Observamos que a leitura não está totalmente vinculada ao texto escrito e, sim, ligada às
possibilidades de interpretações que cada indivíduo faz. Nesse sentido, a proposta desse artigo é
proporcionar uma reflexão, em três momentos distintos, sobre a interação do leitor com o texto literário,
observando os paradigmas culturais atuais referente a literatura e seu ensino. No primeiro momento
teremos uma avaliação do conceito de literatura e aspectos referente a função humanizadora da
literatura; em um segundo momento iremos abordar sobre características iniciais da formação do leitor,
no ensino escolar, relatando e comentando alguns aspectos do livro Parâmetros curriculares e literatura:
as personagens de que os alunos realmente gostam, de Maria Alice Faria. Finalizando teremos uma
reflexão crítica política do atual momento nacional e a influência do poder econômico na formação do
leitor competente.
1
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 3.ed. rev. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
2
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura.19.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.p.37.
Quando nos referimos ao estudo da Literatura como uma disciplina a ser analisada, a crítica
literária tem o importante dever de formular um corpus literário, ter em mente uma definição para
“literatura”, objetivando a formação de um cânone literário com as obras e autores mais significativos para
a sociedade em diferentes épocas e escolas literárias.
Para o escritor britânico Anthony Burgess, n’A literatura inglesa3, a definição de “O que é
literatura?” tema de início do seu livro, foi feita através de analogias, começando pelo aprendizado
escolar, dividindo os assuntos que estudamos em dois grupos – as ciências e as artes – com o objetivo
de esclarecer ao leitor sobre as diversas formas que o homem observa o mundo em que vive. E ele diz
que “é oficio do homem ser curioso; é oficio do homem tentar descobrir a verdade sobre o mundo em que
vivemos, responder à grande pergunta ‘Como é mesmo o mundo?’ ”. O autor trabalha os valores verdade
e beleza com o intuito de se chegar à um valor absoluto e preparar o leitor para o “mundo das artes”,
sempre exemplificando e comparando por analogia os seguimentos das artes, como: a pintura, música,
escultura, arquitetura, cinema e teatro, até chegar, na análise principal que define o que é literatura.
“Conotações dirigem-se aos sentimentos, denotações, à razão.” Existe uma grande preocupação do autor
em forçar o leitor a aceitar que literatura são somente textos ligados a arte e que tenham um valor
conotativo.
Se verificarmos a origem da palavra literatura – tomaremos por base os estudos de Massaud
Moisés em “A criação literária” (1973) – veremos que a palavra literatura deriva do latim litteratura, que
por sua vez se origina de littera,ae e significa o ensino das primeiras letras, o ensino primário, da escrita e
das letras. É também importante ressaltar que só podemos falar de literatura quando possuímos
documentos escritos ou impressos, o que equivale dizer que a chamada literatura oral não corresponde a
nada, pois seu estudo somente é aprofundado no momento em que ela se faz presente no texto escrito.
Portanto, se a origem da palavra literatura era uma, e modificou-se devido a um conceito, observo que
esse conceito deve ser acrescido e não substituir o anterior. No início do artigo definimos o leitor como
sendo uma personalidade comunicativa que utiliza uma determinada linguagem em seu dia-a-dia. Para
Roman Jakobson a literatura é a escrita que representa uma “violência organizada contra a fala comum”.
Em uma definição objetiva, podemos destacar a essência da literatura como sendo as palavras
trabalhando no máximo de seus significados; a linguagem conotativa, a ambigüidade, podem nortear
essa definição, mas para alguns críticos e teóricos como Terry Eagleton essa definição pode ser
“relativa”, pois a “estética da recepção” examina o papel do leitor na literatura, existindo a necessidade de
observar o contexto da leitura para se poder definir a linguagem de um texto. Nesse aspecto, a interação
do leitor com o texto literário torna-se objeto primordial de estudo e devemos destacar que o leitor ao
usufruir de um texto literário o faz com uma determinada função. Qual a função da literatura para o leitor?
Se adotarmos a postura crítica de Antonio Candido e analisarmos a literatura como um sistema
formado de “autor-obra-público”5, podemos, dentro dessas vertentes, direcionar o ensino da literatura
para cada componente desse sistema, mas o impacto que a obra literária produz será melhor observado
quando centramos o estudo no elemento do leitor. O leitor é um ser social e a literatura é um produto de
uma determinada sociedade; os estudos sobre as literaturas nos remetem a função dessa na formação
do Homem, na qual temos algumas variações sobre a função humanizadora da literatura. Antonio
Candido, em uma palestra sobre “A literatura e a formação do Homem”6, mostra-nos que a literatura
3
BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. Trad. Duda Machado. São Paulo: Ática, 1996. p.8-16
4
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. 2.ed. Trad. Waltesir Dutra. São Paulo: Martins
Fontes, 1994. p.5.
5
CANDIDO, Antonio. “Introdução”. In: Formação da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1971, v. 1, p. 23-39.
6
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do Homem. In: Ciência e Cultura. São Paulo,v.24, n.9,p.803-9.
humaniza em sentido profundo, pois satisfaz à necessidade universal de fantasia e contribui para
formação da personalidade, utilizando-se desses aspectos, a sociedade através do Estado, organizou e
instituiu esses recursos para impor regras sociais de boa conduta e civismo, atribuindo à Escola - que
tem a função de educar – o dever de aplicar a arte literária com a função formativa do tipo educacional.
Fundamentada nesses pilares a literatura sendo uma arte, recebe um repúdio das disciplinas científicas
quando se deparam com a função literária de conhecimento do mundo e do ser.
Ao mesmo tempo em que a literatura em sua função social pode se tornar humanizadora, o
Estado, manipulando aspectos e sentidos do texto literário e agindo diretamente na formação educacional
do indivíduo, poderá essa literatura ter a função alienadora.
7
FARIA, Maria Alice. Parâmetros curriculares e literatura: as personagens de que os alunos realmente gostam. São
Paulo: Contexto, 1999. p. 91-2
levaram os alunos a escolherem os livros para leitura, na qual, predomina o que comumente classifica-se
de literatura trivial, e foram apontados como causas: o comodismo dos alunos e o pouco interesse pela
leitura; o desconhecimento de outros títulos que poderiam interessar os alunos; a formação deficiente dos
professores, fator este, primordial na orientação e esclarecimentos dos alunos.
Os professores, em sua formação acadêmica no curso de letras ou nos cursos de magistério,
não recebem orientação devida sobre planejamento pedagógico e como devem ser avaliados os livros
para a juventude. Nas melhores Universidades do país, conceituadas pelo MEC, são raros os professores
que desenvolvem trabalhos nesta área, analisando a produção existente para jovens, ou pesquisando
metodologias de leitura, ou ainda a pedagogia da literatura. O despreparo provoca a acomodação
intrínseca do corpo docente, fazendo com que não ocorra a motivação para atualização pedagógica, e
como conseqüência o total desconhecimento do mercado atual, restando a opção de limitar-se a indicar
apenas os livros que lhe chegam às mãos por meio de propaganda das editoras ou que são distribuídos
nas escolas pelo governo. Atualmente o programa de literatura do “Provão” para o curso de letras
reforçou esse tipo de currículo, que exclui a literatura para crianças e jovens e a literatura popular.
Portanto, é preciso mudar as práticas pedagógicas e seus paradigmas, rompendo as barreiras
do ensino passado, enquadrando a escola à sociedade em que vivemos hoje, pluralista, multicultural.
Uma escola aberta à todas as classes sociais, com um corpo docente especializado e atualizado,
buscando desenvolver no educando a perspectiva de igualdade social diminuindo as diferenças entre
classes sociais , proporcionando, assim, oportunidades de sobrevivência econômica. Devemos enfatizar
a importância formadora da literatura em geral, neste sentido, o texto literário de qualquer padrão, mesmo
não seguindo regras de normatização preestabelecidas, devem, através de um trabalho pedagógico,
serem expostos aos discentes para uma análise crítica, social, oferecendo temas geradores para se
trabalhar os temas transversais, ligados: à ética (em todos os seus seguimentos da sociedade,
principalmente na vida escolar ); aos conceitos de pluralidade cultural; à preservação do meio ambiente;
à saúde, à orientação sexual; às relações familiares.
Verificado esses pressupostos teóricos, teria a literatura a função humanizadora?
No atual momento histórico em que vivemos, quando se respira ares de liberdade de expressão
e de democracia, a discussão sobre os direitos e deveres individuais e coletivos é de fundamental
importância, porque referem-se à cidadania. Sabemos que a humanidade precisou de séculos para
reconhecer os direitos fundamentais da pessoa humana. Ainda hoje, há lugares no mundo em que muitos
não são reconhecidos, a começar pelo direito à liberdade. Esses elementos políticos estão estreitamente
ligados a influência do poder econômico e a formação educacional da sociedade. E são essas influências
que em maior ou menor peso, dependendo da situação em que se aplicam, moldam as opções políticas
do mundo ocidental e principalmente de países de economia subdesenvolvida como o Brasil.
Se fizermos um breve retrospecto as origens políticas, poderemos afirmar que discutir política é
referir-se ao poder.
No final da introdução desse artigo, afirmamos que a literatura também poderá ter a função
alienadora quando mal empregada na formação educacional, sendo que, a Escola é o veículo de
formação do leitor e para formarmos leitores competentes precisamos verificar se existem interferências
do poder constituído.
8
ARANHA, Maria Lucia de A., MARTINS, Maria Helena P. Martins. Filosofando; introdução à filosofia.p.179.
E no caso do Brasil, quem ou qual grupo interfere em qual grupo?
Tal questão em tempos passados – época da ditadura militar – poderia nos levar a sermos
questionados ou até mesmo presos. Mas neste caso seremos diretos e objetivos, podemos definir o
mundo de hoje como sendo de países de primeiro mundo (que travam uma batalha desde o início do
século passado para monopolizar o poder global, tendo levado a população mundial a participarem de
duas guerras mundiais) e os chamados países de terceiro mundo (que fornecem a mão-de-obra barata
necessária para que a engrenagem do capitalismo ocidental funcione na forma de uma democracia).
Quais eram as opções políticas dos europeus antes das revoluções francesa e industrial? Marx
configurava o caráter de exploração do sistema capitalista com a descrição da mais-valia. Que nos
mostrava que operário vivia num quadro social que tornava o indivíduo alienado sem nenhuma opção
política e cultural.
Chegamos ao ponto da ferida nacional brasileira; seremos nós, o povo brasileiro, totalmente ou
parcialmente alienados? O povo brasileiro sofre a influência do poder econômico atual e se tornou um ser
socialmente apolítico?
Para responder essas questões devemos nos aprofundar na atualidade e chegaremos a
tendência mundial do poder econômico que quer expandir o capitalismo de forma acelerada, manter o
poder atual e alienar os países de mão de obra escrava, no qual se enquadra o Brasil. Essa tendência
chama-se Globalização. A globalização abre espaço para a formação do leitor competente? Ela abre
espaço para a função humanizadora da literatura?
O que queremos mostrar com uma postura reflexiva é que se por um lado as tecnologias se
abrem para países de terceiro mundo, por outro a exploração trabalhista aumenta. Um povo alienado,
certamente, estará mais preocupado em manter seu emprego, sujeitando-se as explorações, do que
estar estudando seus direitos e deveres como cidadão, ou cobrando do Estado uma postura mais
nacionalista referente a globalização, ou ainda discutindo o Brasil no Mercosul e a taxação de impostos
nas importações e exportações para países europeus. E, por fim, não estará preocupada com a formação
de leitores competentes que através da literatura poderão se humanizar e terem posturas diferenciadas,
tornando-se cidadães críticos e participativos na sociedade.
Desta forma, poderemos analisar friamente que o cidadão brasileiro está sendo influenciado
negativamente pelo poder econômico estabelecido pelo capitalismo mundial. E, como tudo na vida tem
um lado negativo. A primeira denúncia é de que a globalização econômica ( que trataremos aqui, como
sendo a influência do poder econômico atual ) está decepando os empregos também em escala global e
num ritmo igualmente veloz. No fim da linha, dizem os críticos, haverá uma crise social de proporções
nunca vistas...O apocalipse está se alastrando pelo continente da América do Sul, não em forma de
guerras entre nações, mas em forma de guerras civis. No Brasil a violência chegou a um estado
alarmante: assaltos; roubos; seqüestros, estão fora de controle e o Estado se vê totalmente ineficiente
para proteger o cidadão e o cidadão se vê inerte para reagir contra o Estado. Precisamos urgente de
leitores competentes para que a luz no fim do túnel ( que é a literatura ) não se apague.
Estaremos nós alienados?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia de A. e MARTINS, Maria Helena P. Martins. Filosofando; introdução à filosofia. 2.
ed. rev. São Paulo: Moderna, 1993.
BURGESS, Anthony. A literatura inglesa. Trad. Duda Machado. São Paulo: Ática, 1996.
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do Homem. In: Ciência e Cultura. São Paulo,v.24,
n.9,p.803-9, 1972.
_________. “Introdução”. In: Formação da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1971, v. 1, p. 23-39.
_________. Literatura e sociedade. 3.ed. rev. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. 2.ed. Trad. Waltesir Dutra. São Paulo: Martins
Fontes, 1994.
FARIA, Maria Alice. Parâmetros curriculares e literatura: as personagens de que os alunos realmente
gostam. São Paulo: Contexto, 1999.
LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias. São Paulo:
Ática, 1984.
MARTINS, Maria Helena. O que é leitura.19.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária: introdução à problemática da literatura. 5. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1973.