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Este documento descreve a obra Hamlet de Shakespeare como uma representação da dúvida humana. O autor argumenta que Hamlet não pode ser definido ou explicado completamente, pois ele é a própria contradição e indefinição. O autor também critica uma produção teatral de Hamlet que tentou dar uma interpretação rígida ao personagem, ao invés de capturar sua natureza ambígua.
Este documento descreve a obra Hamlet de Shakespeare como uma representação da dúvida humana. O autor argumenta que Hamlet não pode ser definido ou explicado completamente, pois ele é a própria contradição e indefinição. O autor também critica uma produção teatral de Hamlet que tentou dar uma interpretação rígida ao personagem, ao invés de capturar sua natureza ambígua.
Este documento descreve a obra Hamlet de Shakespeare como uma representação da dúvida humana. O autor argumenta que Hamlet não pode ser definido ou explicado completamente, pois ele é a própria contradição e indefinição. O autor também critica uma produção teatral de Hamlet que tentou dar uma interpretação rígida ao personagem, ao invés de capturar sua natureza ambígua.
durante a vida mais de dez livros de literatura, sente um delicado abalo e um ligeiro frmito nervoso agitarem-lhe o corao, todas as vezes que v anunciado, por um ator de nome, o inabalvel Hamleto de Shakespeare. E s com o Hamleto acontece isto. Donde lhe vir to transcendente privilgio? Qual o segredo da magia dessa misteriosa obra de arte, que assim acorda ao mesmo tempo mil impresses, sem que destas nenhuma, entretanto se definisse at hoje claramente? Todos conhecem Hamleto; muitos o discutem; ningum e nega; todos o aceitam; todos o desejam; todos o amam doidamente; mas ningum o explica; ningum o define, porque o prprio Hamleto no se explica, nem se define a si mesmo. No se define, porque ele prprio a mesma dvida; a mesma contradio; ele o indefinido afeioado por um poeta de gnio. Anunciado o Hamleto, correm todos a v-lo inda uma vez; mas, por melhor que seja a interpretao que lhe d o artista ningum at hoje
saiu do teatro amplamente satisfeito por ter visto
mover-se em cena o Hamleto sonhado pelo seu corao e pela sua inteligncia. Nenhum trgico deu jamais ou ser capaz de dar ao vivo esse tipo-enigma, esse idolatrado mito, que vive na imaginao de todos, porque fia Hamleto, posto que muito humano, no homem. No um personagem em arte, um smbolo. a dvida, intangvel e incorporvel como o indefinido. E nisso est o seu valor. Todos o compreendem, mas ningum o define em crtica, nem o traduz em cena satisfatoriamente. Todos o sentem; todos o compreendem; todos o conhecem, como a um ntimo e querido companheiro da sua prpria alma e da sua prpria incerteza. Pelo esprito de todo o homem inteligente, por mais curta, mais longa, mais tranqila ou agitada que seja a sua vida, j pelo menos uma vez, atravessou essa misteriosa sombra, com O seu olhar estranho, embaciado pela indefinida tristeza da dvida. E essa sombra nunca mais se apagou desse esprito. Por todo o crebro, iluminado pelo menos por uma idia, j algum dia se arrastou gemendo a desvairada melancolia de Hamleto, perguntando dor da sua prpria dvida, o irrespondvel "ser ou
no ser"? E o eco desse gemido sem resposta a ficou
gravado para sempre, como a saudade de um amor, ou como o remorso de um crime. Shakespeare, que formou genialmente os seus tipos com a intensidade das prprias paixes que eles sintetizam; ele que criou o Cime com o prprio cime; a Loucura com a prpria loucura; a Avidez com a prpria avidez e o Amor com o prprio amor - fez o Indefinido com o prprio indefinido. Se Hamleto no fosse contraditrio; se fosse explicvel e coerente, seria incoerente e contraditrio, e nunca seria Dvida. Ele todo feito de contradies; enrgico e vacilante; indiferente e apaixonado; vingativo e carinhoso; louco e sensato; hipcrita e sincero; paciente e desensofrido; prudente e arrebatado; generoso e prfido; bom e cruel; bom filho, e mau filho. As suas lgrimas so escarninhas e o seu sorriso di. O seu amor uma queixa contra o seu prprio amor, e o seu dio a seiva e a vida do seu corao. Ele a Dvida, que s se define pela dvida. Ele a Contradio, que s se afirma pela contradio. Ele enfim o indefinido. Ele o Indefinido quando diz a Oflia que nunca a amou, mas que a ama agora, contanto que
ela nada espere desse amor e se recolha a um
convento. Ele Contradio quando diz que todos os homens, sem excetuar nenhum, nem ele prprio, suo miserveis, tendo afirmado que seu pai, o rei da Dinamarca, era to belo modelo de valor e virtudes que s aos deuses podia ser comparado. Ele contradio no seu extremoso amor filial, porque ele o carrasco de sua prpria me. Ele Contradio quando, tendo j se encontrado e entendido com o espetro de seu pai, que lhe faz revelaes imprevistas, vem depois, no clebre monlogo do terceiro ato, falar-nos dessa outra margem oposta da vida, a morte, donde, afirma ele, nunca ningum voltou ao mundo que habitamos. Ele Contradio quando, tendo friamente assassinado Oflia com a sua cruel indiferena, lana-se diante do cadver dela, desafiando a quem na terra a possa amar mais do que ele. Toda essa contradio a Dvida. E porque Hamleto a Contradio, Hamleto inexplicvel, vago, sombra que escapa grosseira vista dos sentidos, e s pode ser bem julgada e compreendida pelo esprito e pelo corao. Ele, s dentro de ns mesmos, existe real e perfeito; desde que qualquer arte plstica pretenda dar-lhe forma, as suas fantsticas propores logo se
amesquinham, e Hamleto deixa de ser Hamleto
como todos o conhecem. Hamleto fora da nossa imaginao um polvo fora d'gua. Ele pertence a todos e pertence a cada um em particular. O abalo que se experimenta ao ouvir o seu nome mgico parece a cada indivduo um caso privado de simpatia. que Hamleto a misteriosa expresso da dvida de cada um de ns. Todos nos embriagamos com esse doloroso e eternal idlio entre o conhecido e o desconhecido. Pensar em Hamleto pensar em Oflia. Menos ideal do que ele, mais terrena, mais sensual, ela tambm ainda assim uma viso intangvel. Oflia, toda branca, toda loura, toda amorosa, esbate-se como sombra abraada sombra de Hamleto; mas a loucura que nele sonho e embriaga, nela realidade e di. S um instante ela mulher. A sua carne de virgem desaparece desde que ela inclina a dourada fronte, vencida n'alma pela irresistvel dvida do seu prncipe incompreensvel, e a pensativa sombra de Hamleto arrasta-a para o indefinido. Oflia triste e contraditria estrela, que se acende luz do dia e desmaia sombra da noite. E' uma estrela afogada na noite da Dvida.
O seu dilogo com Hamleto o melanclico
idlio de uma luz que morre e suspira com a treva que geme e arqueja. H por entre as suas frases doloridas todos os soluos da misria humana, como entre as de Hamleto h toda a velha agonia da dvida em que nos arrastamos na vida. - Eu te amei... Outrora... - Assim o supus... - No devias acreditar... Eu nunca te amei... - Ai!... - Entra para um convento... no queiras ser me de pecadores. Ns somos todos miserveis... Fecha-te num claustro... - Os mimos de amor que me destes aqui os tendes, levai-os... j no tm perfume... o corao que mos deu j me no ama... - Ah! Ah! s virtuosa?... - Senhor... - s... bela? - Meu senhor... - Bela e virtuosa. Separa a tua formosura da tua virtude, porque a beleza tem garras fortes e a virtude fraca defesa... - Meu senhor...
- Entra para um convento... Eu supunha que te
amava dantes... S agora que te... Faze-te freira... E a estrela apaga-se de todo e a treva fecha-se na treva, deixando para sempre no esprito de quem escutou o seu idlio a saudade de unia msica indefinida, feita de suspiros e de soluos. *** E, pois, quinta-feira passada corri ao teatro Lrico. E o Sr. Novelli disse-me do palco, no sei em nome de quem, que Hamleto era "Histrio por vingana". E, com efeito, um calculado doido comeou com a sua calculada loucura a intrigar, nem s todos os outros personagens da pea que se representava, como a mim prprio e aos outros espectadores que o ouviam. Desconheci a tragdia. No fim de algum tempo perguntava a mim mesmo quem seria aquele violento intrigante, aquele sensual dinamarqus que vociferava contra os seus companheiros de cena. E, proporo que o Sr. Novelli refundia Shakespeare, Hamleto, a misteriosa sombra que persiste dentro de todo o homem que j leu dez livros literrios, ia-se a pouco e pouco afastando de mim, at que, ao terminar o espetculo, quando o falso doido estica-se e morre, j o meu querido e
misterioso Prncipe da Dvida, que nunca me
abandonara o esprito desde que o conheci, tinha de todo me fugido; e eu comecei a sentir-me s, frio, abandonado moralmente, vivo de um velho companheiro espiritual. Tive vontade de chorar. E ento apoderou-se de mim um desejo forte, desensofrido de ver Hamleto, de ouvi-lo para matar saudades, de senti-lo vivo, para me convencer de que o Sr Novelli no o tinha assassinado para sempre. Corri a casa e reli avidamente o divino poema da Dvida. Ah! felizmente, antes de adormecer, j de olhos fechados, achei de novo a querida sombra pensativa; estava defronte de mim, imvel, a fitarme com um triste olhar de tdio e de desdm, como se eu tivesse culpa do que. sucedeu quinta--feira no teatro Lrico. Ela voltou, felizmente, mas do susto de a ter perdido que j ningum me livra. E, agora, juro que o Sr. Novelli no ma roubar outra vez, ainda que por cinco minutos. Nada, com cousas srias no se brinca!