Iremos iniciar a aula pela análise das condicionantes actuais dos
orçamentos dos Estados, isto é, dos sistemas orçamentais. A marca do liberalismo clássico do século XIX foi a da neutralidade das Finanças Públicas, visto que estas não tinham por pressuposto a intervenção na economia. O orçamento era um mero realizador de despesa numa época em que as funções do Estado eram reduzidas, limitadas à realização de despesas militares. Por conseguinte, não se verificava uma intervenção com carácter económico-social. Só a partir do século XX, após a experiência do New Deal nos EUA, se consolidou a defesa de uma intervenção através da actividade financeira do Estado, surgindo desta forma o conceito de finanças activas ou funcionais. Através do orçamento do Estado é possível alterar os elementos macroeconómicos, alterando maxime o próprio crescimento económico. O orçamento ( dicotomia despesa/receita) detém uma importante função de estabilização macroeconómica, conseguindo mudar o ciclo da economia. Os tempos actuais são de ressurgimento das finanças neutras e pouco intervencionistas. Na óptica deste entendimento, o Estado não deveria alterar o funcionamento da economia, distinguindo-se os agentes económicos do próprio Estado que deve abster-se de intervir. Preconiza-se uma certa contenção do decisionismo financeiro, justificado por factores de ordem política e ideológica ( o Estado deve ser o mais neutral possível). Em termos de finanças públicas, a defesa é a do desintervencionismo em sede de orçamento público ( finanças demo-liberais/ neutralidade das finanças públicas). Há um aspecto que foi determinante e conduziu a que esta defesa fizesse mais sentido. Com efeito, nos anos 60/70 era grande o peso do sector público no PIB, traduzido num aumento injustificado da despesa pública. Os recursos produzidos pelos países estariam a ser desviados para o sector público quando poderiam ser utilizados pela máquina económica para o crescimento económico. Daí decorriam ineficiências e consequente diminuição da produtividade, competitividade e crescimento económico dos Estados. Era pois necessário parar o crescimento do “ monstro” ( a expressão foi utilizada pela 1ª vez por Victor Hugo em princípios do século XIX e aproveitada posteriormente pelo Prof. Aníbal Cavaco Silva) que devorava a economia. Naturalmente, esta situação conduziu, mormente após a política de Thatcher dos anos 70, à defesa inabalável da redução de despesa pública. Ao nível das alterações macroeconómicas verificadas, transitou-se de um modelo Keynesiano ( cujo objectivo central da política económica dos Estados era o combate ao desemprego) para o modelo da nova macroeconomia clássica ( cujo foco de atenção incidia na estabilização dos preços e no combate à inflação), com a ascensão do liberalismo conservador pós-Thatcher . Relativamente às Finanças Públicas, a defesa das finanças neutras imperou sobre a defesa das finanças funcionais. A ideia das finanças discricionárias deu origem à ideia das finanças fortemente sujeitas a regras ( “ rules rather than discretion”) . Em termos de política financeira, passámos da aceitação de défices orçamentais e da própria dívida pública ( natureza cíclica) à defesa incondicional da recuperação do equilíbrio orçamental, da discplina e estabilidade financeiras que repercutiam os seus efeitos sobre a estabilidade dos preços. Com efeito, se o Estado poupa ( não realiza despesa pública) exerce uma menor pressão do ponto de vista do consumo, logo os preços não sobem tanto. A segunda condicionante dos sistemas orçamentais é a questão demográfica/ inter-temporal das decisões financeiras e orçamentais. Este é um problema novo, para o qual os decisores políticos têm sido alertados desde há quinze anos para cá. Na Europa, EUA e Japão, depois da 2ª Guerra Mundial ( período pós “baby boom”) , os anos 60 foram marcados por um período de grande natalidade, com muitos jovens a trabalhar , pelo que a pirâmide demográfica era muito certinha. A mudança ocorreu em finais da década de 80 devido a mudanças económicas, culturais e sociológicas. Nos países mais ricos, começámos a ter uma grande quebra da natalidade, a qual viria a ser um processo inelutável, acrescido de uma diminuição das taxas de mortalidade. A pirâmide demográfica actual caracteriza-se por menos natalidade face a mais esperança média de vida, pelo que as pessoas na 3ª e 4ª idades são, em termos absolutos e relativos, mais do que aquelas que estão na 2ª idade, que é a única que trabalha ( à qual Sammuelson se refere como a geração “sandwiche”). A geração que está no meio “ ensadwichada” encontra-se a trabalhar e a sustentar as gerações de inactivos ( crianças e jovens/ pessoas da 3ª e 4ª idades), o que conduz a um agravamento da ratio dependência. Este é um problema financeiro que se faz sentir por políticas sectoriais e em relação à sustentabilidade das finanças públicas. Ao nível da Comunidade Europeia, é de salientar o papel importante da Comissão Europeia na elaboração de estudos e relatórios a fim de avaliar a evolução da demografia. Iremos então avaliar as vicissitudes demográficas sobre as finanças públicas, nomeadamente ao nível da realização de despesa pública. Na óptica do sector público, existem certas áreas dos orçamentos dos Estados particularmente sensíveis às questões demográficas, designadamente a Segurança social ( pessoas em inactividade-pensões de velhice) e a Saúde. Os cuidados de saúde são sobretudo dirigidos às pessoas idosas quer no acesso aos cuidados primários, de rectaguarda ou continuados. A pressão que é exercida com as despesas de saúde por causa do envelhecimento é fortíssima. Outro problema a salientar ao nível da dimensão inter-geracional é o das alterações ambientais, o problema climatérico que tem um grande impacto sobre as finanças públicas. Por outro lado, o orçamento do Estado assume uma perspectiva anual de curto prazo, sendo que o alerta é dado para impactos de médio e longo prazo. Por isso, quando hoje o Estado assume compromissos com os jovens, fá-lo na expectativa de que os seus filhos e netos venham a fazer o mesmo por eles, pagando-lhes as reformas. Contudo, há uma tendência para a desproporção se agravar. Urge implementar reformas estruturais de qualquer tipo para que estas áreas da actividade financeira do Estado vulneráveis a problemas inter- geracionais possam beneficiar de uma acção dos Estados de longo prazo, para garantir que o sistema financeiro esteja em condições de assegurar as exigências dos problemas com dimensão inter-geracional. Iremos iniciar o estudo do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Quando surgiu, era um acto de gestão política mais do que um instrumento normativo, utilizado de maneira diferente em função da riqueza de determinado país. Consta de dois regulamentos comunitários, condicionando juridicamente os Estados-Membros ( Regulamentos 1466 e 1467 de 1997). É composto por duas dimensões ( art. 10º) : uma dimensão preventiva ou “soft” que corresponde ao exercício da supervisão multilateral pela Comissão Europeia em articulação com o Ecofin nos Estados-Membros. A observância das políticas orçamentais dos EM deu origem à necessidade dos Estados aprovarem, com carácter plurianual deslizante, os seus Programas de Estabilidade e Crescimento. O primeiro ano em que foram aprovados foi em 1999 pelos países que entraram na última fase da UEM. Haveria, pois, que distinguir entre os países dentro e fora do Euro ( ainda não convergiram porque não quiseram, se beneficiavam de um “opting out” ou não puderam). Os últimos permaneceriam vinculados a obrigações de convergência, apresentando os seus Programas de Convergência. Os instrumentos apresentados pelos Estados-Membros ( o primeiro de 1999 a 2003), seriam actualizados todos os anos com dimensão quinquenal ( perspectiva de médio prazo) e plurianual deslizante, atribuíndo-se relevância à conjuntura cíclica ( curtos/médios ciclos económicos). O objectivo é controlar a manutenção do comportamento dos indicadores de convergência. Indo mais longe do que o Tratado UE e o Protocolo do Défice Excessivo, o PEC não pretendia um défice de 2 ou 3%, mas implementar uma obrigação macroeconómica de estabilidade dos preços. O défice pretendia-se nulo, se houvesse excedente melhor. A disciplina financeira fixava-se no zero, em consonância com o art. 2º do Tratado, o qual estabelece como objectivo macroeconómico maior a estabilidade dos preços, para o qual as políticas orçamentais convergem. O PEC exigia uma situação próxima de saldo nulo. Países como Portugal tiveram que apresentar os seus programas longe de atingir este objectivo. Em 2001-2002, fomos alvo da abertura de um processo por défice orçamental excessivo. A sanção máxima é a aplicação de uma multa que perigue a situação financeira do Estado, para além de garantias dadas junto das instituições comunitárias. A situação da Alemanha foi relevada, devido a uma certa tolerância por questões políticas ( o processo foi instaurado mas não foi adiante), pese embora os seus Programas de Estabilidade e Crescimento devessem dar garantias de um esforço para estabilizar as suas finanças públicas.