100%(1)100% menganggap dokumen ini bermanfaat (1 suara)
359 tayangan5 halaman
O documento descreve como a independência do Brasil ocorreu mais como resultado de uma luta pelo poder em Portugal do que de uma revolta nacional brasileira. Também discute como a formação do Estado brasileiro se deu através da integração do território em torno da capital do Rio de Janeiro e da conciliação entre as elites regionais, excluindo as camadas populares. Além disso, explica como a escravidão e a segmentação social dificultaram a estruturação do Estado brasileiro.
O documento descreve como a independência do Brasil ocorreu mais como resultado de uma luta pelo poder em Portugal do que de uma revolta nacional brasileira. Também discute como a formação do Estado brasileiro se deu através da integração do território em torno da capital do Rio de Janeiro e da conciliação entre as elites regionais, excluindo as camadas populares. Além disso, explica como a escravidão e a segmentação social dificultaram a estruturação do Estado brasileiro.
O documento descreve como a independência do Brasil ocorreu mais como resultado de uma luta pelo poder em Portugal do que de uma revolta nacional brasileira. Também discute como a formação do Estado brasileiro se deu através da integração do território em torno da capital do Rio de Janeiro e da conciliação entre as elites regionais, excluindo as camadas populares. Além disso, explica como a escravidão e a segmentação social dificultaram a estruturação do Estado brasileiro.
Traduo:Antnio Flvio Pierucci As originais circunstncias que envolveram a independncia do Brasil marcaram fundo a identidade cultural do pas e a legitimidade poltica que serve ainda hoje de fundamento s classes dirigentes. A invaso de Portugal pelas tropas francesas de Junot em 1807 pro- voca a transferncia da corte portuguesa para a colnia brasileira, fato sem precedentes na moderna histria colonial. Entre 1808 e 1821, o Rio de Ja- neiro ser a capital de todo o imprio lusitano. Entretanto, em 1820, a ir- rupo de um movimento constitucionalista e liberal em Portugal levar a faco monarquista reunida no Rio de Janeiro em torno de dom Pedro, herdeiro do trono portugus, a precipitar a secesso brasileira. Dessa for- ma, o fim do perodo colonial no Brasil aparece mais como decorrncia de uma luta no mbito do poder metropolitano conflito agudizado pela influncia econmica e poltica que a Inglaterra exerce ento sobre Portu- gal do que como resultado de uma sublevao nacional e popular. Fato significativo, Jos Bonifcio de Andrada e Silva, o heri de nossa indepen- dncia, um alto funcionrio do governo metropolitano, um homem de gabinete e de negociao. Pouco tem em comum com os tenentes do exr- cito hispano-americano epgonos dos generais da Revoluo Francesa que lideram as insurreies emancipadoras dos pases latino-americanos. Outra particularidade, o Brasil se organiza na forma de um imprio consti- tucional. Em vez de afirmar sua adeso s formas especificamente ameri- canas de governo, o imprio se dissocia das repblicas que nascem nas Amricas para marcar sua solidariedade com os princpios monrquicos propagados pela Santa Aliana. Nota do autor: esse texto foi apresentado no semi- nrio internacional sobre identidade cultural, reali- zado em Paris em 1981, apareceu em seguida no livro Dialogue sur 1'Iden- tit Culturelle, Anthropos, Paris, 1982, pp. 181-186. Hoje, em setembro de 1987, quando se tenta pro- var que o pas ingover- nvel em clima de liberda- de e que a democracia no vivel entre ns, penso que essas idias ga- nham uma dolorosa atualidade. 68 NOVOS ESTUDOS N 19 - DEZEMBRO DE 1987 A formao do Estado brasileiro articula-se em torno de dois pro- cessos convergentes. O primeiro diz respeito insero das instituies imperiais nas possesses lusitanas da Amrica. O segundo concerne in- tegrao do territrio em torno da capital do vice-reino. De sada, o poder central sediado no Rio de Janeiro no possui nem os meios nem a fora necessria para unificar e estruturar o espao pluridimensional herdado da metrpole. Alm do mais, o pas real formado pelos proprietrios rurais das diferentes regies americanas onde se falava o portugus ti- nha seus pulmes noutro continente. De fato, trs sculos de colonizao portuguesa haviam engendrado uma economia bipolar, composta das zo- nas portuguesas de produo escravista no Brasil e das zonas portuguesas de reproduo de escravos na frica. Paradoxalmente, esta inadequao da espacialidade econmica espacialidade poltica que facilitar o fortalecimento do poder imperial. Com efeito, a burocracia imperial e s ela que dispe dos meios diplomticos e polticos aptos a enfrentar as presses britnicas, a fim de manter, at 1850, o trfico negreiro entre os portos africanos e o Brasil. Um equilbrio perverso ergue o trono imperial entre o governo ingls, que queria acabar logo com o trfico, e o pas real, que queria prolong-lo o mais possvel. Graas a esta funo especfica e intransfervel o poder cen- tral afirma sua preeminncia sobre as regies e os proprietrios rurais, O Imprio no retira as prerrogativas dos senhores rurais no enquadramento poltico e social das populaes. Bem ao contrrio, o imperador confirma e legitima as formas de controle privado entre elas e a escravido que os proprietrios exercem sobre os habitantes do campo. Mais ainda. No reprimindo o trfico negreiro, o governo central concede aos proprie- trios algo muito mais importante do que o prprio reconhecimento legal da escravido: o reconhecimento da legitimidade das operaes de pirata- ria atlntica que permitiam a reproduo da produo escravista. O segundo processo de consolidao do Estado nacional refere-se ao indispensvel acordo que se devia estabelecer entre as diferentes regies abrangidas pelo espao poltico que se estruturava sob a tutela da buro- cracia imperial. Desde a independncia, as instituies colegiadas e as assem- blias, tanto a assemblia nacional como as cmaras municipais e, em se- guida, as assemblias provinciais, configuram-se como os lugares privile- giados de conciliao entre as diferentes oligarquias regionais. No decor- rer de quase dois sculos de histria nacional, passando por todas as dita- duras e pelos diversos regimes constitucionais, pelas guerras e pelas insur- reies, o pas no conheceu mais do que uma quinzena de anos de inter- rupo das atividades parlamentares. Poucos Estados contemporneos e muito poucos Estados do Terceiro Mundo possuem uma experincia par- lamentar comparvel do Brasil. Acrescente-se logo e j o comeo de uma explicao que este espao poltico permanece profundamen- te elitista. Amordaada por sua dependncia em relao aos proprietrios 69 O FARDO DOS BACHARIS rurais, peneirada pela malha resistente das fazendas, a populao rural no estava em condies de empreender aes concertadas em nvel nacional. Esse esfarelamento da presso popular favorece a emergncia de uma in- telligentsia empenhada em transformar a sociedade atravs do aparelho es- tatal, por cima das instncias eletivas. Esboam-se aqui os traos histricos originais que marcam o autoritarismo brasileiro: a prtica de um jogo par- lamentar restrito que permite a conciliao das elites, excluindo as cama- das populares dos centros de deciso, e a existncia no seio da administra- o pblica de uma corrente que preconiza a modernizao do pas pela via autoritria. Esta ltima corrente era confortada em sua atitude por duas constataes bsicas. Por um lado presumia-se que a nao brasileira s existia graas ao de suas elites. Segundo este ponto de vista, somente as oligarquias regionais e os altos funcionrios possuam uma prtica histrica suficien- temente densa para captar a utilidade e o sentido da existncia do Estado brasileiro. O elemento popular quando intervinha na vida poltica centrava sua ao exclusivamente nas questes locais e regionais, pondo de golpe a unidade nacional em risco. Por outro lado, a heterogeneidade cultural da sociedade, resultante da desterritorializao do mercado de tra- balho, dava lugar a um tecido social disparatado. No esprito das classes dominantes, essas clivagens culturais justifi- cavam a recusa dos direitos de cidadania s camadas da populao desso- cializadas em virtude da organizao do mercado de trabalho. At recente- mente a proibio do voto aos analfabetos ilustrava essa recusa cidadania. Assim se consolidava a ideologia "civilizadora", difundida entre os altos funcionrios do Estado, que atribua s classes dominantes a tarefa histrica de "civilizar" a populao brasileira. A segmentao social facilita o entendimento entre os proprietrios de terras e a administrao central mas emperra uma etapa da estruturao do Estado, na medida em que o priva de um brao armado. Ora, a guerra contra o Paraguai (1865-1870) mostrar a vulnerabilidade das fronteiras ter- restres do pas. Na realidade a atrofia do exrcito aparece como uma conseqncia da dupla cesura que seccionava a nao. A escravido incapacitava para as Foras Armadas boa parte da populao adulta masculina o escravo sendo por definio um no-recruta , enquanto os proprietrios rurais, detentores de uma parte das prerrogativas instituintes do Estado, organizavam-se com seus dependentes livres e libertos em corpos de mil- cias regionais constitudas na Guarda Nacional. Esses entraves levaram o exrcito a incorporar precisamente as camadas sociais marginais, ou seja, a populao que estava fora da rede patrimonial rural. ndios aculturados, camponeses pobres, livres e libertos, formaram, durante muitas dcadas, o essencial do contingente, enquanto o enquadramento das tropas era asse- gurado por suboficiais sados da pequena burguesia e por oficiais ligados burocracia imperial. medida que o enquadramento militar era funcio- 70 NOVOS ESTUDOS N 19 - DEZEMBRO DE 1987 narizado, o conceito de "civilizao" assumia uma conotao precisa para os oficiais: tratava-se de transformar o recruta em cidado. Quando, nas primeiras dcadas do sculo XX, a burocracia consegue finalmente impor o recrutamento obrigatrio, o exrcito se tornar a nica instituio nacio- nal em que podia efetivar-se uma forma de sinergia social, o locus civiliza- dor por excelncia. Pouco a pouco o recrutamento anual torna-se o ersatz de um referendo que regularmente legitima a preeminncia das Foras Ar- madas sobre instituies polticas incapazes de catalisar a nao. Sem estender-nos aqui sobre essa questo, ressalte-se que a ideolo- gia "civilizadora" nasceu da internalizao do pensamento colonialista es- clarecido, elaborado na segunda metade do sculo XVIII, quando a Coroa portuguesa, depois de expulsar os jesutas, passou a controlar diretamen- te a administrao temporal dos ndios brasileiros. Foi assim que se forjou o conceito laico de "civilizao" em oposio ao conceito religioso de "evangelizao", que servia at ento de suporte ideolgico ao colonialis- mo. Para captar a profundidade da inovao poltico-filosfica encetada na segunda metade do sculo XVIII pelo despotismo ilustrado pombali- no, convm citar um documento de 1771, no qual Martinho de Mello de Castro, ministro portugus do Ultramar, adverte as autoridades coloniais do Brasil para no permitirem que: "missionrios indiscretos (promovam) a mal entendida, imprudente e nunca bem sucedida empresa de quererem instruir nos mistrios da F e reduzir ao grmio da Igreja homens silves- tres e criados nos matos, antes de terem cultivado a razo, e de concebe- rem ao menos uma idia dos costumes e sociedade civil, sendo s nestes homens, depois de sociveis e civilizados, que as Santas Doutrinas do Evan- gelho podem fazer teis e copiosos frutos". Mudem-se as expresses "mistrios da F" por "direitos de cidada- nia", "Igreja" por "corpo eleitoral" e "Santas Doutrinas do Evangelho" por "soberania popular", e teremos o discurso ideolgico que ainda hoje sub- jaz ao pensamento da burocracia civil e militar que dirige o pas. Sem for- ar os textos, possvel citar documentos contemporneos que ilustram esse vetor de continuidade no pensamento autoritrio brasileiro. Assim o general Ernesto Geisel, em mensagem presidencial ao Congresso Nacio- nal, declarava em 1976: "Antes de tornar-se um ente poltico, o cidado deve ter sido um indivduo de fsico so e limpo ... e tambm (um indiv- duo) consciente, racional e socializado; o desenvolvimento social, dina- mizado por meu governo, est criando a maioria e as minorias de amanh". Fortemente integrado ao mercado internacional, o Brasil foi povoa- do por trabalhadores que no eram cidados. O processo de industrializa- o empreendido no ps-guerra deu origem a um outro tipo de segrega- o. Baseada na produo de bens durveis de consumo para atender demanda das classes favorecidas, essa industrializao engendrou uma forte segmentao do mercado interno, excluindo uma parte importante da po- pulao da massa de consumidores. Por esse vis, o modelo econmico 71 O FARDO DOS BACHARIS brasileiro fabrica continuamente novos setores marginalizados, reforan- do assim os que se arrogam a funo de mantenedores da ordem. Desta maneira, a dessocializao de uma parte da populao ou- trora conseqncia da organizao do mercado de trabalho e hoje resulta- do da organizao da produo recompe regularmente zonas de infra- cidadania no interior da nao. este desequilbrio poltico que, por sua vez, perpetua o autorita- rismo no pas. Luiz Felipe de Alencastro historiador, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisa- dor do CEBRAP. J publi- cou nesta revista "A Pr- Revoluo de 30" (N 18). Novos Estudos CEBRAP N 19, dezembro 87 PP-68-72 72