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O documento discute a evolução do conceito de gênero e a emergência da teoria queer desde a década de 1970. Apresenta como os estudos de gênero passaram a questionar a ideia de que o masculino e o feminino são determinados biologicamente, e como a teoria queer posteriormente criticou a limitação dos estudos de gênero ao binarismo homem-mulher e à heterossexualidade compulsória. Também aborda como a epidemia de AIDS na década de 1980 reforçou a estigmatização da homossexualidade.
O documento discute a evolução do conceito de gênero e a emergência da teoria queer desde a década de 1970. Apresenta como os estudos de gênero passaram a questionar a ideia de que o masculino e o feminino são determinados biologicamente, e como a teoria queer posteriormente criticou a limitação dos estudos de gênero ao binarismo homem-mulher e à heterossexualidade compulsória. Também aborda como a epidemia de AIDS na década de 1980 reforçou a estigmatização da homossexualidade.
O documento discute a evolução do conceito de gênero e a emergência da teoria queer desde a década de 1970. Apresenta como os estudos de gênero passaram a questionar a ideia de que o masculino e o feminino são determinados biologicamente, e como a teoria queer posteriormente criticou a limitação dos estudos de gênero ao binarismo homem-mulher e à heterossexualidade compulsória. Também aborda como a epidemia de AIDS na década de 1980 reforçou a estigmatização da homossexualidade.
As reflexes sobre gnero nas Cincias Sociais surgiram a partir da dcada de 70, demarcando a ideia que o masculino ou o feminino no so caractersticas determinadas pela natureza, mas so elaboraes culturais que variam historicamente[i]. Tal conceito possibilitou novas abordagens analticas que difundiram pesquisas sobre feminilidades, e posteriormente sobre masculinidades, contrastando prticas e significados distintos em perodos e contextos sociais diversificados. Nas dcadas seguintes, tornar-se-ia cada vez mais difundido o pressuposto de que no se pode pensar o que ser homem ou ser mulher sem atentar para a cultura. Mais do que isso, compreender-se-ia que as categorias masculino e feminino so organizadoras do mundo social como um todo, demarcando distines entre espaos, atividades, profisses que seriam separadas por estes dois plos interdependentes. No por acaso, tais inovaes tericas, que criaram um campo de pesquisa interdisciplinar, acompanharam transformaes sociais importantes: trata-se de um perodo de efervescncia social no qual o movimento feminista problematizava o lugar da mulher na sociedade, questionando hierarquias nos mbitos pblico e privado. As mulheres j se consolidavam como boa parte do pblico presente no ensino superior e se inseriam progressivamente no mercado de trabalho, embora com expressiva desigualdade em relaes aos homens. Dos movimentos de contracultura, passando pela cultura hippie, pelas reivindicaes feministas e por uma importante inovao da indstria farmacutica, a pilula anti-concepcional, surgiram novos padres de sexualidade. Enquanto em geraes anteriores a sexualidade era fortemente associada procriao e ao casamento, criava-se uma demanda por uma sexualidade feminina prazerosa, e vinculada a ela, pelo controle das prprias mulheres do seu prazer. Fazia-se visvel algo que comeava a ser estudado aprofundadamente na academia: as mulheres e os homens no eram mais os mesmos que os das geraes anteriores. O que ser mulher ou homem, o que masculino e feminino tornou-se radicalmente questionado e aberto a contestao. No entanto, a radicalidade do questionamento nas esferas acadmicas e sociais a partir do conceito de gnero tinha ao menos dois limites claros: (1) apesar da constatao de que os gneros so socialmente constitudos, as abordagens que se seguiram eram centradas no binrio masculino/feminino e mesmo reforando suas variaes histrico-culturais, no deixavam de tecer alguma correspondncia entre determinado gnero com o respectivo sexo biolgico e (2) o pressuposto heterossexista permaneceu intocado ou muito pouco explorado. Esses dois limites se tornaram explcitos a partir de elaboraes tericas sofisticadas que iniciaram na dcada de 80, buscando responder a uma srie de questes scio-polticas que caracterizaram a dcada, e que a partir de 1990 foram nomeadas de Teoria Queer[ii]. Enquanto a dcada de 1970 se notabilizou pela insurgncia de movimentos homossexuais e pela despsiquiatrizao da homossexualidade, a dcada seguinte foi marcadamente conservadora no que se refere sexualidade entre iguais. Os anos oitenta foram marcados tragicamente pelo conhecimento da aids e, em concomitncia, por seu tratamento poltico que se voltou especialmente contra a populao gay. Chamada nos primeiros momentos de peste gay, seu conhecimento se articulou nos Estados Unidos com polticas moralizantes do Governo Reagan que ao mesmo tempo em que no mobilizou polticas efetivas de combate, acabou por re-patologizar em outros moldes aqueles cujo amor estava comeando a ousar dizer seu nome. Todas estas questes passaram a circular nas reflexes acadmicas e dentro de uma reelaborao terica do feminismo e na esteira dos estudos gays e lsbicos, surgem os estudos queer que em boa parte de suas anlises evidenciam como os estudos de gnero no podem ser desenvolvidos com profundidade sem interseccion-los com a dimenso da sexualidade. No se trata de um axioma universal, mas de um aprofundamento de reflexes tericas com pesquisas orientadas historicamente. O historiador queer David Halperin (2000) demonstrou como em perodos pr-modernos haviam formas de hierarquizao e estigmatizao muito mais vinculadas a questes de gnero. Centrado nas relaes entre homens, analisou como a figura estigmatizada era persistentemente aquela que no correspondia aos ideais de masculinidade e no aquela que se envolvia sexualmente com iguais, respeitando certos limites morais. H uma mudana paradigmtica com a inveno psiquitrica do homossexual no sculo XIX, uma personagem que conjugaria inverso de gnero com prticas sexuais que remetem, como as mulheres, passividade. Michel Foucault (1977) foi um dos pioneiros ao observar seu surgimento nos discursos modernos, em um momento em que se consolidavam complexos dispositivos de sexualidade nas sociedades urbanas e industriais em busca de uma gesto do corpo populacional. A psiquiatrizao do prazer perverso seria um de seus pilares, buscando evitar suas pretensas potencialidades degenerativas. Foucault deu um insight fundamental junto com outras contribuies, como a de Guy Hocquenghem (2009) para outros tericos analisarem a fixao moderna que configurou aparatos de poder que evitassem a possibilidade de vnculos afetivo-sexuais com pessoas do mesmo sexo, ou dada sua impossibilidade, que os configurasse invisibilizando-os, mantendo-os na esfera privada. A consolidao de uma ideia de uma essncia homossexual, teve progressivamente vinculado a ela a inveno da identidade heterossexual, concebida como resultado final de um desenvolvimento sexual normal. A partir de ento se consolida um binrio hetero/homo como forma de subjetivao contempornea a partir de uma demarcao clara entre o que normal, desejoso e saudvel e aquilo que desviante, indesejvel e de alguma forma patolgico. A re-patologizao da homossexualidade[iii] a partir da dcada de 80 fomentou novos olhares nos emergentes estudos queer que se voltaram para populaes estigmatizadas no perodo como os gays, lsbicas, drag queens, transgneros e afins. Passaram a empreender formulaes analticas que permitissem uma outra abordagem sobre gnero, rompendo seus limites heterossexistas e remarcando as potencialidades criativas de gnero para alm do binrio homem/mulher ou masculino/feminino, ressaltando as possibilidades de borramento e trnsitos entre essas categorias. Dentre as novas elaboraes, Judith Butler (2003) em Problemas de Gnero prope que a inteligibilidade de gnero em sociedades contemporneas passa pela coerncia socialmente imposta entre sexo gnero desejo prticas. A despeito do mundo social to diverso e inventivo que interessava filsofa queer, esta compreende que os gneros inteligveis se pautam por aquela coerncia. Um ser que nasce com uma anatomia masculina, deve ser masculino, desejar mulheres e manter relaes penetrativas e ativas com elas. Aqueles que no se enquadram a esta norma social so alocados abjeo (BUTLER, 1999) e tem a existncia e materialidade de seus corpos ameaados socialmente, suas vidas so frgeis e precrias, pois so considerados menos humanos, aberraes de uma humanidade pretensamente saudvel e perfeita. Os abjetos no apenas existem de forma excluda da normalidade, eles so parte constitutiva dela, fantasmas que assombram a construo de gnero de meninos e meninas saudveis e que podem a meio caminho desviar-se. So assim considerados ameaas sociedade que desempenha esforos violentos simblica ou materialmente em perpetuar o que se considera natural, mas teima em no se realizar completamente. A dcada de 90 foi marcada pela reconfigurao dos movimentos gays e lsbicos, ansiosos em desvincular-se da imagem de doena e anormalidade. Observa-se um grande avano de reconhecimento e aceitao social a partir de mobilizaes polticas, mas segundo muitos crticos, tambm se percebe um movimento de assimilao em que as bandeiras no mais se dirigem a uma crtica de instituies estabelecidas como a famlia nuclear burguesa ou ao casamento, mas a um alargamento destas instituies que deveriam ser ocupadas tambm por gays e lsbicas. Um novo padro corporal gay tambm recriado: em oposio figura do homossexual histrico como invertido de gnero, corpos so moldados e torneados nas academias de musculao, empurrando para longe o estima do efeminamento. Uma cultura gay e lsbica apesar de no ser amplamente aceita socialmente, o que visvel nos tantos casos de violncia explcita que ocupam os principais noticirios do pas, passa a ser em boa parte tolerada ao dialogar com valores dominantes. Um novo padro miditico de homossexual passa a ocupar as telenovelas de grande audincia. Ao lado da permanncia de personagens que atualizam o esteretipo da bicha, esses novos personagens so marcados quase sempre no por um efeminamento exagerado, mas por uma semelhana cada vez maior com um casal hetero de classe mdia, diferenciando-se por sua caracterizao assexuada. So figuras asspticas e assimilveis, posto que no tm desejos. Dois homens ou duas mulheres que podem ser confundidos com irmos ou irms ou grandes amigos ou amigas passam a espelhar nas novelas aquilo que se tornou palatvel a seu pblico: a aceitao daqueles que se relacionam com iguais, desde que no questionem os valores dominantes ou as normas de gnero e sejam discretos. Em contraste com as personagens miditicas, esto as travestis, drag queens, transexuais ou transgneros, gays fora dos padres corporais valorizados, muitas vezes efeminados, lsbicas que incorporam o masculino em sua corporalidade, ou os chamados heteroqueers, aqueles que se por ventura se engajam afetivo-sexualmente com pessoas do sexo oposto, no correspondem a normas e expectativas dominantes no que se refere a sua performance de gnero ou modo de se relacionar amorosamente. No por acaso, sobre elas se debruam os desejosos interesses da literatura queer, atentos aos universos mais plurais que conformam o mundo social. A heterogeneidade do social d margem leitura de borramentos ou trnsitos entre as fronteiras do masculino e feminino, questionando a naturalidade de uma norma socialmente imposta que prev uma continuidade entre sexo-gnero-desejo-prticas sexuais. Ocupam-se do fluido mundo dos desejos e identificaes que escapam s fronteiras erguidas pelas rgidas categorias sociais sejam elas embasadas no binrio hetero/homo ou masculino/feminino. O gnero, em uma leitura queer, afasta-se radicalmente de uma pretensa origem biolgica e se configura como pertencente ao reino da cultura que se concretiza em normas androcntricas e heterossexistas que reiteram discursos naturalizantes e essencialistas, por sua vez, constantemente questionados e ressignificados. * Fernando de Figueiredo Balieiro doutorando em Sociologia na UFSCar. Bibliografia: BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: Louro, Guacira Lopes. O corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autntica, 1999. ______. Problemas de Gnero: Feminismo e Subverso da Identidade.Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. FOUCAULT, Michel. Histria da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro, Graal, 1977 MISKOLCI, Richard. 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[ii] Para uma discusso sobre a origem e os desafios da teoria queer, ver Miskolci, 2009. [iii] Sobre aids e re-patologizao da homossexualidade, consulte Miskolci, 2007 e Miskolci e Pelcio, 2009.