04/01/2010
Fonte: Agência Carta Maior -
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DEBATE ABERTO
Data: 31/12/2009
“No grau de cultura em que ainda se encontra o gênero humano, a guerra é um meio
inevitável para estender a civilização, e só depois que a cultura tenha se desenvolvido
(Deus sabe quando), será saudável e possível uma paz perpétua.”
Immanuel Kant, “Começo verossímil da história humana”, 1796
A confusão já era grande, e ficou ainda maior, depois do discurso do presidente norte-
americano, Barack Obama, em defesa da guerra, ao receber o Prêmio Nobel da Paz, de
2009. Como liberal, Obama poderia ter utilizado os argumentos do filósofo alemão,
Immanuel Kant (1724-1804), que também defendeu, na sua época, a legitimidade das
guerras, como meio de difusão da civilização européia, até que chegasse a hora da “paz
perpétua”. Mas Obama preferiu voltar à Idade Média e recorrer às idéias de São
Agostinho (354-430) e de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), sobre a legitimidade
moral das “guerras justas”.
A opção do presidente Obama não foi casual: através dos santos católicos, em vez dos
filósofos iluministas, ele tentou retomar a tese medieval de que existiria uma única
moral internacional, situada acima de todas as culturas e civilizações, capaz de embasar
juízos objetivos e imparciais, sobre a conduta de todos os povos e todos os estados. E
não deve ter passado despercebido do presidente Obama, que o argumento da “guerra
justa” - sobretudo no caso de Santo Tomas de Aquino - estava associado como projeto
de construção de uma monarquia universal, da Igreja Católica, dos séculos XII e XIII. O
que talvez ele tenha esquecido ou desconsiderado é que este projeto “cosmopolita” de
Roma foi derrotado e desapareceu depois do nascimento dos estados nacionais
europeus. Da mesma forma que a tese da “guerra justa” foi engavetada, depois da crítica
demolidora de Hugo Grotius (1583-1645), o jurista holandês e liberal que demonstrou
que no novo sistema inter-estatal que havia se formado na Europa, era possível que
frente à uma única “justiça objetiva”, coexistissem várias “inocências subjetivas”.
Para entender na prática, como se dão estas relações, basta olhar hoje para a posição dos
anglo-saxões e dos franceses, frente ao programa nuclear do Irã. Os Estados Unidos
patrocinaram o golpe que derrubou o presidente eleito do Irã, em 1953, e sustentaram o
regime autoritário do Xá Reza Pahlavi, junto com seu programa nuclear, até sua
deposição em 1979. Mas antes disto, já tinham permitido que Israel tivesse acesso a
tecnologia nuclear, com o auxilio da França e da Grã Bretanha, por volta de 1965.
Quando entrou em vigor o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1970, EUA, GB e
França conheciam esconderam o arsenal atômico do Israel, e nunca protestaram contra
Israel por não ter assinado o Tratado, nem ter aceitado as inspeções da Agencia de
Energia Atômica das NU, além de ter rejeitado a Resolução 487, de 1981, do Conselho
de Segurança das NU, que se propunha colocar as “facilidades atômicas” de Israel, sob
a salvaguarda da IAEA. Como resultado, existe hoje uma assimetria gigantesca de
poder militar dentro do Oriente Médio: são 15 países, com 260 milhões de habitantes, e
o só Israel, com apenas 7,5 milhões de habitantes e 20 mil km2, detém uma arsenal de
cerca de 250 cabeças atômicas, com um sistema balístico extremamente sofisticado, e
com o apoio permanente da capacidade atômica e de ataque dos EUA, dentro do próprio
Oriente Médio.