim e está tudo di,to», são estas as palavras do que nega os direitos
de imaginação, (forma desenvolvida da agressão). Acrescenta logo em
seguida: «Cala-te!» , «Não faças tantas perguntas», (Taz o que te
dizem, não compreendes nada!» As perguntas são de facto inúteis
quando não existe escapatória possível; a discussão torna-se
supérflua, uma vez que todas as decisões são tomadas, de antemão,
pela tradição e moral, os primeiros rituais determinados e os
costumes defini-dos, o que constitui as Primeiras premissas da
violência. A criança não deve ser inserída de repente na comunidade,
mas ajudada pela a@utodisciplina e auto,-suges,tã.o colectiva
ritualizada, O seu primeiro dever é conservar-se calma, não, se
preocupar com nada, não ,olhar à direita ou à esquerda (se se lhe
colocou antolhos, não deve tirá-los), não fazer perguntas (deve
manter durante toda a vida um espírito de criança dócil),
tra não é suficiente, pois que não arrasta o estímulo educacional necessário. Um
ambiente caloroso, afectívo e culto tornará a criança apenas um consumidor
passivo, quando ela necessita afinal de aprender a participar activamente e a
assumir responsabilida-des.
Muitos pais lamentam uma época volvida em que a segurança e autoridade eram
impostas por normas rígidas. Não existia então o problema de emancipar uma
humanidade colocada em segundo plano por culpa própria. É verdade que
Enimanuel Kant já reclamava esta emancipação e acusava o homem de pecar
gravem-ente ao renunciar a utilizar plenamente as suas aptidões intelectuais
autónomas. É possível que os princípios modernos educacionais, que renegam a sua
qualidade deprincípios e pretendem ser apenas simples formas de creacção
espontâneas e maleáveis, não sejam assim tão novos e modepnos. Reprovaram-se
incessantemente os pensamentos, e sentimentos revolucionários tanto por.
afectarem negativamente o espírito e ignorarem os dados reais como por nada
trazerem de novo, não passando de um bater sem interesse na mesma tecla. A
atitude de se refugiar no pass@do ou permanecer numa obstinação utópica implica
um negativismo por parte do educador, mas mais prejudicial ainda é a contínua
hesitação, uma permanência na indecisão ou a mistura de mimo e severidade,
tolerância e intolerância, porque a realidade da educação é a única realidade de
posse da criança. O mundo aparecer-lhe-á necessariamente à luz das explicações e
dados que lhe são fornecidos.
Muitos homens são adultos apenas na idade e não ultrapassam a fase de uma
imitação e docilidade convencionais. Permanecem eternamente aprendizes
c'subordinados obedientes que retiram as suas, escalas de valores e consciência de
si mesmos da sua inclusão num grupo e dos juízos de valores de autoridades
superiores. A instituição adquire toda a liberdade de que o índivíduo abdica a seu
favor outalvez se dê mesimo o caso de o indivíduo nunca ter possuído
verdadeiramente essa liberdade. Em troca, a instituição assume todas as
responsabilidades e, em prol do elevado objectivo que se propoe, está autorizada
a aplicar directa ou indirectamente todo opoder de que dispõe. Ameaça o indivíduo
de isolamento e incomunicabilidade no caso de este lhe recusar obedecer. Incute-
lhe, pois, um sentimento de culpabilidade e de angústia e ele sente-se despojado de
toda a legitimidade e de ilusão de omnipotência. O indivíduo adquire uma
A GR E S SI VI DAD E 185
certa independência num âmbito muito limitado pelo preço de admitir não ter
qualquer poder sobTe os outros. É, porém, indispensável ao ser humano que
pretenda comportar-se como indivíduO independente e ficar responsável -pela sua
própria agressivida-de ter adquirido verdadeira maturidade e plena consciência de
si mesmo, o que só s.e torna -possível graças a um esforço permanente. A
emancipação não é urna dádiva do céu, mas o resultado de um trabalho lúcido,
consciente e constante para não seguir na esteira da facilidade, para escapar à
corrente da colectividade e não ceder aos atractivos de valorização a que está
ligada a destruição. É preciso dissecar e trazer à luz a tentação de fuga ante as
responsabilidades oferecidas pela inclusão real ou ilusória numa família, nação ou
raça que confere a superioridade e existência legítima dos seus membros. Quem se
afirma agride, ainda que G faça sem violência. Para suprir a violência é preciso
resistir agressiva-mente, se necessário, frente aos monopólios de violência e às,
legitimidades que as mesmas conferem.
Um estudo, efectuado sobre Los Angeles revelou que setenta e cinco por cento das
crianças não tinham ainda quatro anos e vinte e cinco por cento, nem um ano
sequer. Em cem dos casos, as crueldades verificaram-se logo, na primeira semana
de vida do recém-nascido. Nove por cento dos carrascos examinados (contra sete
por cento da população total) tinham cultura universitaria, cerca de sessenta por
cento possuíam nível superior à média equarenta porcento, um nível inferior. Menos
de um por cento. apresentavam indícios de perturbação mental e somente um e
meio por cento poderiam ser classificados como sádicos, mesmo no sentido latoda
palavra. Não foi possível estabelecer a mínima relação, com validade estatística,
entre os maus tratos infligidos às crianças e o nível cultural, a profissão, a cor, a
religião ou sexo do culpado. Os maridos agem, frequentemente, como agentes
executivos da disciplina familiar e quase sempre sob direcção da mãe; os casos -de
mulheres implicadas neste gênero de tortura são menos frequentes, mas quando se
verificam a malvadez é mais requintada. Dezoito por cento dos pais em questão
consomem regularmente bebi-das alcoólicas, catorze por cento fumam
tranquilizantes ou excitantes. O meio familiar é em geral estável e o número dos
-divórcios não ultrapassa a média. Uma percentagem normal de casais, cerca de
vinte e oito por cento, queixam-se de desentendimentos conjugais. A média das
idades dos culpados oscila entre os vinte e trinta anos. Entre eles conta-se uma
percentagem, um pouco acima da média mas de forma alguma esmagadora, de
indiví duos condenados anteriormente
A G R E S S IN IDADE 187
nos filhos maior é a probabilidade de recurso, à violência agressiva quer por perda
de contrôle, quer voluntariamente através de umareacção a que é da-do o cunho
superior de dever objectivo.
âIIII,
AGRESSIVIDADE 193
ram no prédio que habitavam gritos desesper@dos de socorro sem que, apesar
disso, se decidissem a intervir. Estava a ser assassinada uma mulher que todos
conheciam. Na luxuosa residência de Santa Barbara uma dúzia -de pessoas
respeitáveis conhecia os esforcos da Sr.a Duncan para descobrir um assassino que
aceitasse mat@r a nora eninouém se deu ao trabalho de fazer uma denúncia às
autoridades. A nora acabou por ser estrangulada por assassinos pagos para matar.
Todos se encontravam unidos numa decisão de não intervirem e por ela levados a
qualificar os crimes diurnos e nocturnos cometidos contra as crianças como
ninharias, excessos disciplinares e delitos de -menor importância. Enquanto não se
concluir judicialmente que assim não é, existe o acordo comum de que os vizinhos
são tão amáveis, amistosos e razoáveis como aparentam; cuidam dos filhos e não
se parecem com os indivíduos revolucionários ou os jovens de cabelos compridos
que renegam o pai e a mãe. Sabem certamente o que fazem e porque o fazem.
Todos somos ciosos do que se passano lar erepelimos qualquer intervenção alheia.
Um dia, o segredo da criança mártir não pode continuar a ser preservado do
conhecimento público. E a partir desse mesmo instante toda a atitude discreta dos
vizinhos, que não passava de cruel cumplicidade, pois que durante anos fecharam
os olhos ao escândalo, abandonando as pequenas vítimas às piores torturas,
transforma-se em expressões de cólera, indignação e sede de vinganca contra os
pais culpados. Estas mesmas pessoas que ainda ontem aprovavam e autoTizavam
as crueldades mediante o seu silêncio, exigem que os maus sejam severamente
punidos. O castigo draconiano dos culpados absolvirá as testemunhas tornadas cú
mplices à forçade fechar os olhos e os ouvidos à realidade.
só pode ser lançada par indivíduos tarados ou por intelectuais -que pouca diferença
fazem.
Os pais obedecem às normas sociais que lhes impõem como dever aplicar
um castigo exemplar na devida altura e que regulamentam o ritual do
processo primitivo destinado a cunhar na criança as escalas de valores dos
pais e nela des,envolver o sentido de disciplina. Por estranho que pareça, o
objectivo educacional visa-do é frequente e conipletamente atingido. Quanto
mais cedo e de forma mais vigorosa são aplicados os métodos empregues
melhor se consegue dominar a vontade infantil, desencorajar as,tendências
antagónicas, minar o potencial de rebelião
196 AGRESSIVIDADE
Bruce Sedgewick Autry não recebeu cartas -de amor ou de outro génerG. É
um homem entre dezenas de milhares; constitui um caso banal. A própria
banalidadedo seucaso confere-lhe ínteresse. Pretendiam dominá 4o e ele
torna-se delinquente e criminoso. Autry conta a sua história numa carta de
dezasseis páginas e desculpa-se antecipadamente da sua fraqueza. Não
espera resultados práticos, a sua carta não tem qualquer fim em vista e nada
exige da pessoa a quem a dirige. Sabe-se perdido e afirma que o facto lhe é
indiferente. Penso que os seus pensamentos e ideias ,me podem interessar e
que o compreendo, mas tem consciência ,de que isso nada serve. Gastou
tempo a escrever esta longa carta porque -também eu o gastei a examinar o
seuprocesso e a testemunhar.
uma vez que era do seu sangue, mas achava que o padrasto, ria sua qualidade de
estranho à família, não tinha o direitc, de o fazer. Desprezava-o e detestava-o. As
tarcias recebidas cada vez o tornavam mais consciente da injustiça que se via
obrigado a suportar. Acabou por fugir e foi diversas vezes apanhado pela policia a
dormir num vão,de escada ou dentro deum automóvel estacionado. Levavani--no à
força para casa, onde era severamente ca&tigado. Por fim, meteram-no, numa casa
de correcção, assegurando-lhe que o faziam para seu próprio bem. Autry achou a
atitude injusta. Fez a sua apreciação dentro das normas relativas à diferença entre
justiça e injustiça e bem e -mal, que desde a infância lhe tinham imposto (de facto,
à força de pancada). A forma como o tratavam assumia proporções de injustiça
revoltante. Autry não dava -mo,tivos para castigo ao seu verdugo e não admitia que
este estranho estivesse em posição de lhe impor a sua vontade. Fosse como fosse, o
envio, para uma casa de correcção parecia-lhe um castigo de forma alguma
conipatível com a sua conduta plenamente justifica-da. Ouviu repetir vezes sem
conta que a sua presença era indesejável, que o estavam a sustentar e podiam
passar perfeitamente sem um hóspede tão importuno. Queriam desembaraçar-se
dele e ele também queria partir. Pois bem, tinha partido. Porque o castigavam
então?
Na casa -de correcção aprendeu muita coisa. Pôde confirmar pela sua experiência o
que a maior parte dos sociólogos, psicólogos e especialistas afirmam: as iprisões-e
sobretudo as que se apresentam camufla-das sob a designação de casa de
correcção, -são as escolas primárias, os liceus e as universidades do crime. Autry
adaptou-s-e às suas condições de vida. Uma vez que tinham exercido a violência
contra ele, formou-se ein violê ncia e aplicou-a.
Foi elemesmo quem escreveu: «Eu era pequeno e, portanto, necessitava ser duas
vezes mais duro e mau do que os outros. Lutava diariamente. Batia quando algum
dos companheiros me queria roubar qualquer coisa, para me defender contra as
tentativas homossexuais ou batia simplesmente por bater. Servia-me de,tudo o
queme vinha àmão. Todos osmeios eram bons para vencer. Pouco me importava o
fair-play; era urna questão de sobrevivência. Nunca me esquivava nem nunca cedia.
Punha sempre uma expressão feroz. Se algum dia tivesse mostrado a minha
fraqueza, estaria perdido. Acabaram por me respeitar (refere-se aos companheiros):
era o respeito conferido pelo medo.
202 AGRESSIVIDADE
«Descobri nessa altura», afirma, «que precisava de me tornar mais duro, pior
e mais astuto. Encontrava-me sozinho frente à brutalidade e hipocrisia dos
professores e, s.e queria sobreviver, tinha de me tomar forte e insensível e
pensar apenas na melhor maneira de me livrar de dificuldades. Troçaram de
mim por ter medo, mas depressa deixaram de o fazer.»
como o boxe, que a princípio era uma válvula de escape e uma forma de
afirmação agressiva, em breve se torna uma forma de actividade desportiva.
Consegue aprender a joga@ bem; para si, o boxe era, nessa altura, uma
expressão de agressividade e a transferência agressiva ou a sublimação da
agressão. Foi também graç as ao boxe que conseguiu a libertação.
a forma de provar a si mesmo que ainda vivia e que era ainda um homem. Fabricou
uma faca em segredo e fez de um guarda seu refém. Defendido pela reputação
adquirida na casa de correcção incitou os outros presos à resistência. Não, exigiu a
liberdade
Autry sabia-o: desta vez caíra nas malhas da lei. A duração da pena pouco importa,
pois está convencido de que, seja como for, não conseguirá sobreviver mais do que
semanas ou meses de prisão. O relato dos seus actos e as referências do seu
passado rebelde segui-lo-ão para qualquer prisão onde seja metido. Em todo olado
serátorturado e vítima de susipeitas. Não pode jurar que não as provocará, ou não
reagirá. É a lei da selva: matar ou ser morto. Ele escreveu: «Todo, o homem acaba
por atingir o ponto crítico ou afunda-se. O homem só pode aguentar uma
determinada quantidade de pressão e de tensão. Quando atinge um determinado
grau, afunda-se. Estou pronto a ceder bruscamente ao impulso interior, ou seja, a
matar quem quer que me detenha ou a fazer com que os outros me matem. Nada
mais me interessa, nem sequer a vida.»
já não resta qualquer solução. Foi utilizada a violência, a princípio uriginada pela
indiferença da sociedade e depois promovida a métodos educativos por esta mesma
sociedade. A violência eliminou assim todas as outras vastas possibilidades de
opção. Ainda que o -desejasse, a sociedade não podia libertar este homem que
nada mais detém. «A vidanão lhe interessa». Matará quem quer que seja ou será
morto. Atingiu um ponto em que já não pode voltar atrás.
A tendência à violência é tão es,timulada por grandes frustrações como por choques
eléctricos. É reforçada pela eliminação do contrôle dos centros nervosos. Para
desenvolvimento dos mecanismos dos centros de repressão no indivíduo, utilizam-
se os exemplos e as palavras e não os trau-ma,tismos psíquicos, drogas ou choques
eléctricos. Este contrôle pode ser desautorrizado pelos exemplos de crueldade e o
exercício de violência. Existem indubita(velmente diferenças quantitativas de
predisposições individuais à violência, mas a impcK@tâucia decisiva não reside no
facto de se ser violento mas de se vir a ser. A agressão, como todas as outras
qualidades, não se desenvolve no vazio mas proporcionalmente ao meio ambiente.
Toda a verdadeira agressão é uma aquisição social, ao passo que a predisposição
agressiva biológica tem carácter de generalidade.
o seu aniquilamento: matar ou ser morto ou uma e outra coisa para não
voltar a matar. Eles são os responsáveis. Eles, e mais ninguém?
Outrora, o rei Xerxes ordenou que o mar fosse atacado por ,ter tragado a frota dos
Persas. Hoje, esta ordem parece-nos uma explosão de cólera infantil. Se nessa
altura a ciência da metereologia estivesse tão desenvolvida comona nossa era, teria
sido possível prever a tempestade. Esta ter-se-ia desencadeado, na mesma, inas os
naviosteriam esperado um vento favorável. Oo,ceano foi, pois, atacado e a punição
parece-nos estúpida. O oceano era insensível aos golpes recebidos. É precisamente
porque a natureza (mada sente» que to-das as ati,tudes contra ela nos parecem
supérfluas e que não temos o menor escrúpulo em a subjugar e explorar para nosso
benefício ou prazer.
Ponios assim em causa um único dos motivos possíveis por que esta relação,
-confirma uma aquisição anterior, uma convicção de uma relação lógica (entre falta
e castigo,, dentro do contexto citado). Este é o tipo de uma explicação por sedução
que acentua um motivo único tornado exclusivo ou dominante e põe de lado, ou
retira a importância a todos os actos. A acção culposa implica o castigo, que por sua
vez arrasta a consciência da falta cometida. Es,ta operação por sedução delimi-ta
arbitrariamente o que é importante, único e decisivo; a demonstração é plausível e
convincente, ignora todos os outros motivos possíveis, sendo, portanto, parcial e, a
partir desse momento, errónea,
perigo pela fuga e leva-,se. a cabo um contrôle que. tem como fim a
libertação. Uma teoria primitiva imagina o universo como plano da vida e vê nos
acontecimentos as acções de autoridades sobrenaturais. O pensainento moderno
atingiu, pelo contrário, um -piano de interpretação das acções humanas e
consequências como se se tratasse de acontecimentos relativamente aos quais
ninguém é responsável ou pelo menos verdadeiramente responsável. A sociedade,
o governo e a técnica constituem símbolos deste gênero de acontecimentos, pelos
quais ninguém é responsável. O determinismo histórico, os fenômenos do
inconsciente e as convicções sociais são complexos largamente influenciados e
coordenados pelo homem; dependem portanto dele e são assimilados por
acontecimentos exteriores a que o homem atribui responsabilidade.
Esta selecção natural, que quase sempre, senão sempre, provém do próprio
estudo das coisas, transformou-se em esquema justificativo de agressões
objectivamente injustas, de fundamento e es,truturação deficiente e que são
os próprios instrumentos de ,manutenção da autoridade. A autoridade serve-
se da sua própria autoridade, da maturidade das suas certezas -e do seu
sentido de
214 AGRESSIVIDADE
4) O grupo -dos que tão cedo e tão intensamente se encontram expostos aos
castigos que ficam imunizados contra os mesmos. Passaram à brutalidade
activa ou estão de tal forma convencidos do seu papel irremediável de
vítimas que mais nada os preocupa. No seu desespero reagem com
indiferença, apatia ou violência às crueldades que lhes infligem para os
castigarem.
Uma vez que o respeito rígido das leis e das normas preju-
AGRESSIVIDADE @19
msÁ,4 ‘IN-I
AGRESSIVIDADE 225
que deteria o assassínio do filho em que ele consentia? Seja como for, a
humanidade civilizada falhou rotundamente quando submetida ao teste de
Abraão. É preciso começa@r pelo conhecimento deste facto, por o confessar,
por se recusar a negar, se se pretende esperar fazer progredir a espécie
humana e dar-lhe um objectivo.
_âÊã
CALLEY: «TU MATARÁS»
N
amigos foram condenados à morte, um júri constituído por seis oficiais do exército
dos Estados Unidos, reunidos no, Forte Benning, declarou o tenente William (R,usty)
Calley culpado do assassínio premeditado de vinte e dois civis vietnamitas e
condenou-o a prisão perpétua.
canalha ... » Em três dias venderam-se cem mil discos e numa semana um
milhão,. As associaçp@s de veteranos recolheram somas enormes para
Calley e transmitiram-lhe mensagens de simpatia. As antenas dos carros
ostentavam folhetos que pediam a libertação de Calley. Milhares de homens
foram apresentar-se às autoridades militares -e acusaram-se de ter cometido
crimes análogos.
O «Diabo Verde», Robert Marasko, comovido pela condenação de Calley,
decidiu anunciar na televisão que matara recentemente um espião do
Viettiame do Sul por ordem da C. 1. A. Era assim e não podia fazer nada mais
do que confessar. Os jornais declararam luto. O reverendo Michael Lord viu o
reviver da paixão de Cristo no caso Calley. Declarou publicamente: «Há dois
mil anos crucificaram um homem chamado Jesus Cristo; não acho, que
tenham necessidade de uma nova crucificaçã(m) Uma indagação junto do
público revelou que oito em cada nove americanos, consideravam a
condenação de Calley injusta.
O presidente dos Estados Unidos passou uma noite em claro ,e, depois,
decidiu fazer sair Calley da prisão e maridá-lo para casa sob vigia. Declarou
que, na sua qualidade de chefe supremo do exército, se reservava a última
decisão sobre o assunto, -dado que -to-dos -os meios judiciais estavam
esgotados. Os militares responsáveis -não falo -dos acusados, mas dos seus
juizesviram--se objecto de insultos sistemáticos. As famílias foram alvo de
calúnias e ameaças e a polícia teve de as tomar à sua guarda. Depois de
subtraídos à reclusão imposta ao júri, os dignos oficiais não entendiam a
emoção geral.
Há anos a jurisdição militar tinha condenado, sem que por isso se tornasse
-objecto da atenção pública, algumas dezenas de soldados e oficiais por
crimes análogos, se bem que não de tanta carnificina, cometidos em
operações no Vietname. O facto não despertara interesse nem causara
objecções.
Aos olhos dos que se consideram cem por cento patriotas, Calley é um herói
e um mártir, um corajoso combatente que arriscou a sua vidapara preservar
a da nação; foi escolhido para porta-bandeira por uma camarilha de oficiais
ambiciosos. Na guerra tudo é permitido, dizem eles; no ardor do combate
não pode nem deve existir um regulamento pormenorizado; tanto a nossa
boa causa como a causa negativa do adversário desculpam, de antemão,
toda e qualquer forma de comportamento. Ninguém deveria dar-se ao luxo
de criticar a acção de conibaten-
AGRESSIVIDADE 233
É certo que -ele não foi total nem plenamente responsável pelos seus actos
e, -principalmente, não foi o único responsável; outros que não foram
acusados >também são culpados e partilham
AGRESSIVIDADE 235
a sua responsabilidade sem que, todavia, o declarem inocente por esse motivo.
O caso Calley tornou-se um dos grandes processos criminais, como, por -exemplo,,
ode Manson. Os dois veredictos foram a-ci-denta,lmente pro,nunciados no mesmo
dia e acusa-se a imaginação deformada e pretensamente antiamericana dos
jornalistas americanos de terem ligado os dois julgamentos. As analogias não se
limitam, porém, às aparências, podendo citar-se, entre outros, a estatura
extraordinariamente pequena dos dois acusados. Manson e Calley eram, em todos
os aspectos, pequenas personagens consideradas pouco dotadas e que passaram
despercebidas no meio a que pertenciam, até que as suas ignomínias chamaram a
atenção da opinião pública mundial. Os dois reclamaram para si o papel de
demiurgos e arrogaram-se o direito de vida ou de morte sobre outrem entregando-
se a carnificinas. Após vários meses de processos, os dois foram declarados
culpados de massacres, mas as suas motivações e acções eram completamente
diferentes (Manson nunca particip@u na execução dos assassínios). O presidente
americano interveio nos dois processos num sentido diametralmente oposto, mas
numa base igual. A raiva popular desencadeia-se contra os actos de Manson como
contra a condenação de Calley. A mesma raiva -popular que nunca pôde tolerar
outro veredicto que não fosse a pena capital para o processo Manson exige a
libertação de Calley (que se dispõe a publicar as suas memórias por algunias
centenas de milhares de dólares). O presidente dos Estados Unidos não agiu, de
forma alguma, -com propósitos de ordem -política ao aceder à ,opin.ião popular.
Pode-se dizer que agiu sincera-mente e obedecendo ao que lhe ditava a
consciência. O presidente só conhecia a separação de bem emaltal como
apresentados num bom filme. Devia, portanto, declaraT Manson culpado,
antesmesmo que os juízes decidissem. Foram os mesmos esquemas dos filmes do
Oeste que o levaram a acudir em auxílio de Calley, o xerife, o bravo soldado que o
seu uniforme americano designava como o carapeão da boa causa, da causa justa,
da (mossa» causa. Era preciso livrá-lo, a partir do momento em que o júri o
considerou culpado.
conhecido pela sua dureza e brutalidade, que mata publicament,e um soldado que
desobedece às suas ordens. Numa cena memorável do filme, Patton grita, Por entre
o ruído das bombas, das explosões e de horríveis destruições: «Que Deus me ajude;
gosto deste espectáculob)
O que depois aconteceu ao tenente Calley pouco importa agora. Foi em vã(>
que se tentou transformar a personagem, à maneira dos filmes simplistas -e
segundo as escalas morais e tra~ dicionais, mas ela não se coaduna ao
papel. Teria sido necessário um herói transbordante de virilidade, inas a sua
figura é demasiad,o insignificante.
- Â--
AGRESSIVIDADE 239
O tribunal militar terá sido injusto para com Calley, que, dentro de uma
violência ilimitadaperfeitamente aceite, praticou uma carnificina de civis
indefesos, uma vez que a ocasião se oferecia e até mesmo se impunha? A
confissão de Calley, ao declarar que antes de ser considerado culpado
pensava que o massacre de My Lay fora uma coisa sem grande importância
(no big deal), seria assim tão horrivelmente incompreensível e tão
incompreensivelmente horrível, quando desde há anos os boletins oficiais
enumeravam, quotidianamente e com orgulho, os inimigos abatidos sem
diferenciar civis ou militares?
justificação em cadeia
O
batalha. Não sabiam o que faziam. Os que o sabiam pensavam que todos estavam
ao corrente dos factos e que a execução das ordens recebidas estava de acordo
com os desejos da nação. O pequeno nárnero de honiens que tinha c<),ns,ciência
de todo o hor-ror que praticava viu nesta orgia de violência, minuciosarnerite
orga,nizada, um a£to de legítima defesa da pátria,
Ols, são responsáveis, ninguém o é. A vida contínua, não apesar e Auschwitz mas
com Auschwitz.
não pode ser reformado deve ser destruído. Afirma-se que é neste aspecto
que reside a possibilidade criadora da destruição.
Os justos e os injustos
lado, resume-se à confirmação solene de uma lei e, por outro, constitui uma
ameaça de punição e método de constrangimento no caso de infração à lei. A
sanção santifica e ameaça, autoriza e pune; legitima a agressão legal que lhe
é inerente desde que esta agressão vise a agressão ilegal do delito. A
autoridade que aplica a sanção pode ser uma autoridade extralegal, não
declarada, informal: o costume, o hábito, a indiferença.
Yan,ek-Ê verdade, mas não me tinha dito que assassinasse crianças (os
sobrinhos do grão-duque, que iam sentados a seu lado -na carruagem@ -e
cuja presença impediu que Yanek lançasse a bomba).
Dora-Ya,nck tem razão. Não tinham previsto isso. Stepan-O dever dele era
obedecer. Dora (para Stepan)-E,ras capaz, Stepan, de disparar, à queima-
roupa, contra duas crianças?
Dora-Abre -os olhos e pensa que a organização perderia todo o seu poder e
influência se, por um momento, apenas, tolerasse que as nossas bombas
atingissem crianças.
Stepan - Que importa, se a amamos o suf iciente para a impor a toda a humanidade
e a salvar dela mesma e da sua escravatura?
Dora - Yanck aceita matar o grão-duque, uma vez que a sua ,morte pode fazer com
que as crianças russas não morram de fome. O acto não é fácil, mas a morte dos
sobrinhos do grão-duque não imipedirá nenhuma criança de.morrer de fome. Até
mesmo a destruição obedece a uma ordem e limites.
Stepan-Qt@e importa que não sejas justo, quando até mesmo os assassinos
fazem justiça. Tu e eu nada somos!
Yanek -É preciso ter-se a certeza da chegada desse dia paTa negar tudo o
que leva um homem a viver.
Stepan -Eu tenho essa certeza. Yanek - Não a podes ter. Para saber qual de
nós dois tem -razão talvez se torne necessário o sacrifício de três gerações,
várias guerras e revoluções terríveis. Quando esta chuva de sangue parar já
há muito que tu e eu nos teremos transformado em pó.
Stepan-Nessa altura virão outros que... Yanek - Não é justo que vá atingir os
meus irmãos por unia cidade longínqua em rel@ção à qual não possuo
certezas. Não quero, aderir à injustiça viva por uma justiça morta. Vou falar-
vos francaniente, irmãos, e dizer pelo menos o que poderia ser dito ao mais
simples dos nossos camponeses: matar crianças é contrário à honra e se,
enquanto eufor vivo, a revolução vier a afastar-se da honra, desligay-me-ei...
tamente formas de governo para saber quem governa quem e definir o grau
de objectividade, razão, eficácia e @ injustiça de um governo. Opoder é unia
capacidade de determinar os resultados -desejados, uma capacidade de
influenciar, num certo sentido, o comportamento dos outros ou de «,se unir a
ele»; pode apoiar-se na riqueza ou forças militares, na autoridade legal ou no
contrôle da opinião; pode utilizar, igualmente, a persuasão, a pressão, a
intimidação, a ameaça ou a violência. O poder tem tendência a expandir-se;
procura aumentar e alargar-se até embater noutras esferas de poder. Não há
possibilidade de in@terligação entre as diversas formas de poder; estas são
indep@ndentes. Todo o poder tenta apoderar-se dos outros. Quem possui o
poder também é, por seu lado, possuído. Para Arendt, «a monopolização do
poder tende para o aniquilamento ou enfraquecimento de todas as fontes de
poder do -país e depois, portanto, a uma perda do próprio poder». Afirania
acaba por redundarnuma impotência que permite, seguidamente, o
-totalitarismo. O terror é uma continuidade c intensificação do
enfraquecimento do poder pela atomização, da sociedade.
entre eles uma versão dos factos apresentados como melhor lhes
convinha. Um júri federal pediu que fosse organizadG um processo
judicial contra os polícias, dado que o tiroteio fora «inútil e injustificado». O
Ministério da justiça concluiu, porém, que não havia motivo para
apresentação de queixa.
Homícídí0 legítímo
O escritor Leão Tolstol, bem como o físico e meteorólogo Lewis F. Richardson, foram,
no século xix, os defensores de uma teoria -dinâmica e «cataclísmi,ca» da guerra.
De acordo com esta concepção, as guerras são. inevitavelmente determinadas por
forças históricas irresistíveis e abatem-se sobre a humanidade como acori-tecimento
de ordem natural ou epidemias, encontrando-se para lá de toda a influência da
vontade ou estratégias dos generais. Somente a loucura de um narcisismo ilusório
tenta raciona- lizar e -orientar a explosão incoercível da guerra. A teoria de ToIstoi e
Richardson vê na agressão sintomática (explosiva, irracional, determinada por
causas naturais, patológica e incontrolável) a única agressão verdadeira.
rior (quase sempre, e por tradição, um Estado, uma dinastia ou uma Igreja) e esta
situação aplica sanções ante o uso da violência declarada e de qualquer outra forma
de agressão contra um inimigo determinado, nacional, dinástico ou religioso. O
partido inimigo, e as pessoas que dele fazem parte, assim como os seus bens, nã o
se encontram ao abrigo das leis condicionadas à honra.
O que costuma ser rigorosamente proibido é preconizado e ordenado frente ao
inimigo. Outrora, a declaraçã o de guerraera precedida de gestos agressivos mas
não declaradamente violentos, tais como as negociações diplomáticas e os
ultimatos. Estes gestos eram apenas ameaças precisas que deixavam adivinhar o
recurso à violência declarada mas ofereciam, simultaneamente, uma porta de saída
para a evitar. Os preparativos da guerra e os ulti- ,matos serviam, entre outras
coisas, para uma idealização e legitimação moralda causa em -questão e para uma
denúncia e rebaixame,nto do adversário. A declaração de guerra deixava, pois,
antevQr que não existia outro recurso para além da violência, dado que todas as
tentativas para resolver o conflito tinham fracassado. Segundo uma vulgar técnica
dramática de polarização, o inimigo é tornado responsável pela explosão do
conflito, pelo fracasso das negociações e, portanto, pela necessidade de
utilização,da violência. Amesma técnica acentua a não culpabilidade, a indulgência,
a boa vontade e a compreensão do partido que representa.
Até há pouco, havia uma declaração de guerra; esta começava num -determinado
momento e podia-se prever que o conflito armado terminaria pela assinatura de um
tratado de paz, dado que, de parte a parte, eram respeitadas convenções e regras
bem precisas. Os Estados neutros, bem como as mulheres e crianças dos Estados
em guerra, eram poupados a hostilidades. Por tradição as guerras nunca eram
totais, pois que, à excepçã o daJuventude masculina mobilizada, o conjunto da
nação não participava activamente. Todos respeitavam convenções, que eram,
evidentemente, diversas das regras estabelecidas para tempo depaz, e a função de
árbitro cabia a um terceiro elemento neutro (Cruz Vermelha, Estados neutros,etc.).
Até mesmo no decurso dos combates mais encarniçados, o respeito por regras
comuns implica o reconhecimento da -dignidade humana do adversário. A conduta
de hostilidade só adquiriu um carácter criminoso e totalitário a partir do momento
em que se efectuaram acções de extermínio sob rótulo de acções de polícia ou de
«limpeza». Nesse caso ne-
260 AGRESSIVIDADE
ga-@e toda a dignidade ao adversário; daí para a frente não há mais peias à
violência lícita nem mais considerações pelo inimigo.
O impeTalismo russo (sob um novo rótuIG) vai analogamente buscar a sua força
sentimental messiânica mais à tradicional
AGRESSIVIDADE 261
O críme organízado
O crime organizado constitui um vasto empreendimento que não tem como fim
combater o establishment, mas concluir alianças e acordos que definem a tolerância
mútua da «integridade territoriab) de cada um. As diversas organizações criminais
concorrem entre si; são empresas gigantescas que, como as grandes empresas que
imitam e as imitam, satisfazem a -necessidade de determinados bens de consumo.
Apenas recorrem à violência como instrumento estratégico, comomeio de atingir o
objectivo desejado, mas preferem alcançá-lo pela persuasão, os presentes as
relações ou pela ameaça da violência, que substitui efícazmenté, a violência.
Negoceiam com jogos de azar, a prostituição e a droga, da mesma forma que outras
com o açúcar ou os cigarros. Existe uma grande procura destes meios de prazer que
eles colocam nomercado; os lucros deste gênero de negócio são elevadíssimos.
Podem permitir-se ter ao serviço os melhores peritos em todos os campos:
publicis,tas, conselheiros fiscais, vende-dores de ,nível, advogados, funcionários da
polícia, especialistas em cirurgia plástica e assassinos escolhidos. A organização
constitui uma comunidade que se sente convencionalment@ legitimada pela
solidariedade dos seus membros e pela satisfação das necessidades sociais
violentas e ilegais que proporciona.
Afirma-se que não existe problema que não seja proveniente de excesso
populacional e que a educação nã o resolve. As crianças negras poderiam ter
beneficiado da mesnia educação do que as brancas em escolas separadas.
Os estados do Sul nunca se resignaram à derrota militar sofrida. Orgulhosos
das suas tradições feudais, passaram a tratar os negros não propriamente
mal, mas como se fossem animais domésticos. Apesar de todas as
proclarnações de igualdade, os negros não estavam autorizados a utilizar os
mesmos transportes, os mesmos hotéis e restaurantes. Davam passagem
aos, brancos quando se cruzavam com eles na
AGRESSIVIDADE 271
rua. A lei perinitia relações sexuais entre homens brancos e mulheres negras.
Porém, todo o negro, simplesmente acusado de relações íntimas com uma
branca, oumeras tentativas nesse seritido, era condenado a anos de prisão
ou à morte. Todos os pretextos serviam para proibir aos negros o acesso às
listas de eleitores ou de jurados.
As escolas -do Norte, Este -e Oeste dos Estados Unidos ficaram superlotadas.
Os negros do Sul emigraram para as grandes cida- ,des industriais, onde, em
breve, se criaram guetos negros em pleno centro, o que levou a população
branca a retirar-se para os subúrbios. A mortalidade infantil e materna é
quatro vezes superior à,dos brancos. Praticamente metade das famílias
negras não têm pai-é a mãe que assegura a subsístência-e mais de metade
dos negros nem sequer tem um mínimo de sobrevivência. Os relatórios das
comissões elaborados em 1968, 1969 e 1970 concluíram que a segregação e
a miséria produzem uma atmosfera de ódio e de desespero nos guetos que
o, americano branco ignora e nem mesmo seria capaz de imaginar.
sido mortos e assassinado, por sua vez, inimigos brancos até aí sagrados
para os negros. Quando regressavam da guerra, os jovens negros viram-se
aglomerados nos velhos guetos. Participaram no desenvolvimento, geral
donível de vi-da, se bem que o seu apenas duplicasse, ao passo que o dos
brancos quintuplicou. Os meios de comunicação apregoaram a emancipação
das nacionalidades africanas, cujos governantes foram acolhidos pelos
brancos com grande cerimonial.
Em 1964 (cem anos após a vitória da igualdade e dez anos depois da decisão
federal), o chefe do Ku Klux Klan, Sam Bowers Junior, o ufeiticeiro-mor imp@riab),
de 39 anos, ordena a mobilizacão do Klan, da-do que o «inimigo» (o Estado federal)
projec-
AGRESSIVIDADE 273
No Vietriame, todo e qualquer indivíduo que não use o uniforme pretendido, torna-
se um inimigo.. 9luando, se verificam desordens todas as pessoas presentes,
participantes, espectadores, representantes da imprensa, tornam-se
automaticamente perturbadores perigosos e, portanto, ameaçados: terão de sofrer
as consequê ncias.
ou nas curopeias.
A polícia dos países democráticos, muitas vezes mal remunera-da, mal organizada e
sobrecarregada de trabalho, recebe uma formação ambígua quanto aos -direitos do
homem. Ã sua semelha,nça, as massas populacionais recebem e transmitem
ínformaçoes confusas e contraditórias. Pretendem visar a objectividade e a
educação, mas têm -necessidade de se distrair e ganhar audiência abusando do
sexo e da violência.
AGRESSIVIDADE 281
fício é grande; exiLyi-lo é, sem dúvida, uma utopia. A verdade, porém, é que
hoje @m dia não podemos permitirnos renunciar a certas decisões utópicas.
Era obrigação absolutada sociedade pobre integrar, logo que possível, toda a mão-
de-obra disponível no processo de produção e atribuir a cada um o seu papel social.
O bem-estar e o aproveitamento, máximo só muito recentemente reduziram a
necessídade desta pressão. A superabundância de disponibilidade de bens permitiu
aos jovens de todas as classes retardar a sua entra-da na sociedade e, algumas
vezes, retardá-la tempos infindos. Foi assim que a nossa sociedade industrial
ocidental do pós-guerra criou condições para a formação de uma nova pseudo-
espécie: a juventude. A j@ventude tornou-se -um grupo solitário que se considera,
por si so, verdadeiramente humano, que despreza, repele e denuncia os outros, tal
como os outros o desprezam, o repelem e denunciam. É esta mesma sociedade que
a juventude desmascara, critica, ridiculariza e repudia, a sociedade que permitiu e
«fez» a ji@ventude actual.
Gaudeamus...
10
290 AGRESSIVIDADE
Talvez chegue a uma plenitude -de cultura, o que acontece à maior parte
-dos -seus indivíduos. Na verdade, a jovem cultura ,moderna falhou por
aderir aos seus próprios valores. Em nenhum lado alcançou os seus próprios
objectivos, não alargou a consciência colectiva enem sequer climinou ou
atenuou o poder dos monopólios, da técnica e da burocracia. Em nenhum
lado alargouo campo de liberdade para si ou para osoutros e acabou por ,cair
na po-larização. da violência, que anteriormente pusera a descoberto. A
orientação exclusiva para o momento presente e o abandono sem
compromisso de programas políticos baseados na lógica em benefício, de
instituições morais, confusas e individualistas só poderiam conduzir à
liquidação, à violência ou às duas coisas.
DE COMUNICAÇÃO
Nos nossos dias, a televisão americana produz, tanto nas crianças comonos
jovens, -e ao longo das suas fases de desenvolvimento, um efeito
semelhante ao de três a cinco horas de interrogatório feito pela polícia,
torturas e lavagens ao cérebro.
As imagens ideais das epopeias, romances do, Far West e do amor vitorioso
de dois seres belos e leais fazem surgir um mundo
AGRESSIVIDADE 303
são e intacto oupelo menos sugerem que se pode chegar a qualquer destes dois
estados por meio de virtudes simples ou processos acessíveis a todos. Com a ajuda
de uma interpretação realista foge-se da complexa realidade -do mundo de hoje no
sentido de uma ilusão simples, inocente, harmoniosa e de um passado
desaparecido. O herói forte, duroe frio age de forma de£idida, independente e
autónoma; é G homem violento e primitivo sem escrúpulos nem barreiras ou ainda
o grupo ou Estado dotado dessas mesmas qualidades e que se encontram sempre
plenamente justificados. O estereótipo que manipula e é manipulado constitui já
uma violência à realidade quando simula situações de equilíbrio puramente idílicas.
Mesmo nos momentos em que não aparece visível em plena luz do dia, a violência é
o misterioso mensageiro dos meios de comunicação. Ao legitimar-se, a
violênciatorna-se virulenta, contagiosa e irresistível. A boa causa ganha sempre. O
herói ganha; o sucesso justifica todas as vitórias e faz do vencedor um herói.
O vencedor torna-se e permanece aquele que utiliza a violência primitiva -e sem
escrúpulos antes dos outros e inais fortemente do que eles. Quem triunfa é o mais
rápido a desembainhar a espada ou a puxar o gatilho. O fim justifica os meios e, por
outro Ia-do, a ulterior possibilidade de justificação pelo. sucesso poderá servir de
afirmação -de inocência absoluta e deforma toda a apreciação de realidade e tipos
de juízos de valor que sobre ele assentam. E, finalmente, se todos os problemas
importantes, desde a política ao amor, só se conseguem resolver pela violência, é
tão realista como vantajoso fazer actuar a violência de forma eficaz, quer dizer,
pronta e maciçamente. . Porque -esperar que o rival real ou potencial (portanto, pra-
,ticamente, todas as pessoas) adquira força e se torne desconfiado? Mais vale
atacar imediatamente, antes que o rival se possa tornar perigo@o. A agressão
primitiva e a repressão de todo o embrião de resistência aparecem, assim, como
uma leidaprudência e da organização. A guerra-relâmpago preventiva é, em caso de
sucesso, a solução mais humana, porque tudo termina rapidamente.
í"N
1k4'J
s indivíduos são conhecidos e cunhados ipelas instituições que criaram. Os
indivíduos devem abandonar uma parte da sua autonomia à colectividade e
viver em sociedade a fim de se poderem assenhorear, verdadeiramente,
desta autonomia. A exigência e o desejo de liberdade pessoal ultrapassam as
instituições, ainda que só &e -possam realizar nas e através das instituições.
O homem é mais do que aquilo que pode realizar. Graças ao contrôle de
agressão através das instituições, que a princípio foram as suas próprias,
pode atingir r@ais do que seria capaz sozinho. Graças a uma acção
comunitária, consegue erguer o que a ele, como indivíduo, lhe estava
interdito.
isso, mais livres, mas apenas desfrutam de menos entraves ao seu egoísmo,
que usam sem peias dentro do seu poder ilimitado. Tal como as
administrações públicas, as administrações privadas das grandes firmas dão.
provas da mesma tendência para os argumentos de uma segurança sem
risco, ausência de responsabilidade que desumaniza e irracionalidade de
objectivos que inclui o aperfeiçoamento de meios racionais.
No mundo moderno pode-se fugir ao peso das instituições pelo pensamento de que
a liberdade está próxima devido ao, avanço do -progresso ou ainda buscando
refúgio no idílio tranquilo do jardim que se cultiva. O tédio geral que impera em
todos os géneros de instituições não permite a sua reforma e reestruturação de
princípios fundamentais que engendrarão os desejos humanos de qualidade,
liberdade e justiça. Uma simples tenta,tiva de reformas fundamentais profundas e
vastas desses sistemas pressupõe, todavia, uma verdadeira discussão e um
enfrentar de potências e detentores dopoder que,pelo menos até aqui, em -na-da
deram provas de que desejam uma partilha justa e livre-
310 AGRESSIVIDADE
Alguns acham que a cura seria tão simples como o diagnóstico -da situação que se
pretende sarar. A tudo o que se refere ao Estado Corporativo seria aposto rótulo de
negativo e funesto: constrangimento, disciplina, formação, intelecto, poder,
organização, sujeição, e repressão. O pesadelo desapareceria tocado pela varinha
mágica da consciência esclarecida (elevada ao estado de consciência radical
fundamental a que Carlos Reich chama Consciência 3). A acreditar nestas
representações míticas, os homens conseguiriam chegar ao estado de pureza a-
ntigo pertenc,ente à era pastoral se conseguissem ser eles mesmos. Seriam calmos,
afáveis eprontos a ajudar o próximo, não com um interesse determinado ou um
objectivo em vista, mas pelo único facto de existirem. Cada um ser'ia e sentir-se-ia
igual aos outros, cada um faria o que mais se adequasse às suas conveniências sem
se forçar nem aosoutros. Nada pretenderia provar, limitando-se a usufruir o que
tinha à disposição e sentindo-se feliz por viver. A agressão e a violência
desapareceriam e só restaria o amor. Seria o começo do :paraíso, sem vítimas, sem
sacrifícios, sem lutas se cada um, no seu íntimo, pensasse -com justiça e se sentisse
justo, alargando e transformando assim a sua consciência. Com risco de um cruel
desmentido pela realidade, uma firme ilusão mantém-se inquebrantável.
AGRESSIVIDADE 311
As opiniões relativas aos fenómenos sociais, bem como as que, por sua vez,
se lhes referem, desempenham um papel s,ocio-psicológico importante. O
aumento de um estado de espírito perigoso é revelado pelo facto de que as
explicações si@mplifi@cadas de acontecimentos complexos, que prometem
soluções sem necessida-de de esforço, sacrifício ou reflexão, bem como as
orgias de crueldade e os excessos de sentimentalismo, possam,
precisamente nestes últimos tempos, obter um sucesso incontestável junto
do público. A pobreza espiritual dentro de uma abundância material e o
desespero da impotência dão mais valor ao consolo do que ao remédio e
fazem maior apelo às profissões de fé do que às verdades e à violência mais
do que às reformas,
312 AGRESSIVIDADE
O receio ante os seres semelhantes ao homem que ele mesmo fabrica e são
capazes de se lhe subtraírem ao contrôle é muito mais antigo do que os
computadores e robots modernos. Ao que parece foi Pigmaleão, o único que
não se assustou ao ver a estátua adquirir vida pelo seu amor.
Na ficção literária do escritor checo Karel Capek os robotS (homens fabricados por
homens) libertarão os seus criadores do :txabalho avíltante e arrancá-los-ão a todos
os esforços e dificuldades. Na obra Adinirável Mundo Novo, de Aldous HuxIey, os
idiotas, a quem cabem trabalhos especializados, são fabricados em série e, deste
modo, o espírito crítico ou possibilidade de revolta e toda a agressão livre dos novos
seres são eliminados logo a partir do processo de fabrico. Os robots não podem, tal
como até aqui todos -os aprendizes de feiticeiro e escravos emancipados, ameaçar
ou destruir o mestre que os criou.
porém’ em medo manifesto, e mesmo pânico, logo que um destes pre,dutos, que
fabricará a nossa técnica e genética, nos queira retirar as decisõese funções
principais de reflexão, que há muito tínhamos abandonado a poderes anónimos, e
ameace mesmo geriAos de forma autónoma.
A partir de então, pensa-se que valeria mais permanecer numa adesão ao sistema
antigo. O desejo de perfeiçã o dos aparelhos -e a admiração da magia da máquina
(G. Anders designa estes -dois aspectos como subjugaçã o do homem pela
máquina) transformam-se em desconfiança frente à máquina e em ódio pela
mesma. É difícil decidir se se nutre um inaior receio por um computador autónomo e
criador demasiado semelhante ao ser humano, demasiado irracional e brutal nos
seus objectivos, ou por um computador muito para lá do ser humano, demasiado
sensato, perfeito ou emotivo. O homem teme o computador porque este é
demasiado desumano. ou porque o próprio homem se
Este receio ante a desobediência dos seres a que demos vida, este medo de vermos
escapar ao nosso contrô le os produtos que fabricamos para se tornarem autónomos
serão símbolos indicativos do perigo que ameaça umaperda de contrôle por parte
do homem, caso não recorra a novas possibilidades de contrôle?
316 AGRESSIVIDADE
Os nossos campeões agem para nós sempre com o único objectivo, de legítima
defesa ao serviço da causa niais nobre da equipa. Só batem porque o adversário foi
o primeiro a bater, ou poderia ter sido. To-da a manifestação pseudodespo.rtiva
permite a descarga imediata das tensões agressivas -dos espectadores, tanto
melhor quanto mais se aproxima dos tipos -dos contos morais. Há muito, que os
reflexos morais convidam ao condicionamento e à manipulação. Nos combates de
boxe, os sentimentos morais e o desencadeardo po,tencial de indignação e de
revolta do público são antecipadamente tomados em consideração. O desenrolar do
combate é uma repetiçãoda versão primitiva do mito do herói que acaba por obter a
vitória sobre perigos quase insuperáveis.
O desenrolar -do combate preparado de antemão, e com resultado
AGRESSIVIDADE 319
previsto permite ao público, toda a satisfação moral que ele procurava ao assistir.
Antes, durante e depois das finais, há sempre janelas partidas, armazéns roubados
e feridos com gravidade. Em 1969, antes
320 AGRESSIVIDADE
11
322 AGRESSIVIDADE
O sentímentatísmo e a brut@dídade
devem ser expostos de outra forma. Entre a tirania do Estado policial e o terror
ilimitado da brutalidade, aparentemente sem motivo mas subjectivamente legítima,
não há muito por onde escolher. A atitude de se tolerar a violência como formade
governo de umpoder monoilítico, de a transformar na melhor e até mesmo única
estratégia de ordem e de se preconizar a violência da libertação, a curto prazo,
como protesto, criador do ser desesperado e desumanizado, é uma questão de
gosto semelhante à decisão quanto à forma de cometer um suicídio, organizando-o
minuciosamente ou cedendo a um impulso. Insinuam-se, na opinião ipública, uma
silmiplificação e polarização crescentes tendentes a fazer acreditar que se trataria
simplesmente de optar entre o domínio totalitário e o individualismo fragmentário
absoluto. Os reaccionários preconizam todas as formas de violência que protejam o
que existe e os radicais glorificam todas as formas de violência que ataquem a
situação actual, os liberais acusam tudo o que se não pode atingir senão pela
violência que reprovam, e condenam-se, assim, à ineti@ cácia política, a uma
dialécti-ca ridícula e sem finalidade. Não existe meio termo (tertium non datur); tudo
isto, talvez, porque as soluções -de transformação raramente caem do céu; é
precíso criá-las. Existe toda uma profusão deterríveis simplificadores mas, ipor outro
lado, há também um número mínimo de especíalis,tas de não-especialização que
possuem a coragem e a capacidade de representar as coisas importantes de forma
clara e em toda a sua complexidade, tal como elas são realmente ou como
poderiam ser se não estivessem mutiladas pela simplificação.
332 AGRESSIVIDADE
Por mais notável que seja um plano, não pode dispensar medidas de aplicação
concretas; -os pequenos passas em frente são, porém, meios e não fins e limi,tam-
se a simples exercícios de moderação, caso não, sejam inspirados @por -um
conceito. Penso que somente uma pequena parte do que hoje é realizável se realiza
na verdade. O facto de as realizações efectivas serem escandalosamente abafadas
pelas possibilidades oferecidas não se deve atribuir nem a uma paralisia inata nem
a um destino malfadado, mas antes aos rituais adq@iridos do pensamento e aos
nossos auto-matismos afectivos: seria necessário voltar a reestruturá-los, dando-
lhes uma nova forma. Agora estou a ser utópico.
Concordo com Siginund Freud para que haja um esforço mais vincado do que
no passado, relativamente à formação de uma élite de. homens capazes de
um pensamento independente, homens impermeáveis à intimidação e
sedentos de verdade a quem incumbiria a missão de orientar as massas que
não tivessem conseguido ascender a um plano de independência.
Penso, como Asliley Montagu, que o homem não deve fazer uma má
apreciação de si mesmo e que não deve ligar a sua natureza aos instintos
inatos do pecado, da agressão e do mal.
Tal como Théodor Adorno, acho que os interesses metafísicos dos homens
exigem a tomada de consciência dos seus interesses materiais. Enquanto a
mesma não -existir, os homens vivem num reino de ilusão.
Creio, como Jacques EIlul, que nem um poder abusivo nem o espírito de
vingança serão capazes de melhorar a condição humana e que unicamente o
que pode testemunhar ante Deus e os homens as consequências de injustiça
e proclamar o reino do amor prepara o caminho da salvação.
No que se refere a Arno Plack, acho que ele é irresponsável, até mesmo
satânico, ao comentar, apesar das ameaças de explosão demográfica,
concepções morais que a psicologia das profundidades revelou como
;perigos pessoais. Estou de acordo com ele no seguinte: a afirmação de que
o homem pode tudo conduz à rejeiçã o no indivíd@o quanto à
responsabilidade das íntimas contradições da moral em vigor e a uma
exigência superior às suas necessidades.
É este o nosso dever para com o futuro: libertar a agressão e nós mesmos da
engrenagem fatal da repetição & passado. A compreensão do fenômeno global de
agressão representa um argumento válido para orientação de toda a cultura,
qualquer que ela seja, no sentido de soluções não violentas e progressivas, as
únicas soluções que permitem -que não se atraiçoe. a causa do progresso
individual e social @ não se permaneça na impotência.
Para nos tranquilizar, afirmam-nos que o poder não pode penetrar na intimidade do
homem. O facto não é consolador. De nada serve a certeza de que até os
acontecimentos mais brutais do mundo exterior não,poderiam afectar a minha
singularidade como homem e a dos meus ai:nigos.
A agressão em si não é iná, nem destruidora, nem inevitável nas suas formas de
expressão actuais. Uma vez que a agressão tanto pode ser posta ao serviço de fins
úteis como inúteis, bons ou maus, racionais ou irracionais, interessa investigar e
desenvolver critérios de diferenciação que actualmente se encontram mal definidos
e estabelecidos.
Tudo isto é infelizmente muito pouco e, -no entanto, suficiente para nos permitir
ultrapassar a exortação unilateral à
342 AGRESSIVIDADE
seguiu pôr de pé, e só por si, para o comprador anónimo o que parecia impossível
de realizar e que -todo o arsenal de leis nunca soube criar. Ao publicar o resultado
das suas investigações, forçou ‘a potente indústria automóvel a instalar
gratuitamente dispositivos de segurança em milhões de automóveis já vendidos,
dispositivos que a partir de então passaram a fazer parte do mínimo exigido para
cada automóvel.
Os métodos convencionais e o acaso não são suficientes para conferir aos meios de
comunicação um espaço livre acessível a todos epara submeter esses meios de
comunicação ao contrôle de todos. Não se deve contar com o acaso, embora num
caso ou noutro ele tenha existido. Meios de comunicação experimentais poderiam
tornar-se a unitempo campo e laboratório de experiências com vista a um confronto
das suas estruturas e eventuais transformações das mesmas.
O livre acesso a meios legais de acção cria uma alternativa à fuga ou à violência.
Sanções penais humanas orientadas para a @cabilitação e tribunais que
garantissem armas completamente iguais para a defesa e a acusaçã o poderiam
contribuir muito mais para apaz social, reabilitando a fé na imparcialidade da
justiça, do que todas as lamentações quanto à decadência da autoridade e as
fanfarronadas dos slogans «ordem e tranquilidade» .
os não ambiciosos e os defeituosos sem que, por esse motivo, afecte as normas
sociais no seu conjunto sob pretexto de uma adaptação às necessidades e
capacidades dos fracos e doentes.
Em nome da razão, que! se faça antes do mais apelos aos detentores do poder e
suas instituições a fim de que eles reconheçam a urgência, tanto para a sua como
para a nossa sobrevivência, quanto a um encorajamento da investigação voluntária
e generosa de substitutos de violência antes que eles e nós nos tornemos vítimas
de uma violência cega e totalmente inartipulada. À razão crítica e à autocrítica cabe
muitas vezes razão. Talvez possamos encontrar-nos no direito de esperar que
acabará um dia por ganhar a realização de algumas das suas pretensões
ANEXO
Primeira entrevista
KONRAD LORENZ
Lorenz - No meu livro sobre a agressão não sublinhei com bastante clareza que se
torna necessário distinguir duas espécies de agressividade no homem. Há a referir,
em primeiro lugar, a agressão individual, essa forma de tensão e irritação
quotidiana dirigida contra uma pessoa que pertence à mesma sociedade que o
indivíduo e que aumenta em função do nervosismo geral Ou stress. Esta forma de
agressividade encontra-se controlada pelas instituições. A calma é o primeiro dever
do cidadão. Existe, seguidamente, no seu aspecto arcaico e instintivo, a agressão
-colectiva, que se faz acompanhar do sentimento subjectivo do entusiasmo e se
traduz por uni conjunto de comportamentos sistemáticos. Todo o agrupamento que
se estende para lá dos limites do grupo familiar apoia-se em instituições que
asseguram o contrôle do primeiro tipo de agressão e dirigem, por caminhos que não
põem em perigo, a coesão do grupo. Este contrôle obtém-se, no entanto, à custa de
perigos de um outro gênero. O perigo consiste no facto de as instituições e símbolos
que favorecem a Coeso do grupo aparecerem com feição de valores superiores que
se com um entusiasmo militante. Herdam, de certo modo, cas do superego e
podem, então, servir para a agressão. Tornam possível a execução das acções mai
seu nome. O perigo é tanto maior quanto os grupos, asseguram a coesão, se
considerem mais importantes. T tetics fez notar, a manutenção do hábito como
símbolo-de comunidade ética não pode arrastar consequências negativas nas
regiões que
350 AGRESSIVIDADE
plo, o livro de Lacliner 999 Wort Bayrisch. Lacliner fez a descrição do começo de
uma discussão verificada num bistrot. Assiste-se ao aparecimento, no café, de um
homem que já vem com intenção premeditada de bater e de se comportar como se
o outro, que de modo algum pensava atacar, o tivesse agredido primeiro.
Lorenz-É verdade. Os vencidos tornam-se maus porque perdem. Não há, porém, a
certeza de que existam animais nos quais o carácter «desportivo» e ritualizado do
combate não desapareça e degenere, sejam quais forem as circunstâncias, em
combate destruidor. Nunca pude, por exemplo, observar pessoalmente um combate
destruidor entre os da espécie «Jack Dempsey»: entre eles sempre assisti a
combates ritualizados. Um dos meus colaboradores conseguiu, no entanto,
demonstrar que quando as forças dos adversários são estritamente equivalentes, o
que faz com que o combate dure muito mais tempo, a ritualização acaba por
desaparecer e os dois adversários combatem até se matarem um ao outro. Apesar
de proibidas, as dentadas passam a ser utilizadas quando um dos animais
abandona a luta e foge.
Hacker-A fuga é, em si, uma infracção às regras. Lorenz -Sim. Verifica-se, aliás, que,
quando os gamos cometem uma infracção involuntária às regras, a reparam. Pode-
se notar este fenómeno ao observar a marcha cadenciada dos gamos lado a lado
sem se ferirem mutuamente com os chifres senão com intervalos regulares e de
forma estritamente ritualizada.
352 AGRESSIVIDADE
Hacker - O que acontece no mundo animal aos seres menos dotados, aos eternos
vencidos?
Hacker - O homem sen te-se, por outro lado, preso a determinados deveres para
com o fraco, por amor de Deus, por solidariedade, etc.
Hacker -As experiências que Calhoun fez com os ratos demonstram que
egtes abandonam, por sua vontade, uma existência tranquila para se
exporem, levados até certo ponto por um espírito de aventura, aos perigos
desta selva caótica que é uma grande cidade.
Lorenz - Uma das -críticas mais vulgares, mais estúpidas e a bem dizer mais
incompreensíveis que se dirige à ciência do comportamento é a de ignorar ou
reduzir a diferença entre o animal e o homem. A verdade assenta precisamente no
contrário. A aptidão à cultura, a que Nicolai Hartmann apelida de espírito de
objectivação, é de propriedade exclusiva do homem. Antes do aparecimento da
tradição, os genes eram o único instrumento capaz de adquirir, conservar e
transmitir o saber e a informação. A «invenção» desta faculdade equivale à própria
criação da vida. Foi preciso que os nossos antepassados conseguissem
compreender esta integração do pensamento abstracto -e da tradição para que, ao
mesmo tempo que a linguagem sintáctica, aparecesse um novo aparelho capaz de
realizações semelhantes e superiores às dos genes, mas funcionando a um nível
muito mais elevado, que, com justiça, se classificou de «espiritual». Este
acontecimento significa, por assim dizer, a nascença de uma espécie de vida
superior, a criação de qualquercoisa inteiramente nova, que não existe no domínio
animal. Mas, como o meu antigo professor Philippe Heberdey costumava dizer: «Os
milagres não existem.»
O funcionamento deste novo órgão de civilização e do espírito humano também se
apoia em bases naturais e apresenta surpreendentes anomalias com os genes. Tal
como neste último, existe igualmente a dualidade de dois mecanismos opostos em
que um tende a fixar o que foi adquirido enquanto o outro tem como fim eliminar
gradualmente o que foi fixado para o substituir por uma realidade superior. Para
todo o animal, como para toda a cultura, a sobrevivência, ou seja a continuidade do
poder de adaptação, depende do funcionamento harmonioso e equilibrado destes
dois mecanismos, bem como da variabilidade do ambiente. A falta de poder de
fixação e o excesso de transformação dão origem a monstros tanto no ambito da
hereditariedade genética como no da tradição cultural. A ausência de transformação
implica a perda do poder de adaptação, a morte da arte e da cultura. £ com razão
que, por vezes, apelidam de fósseis os restos de tradições passadas.
possuem um capital hereditário muito variado, o que faz com que em cada
nova geração surjam qualidades novas que proporcionam um ponto de apoio
para a selecção natural. O fenótipo pode assim modificar-se pela adaptação
sem que a «espécie» tenha de «sofrer» uma mutação. O equilíbrio entre os
factores conservadores e revolucionários desempenha um papel importante
na evolução da cultura. Não existe, porém, neste domínio uma adaptação
definitiva à variabilidade de espaço vital porque esta adaptação encontra-se,
por seu lado, em -contínua transformação, quer dizer, aumenta num ritmo
sempre crescente. Os responsáveis por esta situação são a tecnologia e a
ambição. Na civilização o factor equivalente à transformação é a atitude
normal dos jovens, que na época da puberdade se afastam da tradição dos
pais. Têm por função criticar os antigos ideais, pôr de lado tudo o que se
encontre em decadência e descobrir novas funções. A coerência da tradição
não deve, por outro lado, ser verdadeiramente afectada. Hoje em dia, o facto
de as transformações exigidas se terem tornado demasiado importantes vai
afectar este mecanismo que assegura a progressiva adaptação da tradição
cultural. Existe uma quantidade de elementos num grau tão acentuado de
decadência que a juventude se revolta e corre o risco de a nada atender. Por
outro lado, os factores que asseguram a coesão da família e da tradição vão,
infelizmente, enfraquecendo cada vez mais.
Lorenz - Falei e -escrevi muito sobre o assunto nestes últimos tempos. Fui
levado a insistir particularmente no papel desempenhado pela rigidez da
educação. Toda a civilização deve solidificar e, por assim dizer, incrustar em
si o saber já adquirido, a fim de o
356 AGRESSIVIDADE
Lorenz - É uma questão de estratégia. Desde que uma coisa possua um nome e uma
função, tem uma existência real e é impossível saber se terá útilidade ou não. Não
se pode deitar tudo a perder. Ao proceder-se à destruição das instituições e
princípios antigos, pode-se estar a caminhar para uma verdadeira regressão. É
insensato pensar que a simples destruição de uma floresta basta para fazer nascer
outra automaticamente. Nos nossos dias assiste-se ao enfraquecimento contínuo
dos factores que asseguram a transmissão da tradição e ao reforço dos factores da
ruptura.
tempo que De Vore se dedicou à experiência, o velho caiu várias vezes devido ao
seu estado de fraqueza e teve de ser transportado pelos ajudantes-de-campo. Não
tinha dentes, o que o tornava praticamente inofensivo. Foi, todavia, ele o primeiro
que se atreveu a avançar para espiar um leão que estava a impedir o caminho que
levava às árvores onde os macacos costumavam instalar-se para dormir. Depois de
ter estudado a posição do leão, conduziu o grupo até «casa» fazendo um largo
desvio. Neste caso não é o mais forte, mas o mais esperto a assumir
responsabilidades sobre si e a dar provas da sua autoridade. A colaboração das
gerações não assenta unicamente na força física.
Hacker - Nocaso do homem, acontece muitas vezes os pais queixarem-se aos filhos
das privações que conheceram. Vingam-se, assim, até certo ponto, nas novas
gerações dos sofrimentos suportados.
Hacker -Mas como fazer prevalecer, a curto prazo, este ponto de vista sobre
os interesses existentes?
Lorenz -É preciso dar às coisas o seu justo valor; deve fazer-se ,compreender aos
outros o que julgamos compreender. A inteligência não tem carácter de
exclusividade. Todos deveriam adquirir consciência da sua responsabilidade em
relação às palavras que pronunciam. A mentira nunca deveria ser uma boa política.
KARL MENNINGER
Menninger-Não aceito, de modo algum, a forma que acabou de enunciar. julgo que
em tempos passados se verificaram acontecimentos de uma maior violência e
brutalidade. Toda a aproximação que se possa fazer ao problema depende da
perspectiva histórica e
Seja como for, penso que em cada um de nós existe o mal, existe muito mal e não
um «pretenso» mal. Acho que seria necessário que tomássemos consciência dos
nossos pecados e que a única possibilidade de salvação geral e individual consiste
em expiá-los. É, no entanto, importante distinguir entre expiação e castigo.
Hacker - Qual, então, o procedimento a adoptar para com os criminosos? Muitas são
já as pessoas que acusam os psiquiatras de se apiedarem dos criminosos e não das
suas vítimas.
Menninger-As minhas opiniões sobre o assunto dão muitas vezes lugar a equívocos.
É evidente que eu não defendo a inacção da sociedade frente aos criminosos e nem
mesmo apregoo a indulgência em relação aos mesmos. Cito apenas o tratamento
dos doentes mentais. Ainda até há pouco tempo fechavam-se os doentes mentais
como autoprotecção e, ao que se dizia, para se proceder à sua cura. Depois do seu
internamento, no entanto, os doentes deixam de oferecer motivo de preocupação.
Por outro lado, a nossa clínica de Topeka * outras também aplicaram o que há muito
se aconselhava. Estuda-se * doença, estabelece-se o diagnóstico e faz-se a cura
necessária. Actualmente encontra-se provado o sucesso incontestável destes
métodos. É este o processo que, mais tarde ou mais cedo, se deverá aplicar. em
relação aos criminosos. Na América existe já uma série de centros especializados
em diagnósticos capazes de estabelecer, com exactidão, dados precisos sobre a
personalidade dos criminosos. Os programas de reabilitação cuidadosamente
estudados que os mesmos podem apresentar relativamente a determinado
indivíduo de nada servem,
AGRESSIVIDADE 365
Hacker - Qual o motivo que nos leva a uma entrega ao luxo ou ao vício deste
irracionalismo colectivo, sendo, no entanto, manifesta a ausência de sucesso na
utilização desse método?
Menninger - Nos Estados Unidos não podemos renunciar à falsa noção de que
eliminando,se o malfeitor se elimina igualmente o mal. O criminoso é, pelo menos
em parte, o bode expiatório em
Hacker -Porque não se suprimiu, ou pelo menos não se suspendeu, nos Estados
Unidos a pena de morte, à semelhança do que aconteceu na maioria das
democracias europeias?
Menninger -É evidente que nos Estados Unidos se acredita que o mal desaparece
como por magia desde que não o possamos ver, desde que os criminosos sejam
encerrados ou que em casos extremos lhe pisemos o túmulo pelo menos em
imaginação. Não tomemos a sério nem o pecado original nem a nossa
hereditariedade biológica nem mesmo a morte. Li hoje no jornal que um miúdo de
dez anos empurrou três dos seus companheiros de paródia para um tanque, onde
se afogaram. Não deixou que se salvassem, pois pisava-lhes os dedos todas as
vezes que eles tentavam sair. Alguns minutos antes, o jovem assassino estivera a
brincar calmamente com os três companheiros. É evidente que ele não tinha
consciência dos resultados do seu acto: talvez a televisão o tivesse convencido de
que o emprego da violência não tem consequências e que a morte não é definitiva.
Muitos outros consideram a mortee outros efeitos da violência como falsas
aparências. Embora a nossa inteligência se recuse a aceitar o facto, a verdade é que
agimos como se a morte fosse um estado fictício provisório.
Menninger-Se assim não fosse não poderíamos cometer actos tão terrível e
estupidamente cruéis em relação aos outros homens e ao ambiente que nos
rodeia. Com o desenvolvimento amoral que nos caracteriza -exercemos
violência sobre as plantas, os animais e a beleza natural do mundo. Somos
levados a essa atitude por razões de ordem material e económica a que,
aliás, não damos o seu real valor. A maior parte dos homens demonstra no
seu comportamento uma
Menninger -Sim, mas tudo se passa de forma semelhante qualquer que seja o
sistema político. Na Rússia, faz-se exactamente o mesmo. Não esqueçamos, no
entanto, que Eisenhower, um presidente republicano muito conservador, lançou no
fim do seu mandato um aviso contra a coligação secreta do exército e da indústria,
o que passa despercebido ao cidadão. É bem certo que a tendência à agressão e o
potencial de pecados são bem mais perigosos nos grandes do que nos humildes,
sem que por tal sejam maiores.
É dentro deste espírito que resumirei teologicamente o que nas minhas obras
formulo sob um tom psicológico: a tomada de consciência do nosso próprio
potencial de agressão, da nossa própria agressividade, é o primeiro passo
para a salvação e quando, pelo contrário, se negam e se projectam as
tendências, quando não se lhes atribui o seu valor real ou se atribuem
responsabilidades a outrem cai-se fatalmente no aumento e na vitó ria da
violência.
Chicago, 18 de Abril dê 1971
Terceira entrevista
HERBERT MARCUSE
No decurso destes últimos dez anos o filósofo alemão Herbert Marcuse, residente em San
Diego, na Califórnia, discípulo de Heidegger e co-fundador da Escola de Filosofia de
Francoforte, tornou-se o apóstolo da juventude revoltada e uma das personagens mais
controversas da história moderna das ideias. Anjo do Apocalipse e agitador da juventude,
profeta moderno e mestre da filosofia actual são as designações por um lado ofensivas e por
outro lisonjeiras com que o apelidam. Os conceitos da sua autoria relativos a tolerância
repressiva, sociedade unidimensional e recusa em massa fazem, actualmente, parte
integrante da linguagem corrente.
Hacker -Não é assim tão simples. Em primeiro lugar, Freud já chamou a atenção
para o facto de que as formas de expressão dos instintos não devem ser
confundidas com os próprios instintos. Nas suas manifestações, os instintos
aparecem profundamente transformados e misturados, e nunca no estado puro. Os
instintos combinam-se desde o início com os mecanismos de defesa que contra eles
se dirigem. Entram, além disso, em linha de conta todas as ligações possíveis e
variantes entre as formas libidinosas e agressivas.
372 AGRESSIVIDADE
Hacker -Sim, e vou mesmo até ao ponto de julgar que este sentimento de
culpabilidade nem mesmo se verifica, não sendo, portanto, necessário
reprimi-lo graças a um rasgo de consciência tranquilo conferido por uma
agressão falsamente rotulada que não é sentida como agressão.
Hacker -Não é a vida o mais precioso dos bens? Marcuse - Essa fórmula não
expressa, necessariamente, uma verdade. Toda a análise razoável, objectiva
e científica de critérios pressupõe um juízo de valor. Uma ciência que
renuncia a toda a escala de valores é ainda uma ideologia, talvez mesmo, de
resto, uma ideologia fecunda, útil e rentável.
Hacher-Ainda não tirei conclusões finais quanto a quem deve tomar estas decisões
morais ou ainda em nome de quem se pode incitar ou exigir sacrifícios. O fim do
caminho é sempre o mesmo: a diferenciação, postulada a bem dizer de forma
enérgica e patética mas nunca provada entre a agressão justificada, entre a
violência defensiva e a violência agressiva e entre as necessidades boas e más.
Quando, -por exemplo, a criança A ataca bruscamente a criança B, que brinca
tranquila sem qualquer mau pensamento, a criança A é, sem qualquer equívoco, o
agressor e a criança B a vítima que tem o direito de se defender. Encontram-se
-casos semelhantes a todos os níveis e é fácil examiná-los.
Para não me desviar do seu exemplo que simplifica as coisas a ponto de induzir em
erro, qual seria a situação se a criança B agredisse a criança A regularmente,
digamos dez vezes em duas semanas? O facto autorizaria a criança A, apoiada
nesta experiência anterior concreta, a recorrer a medidas de protecção preventivas?
Marcuse -A verdade é que o caso citado não só justifica mas exige a aplicação de
tais medidas. Seria uma repressão racional.
378 AGRESSIVIDADE
Hacker-Na minha opinião todo o problema gira em redor desse ponto porque,
por um lado, a delimitação do uso e do abuso é deficiente e além disso,
como o demonstra a nossa entrevista, para mim também não são facilmente
diferenciáveis. Com o acordo entusiasta da maioria da população, o Governo
Americano publicou agora um projecto de lei que, no caso de suspeita de
crime, prevê, em geral, a detenção preventiva em lugar da fianca até aqui
em vigor, portanto a detenção até à declaração de cuIpa@iIidade, com o
objectivo de evitar o perigo da reincidência. Estas medidas estão
relacionadas com a razão e o direito que a sociedade tem de se proteger
contra todas as infracções às suas leis e contra todos os crimes. Ora os erros
de julgamento nunca são detectáveis. Todo o que mais tarde se descobre
não ser culpado ou o culpado que nesse tempo não tenha reincidência são
assim desnecessariamente sacrificados. Para dizer a verdade, a opinião
pública pouco se preocupa com o que o Governo considere o direito. Dado
que actualmente os abusos são muito frequentes, não estaria, pelo que me
diz respeito, disposto a assumir a responsabilidade do risco que a detenção
preventiva representa.
Marcuse - Nesse ponto encontra-se iniplícita unia contradição. Não se pode provar
qual a orientação que os homens livres, agindo mediante princípios definidos,
seguiriam: deixariam de ser livres. E, todavia, em certas barreiras torna-se
necessário ver condições de liberdade tal como nos é dado ver pela nossa prática
de domínio da natureza. Não interessa visar o domínio dos homens, mas o contrôle
das coisas.
Hacker-Eis-nos chegados ao ponto de partida: como é que alguém como eu, que
não -chega manifestamente a juízos directos e concretos, saberia diferenciar a
agressão boa da má e a agressão justificada da agressão injustificada. É necessário
que me compreendam: é evidente que também formulo juízos de valor e tenho uma
pereepção concreta dos desenvolvimentos e processos bons e maus, pelo menos
dos melhores e dos piores. Professo as -minhas convicções, defendo-as e bato-me
por elas, acredito nelas por vezes de forma muito intensa e sem restrições-Só que,
por razões psicológicas e socio- ,psicológicas que sobre mim actuam, desconfio da
experiência pseudo-instintiva do imediato. Na minha qualidade de homem de acção
acredito em certas coisas e julgo saber o que devo ou não saber; como pensador
devo, no entanto, ter consciência do seguinte: apesar dos meus sentimentos e das
minhas convicções, nem sempre me encontro
382 AGRESSIVIDADE
ANEXO .. . « . ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 347
Primeira entrevista: Konrad Lorenz ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 349 Segunda entrevista: Karl
Menninger .. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 361 Terceira entrevista: Herbert
Marcuse ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 371