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A REALIDADE DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS NO BRASIL

Marcelo Antônio Maia de Siqueira


Engenheiro Arquiteto
Mestre em Urbanismo

1. DESCENTRALIZAÇÃO

Vivemos um período, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, em que


o poder local está sendo mais valorizado e ao mesmo tempo assume cada vez mais
responsabilidades.
Quanto mais o mundo se globaliza, mais aumenta a importância das
unidades menores. Algumas cidades passaram a ter importância central no novo
capitalismo, fazendo o papel de articuladoras do sistema, em nível global, nacional
ou regional. (ORTIGOSA, 2000; PACHECO & SILVA, 2000).
O movimento ambientalista prega a máxima “pensar global e agir local” e
novos conceitos de desenvolvimento também vem focando o âmbito local.
Reconhece-se que o crescimento econômico puro e simples não garante
desenvolvimento nem distribuição equânime dos benefícios. O desenvolvimento
passou a pautar-se pela sustentabilidade em várias de suas dimensões: ambiental,
social, política, econômica, institucional, ética, humanística, cultural e temporal.
Percebe-se que é no “local” que todas estas dimensões podem ser facilmente
integráveis, através de um processo de “construção em comunidade”, de forma
autônoma com base no conhecimento da própria realidade (suas vocações, recursos,
potencialidades e seus integrantes). ( NEVES, 2000; FRANCO, 1999; FRANCO, S/D)
No caso específico dos países periféricos como o nosso, ocorreu nos
últimos anos uma crise dos Estados Nacionais, na forma de ajustes fiscais,
estabilização econômica e desestatização que ocasionaram uma significativa redução
do poder de atuação da esfera federal.
Com esta extinção do modelo centralizado (e suas agências executivas)
surgiu um vácuo no atendimento de muitas demandas legítimas da população e
também no planejamento e na decisão governamental. Assim, por um lado a
população se voltou mais intensamente para os governos locais na reinvidicação de
suas necessidades e por outro, os governos municipais vem tentando se estruturar

1
no espaço deste vácuo, o que vem ocasionando o surgimento de novos instrumentos
e modelos de gestão.
No Brasil, há que acrescentar que o período da ditadura militar acabou
ocasionando uma grande desconfiança dos setores democráticos em relação ao
modelo centralizado. As chamadas forças progressistas perceberam também o
quanto o fortalecimento e desenvolvimento comunitário local poderia impulsionar
mudanças. Por estas razões, mediante a grande mobilização e trabalho destes
setores na Assembléia Nacional Constituinte, viu-se materializado na Constituição de
1988 o favorecimento da esfera municipal, iniciando um irreversível processo de
descentralização em nosso país. (ARRETCHE, 2000)
O peso dos gastos municipais em relação ao conjunto dos gastos públicos
no país passou de uma participação de 9,6% em 1987 para cerca de 16% em 1992,
valor equivalente ao da realidade da Áustria (16,9%) e um pouco inferior ao do
Canadá (18,4%) e Estados Unidos (22,4%), mas muito superior aos da Austrália
(6,8%) (NEVES, 2000).
Outros dados dizem que em 1988 19% da folha de pagamento, 39% das
aquisições de bens e serviços e 50% da formação bruta de capital fixo do setor
público nacional foi realizado pela esfera municipal (AFONSO & ARAÚJO, 2000).
Ficou bastante claro que os municípios passaram a atuar mais intensa e
diretamente nas questões de seu território.
Diante deste panorama alguns, como Celina Souza, chegam a afirmar que
“os governos subnacionais estão hoje no centro do cenário político e financeiro como
resultado da redemocratização e da descentralização” (SOUZA, 1998) e identificam
que “no Brasil o governo local é uma instituição política importante, assim como os
prefeitos, tal como nos Estados Unidos” (IDEM).
Porém, no estágio atual, alguns têm chamado atenção que ainda é difícil
identificar claramente qual esfera de governo faz o que e onde, havendo muita
justaposição e um grande cenário de incerteza.
Para estes “é difícil caracterizar o processo atual como sendo de
descentralização (...). Ao contrário, parece que se trata de um processo em que,
queira ou não queira, muitos governos municipais se encontram sem outra opção, a
não ser de agir num local extremamente problemático”. (SPINK, 1999)

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Ou seja, ao contrário do que aparenta a legalidade constitucional, na qual a
Constituição de 1988 teria descentralizado recursos mas não encargos, na prática,
em função da crise nas outras esferas de governo, as prefeituras assumiram
unilateralmente muitos encargos tidos como de comum competência entre as três
esferas.
Outros autores são mais otimistas e observam um maior amadurecimento
da estrutura e da prática federativa no Brasil, em que já ocorre a substituição de
relações de dependência claras ou mascaradas por um quadro de responsabilidades
compartilhadas (CARNEIRO, 2000). A nova configuração tributária quebrou antigas
práticas clientelistas, sem no entanto as ter eliminado completamente. E o panorama
de incapacidade dos governos estaduais e federal, forçando a responsabilidade dos
governos municipais, gerou uma atuação mais efetiva das prefeituras, que deixaram
de ser meras instâncias figurativas da federação para serem de fato um ente
componente, como prevê a Constituição.

2. PEQUENOS MUNICÍPIOS

Ao analisarmos a rede urbana no Brasil observa-se que ao lado dos grandes


centros, que são foco das principais atenções e também dos maiores problemas, ou
pelo menos onde eles são mais visíveis, existe uma imensa cadeia de pequenos
municípios onde considerável parcela da população nacional reside.
A definição do que seja um pequeno município é controversa, mas
adotamos as análises de José Eli da Veiga (VEIGA, 2002), que leva em conta a
população a densidade demográfica e a localização para definir se um município é
rural, “rurbano” ou urbano. Nesta análise afirma que municípios com população
menor que 50.000 hab. ou densidade demográfica inferior a 80 hab./km2 podem ser
considerados pequenos, dependendo apenas de se analisar sua localização para
defini-lo como rural ou não. Por exemplo: no caso daqueles localizados em regiões
metropolitanas, devem ser considerados urbanos. Porém, para nosso caso, apenas
nos interessa identificar se o município é ou não de pequeno porte e para simplificar,
estamos seguros em considerar que todos os municípios com população até 50.000
hab. podem ser assim considerados, abstraindo-nos de outros com população
superior que se enquadrassem numa baixa densidade demográfica.

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Analisando os dados do IBGE (IBGE, S/D) pudemos constatar que do total
de 5.507 municípios que o país possui (1), 5.207 possuem até 50.000 hab., abrigando
36,7% da população nacional, ou 62.220.503 pessoas (2). Portanto ignorar os
pequenos municípios representa dar as costas a mais de um 1/3 da população
nacional.
Em algumas regiões os pequenos municípios são absolutamente
dominantes. No sul de Minas, por exemplo, a situação é inversa: cerca de 63% da
população encontra-se em municípios de até 50.000 hab. e o restante em municípios
de 50.000 a 150.000 hab. (a maior cidade, Poços de Caldas, tem apenas 135.000
hab.). Na região sul do país como um todo, que conta com cidades como Porto
Alegre e Curitiba, ou mesmo Londrina, Maringá, Joinville, Florianópolis, etc. o peso
dos pequenos municípios é muito grade: 43% de toda a população regional.
Os municípios grandes (acima de 500.000 hab.) são apenas em número de
27 e curiosamente detêm cerca de 27% da população brasileira.
É uma realidade que vem sendo bastante ignorada. Apresenta-se o dado
que mais de 80% da população é urbana, passando a falsa idéia que este universo
de pessoas vivem em uma mesma realidade. Na verdade, muitos vivem em um
universo que pode ser considerado semi-rural, e mesmo as questões tipicamente
urbanas da maioria absoluta dos municípios são totalmente distintas. (VEIGA, 2002)

3. REALIDADE TRIBUTÁRIA

A constituição de 1988 melhorou o sistema de distribuição de impostos e


transferências a favor principalmente dos municípios. Hoje, os municípios são
responsáveis pela arrecadação direta dos seguintes impostos: IPTU (Imposto Predial
e Territorial Urbano, ISS (imposto sobre serviços), ITBI (imposto sobre transmissão
intervivos de bens imóveis e seus direitos), IVVC (imposto sobre venda a varejo de
combustíveis), algumas taxas (pelo exercício do poder de polícia e pela utilização de
serviços públicos específicos e divisíveis) e contribuições de melhoria decorrentes de
obras públicas).
Além disso, a União transfere aos municípios uma série de recursos
advindos de vários impostos na seguinte forma: através do FPM (Fundo de
1
Considera-se como um município o Distrito Federal como um todo.
2
Dados do Censo 2000.

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Participação dos Municípios) 22,5% do IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte),
22,5% do IPI (Imposto sobre produtos industrializados), 100% do Imposto de Renda
pago pelo município, 50% do ITR (Imposto dobre Propriedade Rural) e 30% do IOF-
Ouro para os municípios que sediam este tipo de comércio; através de convênios,
contribuições da Seguridade Social; e o salário-educação correspondente a 2/3 da
contribuição das empresas.
Também os estados são obrigados a transferir recursos aos municípios na
seguinte forma: 25% do ICMS, 50% do IPVA e 25% do valor transferido ao Estado
pela União pela exportação de manufaturas.
Alguns municípios ainda fruem das indenizações relativas à exploração de
recursos naturais, sendo 65% aos municípios produtores, pela extração mineral e
45% aos municípios a montante, pela produção de energia elétrica.
Esta gama de impostos, taxas e transferências parecem ser uma
maravilhosa fonte de recursos bem distribuída. Porém, na realidade o FPM e o ICMS
são as principais fontes de recursos dos municípios, sendo que nos casos de
municípios com baixa atividade econômica e pequena população somente o FPM
responsável por 90% dos recursos. Já nos municípios mais desenvolvidos e maiores,
o ICMS é que responde pela maior parte dos recursos.(MEIRA, 1998)
Carvalho (1995; 2000) em seu estudo sobre os municípios mineiros, válido
para o país como um todo, demonstrou como esta dependência das transferências
gera uma enorme dificuldade de sustentação financeira das administrações
municipais.
Porém não se trata de um quadro homogêneo. Há uma nítida concentração
de recursos tributários nas regiões mais desenvolvidas do país e nas cidades
maiores, fruto da maior atividade econômica, mas também da maior arrecadação dos
dois principais tributos municipais, IPTU e ISS, pois nas grandes cidades a
impessoalidade na cobrança do tributo é absoluta e as necessidades sendo também
maiores acarretam uma maior esforço de arrecadação. Também é fundamental a
melhor estrutura administrativa das prefeituras que possuem cadastros, sistemas de
controle, fiscalização e treinamento de pessoal.
Para melhor visualização de uma comparação entre estas realidades fiscais,
recorremos ao trabalho de Bremaeker (2002), que apresentou o montante das

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receitas por faixas de tamanho e cruzamos com os dados de população, o que
revelou interessantes realidades.
Primeiramente, há uma grande concentração relativa de receitas tributárias
nos municípios de grande porte e nos micromunicípios. Eles apresentam uma receita
per capita de R$16,09 e R$12,17, respectivamente, enquanto os demais municípios
uma receita muito mais baixa.

COMPARAÇÃO PER CAPITA


Tamanho (em mil hab.) Receita total per capita
Até 2 2.095.286,00 12,17
2a5 2.532.902,00 0,59
5 a 10 3.594.360,00 0,38
10 a 20 6.101.022,00 0,31
20 a 50 11.790.833,00 0,41
50 a 100 28.470.925,00 1,36
100 a 500 229.568.783,00 5,80
500 e mais 2.215.569.757,00 47,26
TOTAL 2.729.292.651,00 16,09

RECEITA TOTAL PER CAPITA ANO 2000 POR CATEGORIA DE MUNICÍPIO

R$ 50,00
R$ 45,00
R$ 40,00
R$ 35,00
R$ 30,00
R$ 25,00
R$ 20,00
R$ 15,00
R$ 10,00
R$ 5,00
R$ -
Até 2 2a5 5 a 10 10 a 20 20 a 50 50 a 100 100 a 500 e
500 mais

No quadro seguinte apresentamos a participação das diferentes fontes destas


receitas (arrecadação própria, ou receita tributária; transferências legais, ou
correntes, e outras fontes):
RECEITAS PRÓPRIAS TRANSFERÊNCIAS OUTRAS RECEITAS
CORRENTES
Até 2 38.342,00 1,83% 1.821.231,00 86,92% 235.713,00 11,25%
2a5 59.049,00 2,33% 2.209.287,00 87,22% 264.566,00 10,45%

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5 a 10 141.572,00 3,94% 3.037.334,00 84,50% 415.454,00 11,56%
10 a 20 283.287,00 4,64% 5.116.044,00 83,86% 701.691,00 11,50%
20 a 50 907.312,00 7,70% 9.291.418,00 78,80% 1.592.103,00 13,50%
50 a 100 3.520.278,00 12,36% 20.685.500,00 72,65% 4.265.147,00 14,98%
100 a 500 48.881.420,00 21,29% 141.438.654,00 61,61% 39.248.709,00 17,10%
500 e mais 703.308.406,00 31,74% 1.083.391.563,00 48,90% 428.869.788,00 19,36%
TOTAL 806.021.086,00 29,53% 1.408.429.685,00 51,60% 514.841.880,00 18,86%

PARTICIPAÇÃO DE RECEITAS PRÓPRIAS POR CATEGORIA DE


MUNICÍPIO

35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
Até 2 2a5 5 a 10 10 a 20 20 a 50 50 a 100 100 a 500 500 e
mais

É absolutamente dominante a participação das transferências constitucionais


em todas as faixas, exceto nos grandes municípios! Isto é interessante, pois mostra
que mesmo os médios são muito dependentes destas transferências, mesmo com
uma melhor arrecadação própria.
Interessante a expressiva presença de "outras receitas" nos micro-
municípios. Creditamos ao maior impacto das transferências voluntárias (por
exemplo, verbas de OGU de aplicação específica). Estas verbas costumam vir em
valores fixos, independente do porte da cidade, impactando mais nos menores. A
grande participação de "outras receitas" nos grandes pode ser função de fortes
investimentos federais e estaduais diretos em grandes projetos. Seria a atenção
especial dada aos grandes centros, por razões técnicas, políticas e sociais.
O gráfico demonstra que a arrecadação própria é diretamente proporcional ao
porte. Como dissemos, fruto também da atividade econômica, mas também, talvez,
do melhor esforço tributário. Os municípios de até 20.000 hab. tem como arrecadação
própria valores abaixo de 5% de suas receitas.

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Procuramos estabelecer um indicador comparativo – receita per capita –
englobando toda a receita tributária e verificamos uma enorme distorção para o lado
dos municípios de grande porte, a exceção dos micro-municípios com população até
2.000 hab.: os 27 grandes municípios tem uma renda per capita de R$47,26
enquanto os pequenos, de R$0,59 a R$0,41.
Especificamente sobre as transferências constitucionais, é preciso dizer que
é assunto de muitos questionamentos.
Alguns chegam a dizer que no Brasil quem arrecada são as esferas federal
e estadual, tendo os municípios se acostumado à “mesada” (a participação em
fundos de transferência), o que de certa forma é confirmado pelos dados acima.
Haveria uma despreocupação histórica com a arrecadação no âmbito municipal, uma
despreocupação com a origem das receitas, havendo inclusive uma “Cultura do
Déficit”, ou seja, de criar despesas para serem pagas com receitas futuras (os
chamados Restos a Pagar) (CASTRO, 2001).
Nossa experiência pessoal tem revelado outro aspecto muito relevante para
esta demostivação das prefeituras dos municípios menores em incrementar sua
arrecadação própria. As relações pessoais são muito fortes, os prefeitos não são
sujeitos distantes, mas membros bem conhecidos da comunidade. Qualquer ação em
torno da tributação é tomada em nível pessoal, comprometendo sua imagem e seu
futuro político. Voltando à análise dos dados do IBGE, conforme apresentado por
François Bremaeker (BREMAEKER, 2002) no tocante aos tributos, é interessante
constatar o salto percentual quando o município passa de 20.000 hab. e portanto a
impessoalidade começa a ser relevante. Começamos a ver aqui a importância da
dinâmica sócio-política local na criação de um contexto no qual as políticas públicas
terão que se mover.
Outros já afirmam que é equivocado pensar que todo tipo de governo em
qualquer esfera deva se autosustentar e que também é equivocado acreditar que as
prefeituras dependem basicamente de transferências intergovernamentais. Estes
mostram a grande evolução na arrecadação própria nos municípios, um acréscimo de
197% em 10 anos, o que corresponderia a duas vezes a evolução das receitas
estaduais e três vezes a federal. Mas admitem que há espaço para ampliação,
havendo um grande potencial de recursos próprios não explorados, conforme
demonstram comparações internacionais e mesmo comparações nacionais entre
8 -8-
municípios semelhantes, em que se nota um maior volume de arrecadação em
alguns que em outros.(AFONSO & ARAÚJO, 2000)
Uma interessante contribuição a este estudo é o trabalho desenvolvido Por
Jerônimo Meira no estado do Paraná sobre o impacto das transferências sobre o
ânimo de arrecadação local (MEIRA, 1998). Constatou que o caráter não vinculado
da maioria destas transferências ocasiona seu uso integramente no financiamento de
despesas correntes, desestimulando a cobrança de seus próprios tributos. Já para as
transferências vinculadas, as prefeituras são obrigadas a financiar estes gastos
correntes com receitas próprias e somada à exigência de compor as contrapartidas
exigidas, são forçados a incrementar a arrecadação local.
Aprofundando sua análise, utilizou métodos estatísticos e estabeleceu
índices relativos a gastos com despesas correntes e gastos de investimentos, per
capita. Procurou ainda identificar o “esforço fiscal potencial” dos municípios,
agrupando-os em 6 categorias, segundo seu porte.
A partir daí pôde constatar estatisticamente a grande renúncia fiscal,
principalmente para as despesas correntes, mas também grande para as despesas
de investimentos. Ou seja, mesmo quando são forçados a alocar recursos próprios e,
portanto, a buscar mais arrecadação, o fazem muito abaixo do que potencialmente
poderiam fazer.
Em suas conclusões, aponta a influência negativa das transferências
intergovernamentais, mas observa ainda a presença de outras variáveis. Aponta a
influência do ano eleitoral no aumento da renúncia. Percebe a relação direta entre
tamanho populacional e grau de concentração urbana com a quantidade de
arrecadação local, pois os municípios têm basicamente na parte de seu território que
é propriamente urbano a sua base fiscal.
Mas ainda assim há quem diga que devido ao volume de compromissos que
os municípios vem assumindo, as transferências deveriam ser maiores.
Há também o embate entre aqueles que defendem a municipalização total
dos tributos e aqueles que condenam expressamente esta linha devido à
impossibilidade de se utilizar recursos para minimizar diferenças regionais.
Enfim, é grande a discussão e muitas as opiniões. Mas todas estas
correntes de pensamento trazem aspectos que necessitam ser vistos em conjunto,

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pois representam facetas diversas de uma mesma realidade, sendo portanto
complementares.
Nesta direção, Augusto de Franco apresenta várias idéias. Em um artigo
seu (FRANCO, 1999) sustenta que o desenvolvimento local integrado e sustentável
exige a transferência de recursos exógenos, mas também a mobilização de recursos
endógenos, tanto públicos quanto privados, e exigirá também cada vez mais, uma
nova distribuição espacial do desenvolvimento, na forma de “microrregiões
ecossociais” mais homogêneas, definidas a partir da combinação de critérios
humano-sociais com critérios ambientais, levando em conta, por exemplo, as bacias e
microbacias. É uma visão mais holística da questão, pois sugere um panorama de
parcerias entre esferas de governo, entre municipalidades vizinhas e entre setor
público e privado, de tal maneira que se efetivamente constituído, gera uma dinâmica
de compromissos melhor estruturada que acaba por obrigar cada ator a uma atitude
mais responsável.
Em direção semelhante vai José Eli da Veiga que afirma que os processo de
desenvolvimento corridos no século XX tornaram obsoletas e simplistas as visões
que apresentam um território simplesmente dividido entre urbano e rural e
inadequadas esferas administrativas legalmente constituídas (União, estados e
municípios).
“Novas formas institucionais devem superar as antigas estruturas de poder
local, promovendo a articulação das unidades político-administrativas pré-existentes”,
o que no Brasil se ensaia através de pactos, associações e consórcios (VEIGA,
2002).
Noutro trecho diz que o futuro das populações do universo dos municípios
pequenos de base rural “dependerá cada vez mais de articulações intermunicipais
capazes de diagnosticar as vocações do território que compartilham, formular um
plano de desenvolvimento microrregional, e viabilizar seu financiamento com
imprescindível apoio das esferas governamentais superiores”.

4. OUTRAS QUESTÕES

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A realidade dos pequenos municípios não é diferenciada apenas no tocante
à questão tributária. Outros aspectos importantes precisam ser explicitados.
O primeiro a destacar, e que também diz respeito à sustentabilidade, é a
estrutura administrativa dos pequenos municípios.
Carvalho (1995; 2000) discutiu este ponto e chegou a chamar de utopia
qualquer ideal de sustentabilidade nestes locais.
Este é um ponto que também conhecemos bem, por conseqüência de
nossas atividades profissionais.
Como já apontamos, na composição das receitas tributárias destes
municípios há forte participação de “outras receitas em função das transferências
voluntárias, via Orçamento Geral da União, que não estão computadas nas
“transferências correntes”, obrigatórias. Estes recursos costumam vir com valores
fechados e iguais, sem qualquer associação com o porte do município e do
empreendimento a ser realizado. Dessa forma o impacto de uma verba de por
exemplo R$100.000,00 (valor bastante comum) logicamente será maior quanto
menor for o município, representando um percentual mais expressivo na composição
de suas receitas.
Como a grande maioria destes municípios ou não contam com
absolutamente nenhuma estrutura técnica, ou tem um corpo técnico limitado, ao
receberem estes recursos se deparam com enormes dificuldades de
operacionalização. Algumas vezes contam com algum auxílio de profissionais
vinculados a outra esfera governamental que costuma ir além de suas atribuições e
dão certa assessoria aos municípios. Muitas vezes estas prefeituras ficam à mercê de
empreiteiras, tanto no aspecto da qualidade, quanto no de custo.
Há que lembrar ainda que muitos empreendimentos necessitam de
acompanhamento técnico após sua implantação, para sua boa operação.
Esta é uma problemática que certamente deveria estimular os municípios ao
associativismo, procurando compor quadros técnicos microregionais bem preparados.
Isto permitiria manter profissionais qualificados a baixo custo. Infelizmente, na região
que estudamos (Sul de Minas) as experiências nesta direção são muito pífias, não
havendo grande compromisso dos municípios com associações municipais e não
estando estas associações, bem estruturadas para efetivamente darem um bom

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assessoramento técnico. Porém, a nosso ver, é questão puramente de vontade,
articulação e construção política a ser enfrentada.

Um terceiro componente diferenciado nos municípios de pequeno porte é a


dinâmica participacional.
Pedro Jacobi (JACOBI, 1989) ao estudar o caso dos movimentos urbanos
das décadas de 70 e 80 para saúde e saneamento em São Paulo, pôde revelar
algumas características da realidade brasileira no campo das políticas públicas e da
relação Estado e Sociedade, que julgamos interessantes para nosso caso.
Primeiramente, mostrou a limitação da chamada “concepção
instrumentalista” do Estado, bem conforme a tradição marxista, que o vê
simplesmente como agente executor de interesses da burguesia e do capital. Ao
contrário, diz que a contradição não só é presente dentro do Estado, como é
necessária para compreender seu caráter e sua dinâmica. Que o Estado seria na
verdade uma condensação de forças sociais, contraditórias, que exerce
simultaneamente funções de acumulação e legitimização e acaba por fazer o papel
de articulador e organizador da sociedade, como um fiador de relações sociais.
Por outra linha, a do estudo de redes sociais, Eduardo Marques
(MARQUES, 2000) também observou como o Estado tem um papel central em nosso
país, no tocante à tudo que diz respeito ao interesse público, mostrando como a
literatura internacional de referência para os estudos de rede precisam ser
relativizadas para o caso brasileiro.
A centralidade do Estado no Brasil é tão grande que mesmo naqueles
movimentos urbanos de São Paulo, quando o Estado deu oportunidade para que esta
organização da sociedade se integrasse dentro de seu aparelho, isto aconteceu sem
qualquer questionamento.
A importância disto, nos municípios pequenos, é absoluta, pois neles, as
prefeituras são muitas vezes o centro de toda a vida da cidade.
Voltando a Jacobi (1989), ele ainda constatou a presença de outros atores
que funcionaram como catalisadores da organização dos movimentos urbanos em
questão, agora fora do Estado. De uma forma ou de outra, observou como os
movimentos populares brasileiros carecem de fatores externos, para que surjam.

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Assim, é possível notar as dificuldades que a nossa sociedade encontra em
se aglutinar, mesmo em centros politizados, como São Paulo, necessitando sempre
ou do arcabouço do próprio Estado ou de catalisadores externos não-
governamentais.
Observamos que em Minas Gerais as dificuldades são ainda maiores.
Mesmo aqueles setores tradicionalmente mais organizados, como os sindicatos do
setor industrial, são fracos até na região metropolitana de Belo Horizonte. Este é
inclusive um fator que muitas vezes pesa positivamente nas decisões de muitas
empresas em se instalar no estado, isto é, o menor risco de confrontos com a classe
trabalhadora.
Jacobi (1989) observou ainda como os movimentos urbanos estudados
tinham absoluta característica apolítica e setorial, normalmente extinguindo-se após
obtenção das metas imediatistas pelas quais lutaram.
São aspectos que nos chamaram atenção, porque em se tratando de
municípios menores notamos como o nível de participação é muito pequeno e
quando existe está impregnado dos ranços e rancores das políticas locais, jamais se
configurando como neutros e setoriais, como no caso estudado por Jacobi. De
maneira geral observa-se uma apatia participacional.
Diante do crescimento e fortalecimento nos últimos anos do chamado
terceiro setor, muitos autores têm apresentado uma reflexão sobre o novo papel que
o Estado deveria desempenhar. Segundo estes, deve ser forte, mas desvinculado de
suas bases patrimoniais (JATOBÁ, 2000). Funcional mas não enfraquecido. Sua
principal função não seria executiva, mas regulamentadora de ações que podem e
devem ser executados diretamente pelos agentes sociais e privados. Autores
diversos vem discutindo isto e vem concluindo que as características essenciais
deste “Novo Estado” devem ser: foco na ação local; descentralização administrativa;
resgate da cidadania e participação comunitária; inclusão dos custos ambientais e
sociais (JATOBÁ, 2000; BONDUKI, 1997; GROSS, 2000).
No entanto, a realidade nos municípios pequenos é completamente
diferente do universo sobre o qual estes autores se debruçaram. Neles não há
terceiro setor, ou ele é inexpressivo ou está numa esfera externa ao município
(entidades com pretensão regional, mas que na realidade tem ação restrita).

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Esta questão é objeto de maior análise em outro artigo nosso entitulado
“Processo Decisório nos Pequenos Municípios”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em resumo podemos dizer que na atualidade as instâncias locais são


inquestionavelmente um espaço político importante e que qualquer estudo de
políticas públicas precisa considerar as dinâmicas ali presentes. Eduardo Marques
(MARQUES, 2000) afirma que no caso do saneamento no Rio de Janeiro, as
questões e processos locais mostraram-se mais importantes que as políticas federais
e as conjunturas políticas nacionais e que há uma relativa independência da política
local com relação à federal.
Para o caso dos pequenos municípios, podemos dizer que isto também
ocorre, mas não com tanta independência, havendo um entrelaçamento maior entre a
dinâmica política extramunicípio e a municipal, o que também discutimos no artigo
“Processo Decisório nos Pequenos Municípios”.
Agir, seja nos campos da formulação das políticas públicas, seja nas
atividades diuturnas operacionais e técnicas envolvendo os municípios de pequeno
porte desconhecendo suas peculiaridades, desconsiderando suas necessidades, e
dificuldades, é no mínimo agir de maneira pouco efetiva. Esta é uma reflexão
particularmente importante para as agências e órgãos de esferas estaduais e
municipais que realizam interfaces com municípios. Se observamos mais
atentamente, estas instituições tem nos pequenos municípios sua maior quantidade
de relacionamentos e consequentemente de atividades quotidianas, mesmo que em
volumes financeiros nem sempre expressivos no total de valores movimentados.
Porém são expressivos para cada uma destas localidades, para os cidadãos ali
viventes. É justamente onde os técnicos destas organizações podem fazer uma
grande diferença.

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