Resumo
É quase consensual que o comportamento sintático dos verbos deriva, em grande parte, de
suas propriedades semânticas. A natureza do input e do output de um mecanismo que
relacione esses dois níveis constitui, porém, objeto de bastante controvérsia. Neste artigo,
argumentamos em prol de um modelo que extrai molduras funcionais com base na
decomposição dos predicados verbais, sem recorrer a papéis semânticos. A adequação dessa
proposta, que integra, modificando-as, as abordagens gerativas da Gramática Léxico-
Funcional e da Gramática de Decomposição Lexical, é fundamentada na análise de algumas
alternâncias verbais do português e do alemão.
1. INTRODUÇÃO
No artigo que inaugurou a teoria dos casos semânticos, Fillmore (1968) postulou
princípios para determinar o estatuto categorial e a relação gramatical dos argumentos verbais
a partir de suas funções temáticas. Nas últimas décadas, na esteira dessa abordagem,
avolumou-se tanto a literatura sobre as relações sistemáticas entre as propriedades semânticas
dos itens lexicais e suas propriedades sintáticas, que se tornou quase impossível um
levantamento exaustivo das diferentes propostas alternativas.
No entanto, a julgar pelas amplas revisões de Davis (2001), Levin e Rappaport Hovav
(2005) e, de forma mais condensada, Borer (2005), pode-se considerar majoritária na
lingüística gerativa, quase sem medo de incorrer num erro histórico, a posição que é a padrão
na TRL: as propriedades temáticas dos elementos lexicais determinam sua subcategorização
(Grewendorf, 2002, p. 19) ou, conforme a hipótese de Chomsky (1986), a seleção categorial
(c-seleção) pode ser inferida, pelo menos na maioria dos casos, a partir da seleção semântica
(s-seleção) (Radford, 1988, p. 384).
A essa visão "projecionista", que Borer (2005) chama de "endo-esquelética", opõe-se
uma abordagem "exo-esquelética", defendida por essa autora. Na primeira abordagem, o item
lexical fornece o esqueleto para a estrutura sintática. Uma frase como Pedro chutou a bola
apresenta, por exemplo, um objeto direto porque o verbo da frase, em razão de sua estrutura
argumental, prevê esse tipo de constituinte. Na visão alternativa, ocorre o contrário: os
"esqueletos" pré-existem aos itens lexicais; as propriedades de um verbo numa determinada
construção são determinadas, de fora para dentro, pela moldura onde ocorre. Desse modo, no
1
exemplo citado, não é o verbo que determina a transitividade da frase, mas esta que determina
a transitividade do verbo.
Neste trabalho, adotamos a perspectiva projecionista, que, matematicamente, pode ser
descrita como uma função f (ou mapeamento, do inglês mapping) de um conjunto S de
elementos de natureza semântica em um conjunto C de elementos sintáticos, formalizável
como f:S Æ C. Muitas variações desse esquema básico, que estabelece uma vinculação
(linking) entre os argumentos do predicado associado a um verbo e os constituintes que os
representam no plano da expressão, foram propostas, principalmente em decorrência das
diferentes hipóteses a respeito do tipo de elemento que constitui S. Também tem sido objeto
de divergência a própria natureza do mecanismo de vinculação, seu funcionamento, se existe
um mecanismo universal ou se há vários sistemas dependendo do tipo de língua (Wunderlich,
2002). A natureza dos elementos de C tem suscitado, igualmente, controvérsias. As diferentes
propostas nesse sentido decorrem, no entanto, mais do tipo de arcabouço sintático assumido
do que de pontos de vista específicos sobre a questão da vinculação argumental.
No âmbito da visão projecionista, restringimos nosso foco sobre as teorias lexicalistas e
formais da Gramática Léxico-Funcional (Lexical-Functional Grammar – LFG) e da
Gramática de Decomposição Lexical (Lexical Decomposition Grammar – LDG). Na Teoria
do Mapeamento Lexical (Lexical Mapping Theory – LMT) da LFG, a projeção de S sobre C é
intermediada pelo nível da estrutura argumental. Os elementos de S são listas de papéis
temáticos que projetam sobre uma seqüência de argumentos arranjados conforme uma
hierarquia de papéis temáticos. Essa seqüência, por sua vez, projeta sobre C, constituído,
universalmente, de relações gramaticais como sujeito, objeto direto etc. A LDG propõe uma
abordagem bastante diferente, descartando os papéis temáticos como especificação dos
elementos de S.1 Em vez disso, propõe representações semânticas parciais para os itens
lexicais, as quais incluem apenas as propriedades gramaticalmente relevantes. Nessas
representações, os argumentos são diferenciados entre si não por meio de rótulos como, por
exemplo, Agente, Beneficiário, Paciente ou Tema, mas apenas por meio de sua posição
hierárquica na estrutura semântica. A LDG descarta uma especificação uniformemente válida
de C para todas as línguas. Numa língua como o latim, o output do mapeamento é constituído
por casos morfológicos. Numa língua essencialmente não casual como o inglês, C é
constituído de posições na estrutura sintagmática.
Nosso objetivo neste artigo é levantar argumentos em favor de um modelo que integra a
proposta da LDG para S, mas especifica C por meio de relações gramaticais, como na LFG.
Mostraremos que a LDG fornece um input mais econômico que a LMT, ao passo que a LFG
fornece um output mais eficiente. Além do mais, apenas a LFG pode ser considerada uma
teoria completa da gramática (como o são a TRL ou o Programa Minimalista). A LDG, como
1 Outros modelos que não operam com papéis temáticos como input da vinculação argumental são Tenny (1994,
2000), Croft (1998), van Hout (1998, 2000) e Rappaport e Levin (1998). Essas abordagens recorrem à estrutura
eventiva e/ou aspectual para explicar os padrões de realização argumental.
2
reconhecem alguns de seus defensores, é apenas uma teoria das representações dos itens
lexicais (inclusive da formação de novos itens lexicais na morfologia derivacional) e de sua
interface com a sintaxe.
Nenhum modelo da vinculação argumental de verbos pode ignorar a flexibilidade
desses elementos, i.e. a possibilidade da maioria deles de ocorrerem em mais de uma moldura
sintática. Dentro da visão projecionista, que adotamos, essas alternâncias verbais resultam da
aplicação de regras lexicais (denominadas operações de aridade por Reinhart e Siloni (2005,
p. 390)), que derivam novas entradas a partir das entradas existentes (Rappaport Hovav;
Levin, 1998; Dowty, 2000; Davis, 2001). Esse fenômeno constitui um dos maiores desafios a
qualquer teoria não trivial do mapeamento. De fato, o mecanismo proposto não pode, por um
lado, ser tão rígido ao ponto de excluir as variações constadas ou de precisar de alterações ad
hoc para cada alternância verbal. Por outro lado, o mecanismo deve ser suficiente restritivo de
modo a excluir os padrões não atestados (Davis, 2001).
Dada a importância das alternâncias de valência na teoria do mapeamento, aplicamos o
modelo proposto a um tipo de alternância comumente associado a línguas como inglês e
alemão, que é a extensão de um verbo intransitivo ou transitivo para uma moldura que inclui
argumento especificando, a respeito do sujeito do verbo intransitivo ou do objeto direto do
verbo transitivo, uma propriedade que resulta do processo ou ação verbal. Trata-se das
chamadas construções resultativas, assunto bastante aprofundado na LDG por Wunderlich
(2000), entre outros. Mostraremos que as regras postuladas por Wunderlich para essas
construções têm falhas, quando confrontadas com dados do alemão e do português.
Propomos, então, regras alternativas que contornam esses problemas.
A exposição que segue se desdobra em quatro seções. Na seção 2, delineamos o
arcabouço teórico, que compreende as teorias da LFG e da LDG. Na seção 3, argumentamos
em prol do modelo LFDG (Lexical-Functional Decomposition Grammar – Gramática
Funcional de Decomposição Lexical), que incorpora o elegante mecanismo de vinculação
argumental da LDG à LFG, em substituição ao módulo da LMT. Diferentemente da
abordagem padrão na LDG, porém, na LFDG, que adota a arquitetura geral da LFG, o output
do mapeamento é universalmente especificado em termos de funções gramaticais. Na seção 4,
aplicamos esse modelo num estudo comparativo das construções resultativas do alemão e do
português, revisando a proposta de Wunderlich (2000). Finalmente, na seção 5, extraímos as
conclusões do trabalho.
2. ARCABOUÇO TEÓRICO
2.1. A Gramática Léxico-Funcional
A Gramática Léxico-Funcional (Lexical-Functional Grammar – LFG) é uma
abordagem lexicalista e não-derivacional da gramática gerativa que almeja uma modelação
tipologicamente realista, computacionalmente viável e psicolingüisticamente plausível da
arquitetura da Gramática Universal (Bresnan, 1982; Bresnan, 2001; Falk, 2001; Kuhn, 2001).
3
Estrutura Estrutura
Semântica Argumental
Estrutura
Informacional Estrutura Funcional
(1) uma
DEF −
GEND FEM
NUM SG
4
(2) dentista
[NUM SG]
DEF −
GEND FEM
NUM SG
pôr:
Estrutura Θ: [Agente] ... [Paciente/Tema] ... [Lugar]
5
computacionais de LFG livremente disponíveis (como é o caso do GFU-LAB e do XLFG).
Nesses sistemas, como na primeira versão da LFG (Bresnan, 1982), são atribuídas aos verbos,
no léxico, molduras de subcategorização (chamadas molduras funcionais por Schwarze,
1995). Por exemplo, atribui-se <SUBJ OBJ> à variante transitivo-causativa de abrir, para
especificar que esse verbo rege sujeito e objeto direto. No modelo atual da LFG, a
subcategorização verbal é especificada, no léxico, sob a forma de uma Estrutura Argumental,
a qual, pela chamada projeção léxico-sintática (Bresnan, 2001, p. 306), determina a Estrurura
Funcional da frase onde o verbo funciona como núcleo.
As projeções léxico-semântica e léxico-sintática constituem o mecanismo de vinculação
argumental da LFG, denominado Teoria do Mapeamento Lexical (Lexical-Mapping Theory –
LMT). O ponto de partida da LMT consiste numa lista de papéis temáticos distribuídos na
Hierarquia Temática (Falk 2001, p.104, Bresnan 2001, p.307) de (4). Os papéis temáticos, por
sua vez, são atribuídos a parir das Estruturas Léxico-Conceptuais (Lexical-Conceptual
Structures – LCS) subjacentes aos verbos, baseadas na teoria semântica de Jackendoff (1990).
6
A projeção da Estrutura A sobre a Estrutura Funcional obedece aos seguintes princípios
(KELLING; ALENCAR, 2006):
Conforme Falk (2001, p. 113-115), verbos bitransitivos como dar, entregar, doar,
enviar etc., dependendo do tipo de língua, associam-se a uma das estruturas argumentais de
(9).
(9) a. <[−o],[−r],[−r]>
b. <[−o],[−r],[+o]>
c. <[−o],[+o],[−r]>
Isso se deve ao fato de tanto o Beneficiário quanto o Tema poder ser conceptualizado,
também, como Paciente. A opção (9 a) é a não-marcada, seguindo o Princípio I de (6). Essa
estrutura não estabelece uma diferenciação entre Beneficário/Paciente e Tema/Paciente. Em
uma parte das línguas do grupo banto, como sesotho, kichaga e kinyarwanda (Wunderlich,
2002, p.9) e alguns dialetos do inglês britânico (Kroeger, 2004, p. 74), essa possibilidade é
instanciada. Como os dois objetos do verbo são marcados de forma idêntica por meio de [−r],
tanto o penúltimo quanto o último pode projetar OBJ. Conseqüentemente, na passiva, tanto o
Beneficiário (Recipiente) quanto o Tema (objeto da transferência) pode realizar-se como
SUBJ:
No inglês padrão e, segundo Falk (2001, p. 114), na maioria das variedades dessa
língua, bem como em línguas bantas como kikuyu e suaíli, verbos bitransitivos associam-se à
estrutura argumental (9 b), exemplificada em (11 a). Nessa frase, o Beneficiário é realizado
como OBJ. O Tema realiza-se como OBJθ. As línguas românicas, o latim, o alemão, o japonês
etc. instanciam a opção (9 c), como em (11 b). Inverte-se, nessa construção, o padrão
7
observado em (11 a), pois é o Beneficiário que projeta sobre OBJθ, ao passo que o Tema
projeta sobre OBJ.
2 Apenas para simplificar a exposição, não consideramos a possibilidade de realização do OBJ, nessa frase, por
uma categoria vazia (funcionando como pronome nulo anafórico), freqüentemente licenciada em português (mas
não, num caso desses, em línguas como inglês e alemão). Também não levamos em conta a possibilidade do
licenciamento da frase por uma variante intransitiva antipassiva do verbo assassinar.
8
Categorial e do Programa Minimalista. Pelo lexicalismo que defende, contudo, a LDG
distancia-se do gerativismo transformacional, aproximando-se de propostas gerativas não-
derivacionais como a LFG, como veremos detalhadamente na seção 3.
Na versão da LDG de Wunderlich (1997a, p. 32, 1997b, p. 100), o modelo comporta os
seguintes níveis:
I. Forma Semântica (Semantic Form – SF), que consiste numa representação dos
aspectos gramaticalmente relevantes do significado dos itens lexicais
(especialmente os necessários à determinação de suas propriedades de
subcategorização), sob a forma de uma decomposição em predicados
elementares hierarquicamente estruturados.3
II. Estrutura Sintagmática (Phrase Structure – PS), que modela as representações
sintáticas projetadas a partir de núcleos simples ou complexos.4
III. Estrutura Teta (Theta Structure – TS), que funciona como nível de interface
entre SF e PS, especificando, sob a forma de uma seqüência de variáveis ligadas
por operadores λ,5 a estrutura argumental (argument structure – AS) do item
lexical.6 Na AS, os argumentos, denominados papéis θ, constituem uma
hierarquia, codificada por meio dos traços [± hr] "(não) há um argumento mais
alto" e [± lr] "(não) há um argumento mais baixo". Esse traços, por sua vez,
constituem casos abstratos que devem se harmonizar com casos morfológicos,
marcas de concordância e posições de complementos, especificados, igualmente,
por meio dos traços [± hr] e [± lr].
9
CS
| lexicalização
SF
itens lexicais | abstração lambda
TS
| vinculação
PS
Diagrama 3: Representação esquemática da LDG (Wunderlich, 1997a, p. 32)
Para um verbo como a variante causativa do verbo latino aperire 'abrir' (cf. (14)), que
segue o padrão canônico de projeção argumental para verbos de dois lugares em línguas
nominativo-acusativas, temos a entrada simplificada de (15), cuja SF se parafraseia
informalmente como "x age e y se torna aberto". Ressalte-se que o símbolo & não denota a
conjunção tradicional da lógica formal, mas a conjunção assimétrica (Wunderlich, 2000).
A relação de causa e efeito entre a ação de x e o processo que afeta y não é, portanto,
explicitamente representada na SF. Uma das teses da LDG é que a noção de causalidade,
geralmente representada em semântica formal pelo predicado CAUSE (Chierchia;
McConnell-Ginet, 2000, p. 438), não constitui um primitivo do nível SF, mas é computável a
partir de determinadas configurações da SF por meio de princípios gerais. A substituição de &
por CAUSE – como prefere, por razões puramente semânticas, um lingüista como Bierwisch
(2002) que, no geral, endossa a LDG – numa fórmula como (15) ou na representação arbórea
do Diagrama 6 em nada afeta a hierarquia dos argumentos, uma vez que esse segundo
predicado tem o tipo lógico <<s,t>,<<s,t>,<s,t>>>, o mesmo do primeiro nessa configuração
(Bierwisch, 2002, p. 333).
Nessa representação, os argumentos da SF constituem a hierarquia s > x > y, que é
representada em ordem invertida na AS, onde λx é o papel θ mais alto e λy, o mais baixo. A
variável s representa o argumento referencial do verbo, sendo invisível para o mecanismo de
projeção argumental, mas visível para as categorias de tempo e aspecto verbais.
Os predicados, funtores e argumentos de que se constitui uma SF são caracterizados em
termos de tipos lógicos, os quais determinam sua combinabilidade. Na LDG, assumem-se,
7 Seguimos a convenção, comum à LDG e a outras abordagens semânticas formais, de designar os predicados
básicos de que se compõem os significados verbais por meio dos respectivos termos ingleses, mesmo em
trabalhos escritos noutra língua que não o inglês.
10
além dos tipos e (para expressões que se referem a entidades) e t (para expressões que se
referem a proposições) da Gramática de Montague, o tipo s, para o subtipo das entidades
representado pelas eventualidades (BIERWISCH, 2002, p. 331). Esses tipos podem se
combinar para formar tipos complexos, os quais representam funtores a serem aplicados a um
ou mais argumentos. De uma maneira geral, um funtor ϕ de tipo <α,β> aplica-se a um
argumento ψ de tipo α para formar uma expressão complexa [ϕψ] de tipo β. Para os
elementos de (15), por exemplo, temos as especificações do Quadro 1 (Wunderlich, 1997b, p.
102).
Predicado/Funtor Tipo
ACT 'age' <e,<s,t>>
& 'e' <α,<α,α>> (onde α representa um tipo qualquer)
BECOME 'torna-se' <t,<s,t>>
OPEN 'aberto' <e,t>
x, y e
Quadro 1: Tipos lógicos de alguns predicados e funtores da LDG.
α <α,α>
|
A <α,<α,α>> α
| |
& B
11
α
α <α,α>
|
B <α,<α,α>> α
| |
& A
Diagrama 5: Representação de B & A.
<s,t> s
<s,t> <<s,t>,<s,t>> s
BECOME <e,t> e
OPEN y
Diagrama 6: Estrutura hierárquica da SF de (15).
(16) λy λx
[+hr] [−hr]
[−lr] [+lr]
12
o ergativo, com a especificação [+lr] (Wunderlich, 1997a, p. 48). Nas línguas casuais, são os
casos morfológicos que funcionam como "vinculadores" (linkers). Em línguas sem caso
morfológico, os vinculadores assumem a forma de posições na estrutura sintagmática e/ou
marcas de concordância.
(19) λu λv λx
[+hr] [+hr] [−hr]
[−lr] [+lr] [+lr]
(20) poeta magistrae rosam dat.
poeta.NOM professora.DAT rosa.AC dá
'O poeta dá uma rosa à professora.'
13
nível SF, uma vez que essa informação pode ser depreendida a partir de princípios gerais que
governam a correspondência entre SF e CS. Em (21) também não se especifica a estrutura
subeventiva, tal como preconiza Pustejovsky (1995), entre outros, porque esse aspecto do
significado é também considerado como parte da CS.
Verbos como stehlen 'furtar', zeigen 'mostrar' e vorstellen 'apresentar' do alemão são
representados como em (22 a, b e c), respectivamente. Todos esses verbos são bitransitivos
canônicos porque projetam a mesma AS que geben 'dar' (cf. (19)). Em (22 b e c) são
empregados os predicados primitivos SEE e KNOW, parafraseáveis como 'ver' e 'saber',
respectivamente, do mesmo tipo lógico que POSS, i.e. <e,<e,t>>.
(23) λx λs LAUGH(x)(s)
[−hr]
[−lr]
Nos casos canônicos, como em (15), (21), (22) e (23), há uma correspondência
biunívoca entre a AS e a hierarquia de argumentos individuais da SF do verbo, como se pode
observar, por exemplo, em (15), em que y < x projeta λy λx. Essa AS, por sua vez, está
também em correspondência biunívoca com a moldura casual NOM-AC. Regras lexicais que
operam sobre uma AS e/ou SF, porém, podem produzir uma discrepância entre a AS e a
hierarquia de argumentos individuais da SF. Esse é o caso, por exemplo, da passiva, em que o
argumento mais alto é ligado pelo operador existencial ∃ (cf. (24)). Ele torna-se, com isso,
"invisível" para o mecanismo de projeção.8 Nesse caso, o único papel θ restante na AS do
verbo, que é o mais baixo com a especificação [+hr, −lr], projeta o caso menos específico
nominativo e não o mais específico que é acusativo (contrariando, poretanto, o Princípio II de
8 Não há consenso na LFG sobre o estatuto sintático do chamado agente da passiva. Bresnan (2001, p. 29) é de
opinião que se trata de um complemento (especificamente um oblíquo), contrariamente a Falk (2001, p. 94), a
quem seguimos neste trabalho, que não o considera um complemento.
14
(18)), devido a um princípio adicional que determina que o nominativo deve ser atribuído a
um dos argumentos de um predicado verbal (Stiebels, 1996, p. 22).9
9 Em alemão, esse princípio somente não se aplica em verbos cujo único argumento contém uma especificação
lexical em termos dos traços [± hr] e [± lr], i.e. uma especificação não determinada pela posição hierárquica do
argumento, como é o caso dos chamados verbos intransitivos acusativos (cf. Mich dürstet 'Tenho sede',
literalmente 'Me tem sede') (Wunderlich; Lakämper, 2001, p. 12). Ressalte-se que, em línguas como finlandês,
pode ocorrer a realização no acusativo do único argumento da forma passiva de um verbo transitivo (Kroeger,
2004, p. 54).
10 Como ressalta Raposo (1999, p. 25), o sistema C-I é externo à Faculdade da Linguagem (FL), possuindo uma
estrutura própria e independente.
15
de (18) são reformuladas como restrições dispostas numa hierarquia. O princípio (I) de (18) é
substituído pelas restrições IDENT([hr]) e IDENT([lr]), que asseguram uma identidade,
respectivamente, dos valores dos atributos hr e lr especificados no input e no output. Desse
modo, o papel λu[+hr, −lr] não pode ser realizado pelo dativo, pois a restrição IDENT([lr]) é
violada, uma vez que o dativo é especificado como [+hr,+lr]. O acusativo, por sua vez,
especificado como [+hr], não pode realizar λx[−hr, +lr], pois viola fatalmente IDENT([hr]),
mas é compatível com λu[+hr, −lr] e λv[+hr,+lr]. O nominativo, especificado como [ ], é
compatível com qualquer papel θ. A compatibilidade de um papel θ com um determinado
vinculador é regulada pela possibilidade ou não de unificar as matrizes de atributos e valores
que os representam, observando a restrição de que um atributo somente pode ter um valor. A
restrição IDENT desempenha, portanto, um papel semelhante ao Princípio da Consistência da
LFG (cf. (12)).
CS
x=Agente ou Controlador
v=Recipiente
u=Paciente ou Afetado
Evento causal: ACT(x)(s1)
Estado resultante: POSS(v,u)(s2)
⇑
TS SF
λu λv λx λs ⇐ {ACT(x) & BECOME (POSS(v,u))}(s)
+hr +hr −hr
−lr +lr +lr
↓ ↓ ↓
AGR
ACC DAT NOM
MS
16
alemão (assim como dare em latim) (cf. (19)), o candidato ótimo, assinalado por ), é a
moldura casual NOM-DAT-AC, conforme mostra o Quadro 2, pois só fere MAX([+lr]): o
input é λx[−hr, +lr], mas o output é [ ]. Os outros candidatos "perdem a disputa" porque
apresentam um maior número de violações ou uma violação mais grave que C1.
17
As línguas de construção de duplo objeto simétricas não possuem o traço [± ho] (cf.
(27)). Como não é feita nenhuma distinção hierárquica entre os objetos, tanto o Recipiente
quanto o Tema pode realizar-se imediatamente à direita do verbo (Wunderlich, 2002, p. 9).
(27) λu λv λx
+hr +hr −hr
Tanto a LFG quanto a LDG assumem uma arquitetura modular paralela projecionista.
Ambas as teorias fazem uso intensivo da operação de unificação de matrizes de atributos e
valores. Como no caso da LFG, o formalismo dessa teoria enquadra-se, igualmente, no tipo
"baseado em restrições" (constraint-based).
No Quadro 3, mostramos, a exemplo de um verbo transitivo do tipo abrir numa língua
acusativa como alemão ou latim, as correspondências entre os três níveis envolvidos na
interface entre semântica lexical e sintaxe nos dois modelos. Tanto a LFG quanto a LDG parte
de um nível semântico ou conceptual para chegar ao nível sintático, assumindo um nível
intermediário, que especifica não só o número de argumentos a serem projetados na sintaxe,
mas também os hierarquiza e classifica com base num sistema de traços. É sobre esses traços,
que classificam tanto os elementos do nível de interface quanto os da sintaxe, que o
mecanismo de projeção opera.
Outro aspecto em comum é que as duas teorias são lexicalistas. Há várias acepções para
o termo lexicalista, como ressalta Falk (2001, p. 3-8). Em primeiro lugar, uma teoria
lexicalista confere um papel extremamente importante ao léxico. Nesse sentido, também a
TRL, com o Princípio de Projeção, é, de algum modo, lexicalista (Falk, 2001, p. 3). A LFG e
LDG, no entanto, são muito mais radicalmente lexicalistas. Na LFG, a Estrutura A restringe,
pelo mecanismo da LMT, os tipos de frases onde um verbo ocorre. Todas as funções
gramaticais, inclusive o sujeito, são lexicalmente determinadas. Para a LDG, numa língua
casual todos os casos, inclusive os estruturais, são lexicalmente atribuídos, diferentemente da
18
TRL, para a qual o nominativo, por exemplo, é atribuído pela categoria INFL finita
(Grewendorf, 2002, p. 23).
Na análise das alternâncias verbais revela-se de forma particularmente nítida o
paralelismo entre LFG e LDG. Em ambas as teorias, todas as alterações da valência verbal
decorrem exclusivamente de operações lexicais. No caso da passiva, uma operação lexical
inibe a projeção do argumento mais alto da Estrutura A (na LFG) ou liga existencialmente
(por meio do operador ∃) o papel θ mais alto da AS (conforme a LDG). Aplicados sobre essa
nova estrutura argumental, os princípios de projeção derivam automaticamente uma nova
moldura funcional ou casual. É essa nova especificação que licencia a construção (28 b) (com
DP no nominativo realizando a função SUBJ) e proíbe a estrutura (28 c) (com DP no
acusativo).
Na TRL, pelo contrário, a passiva é apenas em parte lexical. Para que uma estrutura
passiva como (28 b) seja gerada, é preciso que o DP na posição de argumento interno do
verbo seja movido para a posição de especificador de INFL, onde recebe caso nominativo
(Grewendorf, 2002, p. 24).
Comparando o mecanismo de projeção da LDG com a LMT, o módulo responsável por
isso na LFG, a primeira teoria revela-se bem mais econômica. De fato, na LMT, é preciso
primeiro determinar os papéis temáticos dos argumentos verbais, para depois organizá-los
numa hierarquia. Na LDG, apenas a hierarquia é suficiente. Nessa teoria, é irrelevante para a
vinculação argumental o tipo de papel temático exercido pelos argumentos do verbo.
A LMT herda todos os problemas com esse tipo de hierarquia e com a noção de papel
temático de modo geral, que vêm sendo apontados na literatura recente (Davis, 2001, p. 26-30
Levin; Rappaport Hovav, 2005, p. 157).
As desvantagens da LMT em relação à LDG, decorrentes da utilização de papéis
temáticos como input do mecanismo de mapeamento, tornam-se particularmente claras
quando se comparam as análises de operações lexicais de mudança da valência no âmbito das
duas abordagens. Um dessas operações é a causativização. Em línguas românicas como
francês, catalão e português europeu, o Agente de um verbo transitivo, que canonicamente se
realiza como sujeito, em construções causativas passa a realizar-se como objeto indireto
(dativo), como mostram os exemplos (29 b, c) do catalão e (30 b) e (31 b) do português
europeu. Na causativização de um verbo intransitivo, porém, o "Causee" (i.e. o Agente do
verbo "encaixado") realiza-se como objeto direto (acusativo) (cf. (29 a) e (30 a)).
19
(29) a. Fas treballar molt el nen. (Alsina, 1996, p. 185)
fazes trabalhar muito o rapaz
b. El nen llegeix un poema. (Alsina, 1996, p. 190)
o rapaz está lendo um poema
c. El mestre fa llegir un poema al nen. (Alsina, 1996, p. 190)
o professor faz ler um poema ao rapaz
(33) a. Eu mandei escrever a carta aos alunos, mas eles não me obedeceram.
b. Eu mandei escrever a carta aos alunos, mas eles nem me ouviram.
Talvez se possa construir uma análise das situações expressas por essas frases em que os
referentes das expressões sublinhadas exerçam um papel temático que justifique a atribuição
do traço [+o]. Na LDG, porém, isso não é necessário. A realização do "Causee" como objeto
indireto decorre automaticamente da hierarquia argumental. O verbo causativo tem a
representação esquemática de (34), onde REL é um predicado do tipo <t, <e,s,t>>,
expressando uma relação entre um indivíduo x e uma proposição P. Pelo processo de
composição de funções com (35), obtém-se (36). O complexo verbal mandar escrever herda
20
os papéis θ λz λy de escrever. 11 O papel θ λy, que projeta sobre nominativo (sujeito) no verbo
escrever, por ser o mais alto na AS de (35), em (36) passa a ser intermediário, projetando
dativo (objeto indireto).
A abordagem da LDG nesse caso se revela claramente superior, uma vez que não é
necessário tratar esses verbos como exceções. Conforme (38), o verbo enter é totalmente
regular (Bierwisch, 2002, p. 334).
21
A AS de (38), projetada a partir da SF, especifica o Tema como argumento mais alto
(representado pela variável x) e o objeto de referência (representado pela variável y), com
relação ao interior do qual é especificada a localização de x, como argumento mais baixo.
Logo, λx realiza-se como sujeito e λy, como objeto. Sob a perspectiva da LDG, não há,
portanto, nada de excepcional nesse verbo, contrariamente à análise da LMT. Pelo critério da
aprendibilidade (learnability), a abordagem que postula o menor número de exceções no
léxico, no caso a LDG, deve ser considerada explanatoriamente superior (Radford, 1997, p.
6).
A AS proposta na LDG para um verbo como geben 'dar' do alemão prediz corretamente
a ordem básica (não marcada) dos argumentos sintáticos do verbo, que é sujeito – objeto
indireto – objeto direto (cf. (39 a)). A ordem entre objeto indireto e objeto direto, contudo,
pode ser invertida, desde que o objeto direto não seja indefinido (cf. (39 b,f)) (Eisenberg,
1999; Eroms, 2000). Qualquer uma das relações gramaticais pode ocupar a posição pré-verbal
numa frase declarativa do alemão (cf. (39 c,d)). A posição pré-verbal, no entanto, comporta,
apenas, uma única relação gramatical. A frase (39 e)) é agramatical porque apresenta o
ordenamento objeto indireto – sujeito – verbo – objeto direto, com duas relações gramaticais
antes do verbo.
Quando objeto direto e o indireto ocorrem sob a forma pronominal, o primeiro deve
obrigatoriamente preceder o último.
Exceto (39 a) e (41 a), esses fatos do alemão e do latim não encontram explicação no
âmbito da LDG. Na LFG, a linearização dos constituintes é modelada no âmbito da Estrutura
22
C. A LDG, no entanto, não desenvolveu o nível PS da primeira fase da teoria nem o nível MS
da fase atual. O nível TS determina apenas o caso dos DPs que ocorrem no nível MS. Desse
modo, a construção (41 a) é licenciada, porque os DPs instanciam a seqüência ótima de casos
morfológicos (ver C1 no Quadro 2), estabelecida pela Teoria da Correspondência, para o input
especificado pela AS do verbo. Por outro lado, a LDG prediz corretamente a agramaticalidade
das frases de (42 a, b), que instanciam os padrões subótimos C3 e C7 do Quadro 2.
Não está claro, porém, como ocorre, na LDG, a vinculação dos DPs aos papéis θ em
casos como (41 b, c), em que a linerarização discrepa do default depreendido pela AS (cf. (41
a)).
Outro problema da LDG é que, para modelar a projeção argumental em línguas como o
português (especialmente na sua variedade européia), é necessário especificar repetidas vezes
o output do mecanismo de mapeamento. Em primeiro lugar, é preciso formular um sistema de
correspondências entre os casos abstratos da AS e os casos morfológicos nominativo, dativo e
acusativo, como no latim e no alemão (cf. (43 a) e (43 b)). Um segundo sistema de
correspondências faz-se, porém, necessário para estabelecer a relação entre a AS e as posições
dos DPs não-pronominais, que, tal como no inglês, não são marcados com casos morfológicos
(cf. (43 c)). Finalmente, o mecanismo de mapeamento deve incluir mais um sistema de
correspondências para os casos em que os argumentos verbais são realizados por meio de
afixos (cf. (43 d)) (Luís; Otoguro, 2004).
Toda essas deficiências deixam claro que a LDG, diferentemente da LFG, não é uma
teoria gramatical completa. Apesar de conter o termo gramática em sua designação, a LDG
constitui, antes, uma teoria sobre alguns dos módulos que, de uma forma ou de outra, devem
integrar uma teoria da gramática (cf. Langendoen, 1999). Em termos da TRL, os módulos
cobertos pela LDG correspondem, grosso modo, à Teoria Teta e à Teoria do Caso
(Grewendorf, 2002, p. 18-24). Em conformidade com isso, uma defensora da LDG como
Ingrid Kaufmann caracteriza essa abordagem como "teoria sobre as representações lexicais"
(Kaufmann, 2000, p. 4). Vários outros módulos da teoria gramatical, como a Teoria X-barra, a
Teoria da Regência e a Teoria da Ligação da TRL não são modelados, pelo menos de forma
23
explícita, na LDG. Pelo contrário a LFG pode ser considerada, nesse sentido, uma teoria
completa.
Aproveitando as vantagens das propostas da LFG e LDG, mas desfazendo-se dos pontos
fracos de cada modelo, propomos uma integração da LDG na LFG, reformulando o módulo
de vinculação da LFG em termos da LDG. Desse modo, em vez da Estrutura Θ e da Estrutura
A, colocamos a SF e a TS como base do mapeamento das representações lexicais sobre a
Estrutura F. Por conveniência apenas, chamamos esse modelo de Gramática Léxico-Funcional
de Decomposição (Lexical-Functional Decomposition Grammar – LFDG), uma vez que a
substituição da LMT pelo mecanismo de mapeamento da LDG em nada contraria o espírito da
LFG . Na LFDG, a TS de um verbo, independentemente da língua, é universalmente mapeada
sobre uma moldura funcional (como <SUBJ>, <SUBJ OBJ> etc.). No caso do verbo dar em
português europeu, todas as realizações argumentais de (43) são uniformemente especificadas
como instanciando estrutura funcional com SUBJ, OBJθ e OBJ.
Diferentemente de Wunderlich (2002), propomos que a AS de verbos bitransitivos
prototípicos como dar e seus equivalentes de tradução é universalmente especificada em
termos dos traços [± hr] e [± lr] e [± ho], os quais são inerentes à hierarquia dos argumentos,
depreensível a partir da SF. As diferentes línguas, contudo, exploram de modo diferente esses
traços no mapeamento da AS sobre a Estrutura F.
24
dativo (no caso dos clíticos pronominais) ou pelo caso preposicional especificado pela
preposição a (i.e. PCASE=A) (ALENCAR, 2003).
Nas chamadas línguas com objeto duplo, as correspondências são as de (46) e (47), para
línguas assimétricas e simétricas, respectivamente:
(46) SUBJ []
OBJ [+hr]
OBJθ [+hr, +ho]
(47) SUBJ []
OBJ [+hr]
OBJθ [+hr, ho]
Em (47), a especificação [ho] do objeto secundário significa que deve haver um valor
para esse traço no input.13 Dessa forma, λu e λv numa AS como (44) podem projetar tanto
OBJ quanto OBJθ. Num verbo canônico de dois lugares, contudo, o argumento mais baixo só
pode projetar OBJ, pois é especificado apenas como [+hr, −lr], não apresentando valor para o
traço [ho].
13 Essa restrição pode ser modelada no formalismo da LFG por meio de uma "restrição existencial" (existential
constraint) da forma (f ho), onde f simboliza a Estrutura F que resulta da unificação das estruturas funcionais do
input e do output. Esse tipo de restrição determina que nessa estrutura deve existir um valor para o atributo ho
(BRESNAN, 2001, p. 61).
25
expandida. No modelo LFDG, como propusemos na seção 3, o output do mapeamento é
constituído por funções gramaticais.
Conforme Wunderlich (2000, p.253), todas as ampliações das representações
semânticas verbais, em qualquer língua natural, constituem instanciações de uma única
operação geral, que ele denomina ARG. Por meio dessa operação, um predicado adicional é
adjungido à representação semântica de base. Wunderlich formaliza ARG como o molde
(template) (48).
Para Wunderlich, no exemplo (51), o verbo run 'correr' instancia um outro tipo de
construção, que ele denomina construção resultativa fraca.
26
HOVAV; LEVIN, 1998, p. 108). De fato, é possível correr sobre uma esteira sem se deslocar
(ASHER;SABLAYROLLES, 1996, p. 171,173).
(52) λx λs RUN(x)(s)
Na LDG, adjetivos como threadbare 'gasto' e naked 'nu' expressam predicados do tipo
<e,t>. Também sintagmas preposicionados como into the house 'para dentro da casa' têm esse
tipo lógico. Desse modo, APs e PPs podem, por meio de aplicação funcional, realizar o
argumento λQ de (54),. Há, porém, um contraste enorme entre as representações de run naked
e run into the house, como mostram (57) e (58).
27
d. run naked:
λQ λx λs {RUN(x) & Q(x)}(s) (λu NAKED(u))
λx λs {RUN(x) & (λu NAKED(u)) (x)}(s)
λx λs {RUN(x) & NAKED(x)}(s)
e. Mary run naked: λs {RUN(Mary) & NAKED(Mary)}(s)
(58) a. into the house: λx BECOME(LOC(x, INT(the.house)))
b. run into the house:
λx λs {RUN(x) & BECOME(LOC(x, INT(the.house)))}(s)
Nesse caso, o argumento expresso pelo objeto direto da variante expandida não é o
argumento interno do verbo de base (x em (62)), mas aquele que foi introduzido pela
operação STRONG_R (representado por z em (62)).
28
(63) L-comando: Um nó α L-comanda um nó β, se (i) existe um nó γ que domina β
e (ii) γ domina também α, diretamente ou por intermédio de uma cadeia de nós
de tipos lógicos idênticos.
Em (66 a), a frase só expressa mudança de estado porque o PP para dentro da casa, à
semelhança do PP do inglês into the house, traz para a composição semântica com o verbo o
elemento BECOME (Bierwisch, 2002, p. 334). Quando isso não ocorre, como em (66 b), o PP
não expressa o resultado de uma transição, mas apenas localiza espacialmente a ação do
29
argumento realizado pelo sujeito verbal. As representações semânticas das preposições para e
dentro de deixam clara a sua contribuição para a estrutura aspectual de (66 a) e (66 b). Por
composição de funções de para com dentro de na morfologia, a preposição "composta"
(Gärtner, 1998) para dentro de herda os argumentos da preposição dentro de (cf. (67 a-c)).14
Em (67 d), a representação da preposição composta é aplicada sobre a representação de seu
objeto (a casa). Quando o verbo se aplica sobre esse PP em (67 e), a variável u é substituída
por x, através de conversão lambda interna (Witt, 1998, p. 48).
Também em (68) e (69) não temos o AP expressando o estado final de uma transição.
Por exemplo, em (69) o vinho não se tornou seco ou o copo não secou como conseqüência da
ação de Mary.
14 Na LDG, conforme Stiebels (2002), admite-se composição de funções apenas na morfologia e na formação de
complexos verbais (como no caso das construções causativas). As preposições compostas do inglês into 'para
dentro de' e onto 'para cima de' são claramente formadas na morfologia. Em português, à primeira vista, um PP
como para dentro da casa é concatenado na sintaxe pela realização do objeto de para por meio de outro PP
(dentro da casa). De fato, o PP dentro da casa pode ocorrer de forma independente. No caso de para cima da
mesa, porém, cima da mesa não ocorre independentemente.
30
(70) Ame ga dorodoroni toketa.
bombom NOM pastoso derreteu
'O bombom derreteu e ficou pastoso.'
(71) Maria ga ame o dorodoroni tokasita.
Maria NOM bombom AC pastoso derreteu
'Maria derreteu o bombom e ele ficou pastoso.'
31
uma transição. Compare (75) com a representação correta em (76), que descreve
adequadamente a situação como mudança de localização de z como conseqüência da ação de
latir de x.
Em alemão, preposições direcionais como in 'em', auf 'sobre', an 'junto a' etc., que
expressam deslocamento, regem por default um objeto no acusativo, ao passo que as
preposições homônimas não-direcionais regem dativo. Em inglês, a oposição entre acusativo e
dativo do alemão, associada ao parâmetro semântico da direcionalidade, é reproduzida em
casos como in e on pela adjunção da preposição to, que, à semelhança da preposição para do
português, contribui com o predicado BECOME na formação das preposições compostas into
e onto (cf. (67 b)).
Esse argumento pode ser realizado, portanto, por um AP como bewusstlos 'inconsciente'
(cf. (80)) ou por um PP como (77) e (78), pois todas essas expressões têm o tipo lógico <e,t>.
Desse modo, as expressões abaixo são bem formadas em alemão (e o mesmo se pode
dizer de suas correspondentes em inglês):
32
(82) der Mann den Hund bewusstlos schlagen/the man beat the dog unconscious:
λs {BEAT(the.man,y) & BECOME (UNCONSCIOUS (the.dog))}
Por meio de WEAK_R, as construções de (83) são licenciadas, que, pelo processo de
aplicação funcional, produzem a representação semântica parcial de (84).
(84) der Mann den Hund ins Zimmer schlagen/the man beat the dog into the room:
λs {BEAT(the.man,y) & BECOME (LOC(the.dog, INT(the.room)))}
Sobre os PPs com preposição não direcional, também podemos aplicar a variante de
schlagen 'bater, espancar' derivada por meio de STRONG_R, uma vez que PPs não
direcionais satisfazem a restrição imposta pelo tipo lógico do argumento predicativo, que é
<e,t>. Em (85) temos a representação semântica parcial da frase:
(85) der Mann den Hund im Zimmer schlagen/the man beat the dog in the room:
λs {BEAT(the.man,y) & BECOME (LOC(the.dog, INT(the.room)))}
A questão que se coloca, portanto, é como permitir a realização, por elementos estáticos
como APs do tipo bewusstlos 'inconsciente', do argumento predicativo de verbos derivados
através de STRONG_R, mas, ao mesmo tempo, impedir que PPs estáticos (i.e. não
direcionais) façam isso. Na seção 4.3, propomos moldes alternativos aos postulados por
Wunderlich, os quais resolvem esse dilema. Nossa proposta é também capaz de contornar a
dificuldade provocada pela realização, por meio de PPs dinâmicos (i.e. direcionais), do
argumento predicativo dos verbos resultantes de STRONG_R. Como vimos, pela proposta de
33
Wunderlich, um predicado BECOME passa a constituir argumento de outro predicado
BECOME, o que não condiz com a semântica das expressões formadas por esses verbos.
RESULTATIVO_FORTE
(i) Verbos intransitivos com argumento Tema dinâmico ("inacusativos")
λx λs VERB(x)(s) => λQ λx λs{VERB(x) & [α BECOME] Q(x)}(s)
dyn=+
(ii) Senão:
... λs VERB(...)(s) => λQ λu ... λs {VERB(...) & [α BECOME] Q(u)}(s)
dyn=+
Condição:
Se o argumento λQ for realizado por um elemento dinâmico, então α= − . Senão α= +.
15 Sobre a utilização da convenção [α X] em representações semânticas, ver por exemplo Bierwisch (1997).
34
dyn. A unificação ocorre, nesse caso, sem problemas. O atributo dyn está presente em alemão
apenas no sistema de preposições (e advérbios espaciais, que se podem considerar preposições
intransitivas), correlacionando-se com o caso canonicamente atribuído pela preposição ao seu
objeto (acusativo para dyn= +, dativo para dyn= −). As relações preposicionais do alemão são
classificadas por meio de uma hierarquia de tipos (type hierarchy), representada no Quadro 4.
Um tipo de um nível mais baixo da hierarquia herda todas as propriedades dos tipos aos quais
está subordinado (por exemplo, uma preposição não espacial como mit 'com' é também não
dinâmica).
prep
+dyn −dyn
aus 'de dentro de', in 'em, para dentro +spat −spat
de', auf 'para cima de' etc. in 'em, dentro de', auf 'em wegen 'por cause de',
cima de', über 'sobre' etc. ohne 'sem' etc.
Quadro 4: Classificação das relações preposicionais do alemão.
Em (88), a derivação do verbo por meio da opção (i) ou (ii) depende de informações do
verbo de base localizadas no nível CS. Verbos intransitivos cujo único argumento constitui
um Tema dinâmico, conforme a definição (89), somente podem ser derivados pela opção (i).
Nesse caso, não há transitivização, porque a extensão resultativa predica sobre esse
argumento. Nos demais casos, é aplicável apenas a opção (ii), pela qual pode ocorrer
transitivização.
A extensão resultativa de verbos alemães como stehen 'estar em pé' e lieben 'amar'
exemplificam à perfeição o funcionamento do molde (88). O primeiro verbo é intransitivo. O
seu único argumento individual não se enquadra na definição de Tema dinâmico, uma vez que
esse predicado é estativo. Desse modo, a regra (88) prediz que ele pode ser expandido pela
operação (ii). É isso que acontece em (90):
(90) Die Demonstranten standen sich die Füße platt. (WUNDERLICH, 2000, p. 260)
'Os manifestantes achataram os pés de tanto estar em pé.'
16O reflexivo sich 'se' é um dativo possessivo, introduzido por uma outra operação lexical (Wunderlich, 1996b,
2000).
35
Na expansão de lieben 'amar' em (81), também se aplica a operação (ii), pois o verbo
não é intransitivo:
prep
−spat +spat
por causa de, sem −dyn +dyn
etc. em, dentro (de), fora (de), em de, de dentro (de), para, para
cima (de), sobre etc. dentro (de), para fora (de), para
cima (de), a etc.
Quadro 5: Classificação das relações preposicionais do português.
A primeira construção resulta de regra lexical, em linhas gerais, paralela à operação (88)
do alemão. Denominamos essa construção de resultativa forte.17 Como mostra o verbo tossir
em (92), essa regra, aplicada sobre verbo intransitivo, pode levar à sua transitivização. A
17 O licenciamento dessa operação pelo português leva a posicionar essa língua numa posição mais próxima do
inglês e do alemão do que estão outras línguas românicas como francês, espanhol e italiano, no continuum que
vai de uma língua 100% de caminho a uma língua 100% de maneira (Alencar, 2003).
36
diferença com relação ao alemão é que a realização do argumento predicativo, em português,
é restringida a elementos espaciais, que podem ser tanto não-direcionais (cf. (92 a, c)) quanto
direcionais (cf. (92 b, d)). No alemão, ao contrário, são excluídos elementos não-dinâmicos
(por exemplo, PPs não-direcionais), mas licenciados APs não especificados para
dinamicidade. Por outro lado, em alemão, PPs direcionais podem expressar mudança de
estado não envolvendo mudança de lugar, o que é impossível em português.
As frases (95) – (97) exemplificam o que há de comum e o que diverge nas construções
resultativas do alemão e do português. Apenas a construção do tipo (95) é licenciada em
português, porque o argumento predicativo é realizado por um elemento espacial. Em (96), o
AP é não-espacial, assim como o PP de (97).
18 Pela restrição spat= +, deve existir valor para o atributo spat (espacial) e esse deve ser positivo. A restrição
c
dyn=+ não exige que exista valor para o atributo dyn, apenas que esse, caso existente, seja positivo. A diferença
entre equações do tipo A=c B e A=B e é um dos aspectos mais importantes do formalismo da LFG (Bresnan,
2001, p. 60-62).
37
predicado. Por abstração lambda sobre essa representação, a AS do verbo derivado apresenta
um argumento predicativo. Esse argumento predicativo deve satisfazer a restrição dyn=c+
porque o molde não introduz BECOME. Esse predicado deve ser fornecido, portanto, pelo
constituinte que realiza o argumento predicativo, no caso PPs direcionais como para dentro
da igreja em (93 a).
Pela opção (ii) do molde (99), um novo argumento individual pode ser introduzido na
representação semântica de base, sobre o qual o argumento predicativo predica. Esse é o caso
do verbo varrer em (93). Com Rappaport Hovav e Levin (1998), analisamos verbos como
varrer, raspar etc. como verbos de atividade que especificam uma relação entre um indivíduo
e uma superfície, sem implicar uma mudança de estado (cf. (100)).
Rappaport Hovav e Levin formalizam essa alternância como resultado de uma operação
que denominam aumento de molde (template augmentation), exemplificada em (102). A
primeira representação é a do verbo de base. A segunda, instanciada em (101), constitui o
produto da operação de ampliação. Como se pode constatar, essa operação é, em linhas gerais,
paralela a (98) e (99).
38
Na nossa abordagem, que constitui uma revisão de Wunderlich (2000), a extensão
semântica de (93) é formalizada como resultado da aplicação de RESULTATIVO_FRACO
sobre a variante básica de varrer:
19
Exceto (108 d), esses exemplos baseiam-se em ocorrências em textos (receitas culinárias) disponíveis na
WWW, representativos tanto do português brasileiro quanto europeu.
39
(107) Com ajuda de um martelo de carne (ou rolo de macarrão), abra os filés bem
fino [sic], tendo o cuidado de não rasgar os bifes.20
Os verbos de base podem ser tanto transitivo-causativos, como em (94), (106) e (107),
quanto incoativos ou anticausativos:
Nesse molde, o argumento predicativo λQ, do tipo <e,t>, deve ser realizado por
complemento que, além de expressar uma propriedade (harmonizando-se com esse tipo
lógico), satisfaça a restrição [prep = − ] ou a restrição [form =c +]. A primeira restrição exclui
PPs, que são [prep = +]. APs como curto e fino, ao contrário, são licenciados. A segunda
restrição (disjunta à primeira), exige que o complemento apresente valor positivo para o
atributo form. Esse é o caso de PP introduzido pela variante não-espacial da preposição em,
representada formalmente em (110), parafraseável informalmente como "u tem a forma de v"
(Wunderlich, 2000, p. 258).
40
5. CONCLUSÃO
Adotando a abordagem projecionista da interface entre semântica lexical e sintaxe,
defendemos, neste artigo, a especificação puramente estrutural, nos verbos intransitivos,
transitivos e bitransitivos canônicos, do input do mecanismo de mapeamento dos argumentos
semânticos sobre argumentos sintáticos. Nesse sistema, apenas a informação sobre a
hierarquia dos argumentos, calculada com base na decomposição dos predicados verbais, é
necessária para determinar as propriedades sintáticas dos constituintes que representam esses
argumentos na sintaxe. Essa proposta coincide com a da LDG. Contra essa teoria, porém,
levantamos argumentos a favor da especificação do output do mecanismo de vinculação em
termos de funções gramaticais, como na LFG.
Mostramos que, dos dois modelos comparados ao longo do trabalho, apenas a LFG é
uma teoria completa da gramática. A LDG limita-se a modelar as representações de categorias
lexicais (especialmente os verbos) e as restrições que constrangem a correspondência entre
essas representações e a estrutura sintática das frases. Essa última, contudo, não é
completamente predizível a partir das informações lexicais dos verbos. O verbo, de fato,
determina que tipos de constituintes podem ou devem estar presentes na sintaxe. Mas, como
mostra o caso da posição do verbo em alemão, o próprio verbo sujeita-se a princípios que
transcendem suas especificações lexicais.
A especificação da subcategorização verbal em termos de funções gramaticais em vez
de vinculadores, como casos e posições, é superior à proposta da LDG em vários sentidos,
desde que se assumam, também, os outros aspectos do formalismo da LFG, especialmente o
nível da Estrutura C e os princípios de projeção dessa estrutura sobre a Estrutura F. Em
primeiro lugar, são dirimidas, dessa forma, as dificuldades provocadas pelas variações nos
padrões de linearização dos constituintes frásicos, especialmente no caso de línguas não
configuracionais como o latim. Em segundo lugar, essa abordagem permite um tratamento
mais elegante de línguas como o português europeu, onde o output do mapeamento consiste
tanto de casos morfológicos quanto de posições na estrutura sintagmática e afixos verbais.
Nesse caso, o output pode ser especificado uniformemente, para um verbo bitransitivo
canônico, por exemplo, como consistindo da moldura funcional <SUBJ OBJθ OBJ>.
Adaptamos, portanto, a Teoria da Correspondência da LDG para dar conta das associações
entre estruturas argumentais especificadas hierarquicamente e molduras funcionais, tanto para
línguas com objeto direto e indireto quanto para línguas com objeto primário e secundário, do
tipo simétrico assim como do tipo assimétrico. A especificação <SUBJ OBJθ OBJ> é
universalmente válida para todas essas línguas. Na medida em que permite formular
generalizações como essas, de ampla cobertura tipológica, a abordagem da LFG é superior à
da LDG.
Não obstante essas deficiências da LDG, sua proposta para o input do mapeamento e o
funcionamento desse mecanismo substitui com vantagem o módulo LMT da LFG. Com
efeito, o mapeamento na LMT é menos econômico que na LDG, uma vez que é preciso
41
determinar os papéis temáticos dos argumentos para determinar sua posição hierárquica. Na
LDG, o algoritmo de mapeamento precisa apenas da informação sobre o posicionamento dos
argumentos na hierarquia manifesta na decomposição dos predicados verbais. Na LMT, a
informação sobre papéis temáticos é crucial para classificar os argumentos e as funções
gramaticais. Nesse aspecto, a LDG também leva vantagem sobre a LMT, pois apenas a
hierarquia semântica é suficiente para classificar os elementos do nível semântico e do nível
sintático.
Na parte final do trabalho, aplicamos essa proposta de integração da LDG à LFG,
batizada de LFDG, num estudo de caso das construções resultativas do alemão e do
português, línguas representativas, respectivamente, das classes tipológicas "línguas de
maneira" e "línguas de caminho". Essas construções resultam da aplicação de regras lexicais
sobre as variantes básicas dos verbos, regras essas que expandem as suas representações
semânticas. As variantes derivadas apresentam um padrão valencial diferente da valência
básica, com um maior número de argumentos e/ou um rearranjo na vinculação entre
argumentos semânticos e sintáticos. As alterações da valência, contudo, não precisam ser
estipuladas, uma vez que são automaticamente depreensíveis, através do mecanismo de
mapeamento, das representações expandidas.
Para a formulação das regras capazes de gerar as expansões semânticas resultativas do
alemão e do português, tomamos como ponto de partida os moldes propostos por Wunderlich
(2000), que subclassifica as construções resultativas num tipo forte e num fraco. Conforme
esse autor, o licenciamento do primeiro tipo, por uma língua, implica o licenciamento do
segundo, mas a implicação inversa não subsiste. Para ele, línguas de maneira como as
germânicas e o chinês licenciam a construção forte, ao passo que línguas de caminho como as
românicas e o japonês licenciam apenas a modalidade fraca.
Mostramos que os moldes propostos por Wunderlich incorrem em problemas tanto de
hipergeração quanto hipogeração. Nos moldes alternativos que propomos, essas deficiências
são sanadas. Ao mesmo tempo, nossa abordagem permite delinear com maior precisão a
oposição entre o alemão e o português. Uma e outra língua licenciam um tipo de resultativo
que introduz no verbo de base um argumento predicativo, podendo levar à sua transitivização.
As duas línguas comungam da possibilidade de realizar esse argumento predicativo por meio
tanto de um elemento estático quanto dinâmico. A diferença entre os resultativos do alemão
com relação aos do português consiste na especificação do traço semântico que restringe a
realização do argumento predicativo. Em alemão, esse traço é dyn=+. Desse modo, são
licenciados elementos especificados como dyn=+ (tipicamente PPs direcionais, espaciais ou
não), mas excluídos elementos que portam a especificação dyn= − (i.e. PPs não-direcionais).
APs, contudo, são subespecificados para dinamicidade, podendo realizar em alemão o
argumento predicativo da construção resultativa. Em português, a restrição do argumento
predicativo da construção resultativa forte é spat=c+. Em conseqüência disso, APs são
excluídos, mas PPs tanto direcionais quanto não direcionais são licenciados, desde que sejam
42
espaciais. Diferentemente de Wunderlich, mostramos que apenas uma construção resultativa
existe em alemão, que é a forte. Em português, contudo, duas outras operações resultativas
são licenciadas. Na operação resultativa fraca, que também pode levar à transitivização do
verbo de base, o argumento predicativo deve ser dinâmico. Na operação que denominamos
AP_RESULTATIVA, não transitivizante e a mais restrita e menos produtiva de todas as
construções resultativas do português, o argumento predicativo deve ser um AP ou um PP
introduzido por variante não-espacial da preposição em, a qual especifica a forma de um
objeto ou substância.
Se, por um lado, argumentamos contra a especificação do input do mapeamento em
termos de papéis temáticos, não podemos deixar de reconhecer que esses construtos
desempenham um papel na gramática. De fato, na aplicação das regras
RESULTATIVO_FORTE e RESULTATIVO_FRACO, é decisiva a informação sobre o tipo
de papel temático do único argumento de um verbo intransitivo, pois Temas dinâmicos
bloqueiam a transitivização do verbo. Essa restrição vai ao encontro da arquitetura paralela da
LFDG, em que, como na LFG e na LDG, as informações dos diferentes módulos, no caso CS
e SF, participam de um sistema de correspondências.
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