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do pelos irmãos (cf. Gn 37,2-36)h e destinado a ser, no futuro, o
seu salvador. E como esquecer o livro de Job? Aqui, é verda-
deiramente o homem inocente que sofre e não encontra expli-
cação para o seu drama, senão confiando na grandeza e sabedo-
ria de Deus (cf. Job 42,1-6)i.
Para nós, que lemos cristãmente estas passagens do Antigo
Testamento, o ponto de referência não pode deixar de ser a
Cruz de Cristo, na qual se encontra uma resposta profunda para
h Gn 37,2Segue aqui a história dos descendentes de Jacó. Quando tinha dezessete anos, José apascentava
as ovelhas com os irmãos, como ajudante dos filhos de Bala e Zelfa, mulheres de seu pai. E José falou ao pai
da péssima fama deles. 3Ora, Israel amava mais a José do que a todos os outros filhos, porque lhe tinha nas-
cido na velhice; e por isso mandou fazer para ele uma túnica de mangas compridas. 4Os irmãos, percebendo
que o pai o amava mais do que a todos eles, odiavam-no e já não podiam falar-lhe pacificamente. 5Ora, José
teve um sonho e contou-o aos irmãos, que o ficaram odiando ainda mais. 6Disse-lhes ele: “Escutai o sonho
que tive: 7Estávamos no campo atando feixes de trigo. De repente o meu feixe se levantou e ficou de pé, en-
quanto os vossos o cercaram e se prostraram diante do meu”. 8Os irmãos lhe disseram: “Será que irás mesmo
reinar sobre nós e dominar-nos?” E odiavam-no mais ainda por causa de seus sonhos e de suas palavras. 9Jo-
sé teve ainda outro sonho, que contou aos irmãos. “Tive outro sonho”, disse, “e vi que o sol, a lua e onze es-
trelas se inclinavam diante de mim”. 10Quando contou o sonho ao pai e aos irmãos, o pai o repreendeu, di-
zendo: “Que sonho é esse que sonhaste? Acaso vamos prostrar-nos por terra diante de ti, eu, tua mãe e teus
irmãos?” 11Os irmãos o invejavam, mas o pai guardou o assunto. 12Ora, como os irmãos de José tinham ido
apascentar os rebanhos do pai em Siquém, 13Israel disse a José: “Teus irmãos devem estar com os rebanhos
em Siquém. Vem! Vou enviar-te a eles”. Ele respondeu-lhe: “Aqui estou”. 14Disse-lhe Israel: “Vai ver se teus
irmãos e os rebanhos estão passando bem e traze-me notícias”. Assim o enviou do vale de Hebron, e José
chegou a Siquém. 15Um homem o encontrou vagando pelo campo e perguntou: “Que procuras?” 16Ele res-
pondeu: “Estou procurando meus irmãos. Dize-me, por favor, onde estão apascentando”. 17O homem respon-
deu: “Eles foram embora daqui, pois os ouvi dizer: ‘Vamos para Dotain’”. José foi à procura dos irmãos e
encontrou-os em Dotain. 18Eles, porém, tendo-o o visto de longe, antes que se aproximasse, tramaram a sua
morte. 19Disseram uns aos outros: “Aí vem o sonhador! 20Vamos matá-lo e lançá-lo numa cisterna. Depois di-
remos que um animal feroz o devorou. Assim veremos de que lhe servem os sonhos”. 21Rúben, porém, ou-
vindo isto, tentou livrá-lo de suas mãos e disse: “Não lhe tiremos a vida!” 22E acrescentou: “Não derrameis
sangue. Lançai-o naquela cisterna no deserto, mas não levanteis a mão contra ele”. Dizia isso porque queria
livrá-lo das mãos deles e devolvê-lo ao pai. 23Assim que José se aproximou dos irmãos, estes o despojaram
da túnica, a túnica de mangas compridas que trazia, 24agarraram-no e o lançaram numa cisterna que estava
sem água. 25Depois sentaram-se para comer. Levantando os olhos, avistaram uma caravana de ismaelitas, que
se aproximava, proveniente de Galaad. Os camelos iam carregados de especiarias, bálsamo e resina, que
transportavam para o Egito. 26E Judá disse aos irmãos: “Que proveito teríamos em matar nosso irmão e ocul-
tar o crime? 27É melhor vendê-lo a esses ismaelitas. Não levantemos contra ele nossa mão, pois ele é nosso
irmão, nossa carne”. E os irmãos concordaram. 28Ao passarem os comerciantes madianitas, os irmãos tiraram
José da cisterna e por vinte moedas de prata o venderam aos ismaelitas, que o levaram para o Egito. 29Quan-
do Rúben voltou à cisterna e não encontrou José, rasgou as vestes de dor. 30Voltando para junto dos irmãos
disse: “O menino sumiu! E eu, para onde irei agora?” 31Então os irmãos tomaram a túnica de mangas com-
pridas de José, mataram um cabrito e, embebendo-a de sangue, 32mandaram levar a túnica para o pai, dizen-
do: “Encontramos isso. Examina para ver se é ou não a túnica de teu filho”. 33Jacó reconheceu-a e disse: “É a
túnica de meu filho. Um animal feroz devorou José, estraçalhou-o por inteiro”. 34Jacó rasgou as vestes de
dor, vestiu-se de luto e chorou a morte do filho por muitos dias. 35Todos os filhos e filhas vinham consolá-lo,
mas ele recusava qualquer consolo, dizendo: “Em prantos descerei até meu filho no reino dos mortos”. As-
sim o chorava o pai. 36Entretanto, os madianitas venderam José no Egito a Putifar, ministro do faraó e chefe
da guarda.
i Job 42, 1Job respondeu ao SENHOR e disse: 2 “Sei que podes tudo e que nada te é impossível. 3Quem
é que obscurece assim o desígnio divino, com palavras sem sentido? De facto, eu falei de coisas que não en-
tendia, de maravilhas que superavam o meu saber. 4Eu dizia: 'Escuta-me, deixa-me falar! Vou interrogar-te e
Tu me responderás.' 5Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora veem-te os meus próprios olhos.
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Por isso, retracto-me e faço penitência, cobrindo-me de pó e de cinza.”
o mistério da dor no mundo.
4. Aos pecadores que são julgados pelas suas injustiças (cf.
v. 5), o hino de Tobi dirige um apelo à conversão e abre a pers-
pectiva maravilhosa de uma “recíproca” conversão de Deus e
do homem: “Convertei-vos a Ele, com todo o vosso coração e
com toda a vossa alma, para praticar a verdade na sua presença.
Ele voltar-Se-á para vós e não vos ocultará a Sua face” (v. 6)j. É
muito eloquente este uso da mesma palavra “conversão” para a
criatura e para Deus, embora com significado diverso.
Se o autor do Cântico pensa, porventura, nos benefícios que
acompanham o “regresso” de Deus, ou seja, o seu renovado fa-
vor para com o povo, nós devemos pensar sobretudo, à luz do
mistério de Cristo, no dom que consiste no próprio Deus. O ho-
mem tem necessidade dele, mesmo mais do que dos seus dons.
O pecado é uma tragédia não tanto porque nos atrai os castigos
de Deus, mas porque O repele do nosso coração.
5. Por isso, é para o rosto de Deus considerado como Pai
que o Cântico dirige o nosso olhar, convidando-nos à bênção e
ao louvor: “Ele é o nosso Senhor e o nosso Deus, é o nosso
Pai” (v. 4). Descobre-se que o sentido desta especial “filiação”
que Israel experimenta como dom de aliança e que prepara o
mistério da encarnação do Filho de Deus. Então, em Jesus, res-
plandecerá o rosto do Pai e será revelada a sua misericórdia
sem limites.
Bastaria pensar na parábola do Pai misericordioso narrada
pelo evangelista Lucas. À conversão do filho pródigo não cor-
responde só o perdão do Pai, mas um abraço de infinita ternura,
acompanhado da alegria e da festa: “Ainda estava longe quan-
do o pai o viu e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-
lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos” (Lc 15, 20). As expressões
j
do nosso Cântico estão na linha desta comovente imagem
evangélica. E dela nasce a necessidade de louvar e agradecer a
Deus: “Contemplai, agora, o que fez por nós, rendei-lhe graças
com a vossa boca: bendizei o Senhor da justiça e exaltai o Rei
dos séculos” (v. 7)k.