Resumo
A seleção por conseqüências é um modo causal encontrado unicamente em coisas vivas ou em máquinas
feitas por elas. Foi primeiramente reconhecida na seleção natural, mas explica, também, a modelagem e a
manutenção do comportamento do indivíduo e a evolução das culturas. Em todos esses três campos,
substitui explicações baseadas nos modos causais da Mecânica Clássica. A substituição é fortemente
resistida. A seleção natural é agora reconhecida, mas atrasos similares no reconhecimento do papel da
seleção nos outros campos poderiam nos privar de um auxílio valioso na solução dos problemas com os
quais somos confrontados.
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¹ Artigo originalmente publicado na Revista Science, [Skinner, B.F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504]. A
tradução para a língua portuguesa e a publicação na Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva foram permitidas
pela American Association for the Advancement of Science e pela B.F.Skinner Foundation.
² Esta versão não é uma tradução oficial para a língua portuguesa conduzida pelos membros da Revista Science e, portanto, não é
tomada por ela como fiel. A tradução é inteiramente responsabilidade da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.
Em questões centrais, consultar a versão oficial em língua inglesa, originalmente publicada na Revista Science.
³ Tradução de Carlos Renato Xavier Cançado, Paulo Guerra Soares e Sérgio Cirino. Os tradutores agradecem à Faculdade de
Educação da UFMG, pelo financiamento que tornou esse trabalho possível. Agradecem, também, aos Drs. Ernst Vargas e Julie S.
Vargas, da B.F.Skinner Foundation, assim como às representantes desta instituição no Brasil, Dras. Maria Martha Costa Hübner e
Maria Teresa de Araújo Silva pelo incentivo. Igualmente, agradecem aos membros do corpo editorial da Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva e aos Drs. Alexandre Dittrich e Roberto Banaco pela colaboração no processo de tradução.
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ral poderiam ficar sob o controle de novos Quando membros de uma espécie comem
estímulos. Por meio do condicionamento certo tipo de alimento simplesmente porque
operante, novas respostas poderiam ser comê-lo teve valor de sobrevivência, o ali-
fortalecidas (“reforçadas”) por eventos que mento não precisa ser, e presumivelmente
imediatamente as seguissem. não é, um reforçador. Da mesma forma,
quando o comportamento sexual é simples-
Um segundo tipo de seleção mente um produto da seleção natural, o
contato sexual não precisa ser, e presumi-
O condicionamento operante é um velmente não é, um reforçador. Mas quan-
segundo tipo de seleção por conseqüências. do, por meio da evolução de suscepti-
Deve ter evoluído em paralelo a dois outros bilidades especiais, alimento e contato se-
produtos das mesmas contingências de xual tornam-se reforçadores, novas formas
seleção natural – a susceptibilidade ao refor- de comportamento podem ser estabelecidas.
çamento por certos tipos de conseqüências e Novas maneiras de coletar, processar e, por
um conjunto de comportamentos menos fim, cultivar alimentos e novas formas de se
especificamente relacionados a estímulos comportar sexualmente, ou de se comportar
eliciadores ou liberadores. (A maior parte de maneiras que apenas eventualmente
dos operantes é selecionada a partir de ocasionem reforçamento sexual podem ser
comportamentos que têm pouca ou nenhu- modeladas e mantidas. O comportamento
ma relação com esses estímulos). assim condicionado não é necessariamente
Quando as conseqüências seleciona- adaptativo; alimentos não saudáveis são
doras são as mesmas, o condicionamento ingeridos e comportamento sexual não
operante e a seleção natural trabalham com- relacionado à procriação é fortalecido.
juntamente, de maneira redundante. Por Muito do comportamento estudado
exemplo, o comportamento de um pato re- por etólogos – a corte, o acasalamento, o
cém-nascido ao seguir sua mãe é apa- cuidado dos filhotes, a agressão intra-
rentemente não apenas o produto de seleção específica, a defesa do território e assim por
natural (patos recém-nascidos tendem a se diante – é social. Está numa faixa próxima
mover em direção a objetos grandes em de ser atingida pela seleção natural, uma
movimento), mas também de uma evoluída vez que os outros membros da mesma
susceptibilidade ao reforçamento pela pro- espécie são uma das características mais
ximidade a esse objeto, como demonstrou estáveis do ambiente de uma espécie.
Peterson4. A conseqüência comum é que o Repertórios sociais inatos são suplemen-
pato permanece próximo de sua mãe. (A tados pela imitação. Ao correr quando
estampagem é um processo diferente, próxi- outros correm, por exemplo, um animal
mo do condicionamento respondente). responde a estímulos liberadores aos quais
Uma vez que uma espécie que rapi- não foi anteriormente exposto. Um tipo
damente adquire comportamentos apropri- diferente de imitação, com uma amplitude
ados a ambientes específicos tem menor ne- muito maior, resulta do fato de que contin-
cessidade de um repertório inato, o condici- gências de reforçamento que induzem um
onamento operante poderia não apenas organismo a se comportar de determinada
suplementar a seleção natural do comporta- maneira afetarão freqüentemente outro or-
mento, mas também substituí-la. Houve ganismo quando ele se comporta da mesma
vantagens que favoreceram esta mudança. forma. Um repertório imitativo que coloca o
imitador sob controle de novas contingên-
4 cias é então adquirido.
Peterson, N., Science, 132, 1395 (1960).
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é efetivo sob as contingências de reforça- por terem sido modificadas por aquelas
mento em vigor. Nós valorizamos esse com- contingências. As contingências podem, tal-
portamento e, de fato, o reforçamos dizendo vez, ser inferidas a partir das modificações
“Bom!”. O comportamento em relação a ou- que operaram, mas elas não mais existem.
tros indivíduos é bom se é bom para os (c) Um possível uso legítimo para “armaze-
outros nesses sentidos. (c) O que é bom para namento” na evolução das culturas pode ser
uma cultura é qualquer coisa que promova responsável por esses erros. Partes do ambi-
sua sobrevivência última, como manter um ente social mantidas e transmitidas por um
grupo coeso ou transmitir suas práticas. grupo são literalmente armazenadas em
Essas não são, obviamente, definições tradi- documentos, artefatos, e outros produtos
cionais; elas não reconhecem um mundo de daquele comportamento.
valores distinto de um mundo de fatos e, Outras forças causais que serviriam
por outras razões a serem abordadas em como substitutas da seleção têm sido procu-
breve, são questionadas. radas na estrutura de uma espécie, de uma
pessoa ou de uma cultura. A organização é
Alternativas à seleção um exemplo. (a) Até recentemente, a maio-
ria dos biólogos afirmava que a organização
Um exemplo das tentativas de assi- distinguia coisas vivas das não vivas. (b) De
milar a seleção por conseqüências à causa- acordo com psicólogos da Gestalt e outros,
lidade da Mecânica Clássica é o termo percepções e atos ocorreriam de certas ma-
“pressão seletiva”, que parece converter a neiras inevitáveis por causa de sua organi-
seleção em algo que força uma mudança. zação. (c) Muitos antropólogos e lingüistas
Um exemplo mais sério é a metáfora do apelam para a organização de práticas cul-
armazenamento. As contingências de sele- turais e lingüísticas. É verdade que todas as
ção estão necessariamente no passado; elas espécies, pessoas e culturas são altamente
não estão agindo quando seu efeito é obser- organizadas, mas nenhum princípio de
vado. Para que seja proposta uma causa organização explica o fato de o serem. Am-
presente, tem-se assumido que as mesmas bos, organização e os efeitos a ela atribuí-
são armazenadas (comumente como “infor- dos, podem ser retraçados às respectivas
mação”) e, mais tarde, recuperadas. Então, contingências de seleção.
(a) afirma-se que genes e cromossomos Outro exemplo é o crescimento. O
“contêm a informação” necessária para que desenvolvimentismo é o estruturalismo com
o ovo fertilizado se torne um organismo o tempo ou a idade adicionados enquanto
maduro. Mas uma célula não consulta um variável independente. (a) Havia evidência,
depósito de informações para que aprenda a antes de Darwin, que as espécies haviam se
mudar; ela muda em função de caracterís- “desenvolvido”. (b) Psicólogos cognitivistas
ticas que são o produto de uma história de têm afirmado que conceitos se desenvolvem
variação e seleção, um produto que não é na criança em certas ordens fixas, e Freud
propriamente representado pela metáfora disse o mesmo em relação às funções
do armazenamento. (b) Afirma-se que as psicossexuais. (c) Alguns antropólogos têm
pessoas armazenam informações acerca das sugerido que culturas devem evoluir por
contingências de reforçamento e as recupe- uma série prescrita de estágios, e Marx
ram para uso em ocasiões futuras. Mas elas também o fez em sua insistência em relação
não consultam cópias de contingências pré- ao determinismo histórico. Mas em todos os
vias para descobrir como se comportar; elas três níveis, as mudanças podem ser expli-
se comportam de determinadas maneiras cadas pelo “desenvolvimento” de contin-
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