Introdução
É muito difícil fazer uma antologia de poemas. Principalmente
dos nossos poemas preferidos. Os poemas que se podem encontrar
nesta antologia são aqueles que me marcam neste momento ou que
já me marcaram.
Para esta antologia tentei escolher o máximo de autores
possível, tentando não ir além de dois poemas por autor. Esta tarefa
foi-me algo complicada, pois apesar de conhecer poesia, tive de
reflectir bastante até encontrar todos os poemas. No final da
selecção, contudo, tive que escolher entre vários, pois a inspiração já
me tinha atingido.
Escolhi estes poemas por uma série de razões: a mensagem
que transmitem; o seu aspecto visual; o terem-me sido transmitidos
por pessoas da minha família; etc.
Tentei que estes poemas fossem variados, por isso juntei poetas
como Camões com poetas contemporâneos como António Gedeão e
também letras de músicas de grupos e cantores portugueses,
brasileiros e britânicos. Outra parte importante desta selecção é
também os poemas com versões declamadas por João Villaret. Mais
uma vez a música volta a ter lugar de destaque nesta antologia. Foi
também o conhecer os poemas declamados por João Villaret que me
levou a escolhê-los (entre outros factores). Um último aspecto
interessante desta antologia é a forma como diferentes facetas do
amor são retratadas nos poemas nela contidos.
Como nota final, explico que o índice encontra-se organizado
não por autor, mas por ordem alfabética do nome dos poemas. Deste
modo tentei evitar uma aglomeração de poemas por autor.
Luís de Camões
Anti-Anne Frank
António Gedeão
De Tarde
Cesário Verde
Deslumbramentos
Cesário Verde
É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,
Bocage
Eu estou bem
Mmm…
Eu estou bem
Eu estou bem
Eu estou bem
Ele jogava Solitário na cama
Fazia bolhas de sabão na cama
Ela cantava músicas de Natal na cama
Madeleine Peyroux
Tradução de Ana Paula Gomes
Sophie Ellis-Bextor
Tradução de Ana Paula Gomes
Já te Falei
Já te falei
Ouvi dizer por aí
Já gritei, telefonei, cantei por toda a cidade
Pelo beco, pelo meio da Avenida Central
no jardim
Já divulguei
Anunciei por aí
Por e-mail, por correio veio toda a verdade
Já mandei no megafone
pra toda a gente escutar
Notícia que se espalha
Paira em qualquer lugar
Li no outdoor, pus na canção,
deu no cinema
Que a vida vale a pena
Na matinê, no botequim,
na madrugada
Vida que vale a pena
Já escutei
E repeti por aí
Coloquei cartazes nos murais
de toda a cidade
Já berrei no microfone
a todo o volume no ar
Palavra que se espalha
Pluma no vendaval
Vi no gibi, foi por aí, li num poema
Que a vida vale a pena
Li no jornal, vi na TV, foi pela antena
Que a vida vale a pena
No futebol, no carnaval, na batucada
Vida que vale a pena
Rita Lee
Leilão
Leilão!
Leilão para acabar;
Leilão por qualquer preço;
Leilão de mim.
Quem que comprar um peito nu
Aberto a todos os olhares?
Olhares curiosos, ávidos, perversos…
E no meio do peito,
Hasteada a bandeira de cor toda vermelha
Com as seis letras da praxe todas brancas:
L-E-I-L-Ã-O!
Leilão destes meus olhos
Que abertos viram tudo
(Até quando fechados).
Que tanta vez disseram
(Até sem eu saber muita coisa que eu próprio ignorava!).
Que tanta lágrima alegre e triste já choraram.
Quem quer comprar o meu olhar vazio?
Quem o compra afinal por qualquer preço?
Quem quer comprar o olhar de um fracassado?...
Leilão!
Leilão da minha boca!
Leilão destes meus lábios que tanto amor gritaram,
Que tanto ódio calaram
E onde tanta poesia ardeu em chama.
Meus lábios, pobrezinhos,
Agora quase frios
E onde nenhum só já chora
Ou clama.
Leilão…
Leilão de duas mãos que abertas deram tudo:
Carícias de Sol e de veludo
E gestos de renúncia e de perdão.
Quem quer comprar as minhas mãos vazias
Que hoje dizem o último adeus a acenar.
Quem é que as compra?
Quem as quer ainda?
Leilão!
Leilão de mim, da minha vida!
E para acabar, a peça principal:
O meu coração.
Quem quer comprar um coração vazio
Que viveu a pulsar cheio de amor.
Onde todos os pecados demoraram,
Desde o mais torpe ao mais sublime;
Onde todos os vícios ficaram,
Desde a renúncia até ao próprio crime…
Meu coração foi maior que a Estrela
E bem menor que um sorriso vulgar da multidão.
Quanto é que vale?
Quanto é que dão ainda?!
Ninguém dá nada por este vil despojo?
Se até eu próprio dele sinto nojo.
Leilão!
Leilão…
João Villaret
Menina Gorda
É menina e moça.
Terá quinze anos?
Umas velhas amigas de sua mamãe
Dizem sempre que a encontram, num êxtase longo:
“Como esta menina está gorda, bonita!”
“Como esta menina está gorda, bonita!”
E ela ri de prazer.
Couto Ribeiro
Não posso ter tudo
digo a mim mesma que não te posso ter, é algo que vou ignorar, digo
a mim mesma que não te preciso, mas caio caio outra vez e todos os
dias é mais difícil erguer o meu coração, digo-o uma vez e outra, tu
não podes ter tudo não podes ter tudo, sonho que me trazes o teu
amor, só nos meus sonhos não chega, continuo a dizer a mim mesma
a dizer a mim mesma não posso ter não posso ter tudo, não posso ter
tudo, continuo a dizer a mim mesma, não posso ter tudo, não te
posso ter e agora estou a aprender a viver, a aprender a viver, estou
a aprender a viver sem ter o teu amor em troca não posso ter tudo
mas tudo o que quero és tu, tu permaneces no crepúsculo, com olhos
que olham mas não vêem, como eu sou um livro aberto, e tu um
cadeado sem chave, desejo todas as manhãs que a dor por ti já não
seja, não posso ter tudo és tudo o que eu quero, porque não ouço
quando os ouço a dizer ‘estás melhor sem um coração que está a
partir-se’, embora seja tola para amar quando não me queres sou
sábia para saber que vais sempre assombrar-me
Sophie Ellis-
Bextor
Guerra Junqueiro
O MELRO
O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar, dentre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal.
E assim que o padre-cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro; dentre a horta,
Dizia-lhe: "Bons dias!"
E o velho padre-cura
Não gostava daquelas cortesias.
E o melro entretanto,
Honesto como um santo,
Mal vinha no oriente
A madrugada clara,
Já ele andava jovial, inquieto,
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formiga ao mais pequeno insecto.
E apesar disto, o rude proletário,
O bom trabalhador,
Nunca exigiu aumento de salário.
Que grande tolo o padre confessor!
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Nasceu a Lua. As folhas dos arbustos
Tinham o brilho meigo, aveludado,
Do sorriso dos mártires, dos justos.
Um eflúvio dormente e perfumado
Embebedava as seivas luxuriantes.
Todas as forças vivas da matéria
Murmuravam diálogos gigantes
Pela amplidão etérea.
São precisos silêncios virginais,
Disposições simpáticas, nervosas,
Para ouvir falar estas falas silenciosas
Dos mundos vegetais.
As orvalhadas, frescas espessuras,
Pressentiam-se quase a germinar.
Desmaiavam-se as cândidas verduras
Nos magnetismos brancos do luar.
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..................................................
E nisto o melro foi direito ao ninho.
Para o agasalhar, andou buscando
Umas penugens doces como arminho,
Um feltrozito acetinado e brando.
Chegou lá, e viu tudo.
Partiu como uma frecha; e, louco e mudo,
Correu por todo o matagal; em vão!
Mas eis que solta de repente um grito
Indo encontrar os filhos na prisão.
E o melro alucinado
Clamou:
"Senhor! senhor!
É porventura crime ou é pecado
Que eu tenha muito amor
A estes inocentes?!
Ó natureza, ó Deus, como consentes
Que me roubem assim os meus filhinhos,
Os filhos que eu criei!
Quanta dor, quanto amor, quantos carinhos,
Quanta noite perdida
Nem eu sei...
E tudo, tudo em vão!
Filhos da minha vida
Filhos do coração!!!
Não bastaria a natureza inteira,
Não bastaria o Céu par voardes,
E prendem-vos assim desta maneira!
Covardes!
A luz, a luz, o movimento insano,
Eis o aguilhão, a fé que nos abrasa
Encarcerar a asa
É encarcerar o pensamento humano.
A culpa tive-a eu! Quase à noitinha
Parti, deixei-os sós
A culpa tive-a eu, a culpa é minha,
De mais ninguém! Que atroz!
E eu devia sabê-lo!
Eu tinha obrigação de adivinhar
Remorso eterno! eterno pesadelo!
.................................................
Os vegetais felizes
Mergulhavam as sôfregas raízes
A procurar na terra as seivas boas,
Com a avidez e as raivas tenebrosas
Das pequeninas feras vigorosas
Sugando à noite os peitos das leoas.
A Lua triste, a Lua merencória,
Desdémona marmórea,
Rolava pelo azul da imensidade,
Imersa numa luz serena e fria,
Branca como a harmonia,
Pura como a verdade.
E entre a luz do luar e os sons das flores,
Na atonia cruel das grandes dores,
O melro solitário
Jazia inerte, exânime, sereno,
Bem como outrora o Nazareno
Na noite do calvário!
E já de longe ia bradando:
"Olé!
Dormiram bem? Estimo
Eu lhes darei o mimo,
Canalha vil, grandíssima ralé!
Então vocês, seus almas do Diabo,
Julgam que isto que era só dar cabo
Da horta e do pomar,
E o bico alegre e estômago contente,
E o camelo do cura que se aguente,
Que engrole o seu latim e vá bugiar!
Grandes larápios! Era o que faltava
Vocês irem ao milho,
E a mim mandar-me à fava!
Pois muito bem, agora que vos pilho
Eu vos ensinarei, meus safardanas!
Vocês são mariolões, são ratazanas,
Têm bico, é certo, mas não têm tonsura
E, nas manhas, um melro nunca chega
Às manhas naturais de um padre-cura.
O melhor vinho que encontrar na adega
É para hoje, olé! Que bambochata!
Que petisqueira! Melros com chouriço!
E então a Fortunata
Que tem um dedo e jeito para isso!
Hei-de comer-vos todos um a um,
Lambendo os beiços, com tal gana enfim,
Que comendo-vos todos, mesmo assim
Eu fico ainda quase em jejum!
E depois de vos ter dentro da pança,
Depois de vos jantar,
Vocês verão como o velhote dança,
Como ele é melro e sabe assobiar!"
Guerra Junqueiro
Os Balõesinhos
Dois miúdos,
Ele e Ela,
Durante dois ou três Verões
Aquilo era de tabela:
À tardinha,
Dois
Balões.
Mas que coisa mais jeitosa,
Vê-los na rua depois
Com dois balões cor-de-rosa
Às marradinhas os dois.
Balãosinho, balãosinho,
Não há graça como a tua.
Balãosinho, balãosinho
Redondinho como a Lua.
Lá casaram certo dia.
Estive meses sem os ver;
O parzinho não saía,
Por ter muito que fazer…
Tempos depois, quando os vi,
Acenei-lhes com carinho.
Ela cora,
Ele sorri:
Já se vê um balãosinho…
Balãosinho, balãosinho,
Não há graça como a tua.
Balãosinho, balãosinho
Redondinho como a Lua.
João Villaret
Pequena Morte
Clã
Procissão
António Gedeão
Sete anos de pastor Jacob servia
Luís de Camões
Toada de Portalegre
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros;
Morei numa casa velha,
Velha, grande, tôsca e bela,
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela…
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras,
Do vento suão queimada,
(Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão…)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tôsca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante duma janela.
Ora agora,
Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão de se lembrar de fazer?
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?
José Régio
Vamos
Para a Montanha-Russa
Vamos
Ao Carrossel
Vamos
Subir o Pão de Açúcar
Vamos juntos
Lamber o Céu
Vamos
Dançar até cair, ir
Juntos vamos
Morrer de rir
Vamos
Perder a hora certa
Vamos
Pisar no chão
Vamos
Deixar a porta aberta
Juntos vamos
Para Plutão
Clã
Conclusão
Índice
Introdução
Poema Bónus:
21.Vou dar de beber à dor (Reformatação)
Conclusão