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R {5 P J i) 8 Ly [ae \ Pa a a) eT) FRONTEIRAS ~ E. . NACOES Wee oe Oe sad EMSs ey z MARCOS GEOGRAFICOS E MARCOS POLITICOS / ANDRE ROBERTO Lea } REPENSANDO A GEOGRAFIA iG cea ke ce rd ea ee ule tees ees ee ur Card | ee eet igs ron Weller } octet oe 4 Ca Cy | i ee rcs CT ne ee knee \ See ee eed uaa esi) ee a eee ae a leg) CUS oe Cl eR MU ee ERS Re eee RCC processo mais amplo de compreensao da sociedad De CUE ele do Oriente Médio e recuperando © sentido de fronteiras na Ce ee ee Ty Ce eek ee ee ay CO eu Rue Obra fundamental para alunos e professores de 2° ¢ 3° graus Cee aca |! ee | IMPORTANTE! Este material foi disponibilizado EXCLUSIVAMENTE para uso pessoal e nao comercial. Caso seja utilizado parte dele cite a fonte com a sua devida referéncia. Veja outras publicagdes em: http://geografiaacademicadownload.blogspot.com.br/ Curta nossa pagina no Facebook para receber as atualizacées htt ps://www.facebook.com/geografiaacademica Siga-nos no Twitter https://twitter.com/GeoAcademica ACESSE: HTTP S//GEOGRAMAACADEMICADOWN LOAD. BLOGSPOT.COM.BR/ SS eee GOTAUVAL UY UCARA [Biblioteca Central FRONTEIRAS E. NACOES REPENSANDO A GEOGRAFIA COORDENADOR ARIOVALDO U, DE OLIVEIRA FUNECE | QEMAP - Comissio de tomba. j mento dos bens miveis, toe W9 UAW Zo ne, de toms 902945) Ro Bey PRN i ie i Dan Ro BPS Ne ee FRONTEIRAS EB NACOES ANDRE ROBERTO MARTIN INI 15335" B.CENTRAL VERITORA Conn UUN LE ALN SER ee Copyrighe 1992 Andis Roberto Main Colegao Repensando a Geoga CCoonlenadorArivalda Ud Obs, Projto Gri de Cap Sylva de Mapas Rca de Ate ‘evisdo Maria Apes Moti Bessa e Lz Roberto Maka Composis do Needs Eda Dados nternacionas de Catalogacio na Pucagio (CIP) ‘(Camara Brasileira do Livre, St Bras Marin, Ande Roberto Frontera ais Ans Roberto Marti. Sto aul Contest, 1998. = (Repensanda a Geogr. Biboprai ISBNS. 744.0127 1. Frontera 2, Googrfia (pau) 3.Nagies 1 Til sé 1-684 epp-9107 “09 on Indies pars catsogo sistem: | Proatias ‘Densreagio: His 911 2 Googrfa: Enno de gran 9107 3. Nagdes Hira universal 909 1998 Proibidaa erode wot ou pci (Os inrtores ser goes afr de EDITORA CONTENTO (Lato Pisky Lida) Edler Inime Pash Run Acopiny, 199 ~ Al da Lapa ‘Sto Paul ~ SP CEP: 05083110, PABX O11) 832-5835, S _aily gviaos ier tl xx 0 uN VERSIDADE ESTADUAL DO CEARA Biblioteca Central 7 353 35 t»_O5),_037 04 N° DE CHAMADA: AYA M28b0 O Autor no Contexto ......ceseeeseeeeeeen eee Introdugéo & Problemética das Fronteiras .. . 1. As Fronteiras na Natureza ... 0... .seseeeeeeeeeeeee ees 4 2, As Fronteiras na Historia ..... 3. As Fronteiras Modemas ..... 4, A Andlise das Fronteiras ..... 5, E 0 Fim das Fronteiras? ..... Sugestées de Leitura .......+. OlLeton nOContexto . .aswcuescsessssvensmmeneecegeres OF O AUTOR NO CONTEXTO Nascido e criado no bairro do Brés, em Sao Paulo, André Roberto Martin ingressou nd Departamento de Geografia da USP em 1974, jé com 0 intuito de realizar um estudo sobre 0 que estava acontecendo na cidade em fungo da construcéo do Metré. De fato, 10 anos depois defenderia dissertacao de mestrado na mesma faculdade, com 0 titulo O baio do Brds e a deterioracéo ur- bana, 0 que Ihe valeu alguns anos de experiénoia no movimento co- munitério que lutava pela recuperagéo do balrro, o “Movimento Pré- Bras", Considera por isso como fundamental, em sua formagéo, além das leituras especfficas, a militéncia polttica, tanto comunitéria quanto partidéria, Corintiano apaixonado porém néo-fanatico, lamenta que a mer- cantilizago do futebol venha excluindo progressivamente os “torcedo- res desorganizados" que, como ele, j& ndo se sentem mais & vontade nos estédios, frente & militarizagéio crescente das “torcidas uniformiza- das", Assim, para se distrair, costuma se reunir com os amigos, com Ameméria quem gosta de conversar, jogar boto, ir ao cinema e sair para jantar. de Jacques Ancel Sua preferéncia gastronémica? “ — Sou da terra da pizza", lembra, com orgulho. Professor durante oito anos do secundério e cursos para vesti- bulandos, lecionou a seguir cinco anos na Faculdade de Ciéncias e Le- ; tras de Araraquara, da UNESP. Desde 1989 6 professor de geografia humana e regional na USP, ‘André & casado e néo tem filhos. ‘A seguir responde a trés perguntas da editora: 1. O planeta esté cada vez menor, encurtado por comunicagées mo- demas e por um mercado mundial cada vez mais ativo. Ao mesmo tempo ocore um renascimento do nacionalismo. Hé explicagéo para essa contradigao aparente? R. Sim, de fato a contradiggo me parece ser mais aparente do que real, visto que no bojo da mundializacéo se dissemina a ideologia do individualismo e da defesa da vida privada. Entdo 0 ressurgimento do nacionalismo, bem como do regionalismo parecem expressar justa- mente essa necessidade de privacidade e identidade diante de um mundo que ameaca romper com os antigos valores, com crengas e tradigbes arraigadas. E a busca de um refligio, de um abrigo. O lado negativo desse fendmeno é 0 seu cardter excludente, a revivescéncia de antigos ressentimentos, o que pode descambar facilmente para 0 racismo e a intolerancia politica, como estamos vendo acontecer so- bretudo na Europa. © caso alemao 6 a esse respeito emblemitico. Em um ano passou-se da euforia nacionalista, de indisfargével cunho chauvinista, para uma enorme decepedo com a reunificago. Entéo as mesmas elites que saudaram 0 “ressurgimento aleméo” acenam agora com 0 “europels- mo” como panacéia para todos os problemas. Nesse sentido, o “euro- peismo” do Mercado Comum me parece mais perigoso, mais vulneré vel ao racismo do que 0 préprio nacionalismo aleméo. Esse Ultimo se quiser realmente se afirmar, tera de adotar uma atitude tolerante com 8 que, no tendo origem alemd, habitam entretanto o mesmo pals, J& 9 “europeismo ocidental” esté se vullando contra todos os que nao sejam oriundos da “Grande Pairia’ do Mercado Comum, o que tem atingido os imigrantes do Terceiro Mundo e da Europa Oriental. 2. O Estado nacional, originério das revolugées burguesas, 6 um mo- delo historicamente determinado ou & solugéo universal em qualquer tempo e espago? R. N&O posso deixar de responder essa pergunta sem lembrar inicial- mente uma piada que ouvi na TV, do secretario da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet, Ele dizia que uma vez que atingimos o “fim da Hist6- ria’, nés no Brasil j4 no deveriamos nos preocupar tanto assim em no perder “o bonde da Histéria’, uma vez que ele teria sido recolhido & garage... De fato, 0 Estado nacional’ a democracia burguesa representam for- mae euperioros do oivilidade ¢ 6 prociso saber conservar 0 contetido 8 positivo que eles contém. No entanto, 6 sempre perigoso imaginar que © homem realiza construgdes verdadeiramente etemas. Sabemos que o Estado nacional foi precedido por uma série de outras formas de organizagao social: clas, tribos, Cidades-Estado, Impérios, ‘como também ha experiéncias no sentido de ultrapassé-lo. A propria constituigao do Reino Unido e mais tarde da Comunidade Britanica de Nag6es representam tentativas nessa diregéo. Mas 0 destino dessa ossibilidade est sendo jogado nesse momento nos dois lados do continente europeu. O modelo do Mercado Comum aponta a unificaao econémica como precursora da unidade militar @ politica, a0 passo que no modelo sovié- tico, a unio politica e militar se antecipou & econémica, Resta eque- cionar o problema da cultura, ao que parece 0 principal responsével polos movimentos autonomistas, tanto no Leste quanto no Oeste. E uma situagdo bastante complexa. Ainda recentemente, a exprimeira ministra briténica, Margaret Thatcher apoiava, numa entrevista, a inde- pendéncia dos pafses balticos, Dias depois 0 ator Sean Connery parti- Cipava de manifestacao em favor da independéncia da Escdcia. Ao fim © a0 cabo, penso que o ponto de equillbrio deveré ser enoontrado em tomo de alguma modalidade de confederacéo, onde a autonomia cuk tural e politica serd respeitada, mantendo-se, entretanto, @ centraliza- ‘cdo militar @ econémica, A constituigo de Estados supranacionais a0 que parece, é um caminho sem volta. 3. Qual a importancia de se estudar a questéo nacional em pais sem importantes problemas nacionais ou de fronteiras como o Brasil? R. Essa & uma pergunta importante e ao mesmo tempo dificil de se responder, Iniclalmente eu diria que v Brasil soffe, quanto & questéo do nacionalismo, uma situacao inversa quela mais conhecida dos “nacionalismos exacerbados" que mencionamos no decorrer do texto. ‘Aqui, a0 contrério, somos muito pouco nacionalistas, temos mesmo vergonha de sé-lo. Rejeitamos tudo que & préprio e caracteristico, co- mo se ser brasileiro correspondesse a algum defeito ou desvio de caré- ter congénito. E claro que esse sentimento esté ligado & longa exploragéo colonial da qual, a rigor, ainda no nos libertamos inteiramente. Nesse sentido, en- frentamos uma delicada e complexa “questo nacional", isto é a da nossa propria identidade. Sabemos ainda, intuitivamente, que a ima- gem pejorativa que o estrangeiro tem de nds nao corresponde inteira- mente & verdade, mas temos grande dificuldade em nos afirmar peran- te 0 mundo em funeo justamente do nosso préprio complexo de infe- rioridade. Por outro lado, na construcao do Estado brasileiro, © proble- 9 ma da falta de unidade intema sempre foi muito debatido, Nossas lites sempre expressaram um profundo temor de que o estilhagamen- to hispano-americano se repetisse entre nés, Daf as politicas de "mar- cha para 0 o@ste” e de “integragéo nacional” voltadas contra os regio- nalismos mais variados. Hoje, ao contrério, argumenta-se que a cen- tralizag&o iniciada em 1980 e acentuada pelos governos militares foi excessiva, mas no ha ainda uma reflexéo consistente que retome o tema do “federalismo”. Em suma, parece-me que 0 nosso problema de fronteiras 6 antes relativo as “fronteiras intemas” e ndo as “externas”. 10 © tema das “fronteiras” tem sido bastante polémico ao longo da histéria, embora em certas ocasi6es ele tenha permanecido relativa- mente esquecido, E bem provével que para a grande maioria das pes- soas a simples mengo & palavra “fronteira” provoque uma reacéo ne- gativa, posto que, efetivamente, a meméria humana registra um sern- n&mero de conflitos e muitos sofrimentos em tomo do seu estabeleci- mento, manutengao ou destruicgo. Assim, associamos quase mecani- camente & idéia de “fronteira” a de “guerra”. Qu pelo menos desde o advento da “Revolugéo Francesa’ e da elevagdo da “liberdade” como ‘supremo valor social 0 politico, as idéias de “ceroeamento”, “vigilén- cia’, “tepresséo", como se as “fronteiras” se constituissem em artificios monstruosos que ofendem a naturalidade da condi¢éo humana, seu esplrito de locomogo e de aventura. Entretanto, se atentarmos bem, poderemos responsabilizar jus- tamente esse “desejo de liberdade” como sendo o responsavel princl- pal pela formacao das “fronteiras", uma vez que 6 a partir dele quo se organizam os movimentos autonomistas que provocam a erupgéo de novos territérios, e portanto de novas fronteiras. Note-se a esse respei- ‘to como tem crescido o ntimero de Estados soberanos sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, perlodo que, contraditoria- mente, inaugura uma fase de crescente interdependéncia entre os Es- tados-nagées. Estamos assim colocados diante de um dilema de dificil resolu- go: ou bem aceltamos a “intarclapendéncia” como principio funda- "1 mental a estruturar as relagGes interacionais, ancorados na idéia de que “estamos todos no. mesmo.barco” ¢ portanto somos todos respon- saveis pelos destinos.do planeta Terra; ou, em contrapartida, invoca- mos como fundamental o prinofpio da “autodeterminagao dos povos", € nao aceitaremos, sob hipétese alguina, a interteréncia de qualquer Es- tado ou grupo de Estados nos assuntos internos de nenhum pafs. Pe- sadas bem as coisas, porém, teremos a ocasido de observar que con- frontadas com a realidade concreta, nenhuma dessas doutrinas poderd se apresentar em estado “puro”. Muito ao contrario, 0 que se tem, na grande maioria das vezes, é uma mescla dessas duias posigdes, mes- cla essa ditada pela conveniéncia mais ou menos duradoura de deter minadas condic6es politicas para esse ou aquele grupo social. Isto no significa dizer certamente que, pelo contrério, nenhuma posigao de principio soja possivel, mas apenas que é mais ponderdvel aceitar as limitagdes de natureza ideolégica e histérica no exame des- ‘se espinhoso problema, E verdade também que de um ponto de vista mais “neutro” e quem sabe mais verdadeiro, podemos simplesmente designar por “fronteira” aquele espaco que “separa dois povos”. Nesse caso, trata-se entéo de um recorte de natureza horizontal, em que a geogratia © 0 direito cobraréio em nossa tradigo académica um papel preponderante. De fato, desde a formacéo da Prissia, por razGes que sero posteriormente examinadas, tem cabido principalmente a go6- grafos @ juristas a tarefa de “construgéo” das fronteiras. Os primeiros procurando reconhecer no terreno. as diferenciagées mais significativas tanto em termos de espaco “fisico” quanto “human”, os segundos es- forcando-se por eliminar qualquer ambigiiidade em termos das compe- téncias polltico-administrativas e legais exercidas em cada territério, Em compensagéo, economistas e cientistas politicos tém-se apresen- tado come os principais “derolidores” de frontelras, quer na defesa de uma circulagéo cada vez maior e mais répida de homens, capitais e mercadorias, por um espaco mundial sem barreiras alfandegérias, quer na busca de sistemas de governo ideais e igualmente validos para to- da a Humanidade, Esse parece ser 0 fundo da questéo: estamos tratando o planeta Terra como. uma_unidade natural, artificialmente despedacada pelos homens, ou pelo.contrério, como um espaco naturalmente diferenciado ‘que_oshomens, através de seus meios de locomogao e comunicagao procuram unir? Novamente, talvez a melhor resposta se situe num ponto inter- mediario que inclui, ao invés de excluir, as duas possibilidades, Seja como for, dado que estaremos sempre lidando com dois eixos interli- gados de relagées — um entre os homens e a natureza e outro intemo aos préprins hamens —, convém assinalar desde j4 pelo menos trée 12 condicionamentos de ordem geral, que conduzem a permanente estru- turacdo.e reestruturagao das “fronteiras". O primeiro deles diz respeito a contradigo entre o caréter relati- vamente fixo @ estético do espago.terestre,.em oposig&o a natureza dindmica e mobilidade das populagées. E facil imaginar neste caso, uma certa semelhanca entre as “fronteiras” @ os “seméforos": isto 6, ambos procuram evitar “colisées”. O segundo refere-se as discrepancias em termos de “densidade de _ocupaGao” observaveis_na_superficie.do planeta. Quer se deva a condigées naturais mais ou menos favordveis, ou a niveis de deser- volvimento tecnolégico diferenciados, encontramos populagdes com volumes ¢ ritmos de crescimento demografico bastante desiguals. En- to conclulsse também facilmente que existem povos em expanséo @ povos em retragao, e que um mesmo povo pode ocupar as duas pos+ ‘GOes, dependendo do momento histérico. Mas aqui se faz necessério acrescentar que a “densidade de ocupacao” ndo deve ser medida uni- camente pela razao entre 0 ntimero de habitantes e a rea considera- da, mas sim e principalmente pela capacidade que essa populacdo tem de aproveitar a extensao @ os recursos a sua disposigaio. Entéo, uma boa rede de transportes ¢ comunicagdes valeré mais do que um nniimero elevado de habitantes. Seja como for, o fato é que a existén- cia dessa dualidade entre povos que se expandem e outros que se re- traem conduz & movimentagéo das fronteiras, tendéncia exatamente oposta aquela primeira que pretendia tomé-las fixas. Finalmente, derivada dessa “diferenga de potencial” entre Areas mais.ou.menos.densas,.temos uma intrincada rede de fluxos,,na qual a aco de forcas centrifugas e centripetas interage de modo a tecer uma trama complexa de relacdes, culo resultado final tende para um certo equilforio entre a rigidez e a flexibilidade das fronteiras. Colocada a questéo nesses termos, ela parecerd um tanto abs- trata. E imprescindivel, portanto, uma clarificagéo hist6rica, uma vez que, efetivamente, a fronteira “em si*, isolada, no existe, mas 0 que existe sim so “as fronteiras", no plural, formadas historicamente umes ‘9m relago as outras. © mais complicado é que para além de um pro- blema de escalas (fronteiras “sub-egionais”, “regionals”, “nacionais", “supranacionais”..) temos que, no espaco, convivem por assim dizer varios “tempos”. Isso pode ser percebido pela chamada “cistancia’ ou gap tecnolégico existente entre as varias unidades espaciais que com- pdem o globo terrestre. Este é um ponto bastante delicado. Se essas “fronteiras tecnolégicas” se aprofundarem demais elas tenderao a ex gir um esforgo violento no sentido de suas superagées. E, mente, a humanidade nao conhece um esforco revisor de fronteiras maior do quo © oeforgo militar. 13 1 AS FRONTEIRAS NA NATUREZA E curioso observar como na teorizagao sobre “as fronteiras" ocor- reu um fenémeno oposto ao que normalmente ooorre na relacéo entre as ciéncias sociais e as ciéncias da natureza, E conhecido como, até em fungdo de sua anterioridade histérica, as ciéncias da natureza for- neceram modelos explicativos que depois tentaram ser transferidos pa- ra a realidade social. Esse procedimento, denominado de “darwinismo social”, acabaria sendo muito criticado por praticamente anular a inter- vengao do “livre-arbftrio” e da “racionalidade" humanas em sua propria histéria, Friedrich Ratzel, embora partisse de uma preocupacao algo distinta, pois para ele o que importava era avaliar vumno o melo natural influenciava 0 desenvolvimento das sociedades, pode num certo senti- do ser enquadrado naquela corrente, sobretudo no que diz respeito a sua concepeao organicista do Estado. No entanto, foi em fun¢éo da sua busca por compreender o significado das fronteiras interestatais, 5 quais sfo evidentemente construidas pelos homens, que ele chega- tia a uma definicao tao geral, que posteriormente passaria a ser em- pregada também para descrever fendmenos da natureza, Vamos pois as palavras do proprio Ratzel. Ele escreve na sua Antropogeografia que: “A fronteira é constituida pelos inumerdveis pontos sobre os quais um movimento organico é obrigado a parar” Um século apés a publicagao do seu livro, essa detinigéo perma- ‘nece valida, e mais ainda, vem sendo confirmada pelo desenvoivimen- to de pesquisas em dominios que n&o haviam sido alcangados pela ciénelia de sta época. Assim, por exemplo, hoje jA edo conhecidos os 14 movimentos geoldgicos que ocorrem no substrato no apenas da Ter ra, mas também de outros planetas, Do mesmo modo, jé estéo melhor compreendidos os processos de formagao ¢ dissolugao que ocorrem no Universo, e em ambos os casos é possivel falar sobre as “frontei- ras” desses movimentos, bem como identificar as forcas que os de- terminam, individualizé-las e examiné-las separadamente. A formula de Ratzel passa no teste, mesmo em se considerando a natureza inor- énica. Durante muito tempo, porém, usou-se 0 temo de maneira mais restrita, apenas referido as fronteiras existentes entre as espécies vegetais @ animais, portanto ao “mundo animado" como se costumava dizer. Antes de descermos ao detalhamento de alguns exemplos con vém porém fazer algumas restricGes sobre certos sentidos que a pala- vra “fronteira” possui, @ que nao serao tratados aqui. Um deles J4 ticou mais ou menos evidenciado quando distinguimos 0 mundo organico do inorgénico. Qual a “fronteira” entre eles? Do mesmo modo, em epis- temologia costuma-se falar em “fronteiras do conhecimento”, tanto no sentido de se distinguir uma forma de saber de outra, quanto no de in- vestigar os limites da capacidade humana de conhecer. “Limite” alids, 6 também o nome de uma funcéo em matemética, a qual remete para a discuss4o em fisica acerca da finitude ou infinitude do espaco. —m todas essas conotagdes, como também nas que opdem rea- lidade/imaginagdo ou pobres ¢ ricos, etc., a palavra “fronteira” aparece antes num sentido figurado, e diz muito mais respeito & qualidade que distingue uma coisa da outra do que a “ronteira” propriamente dita, ‘$0 utlizagdes que com efeito tomaram essa expressao de emprésti- mo & geografia, Mas, dos sentidos mais diretamente geogréficos que nos inleressain ayui testa mencionar um, o qual faz referéncia n&o a uma zona de contato entre dois grupos, mas ao proceso de coloniza~ 80 de éreas supostamente vazias. E a “trontier” norte-americana, ou @ “frente pioneira” como costumamos utilizar no Brasil. Teremos ocasiéo adiante de retomar esse sentido. Voltando, porém, as ftonteiras existentes na natureza, que como jA vimos esto presentes tanto no mundo inorganic quanto orgénico, convém esmiugar um pouco mais a andlise pioneira de Ratzel. Para ele, a origem da “ronteira’ reside no movimento, que 6 préprio de ca- da “ser vivo” — hoje dirfamos simplesmente de cada ser —, € nao impli- ca uma zona de paragem duradoura, mas pelo contrario, uma paragem momenténea frente & falta de condigdes vitais necessérias 4 continua- co do movimento ou entao, frente a resisténcia de outro movimento no sentido oposto. A fronteira poderé avangar se as condigdes vitais, © favorecerem nesse sentido ou seo movimento no sentido 15 contrério enfraquecer. Inversamente poderd recuar se se perder vital- dade ou se a forca oposta se tomar mais poderosa. Desse modo, a fronteira (podemos jé dispensar as aspas) esté sempre associada & “érea de difusdo” tanto das espécies vegetais animais, quanto das provincias rochosas, de relevo ou de solo, ou mesmo climaticas, do mesmo modo como analogamente se pode fa- lar, em termos sociais, das “4reas” ocupadas por determinados grupos &tnicos, lingifsticos, politicos, etc. Assim, essas reas so originam de ‘tudo que possui movimento, o qual em certas circunstancias se vé Obrigado a parar. 0 que acontece, por exemplo, com as drvores nu- ma montanha, as quals a certa altitude desaparecem, Até o proprio ho- mem, com toda sua enorme capacidade de adaptagio se vé obrigado a deter-se diante de condigées adversas, ainda que seja momenta- neamente. Desse modo compreende-se que a determinacéo precisa das fronteiras sé pode ocorrer num lapso limitado de tempo, ou entéo ‘quando nao nos apercebemos do movimento. Parece portanto ser efe- tivamente uma lei geral 0 fato de que o elemento mével procure agar- rar-se ao menos mével. Assim, a natureza aparece como mais fixa do que a histéria, mas isso apenas em termos de diferenga de gradacao. Alids, a nocao de gradetividade seré bastante importante, nao apenas para se ter uma compreensao mais clara sobre como ocorrem efetivamente os fenémenos, mas também para efeito de representa- cdo cartogréfica. A carta sindtica ou meteorolégica (a “carta do tempo") que os jomais publicam, oferece um bom exemplo a respeito, Por via de tegra notaremos dois cfrculos mais fechados relativamente afasta- dos um do outro, caracterizando 0 nticleo de massas de ar de natureza distinta, A medida que nos afastamos daqueles centros, as qualidades muito especiticas de cada massa (uma fria seca e com alta pressao, a outra quente timida e de baixa presséo por exemplo) vao se atenuan do, até alcancarmos uma faixa onde as duas massas se cruzam e jé no temos nem bem uma coisa nem outra. No Brasil de Sudeste so- bretudo estamos bastante acosturnados a observar dias completamen- te nublados onde ao lado de uma queda na temperatura encontramos uma chuva fina e persistente. E a famosa “frente fra. Pois as “fren- tes" (frias ou quentes) ndo sdo nada mais nada menos do que a fron- teira entre duas massas de ar, e nao ha como negar seu cardter mével, pois passados alguns dias as caracteristicas de uma ou outra massa prevalecerdo. Desse modo, quando quisermos estabelecer o limite de difusdo de um fenémeno, 0 qual se manifesta em graus variados, construire- mo} uma série de cffculos concéntricos, como se pode ver por exem- plo nos mapas sobre pluviosidade (isoietas) ou temperatura (isoter 16 Dominios Morfoctimaticos Ds Tien a Jeeoooen por corse preesnes a Heretasgaoas Demin dos ars do rena” retasee “S77 Domino des depresses teplndess Sores Danii os anaes ee ose Domne ca radoe rote do Suton io anaes Figura 1 ~Em branco, as “aixas de ransigdo”. mas) ou até mesmo nos de relevo (curvas de nfvel), Mas 6 com a no- 40 recente de “dominio morfocliméitico” que talvez tenhamos a viséo mais nitida dessa gradaco entre nticleo difusor, érea de difusdo e “zona fronteiriga’, Trabalhando de forma integrada, os complexos pro- esos climiticos, pedolégicos (relativos ao solo) ¢ biogeograficos que atuaram sobre estruturas geolégicas preexistentes num passado rela- tivamente recente; Aziz Ab'Saber identificou em 1 Seis “dominios morfoclimaticos” cistintos, dos qua ae on a das pradarias mistas gatichas — n& es ear 9 1néo tem seu centro no nosso pais ‘Teremos entao primeiramente éreas nucleares menores, chama- das de reas “oure* ou “coragao” nas quais esta sintetizado um con- 7 junto de elementos muito bem integrados num todo homnogéneo; a se- guir éreas mais extensas que tepresentam a base de difusdo de cada dominio, nas quais aquela sintese de elementos encontrou condicées de reproducao, ainda cue n&o de forma tao acabada como nas “core”; @ finalmente surgem as “faixas de transigéo” onde os varios dominios se entrecruzam, podendo se interpenetrar, se diferenciar ou se mistu- rar, mas que em contrapartida néo apresentam mais caracteristicas de homogeneidade. ; De maneira ainda mais radical podemos dizer que os concei- tos de “‘itoral" © “superficie da Terra” representa em si mesmos fronteiras, Quanto ao litoral 6 evidente qui se trata da fronteira entre 0 ‘mar e 0 continente, mas quando mencionamos ilhas muito pequenas id fica mais dificil distinguir nelas o Iiforal do interior. Seu caréter mével porém é irrecusdvel, Hé avangos lant no sentido do mar para a costa, como & 0 caso da Gré-Bretanha no seu litoral sul, quanto 0 in- ‘verso, como se pode ver no litoral brasilelto através de fendmenos co- mo os “témboles” (faixas de areia que ligam ithas costeiras & praia) @ as “restingas” (faixa arenosa que se interpbe entre uma lagoa costeira @ o mar). J& no que diz respeito & superiole da Terra é necesséria uma abstracdo ¢ imaginarmos o planeta cortado ao meio. A pelicula exterior do planeta (a crosta) mais @ parte da atmosfera que é vital para (os homens (a troposfera) é 0 que constitui geograficamente a super ficie da Terra. Logo, trata-se tecnicamente da fronteira entre 0 manto subterraneo que sustenta a crosta, e a estratosfera que se es- tende para acima da camada onde ocorrem os principais fendmenos meteorol6gicos. ENTRE OS ANIMAIS Nossa descrigdo inicial sobre as fronteiras na natureza née ficaria completa sem que dedicdssemos alguma atengdo especial ao-que ocorte entre os animais. Quer se trate de sua caracteristica mobilidade, ou dos complicadissimos mecanismos de adaptagao ambiental que desenvolvem, ou ainda da diviséo mais evidente entre individuos/grupos e espécies, no reino animal acrescentam-se alguns complicadores que dificuliam ainda mais a andlise das fronteiras. Em compensacéo, in- troduzem-se novos conhecimentos e os estudos de comportamento animal s4o a esse respeito de particular interesse. Assim, por exemplo, jd se ter solidamente estabelecido que ficar atento aos predadores constitui uma fungdo de importancia vital, Qualquor falha noose sentido pode significar a diforonga entro a vida 0 18 ‘@ morte, Afora uma relapo biologicamente determinada que diferencia ‘0 cagador e a caga, temos também uma variacdo entre as funodes de vigilia e relaxamento que esté diretamente ligada ao espaco, isto 6, & maior ou menor proximidade em que se encontra o perigo ou a presa. E curioso notar como entre as “presas potenciais” verifica-se um certo relaxamento da vigilia quando elas se encontram em grandes grupos. Em contrapartida, individualmente, os animais se tornam mais vigilan- tes quando 0 risco de predacéo é maior, o que ovorre inclusive com os predadores que, geralmente atuando sozinhos, estao sempre & procura de noves estratégias de ataque para “furar 0 bloqueio” de suas presas. Entre as espécies que mais desenvolveram seus “sistemas de seguranga” merecem destaque sem duvida os “meerkats”, mamiferos que habitam a Africa meridional e se alimentam sobretudo de ratos @ cobras. Quando se deslocam pelo deserto eles costumam destacar al- guns “batedores” que véo a frente do grupo a fim de localizar pelos ar- Tedores possiveis predadores como aguias e lobos. Em situacdes em que 0 perigo néo é iminente um dos “meerkats" se posiciona em lugar estratégico — como uma 4rvore por exemplo — para verificar se existe algum predador & vista, enquanto o resto do grupo se alimenta. Se a busca de alimento jé é por si s6 responsavel pela monta- gem de uma tensa e intrincada rede de fronteiras entre presas e pre~ dadores, a qual depende da capacidade de deteogo a distancia e que est em constante movimento, 0 espago de repouso e reproducéo exi- ge por sua vez a delimitagao de uma érea “privada” entre animais de uma mesma espécie. Um exemplo interessante é 0 constituldo pelo “arlequim", uma. ave nérdica que procure 0 “lago das Moscas" na Islandia, na época do acasalemento, Cscolhidos 0s parceiros a fémea guiaré o macho aliar vés das corredeiras que alimentam o lago até que o casal, apés uma longa busca, instala-se num “ote” considerado ideal para a construcao do ninho, © macho entéo gorjeia alto avisando os outros arlequins que aquele € 0 seu espago. Em resposta ouvir dos outros machos 0 mesmo sinal, estabelecendo-se uma delimitacao precisa sobre até on- de cada um pode se aproximar. E quem algum dia criou um gato, sabe perfeitamente como ele demarca aquilo que considera seu territério através de borrifadas vigo- rosas de uma secrec&o de odor penetrante, o que em tese seria suf- ciente para afugentar visitas indesejéveis. Nosso azar 6 compartilhar muitos desses espagos com ele, daf o conselho para néo deixé-lo se “apoderar” de todos os aémodos da casa. (Os exemplos sem diivida podem se multiplicar indefinidamente, mas em todos ales serd necessério distinguir esse “microespago” die 19 gamos “familiar” que se liga ao caréter individual ou gregario dos animais, de outro “macroespaco” que identifica a érea de dissemina- 40 das espécies e diz respeito ao seu nomadismo. Quanto a esse Ul timo restaria dizer que ha desiocamentos cotidianos, sazonais, @ ou- tros de maior durago, referidos a “histéria” de cada espécie, A esse nivel néo s6 os deslocamentos espontaneos tém interesse, pois 0 ho- mem jA alterou profundamente a paisagem terrestre através da trans- feréncia de plantas e animais de um lugar para outro. Essa violag&o das fronteiras da natureza teve efeitos ao mesmo tempo enriquecedo- res e devastadores. ‘Com a descoberta da América, muitas doengas desconhecidas se disseminaram, causando a morte de milhdes de pessoas. Os euro- ous @ 0s afticanos trouxeram para 0 Novo Mundo doengas, tais como © tifo, 0 sarampo, a varfola, a catapora, a escarlatina e a gripe, contra as quais os indigenas néo possufam nenhuma defesa imunolégica. Em contrapartida, a sffiis partiu da América e devastou a Europa chegan- do rapidamente até a China. Desde entéo, 0 problema do controle sa- nitério que j4 havia aparecido na Europa durante a peste bub6nica no final da Idade Média, tormou-se um problema de envergadura intera- cional. Como os movimentos da natureza insistem em desrespeitar as fronteiras politicas artificialmente tragadas pelo homem, temios af uma situago inquietante. O apicultor Celso Gandelman, por exemplo, forma-nos que em 1989 0 governo norte-americano gasiou US$ 6 mi- Indes para tentar barrar a entrada de abelhas africanas vindas do Mé- xico em seu pais. Do mesmo modo, ha fortes evidéncias de que os surtos de gripe sao disseminados por aves migratérias. Numa época ‘como agora em que se faz a apologia do mercado mundial, dos fluxos de toda a natureza e de um "mundo sem fronteiras”, no deixa de ser perturbador constatar que 0 relativo isolamento dos paises socialistas contribuiu para que neles néo se verificasse com a mesma intensida- de, 0 terrivel drama contemporéneo da AIDS. 2 AS FRONTEIRAS NA HISTORIA Se 0 capitulo anterior nos permitiu falar sobre a existéncia de fronteiras na natureza, convém de agora em diante reafirmar o caréter histérico do conceito, e portanto a evolugéo do seu significado ao lon- go do tempo. Para comecar, registre-se que a palavra “fronteira” 6 de- rivada do antigo latim “fronteria” ou “frontaria”, icava a parte do territério situada “in fronte’, isto 6, nas margens. Isso significa dizer que a avaliagdo de toda a histéria anterior a Roma e mesmo de outras sociedades torna-se um tanto especulativa. Alids, as proprias fronteiras do Império foram chamadas de “limes”, o que originariamente signifi- cava “confim entre dois campos” e se referia portanto a propriedade fundiéria individual, Além disso, qualquer periodizagao (as fronteiras no tempo) impli- ca uma discusséo especifica que ndo nos cabe aprofundar agora. Sen- do assim, para efeito de facilidade de exposicao nos valeremos da di- viséio geralmente aceita entre Pré-histéria, Antiguidade, dade Média e Modemidade, embora reconhegamos tratar-se de um esquema muito ‘centrado nos acontecimentos da Europa. De qualquer forma, para nosso tema ele parece util, que se baseia antes de mais nada na evolugao das formas de propriedade, ao que as fronteiras esto intimamente ligadas. ENTRE OS POVOS “PRIMITIVOS” Convencionalmente, costuma-se chamar de “sociedades primiti- vas" aquelas em que ndo se verificou o aparecimenta do Estado, 0 24 surgimento da escrita ou a existéncia de moeda para regular as tran- sagbes econdmicas, Trata-se, mais uma vez, de uma vise europocén- {rica do mundo, cujo defeito principal é imaginar que todas as socieda- des marcham sob 0 mesmo destino histérico, ouja culminancia é re- presentada pela propria sociedade européia. Sabemos que a realidade & mais complexa do que isso e que do contato entre sociedades muito diferentes surgem situagdes bastante complexas. Essas situagdes po- dem variar desde o simples enriquecimento cultural reciproco até a li- quidacdo e 0 exterminio de povos e culturas inteiras. Por outro lado, & forgoso admitir que a expresséo “primitivos” contém uma dose bem menor de preconceito do que aquela outra popularmente utilizada de “selvagens’, nos parecendo mesmo melhor do que outras tentativas também utilizadas como as de “povos inferiores” ou “naturais". Como 80 trata de uma express4o consagrada nés a utilizaremos, fazendo po- rém essa ressalva. Para muitos, o trago essencial que caracteriza esse tipo de so- ciedade 6 a ndo-separaco entre propriedade individual e pUiblica; ou de uma maneira mais precisa, a terra, que constitui a fonte de riqueza fundamental 6 propriedade coletiva, comunal. Além disso, como a co- leta 6 a atividade basica, e s6 se pratica a agricultura de forma seoun- daria, 0 nomadismo é outra caracteristica importante, embora subordi- riada & primeira. Cada individuo, entéo, se comportaré como proprieté rio ou possuidor apenas enquanto membro-da comunidade; e a entida- de comunitéria tribal| aparecerd, por sua vez, néo como resultado, mas ‘como condi¢éo da apropriagéo coletiva temporéria do solo e de sua utilizagao. Em conclus’g temos que a apropriacéo coletiva do tertitério antecede historicamente &-apropriagao individual (© exeinplo mais comumi seré aquele em que pequenas popula Ges de cagadores se utilizam de um vasto territério. Seu movimento aparentemente ilimitado esté circunscrito, porém, a um recinto natural rodeado de citcunscrigdes semelhantes, e é claro que cada grupo pro- curard defender seu terrtério, que porém se move, contra invasores. O grupo, antes de considerar-se como parcela de um todo maior, prefere afirmar sua identidade espectfica contra 0 resto do mundo, @ como es- sa apropriago coletiva do territério se acha ligada & extenso do culto religioso, a fronteira adquire também um sentido magico. Esse sentido se projongard através das civilizagdes de pastores, penetrando mesmo nos primeiros impérios. Alirma-se, entéo, uma interpretacéo_religiosa_da_fronteira, cujo fundamento reside no fato de que essa separa o Ambito de_um coti- diano comunal. conhecido, de. outro que Ihe & inteiramente estranh atranho 6 visto freqdentemente coma hostil, @ até mesmo uma regio 22 esabitada pode ser encarada como sujeita & ago de foreas maléficas para o grupo. Do mesmo modo, quando um povo queria libertar-se de um mal gerado em sou seio, expulsave-o, para fora dos seus confins. E compreensivel, portanto, que fazendo a fronteira parte do povo ou da ttibo, ela devesse ser protegida por forgas sobrenaturais. Nessas condigées, a fronteira apresenta extrema flexibilidade, jé ‘ue a propriacade se.afiima pelo uso.comunal, ¢ este esté sempre em movimento. As guerras, em decoréncia, sao constantes, @ nao pos suem um fundamento apenas econémico, mas também mistico. No se conclua, porém, dai que estivessem ausentes os contatos de natur reza pacitica e amistosa, Entre os tupis do Brasil, por exemplo, eram comuns os cerimoniais ¢ rituais de etiqueta precederem a penetragao de individuos de uma aldeia no teritério de outa. Em conclusdo, podemos afirmar que j4 entre os povos ditos “pri- mitivos" colocou-se a questo da delimitacao do teritério, o qual servia de base A reprodueao biolégica e cultural do grupo. Mas isso nao se fazia por intermédio de linhas rigidas, muito ao contrério, mas através de zonas mais ou menos fluidas que aceitavam até certo ponto, uma interpenetracdo. Em contrapartida, esse cardter eminentemente insté- vel das fronteiras fazia com que, em nome de maior protecéo, as co- munidades, 4 medida que iam se sedentarizando, ansiassem por habi- tar terrtérios mais bem delimitados e menos sujeitos a invasGes. Pre- parava-se, assim, 0 surgimento das fronteiras rigidas, caracteristicas dos impérios. ENTRE OS IMPERIOS DA ANTIGUIDADE ‘A dissolugéo_das_comunidades primitivas. pode ser vista como sendo decorréncia de duas pressées, uma extema, outra intema, que podem, além disso, se combinar. Do ponto de vista intemo, uma me- Ihoria na. produtividade agricola, geralmente alcangével_em_plani aluviais de solo fértil, permitia 0 deslocamento de parte da populacao para outras atividades. Ao mesmo tempo em que a caca perdia impor- tAncia em relago & agricultura, surgiam fungdes especializadas: a bur rocracia, os militares, os arteséios, os comerciantes, além, obviamente, dos camponeses. Do ponto de vista extero, os grupos invasores vito- riosos conquistavam junto com o territério, seus habitantes, dando ori- gem, assim, a varias formas de trabalho servil. Inicia-se entéo um pro- ‘cesso de centralizagéo do poder e de expansdo territorial sem preceden- tes. Do mesmo mode, a propriedade individual do solo vai se diferencian- do da coletiva, chegando a um ponto extremo de contradicAa em Roma. 23 Pela extensao territorial que obtiveram, e pelo valor atribuido as fronteiras, merecem destaque, alm de Roma, os impérios Chinés © Inca. Quanto a Grécia, afinal a criadora da geogratia, néo deixa de surpreender a pouca importancia atribulda as fronteiras. Decerto devi- do a fragmentagao politica, a cultura helénica nunca apresentou fron- teiras bem definidas. Apenas 0 Helesponto (0 estreito de Dardanelos) constituiu uma fronteira historicamente importante. Primeiro porque por ali passaram as invasdes persas no século V a.C., depois porque ser viu de porta de entrada de Alexandre, 0 Grande em suas conquistas pelo Oriente Médio que chegaram até 0 vale do Indo. Do ponto de vis- ta intemo, porém, nunca houve fronteiras entre os diversos Estados-ci- dade da Grécia, apenas nos mercados @ nos portos as mercadorias ram taxadas. O IMPERIO CHINES Cabe sem divida a China, a primazia de haver construido a maior fronteira attificial do mundo, a famosa “Grande Mutalha”, Amea- ados constantemente pelas hordas némades vindas das estepes do norte, desde épocas muito remotas os chineses se preocuparam em defender seus territérios contra os hunos. Tal empreitada, porém, era dificultada pela fragmentacdo politica em que viviam, j4 que os princi- pes, visando enfraquecer 0 poder real, permitiam que némades habi- ‘tassem seus dominios, ao mesmo tempo em que os senhores, com seus carros de combate, apareciam como a principal forga militar. Lentamente, entretanto, outras forcas comecaréo a se sobressair na sociedade chinese na economia os comerciantes; na politica, 0 po- der central; e militarmente a infantaria, composta pelos camponeses, até que em 221 a.C. 0 principe Shi Huang, vindo do bem organizado e fronteirigo reino de Ch'in, no oeste do pais, conseguird finalmente Unificar 0 Império. Para proteger definitivamente sua fronteira seten- trional, © Imperador ordenaria a construcdo de uma enorme muralha, vinda desde o mar até a Asia Central. Inicialmente feita de barro e ter- ra, a obra exigitia o sacriffcio de milhées de trabalhadores, Consta que de cada trés homens, um era obrigado a trabalhar ali, e os esforcos eram tantos @ 0 extenuantes que muitos néo resistiam, chegando-se a falar em milhdes de mortos. Munida de torres, fortins e portées forti- ficados, a muralha consumiria oito anos até ser concluida; no entan- to, nao se revelaria capaz de deter os invasores. Ainda no século II .C. 0 hunos a ultrapassariam, devastando as terras do vale do rio Amarolo, 2a Durante os quatro séoulos seguintes, os imperadores da dinastial Han se esforgaram para manter @ até ampliar a muralha, mas com o ‘tempo verificou-se ser impossivel manter um exército permanentemen- te mobilizado capaz de defendé-la em todos os seus pontos. Passados mais alguns séculos, a muralha iria desaparecer quase completamen- te, restando hoje dela rarissimos vestigios. Quando bem mais tarde Gengis Khan ocupou a China no século Xill, ela ndo existia, e mesmo Marco Polo, que serviu na corte de Kublai, neto de Géngis, ndo a menciona. Transcorrido quase um século de dominio mongol, os chineses ‘conseguem recuperar sua autonomia e por volta de 1400 os imperado- res da dinastia Ming, como que se esquecendo das ligdes do passado, iniciam a construgéo de uma segunda muralha, agora feita de alvena- mia @ lida como inexpugnavel. A parte principal dessa Muralha, que perdura até hoje, apresenta uma extensdo de cerca de 2.500 km e consumiu cerca de 200 anos até ficar pronta, Entretanto em 1449 os monggis conseguem transpé-la, penetrar em Pequim e seqliestrar 0 Imperador, seguindo-se novos ataques de turcomanos € monggis. A partir de 1564, constréi-se uma nova ramificagao — a muralha de Pe- quim — concluida por volta de 1600. Dezoito anos mais tarde, uma ou- tra tribo mongol — agora os manchus — assalta novamente a muralna, ‘conseguindo tomar Pequim e permanecer no poder até 1912, quando Sun Yat-sen lidera uma revolta nacionalista (ver fig. 2). SS eustewe (em cw AECONSTRUGIO Figura 2— Note-se que as poreSes em rufnas S80 as mals inteionzadas, Por duas vezes, nesta longa e fantastica histéria, os chineses confiaram sua protego a uma obra de engenharia militar que passaria desde ento a confundir-se com a propria nocao de fronteira. Por duas vezes também foram batidos pola agilidade dos ginotes mongéis, numa 25 demonstragao inequivoca da superioridade bélica da mobilidade frente rigidez. Por outro lado, os que defendem a construcao da Grande Muralha poderdo sempre argumentar que, sem ela, a China como en- tidade politica, jé teria desaparecido ha muito tempo. A bem da verda- de, mais do que proteger a China contra o invasor estrangeiro, o que a construcéo da muralha possibilitou foi, com efeito, a unificagao das vé- rias provincias chinesas numa Gnica e gigantesca totalidade, esta sim ao que parece, inexpugndvel. Ainda no longinquo século Xill, Marco Polo previra a transitorie- dade do dominio mongol sobre a China, dada a superioridade econé- mica, cultural e demogratica desta sobre seus senhores de entao. De fato, tratava-se da superioridade da agricultura sobre 0 pastoreio e por- tanto, em contradicao a primeira tendéncia acima apontada, da supe- rioridade da fixag&0, da sedentariedade, sobre a mobilidade, o noma- dismo. Esta oposi¢ao perrmanece @ até hoje encontramos 0 conflto en- tre uma razo defensiva que procura dificultar 0 acesso as fronteiras, € outra mercantil que, ao contréiio, pretende facilitar ao maximo os con- tatos com os vizinhos. © IMPERIO ROMANO. Inversamente ao caréter defensivo da China, temos em Roma 0 exempio cléssico do expansionismo querreiro e do avango organizado das fronteiras. Invocando a protegéo do deus Término, os romanos im- poriam &s suas fronteiras um cardter solene e claramente determinado, no encontrével em outtos impérios da Antiguidade, Constantemente allerada, imas pretensernente previsa, a faixa de fronleira era o lugar onde se ofereciam pomposas ceriménias ao seu deus especial, oca- sido em que se fixavam grandes marcos e cavavar-se fossas. Foma é 0 resultado de um objetivo politico conscientemente per- seguido ¢ que se propunha a superar a fragilidade da organizacao tr- bal. Essa organizacao jd ento vinha sofrendo a influéncia de gregos € fenicios, cujas coldnias pontithavam os dois lados da peninsula Italica. Esses dois povos disputavam & época a hegemonia comercial no Me- diterraneo, © que repercutiré mais tarde nas guerras piinicas entre ro- manos e cartagineses. Inicialmente dominando a regiéo do Lacio, a constituigéo original de Roma, embora cercada de muita lenda, repre- senta com efeito a fusdo de tribos etruscas e sabinas influenciadas culturalmente pela Grécia — 0 que dard forma a uma organizacao polt- tica superior. Divididos administrativamente em distritos urbanos @ re rals, os quais constitufam a base para arrecadiacao © racrutamenta, os 26 TRINovANTEs J I SILURES CATUVELIAUN| Rieerda-USP/ST Figura 3— NaBriinia Romana, sb. Catedénie permaneceu ‘nconquistads. Tomanos inauguraram uma ruptura no principio gentilico em que os Postos militares dependiam da linhagem. Agora, eram os bens méveis @ iméveis que se tornavam mais importantes, o que provocaré uma di- visio social de profundas consequéncias, Aos poucos, frente A presenca da penetrago celta vinda do nor: te, os romanos v4o conseguindo colocar sob sua hegemonia os de- mais povos do centro da Itélia; © @ seguir, derramam sua influéncia so- bre © sul, quando apés a derrota do rei Pirro, de Epiro, as coliniass yre ar gas do pul da peninsula se federaram a Roma. © movimento deck sivo seguinte visa Cartago contra a qual Roma move trés longas e pe- nosas guerras. Superado seu maior obstéculo, com a conquista e des- ttuigéo de Cartago em 416 a.C., Roma se torna a rainha do Mediterré- neo ocidental, passando a orientar seu intoresse para norte e para leste. No Oriente encontravam-se povos de antiga civilizaco apre- sentando Estados bem organizados, mas ao norte dispunham-se ini+ ‘moras tribos germanicas ¢ celtas ainda em estdgio de seminomadis- mo, No intervalo entre uns ¢ outros, isto 6, a noroeste, os eslavos. Apés conauistas sucessivas, os romanos chegaréo no século Ill de nossa era a sua maior extenséo, dominendo todo o Mediterraneo, até alcangarem 0 Reno ¢ 0 Dantibio como “limites naturais", ao norte, Mas 6 na Briténia que os romanos mais se aproximaréo dos chineses com as construgées das muralhas de Adriano e. Antonino, Visando proteger suas legiGes contra os caleddnios, primelramente 6 Adriano, que go- vernou de 117 a 138 d.C., a ordenar a construgao de um muro de 4,5 m de altura por 3 m de espessura desde.a desembocadura do Tune até 0 golfo de Solway, isolando todo o norte da ilha, Sua defesa era compost por 300 torres e fossas profundas. Seu sucessor, Antonino, ergueré outro muro mais ao norte entre os golfos de Clyde e Forth, também protegido por numerosos fortes ¢ lddeado por uma estrada defensiva (ver fig. 3). Também no continente, o “limes” romano-germanico receberd paligadas defensivas, sobretudo na parcela além-nascentes do Reno e Dantibio conhecida por Agri Decumate, Assim, aquilo que de inicio era uma estrada ligando os postos avangados do exército, tomava-se uma barreira Uefensiva, Dadas as crescentes dificuldades em defender um Império imenso fragmentado internamente em provincias bastante he- terogéneas e pressionado externamente por tribos germénicas, Roma procurara concentrar seus esforcos, abandonando a Arménia, a Meso- potémia e a Dacia (atual Roménia). Isso, no entanto néo se revelard suficiente para impedir que o limes seja estilhagado no séoulo V d.C. Um pouco antes, porém, Roma jé havia se dividido em duas partes, com a capital oriental localizando-se em Constantinopla, origem do Império Bizantino que perduraré por mais mil anos (ver fig. 4), eee ————————— © IMPERIO INCA Nas Américas encontramos também a oposigdo entre povos nd- mades e civilizados, numa situagao que guarda comelhangas © dife 28 Fra 4 Num co sent, a dsputa ava ete série o coats otros esa niga Fa a gues mocrea tng fo sone) & outa om crac inns ro Cone {Grote ocmeos no One (Séva rengas com relacéo aos dois exemplos anteriores. Como na China, 0 Estado surge da necessidade de execugao de grandes obras de trans- formagéo do meio ambiente que garantam a extragéo de um exceden- te agricola (canais de irigacdo, terragos, etc.). Diferentemente, porém, nas Américas a natureza apresenta condigdes de abundancia e néo de pentiria como na Asia Central, que faz com que os civilizados avan- cei sobre os némades e néo o inverso. Isso aproximaria do exemplo europeu, mas ao contrério de Roma, nas altas civlizagdes americanas rndo se veritica a diluicdo da propriedade aldea nem o aparecimento da propriedade privada. Aquela subsistird ao lado do Estado a quem pa- gard tributos, Ha servidao, mas nao escravismo. Como os malas se aproximam mais do modelo de cidades-Estado, e os astecas da “Con- federagdo”, nos limitaremos aos incas, que na opiniéo de Enrique Pe- regalli “foram os Unicos a formar um verdadeiro império”. Colocaram diferentes culturas sob sua influéncia militar, econédmico-social e reli- giosa, chegando a controlar uma populacdo de 15 milhdes de pessoas distribuidas por uma Area extensa ao longo dos Andes, desde 0 sul da Colémbia até 0 centro do Chile. A fronteira como linha estatica fortificada e defensiva, propria dos impérios j& expandidos, também se verificaria entre os incas, embora a auséncia de cavalos diminuisse enormemente a ameaga némade. ‘Apesar disso, foram construidas trincheiras em pontos considerados estratégicos, embora talvez aqui as fronteiras internas do Império me- regam maior destaque, dada a curiosa simbiose entre ciéncia e religio que as cercava, 29 Os incas dividiram seu territ6rio — denominado de Tauantisuyu ‘em quatfo partes que correspondiam a um sistema mais ideal que real, apresentando uma hierarquia entre as partes “de cima” @ “de baixo". Assim, Chinchaysuyu e Antisuyu correspondiam & parte superior, que por sua vez se dividia intermamente, com a primeira superior & segure da, Na parte inferior, Collasuyu e Cuntisuyu, por sua vez também sub- dividida e a primeira considerada superior & segunda. No centro de tue do, Cuzco, a capital, significando o nimero 5 indivistvel, cruzamento dos pontos cardeais @ portanto centro do mundo (ver fig. 5). Cada Su- yu correspondia a um grupo de provincias geralmente coincidentes ‘com Estados pré-incaicos, os quais se subdividiam em Sayas (depar- tamentos ou municfpios) @ estes por sua vez em Ayilus, unidade ele- mentar basica, Como se sabe, 0 desenvolvimento do Império Inca fol interrompi- do pelos conquistadores espanhdis, quando Francisco Pizarro tomou Cuzco em 133, apés dois séculos de turbulenta, mas continua expan- ‘sé0. Por essa época jé se verificava uma certa tendéncia na sociedade incaica no sentido da privatizacdo de terras e da liberago da mao-de- obra face &s comunidades aldeds. No entanto, além do impedimento extemo, a permanéncia das relagdes de parentesco como decisivas na estruturagdo do corpo social agiam como entraves no sentido de um maior desenvolvimento das forcas produtivas. Quanto &s fronteiras, estabelecia-se claramente uma nova con tradigdo ja anteriormente esbocada, Enquanto as fronteiras mais segu- ras dos Impérios permitiam um malor desenvolvimento da sociedade, seu proprio crescimento populacional terminava por colocar a fixidez dos limites como uma barreira que deveria ser removida, para futura expansao, Barreira do protegéo ou muralha quo aprisiona? Eese dile- ma permanece, fazendo oscilar o sentido das fronteiras. AS FRONTEIRAS NA IDADE MEDIA Appresenga romana deixaria marcas indeléveis em toda a Europa. No leste, porém, o Império Bizantino acabaria gravitando em tomo de problemas asidticos, a0 passo que no oeste as instituigdes romanas e germédnicas iriam lentamente se fundir, fomecendo os fundamentos hist6rico-culturais do que hoje normaimente designamos por “Europa Oxcidental’. E como 6 sabido, nesse processo a Igreja Cattlica cumpriu © papel de agente unificador fundamental, como que compensando a fragmentacdo politica e a pulverizacdo econémica existentes. Desde entéo, um sentido religioso das fronteiras comegou a se 30 BRASIL ‘ncas ro pce oie compere Figura 5 ~ 0 cardi esttamente “andino” do lnpério fea evident, ao avancando para 85 forests ropicais. 31 separar daquele politico-administrativo, 0 que sé se completaria bem ‘mais tarde com o surgimento dos Estados modemos. E portanto antes de mais nada de sua genealogia que estamos tratando. Segundo o historiador Perry Anderson, a influéncia romana sobre a Europa Ocidental pode ser distribuida gradativamente em trés faixas que de norte para sul vao da menor para a maior. Isso evidentemente denota 0 cardter mediterrdne0 do Império (primazia maritima e no continental). Assim, a peninsula Ibérica, a regido de Provenga no sul da Franca e a Itélia aparecem como as zonas mais romanizadas, in clusive porque sujeitas ao controle naval de Roma. No extremo oposto, as llhas Briténicas, os Paises Baixos, a Escandinavia e 0 norte da ‘Alemanha apresentaréo 0 predorinio da heranga germanica, a0 passo ue no centro, numa zona intermediéria, as duas influéncias estarao mais equilibradas. Trata-se do norte da Franga onde se localizaré 0 nicleo de expanséo do feudalismo. Apés se fundirem com os galo-o- ‘manos, os francos sucessivamente baterdo outros reinos germanicos até que no século Vill 0 Império Franco consegue unir a Europa Oci- ental e estender suas fronteiras até os rios Elba e Saale. Em seguida, defrontam-se com os 4varos, tiltimos resquicios da presenga mongéli- ‘ca nesse perfodo. Para completar, no sul os érabes haviam sido conti- dos na famosa “batalha de Poitiers” em 732, e no norte os reinos bri- tanicos e “vikings” se cristianizavam. ‘Afastado 0 perigo dos hunos, era natural que a expansao se fi- zesse através das planicies do leste, e a fronteira defensiva novamen- te voltaré a mover-se, sobretudo a partir do século Xil na diregéo da cristianizago dos eslavos. Essa expans4o, no entanto, combinada com a fragmentagéo do império a partir da morte de Carlos Magno, iniciaria um processo de diviedo politica na Europa quo 0 prolonga até rnossos dias. E curioso observar a esse respeito o contraponto existen- te entre as duas situagdes. Enquanto a expansdio para leste seria bem- sucedida a partir da instalagéo das “marcas” (espécies de Estados- tampao em que os marqueses tinham o direito de colonizar, loteando terras), a repartigao do Império entre os trés filhos de Carlos Magno ensejaria as maiores controvérsias, entre outras coisas, porque sim- plesmente néo se tinha 0 conhecimento cartogréfico e geogratico ne- cessério para se definir, com preciso, os limites @ as regiées do Impé- tio Carolingio. Nos assegura Alain Reynaud que foi com “estranheza” que 0s protagonistas do Tratado de Verdun em 843 se deram conta de tamanha ignorancia, Entre outras culturas, a situagdo nao era muito diferente. No Ma- grob, por exemple, sé havia cidades-fortaleza, as quais s6 eram deixa- {das pelos maiores potentados na ocasiao da cobranca de impostos ou pi- § él R| or ‘nico Luts, 0 Germ Figure 6~ Esta 6 uma reconstrupdo apvoximada, a posterior do Tratado de Vern. 32 33 Ihagens. Mesmo em épocas de paz os portGes eram fechados a noite. Por sua vez, em funcao de Biz4ncio, organizaram-se alguns “Estados- roteitos", ao redor dos caminhos que conduziam & grande capital, e 20 ue parace era 86. Coube surpreendentemente aos eslavos introcuzl- rem alguma inovagao nesse assunto quando, nas negociagdes entre principes poloneses e cavaleitos da Ordem Teuténica, referirarmse a0 voodbulo “grenze”. Esse vocdbulo indica uma linha no territério marca da com sinais particulares, que era bem mais preciso do que a nogao genéica de ‘regio perférica”, expressa pelo vocébulo germanioo mare” Inicialmente, a palavra dizia respeito & linha diviséria entre dois bens iméveis, mas depois se generalizou na indicagao dos “confins ter- ritoriais", Delineia-se, dessa forma, 0 desenvolvimento juridico do con- coito © a nogdo de que, antes de mais nada, as fronteiras resultam de um “contrato entre partes”. 3 AS FRONTEIRAS MODERNAS Vimos que, com efeito, dado o cardter “plastico” que apresenta- vam, as fronteiras medievais néio passavam de uma “ficoéo”. Foi ne- cessério muilo tempo até que, em fun¢ao da prépria necessidade de se regularizar a propriedade da terra, se alcangasse maior precisdo na definico dos confins. Em decorréncia das novas exigéncias do modo de produgéo mercantil, instaurava-se uma contradigao entre disperséo, geogrdfica e centralizacéo politica, implicando a construgdo de um ar- cabougo institucional capaz de abarcar os contflitos surgidos. A topo- grafia e a cartografia passam assim a ser impulsionadas pela apropria- edo privada do espago. Como esse vinculo entre ciéncia @ interesse econémico ensejaria a formulago de doutrinas a respeito de “qual a melhor fronteira’, distinguiremos por ora, ainda que de maneira relati- va, 08 aspectos “histéricos” mais diretamente ligados & infra-estrutura, material da sociedade, daqueles “tedricos” e portanto mais vinculados & superestrutura ideolégica. ASPECTOS HISTORICOS Embora qualquer periodizaeao histérica dé margem a muita con- trovérsia, existe um relativo consenso em considerar 0 “Tratado de Westfélia” como marco inicial na constituigéo de um sistema “modemo" de fronteiras na Europa Ocidental. Por “moderno” entenda-se aqui um tipo muito particular de centralizagéio do poder politico cuja base 35 social € representada pela “nacéo”, Em larga medida, portanto desde essa época, a “problemdtica das fronteiras” confunde-se com a ques- 10 das nacionalidades. No entanto, caminhar nessa direg&o exigiria um outro estudo especitico, que nao temos condigdes de desenvolver agora. De qualquer modo saliente-se que essa nova forma de institu- cionalizagao do poder politico — 0 Estado nacional — é a responsdvel pelo estabelecimento de limites rigidos e precisos, tanto quanto possi- veis, entre as sociedades “nacionais’. Hé, porém, um aspecto “técni- co", que no pode de modo algum ser negligenciado. ‘Ocorre que, com o Renascimento, os progressos alcangados pe- las mateméticas, astronomia @ os conhecimentos obtidos com as viar gens, permitiram um avango cartogratico extraordinério. Com os ma- pas, as fronteiras passavam a ser néo apenas representadas, mas também projetadas, 0 que em decorréncia tomava possivel a introdue go de tragados precisos entre soberanias. Surge ento a “fronteira li- near’, como a primeira concepeo geogratica modema, € como prova de que se trata de uma época com novas nogdes de espago e de tem po, a primeira tentativa de estabelecimento de uma fronteira linear nao ‘ocorreu na Europa, mas no Novo Mundo. Referimo-nos com efeito & “linha de Tordesilhas” que retificou, por comum acordo dos soberanos de Portugal e Espanha, a bula papal anterior, na qual Portugal se jul- gava prejudicado. Assim, em 1494 foi definida uma “linha de demarca- ao" tendo por base o meridiano atravessando um ponto a 370 léguas das lIhas de Cabo Verde, garantindo a Portugal a posse das terras a leste da mesma, e & Espanha as do oeste. Os livros didaticos no Brasil costumam, com indisfarcavel ufanismo, desdenhar sobre o significado dessa “linha imagindria” sob o argumento de que a rigor, ela “nunca foi respeitada”. Nu enlanto, ainda hoje Brasil aspira por “uma salda para ‘0 Pacifico", do mesmo modo como os paises hispnicos se viram pri- vados de maior influéncia no Atléntico. Isso significa reconhecer que, uma vez surgidas, as frontelras custam a desaparecer. Pode haver retificagdes e até mudancas de significado para este ou aquele povo, mas sua existéncia dificilmente sera simplesmente anulada. ‘A seguir sero os geégrafos de origem alema os primeiros a ino- vat, quando tentaram tragar os contornos da endo fragmentada Ale- manha quinhentista. Sebastien Munster, o mais célebre de todos, 6 0 primeiro a apresentar, na sua famosa Cosmografia, datada de 1544, fronteiras tragadas segundo o ctitério da diferenca lingiiistica. Alegava Munster que as “montanhas e rios” que no passado haviam represen- tado barreiras muito poderosas, agora j4 ndo 0 eram, tendo sido substi- luidas pelas “linguas e possessées”. Munster escreve em meio a uma situagéo revolucionéria, dado 36 que as idéias de Lutero se propagavam com rapidez, colocando em ‘isco tanto a autoridade papal quanto a do imperador Carlos V. Con- vém esclarecer que 0 Sacro Império Romano-Germédnico, surgido de uma defecgdo do Carolingio no século IX, vivia & época de Lutero uma situagéo contradit6ria, de desagregagéo intema mas crescente impor- tancia no cenério europeu. Composto de uma série de Estados semi independentes, além de dominios eclesidsticos, o Império tem sua precéria unidade definitivamente abalada com a Reforma protestante, ‘As guerras religiosas devastam a Europa ao longo de todo 0 sé- culo XVI, mas contribuem para a emergéncia das nacionalidades, bas tando lembrar, por exemplo, 0 abandono do latim nos cultos protes- tantes. Em cada lugar, as guerras civis se, resolvem de uma certa ma- neira. Enquanto na Franca em 1598, 0 “Edito de Nantes” institui a berdade religiosa, na inglaterra Henrique Vill provoca um cisma com a Igreja Catdlica autoprociamando-se chefe da nova “Igreja Anglicana”. 4J& no Santo Império, a situacgo era mais delicada, com cada principe impondo em seus dominios a sua religiao, o que provocava conflitos e remanejamentos de populacéo. Na peninsula Ibérica @ na Italia, a vito- riosa foi a “Contra-Reforma”, ao passo que nos Paises Baixos e na Escandindvia venceram os protestantes. Repare-se como as trés “fal- xas" observadas por Perry Anderson quando do inicio da Idade Média de certo modo se mantém, sé que agora relacionadas a religiéo. No norte predominio presbiteriano, no Sul mais romanizado vitéria catdlica ¢ no Centro, uma situacao intermedidria, que recolocaré a Franga & frente dos acontecimentos. Devemos acrescentar como outro ingrediente perturbado,, as “guerras de sucesso” quando da vacdncia dos tronos. O poder dinés- tico havia criado um emeranhado politico, onde os casamentos entre casais reais facultavam a intervengo de um Estado no outro a cada su- cesséo, Para nos restringirmos apenas & disputa principal, menciona- remos 08 Bourbons, os Habsburgos e os Hohenzollem, A situagdo ird se deteriorar & medida que a Franca vai se sentin- do cercada pelos Habsburgos, que com a abdicacao de Carlos V divi- dem seu poder em dois ramos: um espanhol, controlando também o sul da Itélia e dos Pafses Baixos e outro austrfaco, dominando 0 Sacro Império. © estopim da crise & a néo-aceitago por parte dos boémios dda imposig&o de um govemador catélico, 0 que deflagraré a “guerra dos 30 anos” a partir de 1618. Nessa longa e terrvel contenda ira se sobressair 0 cardeal Richelieu que comandard a Franca, realizando uma politica exterior absolutamente inusitada para a época. Despre- zando 0 aspecto religioso, ele ndo hesitara em apoiar principes protes- tantes que possam enfraquecer os Habsburgos, Aliando-se & Suécia, que 37 contava entéio com 0 exército mais moderno do mundo, a Franga fi- rralmente oblerd a vitbria, introduzindo-se 0 concelto de “equilfbrio eu- ropeu como principio regulador das relagdes extemas no continents. Para além das lutas religiosas e dindsticas, inauguravarse assim & Gpoca do célculo geopolito nacional nas relaoées exteriores, ainda que néo se usasse essa expresso. De todo modo, ndo deixa de ser Uma das grandes ironias da histbria 0 fato de que é gragas & Franga que uma nova poténcia comece a surgir na Europa: visando enfraque- ‘cer 0 poder Habsburgo, o Tratado de Westfalia, que poe fim ao san- grento confito, favorece enormemente a casa Hohenzollem, do princ- ado de Brandenburgo, que dé origem a seguir, ao Reino da Prissia (ver fg. 7. ‘evidente que a hegemonia francesa no trouxe “equilibrio” ao continente, e muitas outras guerras se ‘sucederam, permanecendo este grave problema até nossos dias. De qualquer modo o que importa fr Sar 6 que, desde entao, fimou-se a nogéo de que a fronteira marca 0 limite territorial onde o Estado-nagdo exerce a sua ‘soberania. Em con- seqiiéncia, algumas “doutrinas sobre a fronteira” passaram a disputar, por sua vez, a hegemonia dentro do aparelho de Estado. eee ASPECTOS TEORICOS Com a vitéria obtida na guerra dos 30 anos, a monarquia franoe- a fortaleceu-se imensamente. Nao nos esquegamos de que Richelieu havia conseguido que huguenotes e catdlicos lutassem lado a lado, pela Franga. Com Lufs XIV, agora era 0 rel quem encamava a prépria agdo. Com o pais politicamente unificado, a administragéo roal trata- va entdo de conhecer com preciso os limites de seu dominio, @ como Paris se encontra préximo da fronteira, era preciso também que, por razoes de seguranga, se estabelecesse uma fronteira militar. Sabendo se cercar de colaboradores zelosos, Luis XIV encontrara em Sébastien Le Prestre, mais conhecido por Vauban, um auxiliar admirével para es- sa tarefa. Engenheiro militar e economista, Vauban sera mais tarde re- ‘conhecido como 0 “construtor das fronteiras da Franca’, além de haver sido 0 primeiro a calcular a drea e a populagao do pais. Seu plano de festruturagao das fronteiras se baseou em estudos profundos de topo- grafia, geologia, do sistema de comunicagées, além de ocupar-se das fronteiras maritimas ¢ do comércio exterior. Organizou um sistema de defesa com varias fortificagdes, sobretudo no norte do pals, onde as planicies faciltavam eventuais invasdes. Condenava a nocao de “tron- teiras naturaic” coneiderando-as devassveis, uma vez que “neutras”. 38 fonanoepunes ‘ogee er POLONIA Figura 7A uso do Prineipado de Brandenburgo com 0 Ducado da Prissia Oriental em 1701 daria origem ao poderaso Reino da Prissie. Explicando melhor dava 0 exemplo dos Alpes ~ “uma barreira tanto para nds quanto para 0s inimigos” — a qual seria ultrapassada mais cedo ou mais tarde. \Vauban tinha razo se nos lembrarmos de que j& desde a época das querras ptnicas a formidavel barreira alpina ndo representou em- pecilho insuperdvel para as tropas do grande chefe cartaginés An‘bal, ‘que conseguiu transpé-la com seus enormes elofantes, quase,liqui- dando Roma. Em 1524, por sua vez, Provenga foi invadida através dos Alpes por tropas do Santo Império vindas da Borgonha. Assim, con- 39 ‘oluia Vauban, era necessétrio “fazer uma fronteira”. Sua doutrina de subordinagdo da fronteira a linha de defesa persistiré até a Primeira Guerra Mundial, quando inclusive a estratégia de “guerra de fronteiras” ser colocada em xeque devido & enorme sangria por ela provocada, No obstante ainda na Segunda Guerra Mundial os franceses confia- ram na inexpugnabilidade de sua dispendiosissima “Linha. Maginot”, afinal desmoralizada pela mobilidade das “panzer divisionen”. Ha nesse ponto um aspecto bastante curioso. Embora os france- ses teoricamente nunca chegassem a eleger as “fronteiras naturais” ‘como uma “doutrina de Estado”, elas, no entanto, na pratica foram in- sistentemente perseguidas: o Reno, os Alpes, 0 Jura, os Pirineus...Em contraste, os alemaes defenderam as “fronteiras naturais” no discurso mas, em compensacéo, ndo as respeitaram na pratica. Foram os éditos imperiais de Munster que invocaram o Reno como limite natural do Im- pério em 1648, e foi Frederico ll quem mais tarde reafirmou sua condi- ‘¢&o de fronteira entre Franca e Alemanha em duas ocasiGes: 1738 e 1746, Essa concepedo se prolongaria ¢ os precursores e formuladores da “geopolitik” a referendariam invocando o tema do “espago vital” ou se se preferir do “povo sem espaco”. Tudo parece indicar que, enquanio 08 alemdes de certo modo “invejavam” a condigao da Franga de pos- ‘suir evidentes “fronteiras naturais", os franceses menosprezavam as mesmas, argumentando sobre seu cardter mais ilusério do que real. De fato, todas as fronteiras so construgdes humanas, na medida fem que S40 os grupos humanos que atribuem a esse ou aquele aci- dente geogréffico a condicao de divisao entre um espago conquistado € ‘outro nao. Nem © mar, aparentemente a fronteira natural por excelén- cia, constitui um obstéculo & unificacao, como pode ser visto no caso do Egeu, na verdade bacia de articulagéo da Crécia. Tem razéo por tanto Jacques Ancel quando lembra que a natureza s6 oria uma fron- teira quando ordena um “alto” ao homem, Assim, entre os franceses prevaleceria a teoria da “fronteira espiritual", a qual foi lentamente se constituindo num valor cultural mais significativo do que a “fronteira natural’. Isso parece ligar-se A longa luta travada contra os ingleses, desde a baixa Idade Média, em torno de sua unificacdo politica e lin- gijstica, Daf porque a “quest4o da Valénia” (regio de fala francesa a sudoeste da Bélgica) fosse tratada de forma muito mais apaixonada nos séculos XVIII e XIX do que © problema da Alsdcia e Lorena, que apesar de estarem a oeste do Reno e serem economicamente impor- tantes para a Franca, apresentavam populagdes predominantemente de fala alema. Em contrapartida, para os alemées 2s “fronteiras naturais” eram fundamentais e sua auséncia uma das causas princioais da fraamen- 40 SEU Oe ie Centraty taco politica e do atraso histérico germanico frente as outras poten- clas. Com contornos indefinidos e desarticulada internamente, nao é de estranhar que venha da Alemanha ndo sé a geografia modema co- mo também a geografia politica e a geopolitica, Sua condigéo especial de “poténcia em poténcia” que apresenta uma poderosa indlistria mas ndo possui colénias, orientaré os alemaes na diregéo de um naciona- lismo belicista, uma vez que suas “fronteiras apertadas” aparecerao_ como um obstéculo ao desenvolvimento nacional. Convém lembrar que juridicamente a fronteira 6 definida como campo natural da defesa intemacional que se atribui ao Exército, 0 que predispée portanto um pals que supervaloriza suas fronteiras a um certo militarismo. Para completar, note-se que & falta de fronteiras naturais “fisicas”, os ale- mes terminariam por enxergar na lingua uma fronteira natural *humia- na”, 0 que introduziu grande confusao terminolégica no debate, mas assegurou, por outro lado, 0 fermento ideolégico da unificagéo e a se- guir do expansionismo germénicos. Pela sua riqueza tedrica e seu sig- nificado histérico-polttico, a polémica entre Jacques Ancel e Karl Hau- shofer merece ser vista separadamente. ‘Ancel x Haushofer Dado que 0 século XIX é todo ele marcado pelo aprofundamento da rivalidade franco-alema e além disso assinala 0 destocamento do ideal nacionalista da Europa Ocidental para a Europa Central e Orien- tal, convém realizar um parénteses a fim de no nos desviarmos de- mais de nosso objetivo. Afinal um acontecimento da envergadura da Nevolug&o de 1789 possui tantos desdobramontoe que se torna impra- ticdvel prosseguir numa abordagem de natureza cronolégica. Por ora, ressalte-se apenas que ao espirito cosmopolita promovido pela llustra- go, os alemes reagirao com um crescente nacionalismo. E em meio a essa situagdo que se desenvolvera a obra de Ratzel. A Alemanha vi- ve momentos de excitagao com os éxitos de Bismarck, 0 que garante & Prissia a hegemonia dentro da comunidade germénica @ coloca os franceses numa posig&o defensiva. Ratzel, escorado na teoria evolu- clonista, defenderé a tese de que “forma-se mais répido um povo que possui limites". Embora ressalvasse que as fronteiras naturais seriam mais im- portantes para os povos menos desenvoividos, Ratzel ponderaré entre- tanto que 0 “limite definido contribui para a maturagéo de um povo", ainda que ndo seja imprescindivel, Assim, quanto mais a natureza fa- \vorecesse a constituieéo do limite, mais rapido esse povo se formaria, 4a ‘© que evidentemente servia para explicar o relativo atraso histérico da ‘Alemanha, Quando na passage do século a indistria alema supera insofismavelmente a inglesa, sucede uma mudanga ideol6gica. Aquilo que era visto inicialmente como uma desvantagem ~ as “fronteiras apertadas” — passa a ser encarado como uma vantagem, pois a posi- 40 central da Alemanha como que a predestinaria a liderar 0 conti- nente. E em grande parte com esse tipo de disposicéio que os alemaes se langam & Primeira Guerra Mundial. Derrotados, passam a se inte- ressar crescentemente pelo mundo extra-europeu, uma vez que atribu- ram em parte ao seu desconhecimento daquela realidade a responsa- bilidade pelo insucesso da Triplice Alianga. Desde a década de 1920, entéo, 0 general e geégraty Karl Hau- shofer desenvolveré um ambicioso projeto destinado a reouperar uma posig&o de destaque para a Alemanha no cendrio mundial. Apresenta- do a Hitler quando esse assume o poder, Haushofer & premiado pelo “fahrer* com a diregéo da "Academia: Germénica’ em 1933, Passa a comandar um complexo conjunto de instituigdes que tém no “instituto de Geopolitica de Munique" a sua pedra angular, 0 qual comeca a de- senvolver uma série de estudos sobre as mais variadas regiGes do planeta, Segundo Haushofer, a geografia é a ciéncia-chave para a so- lugdo de todos os problemas sociais, j4 que, como dizia Ratzel, “um grande espaco mantém vidas”, Interessado em criar um “lebensraum” (espaco vital) de dimen- ‘sdes mundiais para a Alemanha, Haushofer ira radicalizar algumas das formulagdes de Ratzel, sobretudo aquelas que concemem aos limites. A chave para suas proposigdes encontra-se na concepeéo biolégica do Estado apresentada por Ratzel. Dado que o Estado é um organismo vivo € as tronteiras ou limites sao parte integrante e insepardvel desse ‘organismo elas esto sujeitas portanto a alteragdes permanentes. Nas préprias palavras de Ratzel: “A fronteira aparentemente rigida ndo 6 mais do que a detengao temporaria de um movimento”. Portanto, nada mais natural do que a mudanga freqiiente de limites para os povos em expanséo, Agora nas palavras de Haushofer: “Nao pode haver limites fixos para a necessidade de expanséo do Estado”, Mais tarde ele chegaria a afirmar que a busca da linha exata de fronteira representa um contra-senso, estando fadada ao fracasso uma vez que contrariava “as leis bioldgicas terrestres”. Em conclusao, dado que sobretudo a guerra desconhece as fronteiras, ele diria: “Quer colhemos as solitérias ilhotas do Pacifico... ou o perimetro de uma ‘grande cidade, em todos os lados encontraremos a fronteira como campo de batalha", Como conseqiiéncia, em vez de se falar de “limi- tee", Hauehofer considerava mais apropriado utilizar a nog&o de “re- 42 gio de fronteira’. Esse Ultimo conceito foi bastante aceito tendo em Vista que, de fato, a nogéo mais precisa de “linha de fronteira” muitas vezes nao faz justiga a situagdes onde ocorre um forte entrecruzamen- to de duas populagdes vizinhas. Entretanto, a idéia também usual de “linha de fronteira’ & mais adequada quando se trata de areas com limites indefinidos, sendo inclusive atualmente mais utilizada do que a “regio limftrofe”. Seja como for, so as instabilidades e as incertezas contidas af que fascinaram os geopoliticos alemdes. Mais tarde, a escola de Munique desenvolveria 0 conceito de “re- gio cultural’, numa conotagao mais abrangente do que a anterior de “Tegido lingiifstica”. A intengéo aqui era incorporar territérios que em algum momento houvessem sido parte do Império Alemao e que, mesmo no falando a mesma lingua, guardavam estreita relagéo com © “universo cultural alemao", Flandros © os palcos Bilticos, por oxom- plo, estariam nessa condigéo. A seguir, propuseram as “regides glacis” (ou “Estados-tampdes") que funcionariam como anteparos frente & agressdo direta de poténcias inimigas. Distinguiram assim o “limite militar’, cujo fundamento era a defesa contra armas inimigas (uma no- go bastante problematica na época dos avides), do “limite cultural", O primeiro evidentemente estava sujeito a constantes alteracdes, uma vez que ligado ao progresso da industria bélica, mas o “limite cultural” também se movia, embora mais lentamente. Seja como for, mais cedo ou mais tarde, dado o seu crescimento demogréfico, essas “regides glacis” acabariam sendo povoadas por gente genuinamente alema, 0 ue forcaria entéo um avango do “limite militar” e assim sucessivamente. Frente a toda essa situacao peculiar dos alemaes nao deixa de soar bastante estranho 0 fato de que até época de Haushofer ne- nhum livro em lingua alema houvesse sido publicado tratando especi- ficamente das “tronteiras". E nao deixa de ser significativo por si sé também 0 fato de que apesar de seu titulo civil ~ “Os limites em sua importncia geogrdfica e politica” — 0 livro pioneiro de Haushofer hou- vesse saido dentro de uma série agressivamenteintitulada “Estudos: sobre Geopolitica de Guerra”. Enquanto isso, na Franca, uma geracéo apés os franceses have- rem refutado as teses ratzelianas expostas na Antropogeogratia atra- vés do oélebre livio de La Blache Principios de Geografia Humana, cabe- ria agora a um de seus discipulos, Jacques Ancel, enfrentar 0 velho astuto Major General Doktor Karl Haushofer. Em resposta direta 0 li- vro de Haushofer, Ancel publicaria em 1938 0 seu Geografia das Fron- teiras, até hoje considerada a melhor sistematizagéio sobre o assunto. ‘Ancel, em total desacordo frente a seu oponente, defenderd o principio herdado da Revolucdo Francesa da “inviolabilidade das fronteiras”, 43 condigo juridica internacional para a manutengao da paz. Ele refutara tanto a “fronteira linear” quanto a “fronteira natural". A primeira, segun- do Ancel, seria resultado da “iluséo cartogrética” provocada pelos ris- cos observados nos mapas. A segunda, por sua vez, sefia fruto de uma iluséo causada pela paisagem, Entdo, 0 mais correto em sua opiniao seria invocar-se a histéria comum que coagulou um “sentimento” ou um “espirito de fronteira’, na expressao cunhada por Vidal de la Blache. © testemunho empitico desse sentimento de solideriedade que rnd respeita etnia ou lingua mas sim um passado, foi dado pelos habi- tantes de Estrasburgo em 1790, quando na ponte que atravessa o Re- no ergueram um galhardete (bandeira em forma de flamula) com as ‘sequintes inscrigGes: “Aqui comega o pais da liberdade". Nesse sent do, a fronteira aparece como uma determinagao subjetiva, que se pre- cisa “no dominio da moral". Nao é portanto o “espago", mas o “agru- pamento” o que decide, dai a idéia do “plebiscito” para se decidir as pendéncias ao invés do concurso das armas. Em oposiéo & auséncia de fronteiras preconizada por Haushoter, Ancel se bateu pelas “tronteiras de principios", esforgando-se por demonstrar a diferenga entre o cres- cimento lento e pacifico da Franga — em relagdo_& Provenga por exemplo —, em contraste a abrupta e violenta formagéo da Alemanha, na verdade feita de anexagdes forgadas a Pnissia. E verdade que nao se pode imputar a Ancel a realizagéo de um julgamento absolutamente imparcial do problema, 0 que ademais é ta- refa impossivel. Mas ele possui o mérito de haver sido 0 nico entre os .gedgrafos franceses de sua época a reconhecer o valor de seus oposi- tores. Para a grande maioria de seus colegas, a “Geopolitik” germanica nao era nada mais do que aria de propaganda naziste, a qual néo possufa qualquer validade cientifica. Para Ancel, porém, era preciso saber diferenciar 0 uso politico que Haushofer fazia da “Geopolitik” das formulagées validas que efetivamente possufam maior significado. Nas ‘suas préprias palavras: “o método cientifico em si no é uma arma de guerra”. Tratava-se entéo de “despir’ a geopolitica daquele caréter pantletério que a depreciava, @ nao simplesmente de desconsideré-la. Para exemplificar, Ance! mencionava 0 abandono do conceito de “sen- tido de espaco" de Ratzel pela Escola de Munique, 0 qual fora substi- tuido pela imprecisa férmula das “fronteiras de civlizagao", sempre fle- xivais e adaptéveis as conveniéncias de momento. Seja como for, da- da a dramaticidade dos acontecimentos, o fato é que desde essa fa- mosa polémica, a teoria das fronteiras nunca mais foi to calorosa- mente discutida. Jacques Ancel, quando a Franga é ocupada pelos na- zistas, acaba sendo preso, vindo a falacer em sau cércere em dezem- 44 bro de 1943 aos 50 anos de idade. Karl Haushofer, com a derrota ale- mA, suicida-se em 1945 junto com sua esposa, aos 73 anos. Depois, ‘com as Conferéncias de lalta © Potsdam, as fronteiras européias fica- ram “congeladas", 0 que foi acompanhado por um crescente desinte- resse pelo tema até bem recentemente. Nesse “vacuo” deixado pelo desaparecimento dos maiores auto- res sobre as fronteiras, introduziu-se novamente a nocdo da fronteira linear como a mais adequada. Essa tese 6 brandida agora pelo pen- ‘samento liberal anglo-sax6nico que vé na linha abstrata, invisivel, um limite que ao mesmo tempo é suficiente para distinguir as responsabi- lidades juridicas € politico-administrativas, mas néo impede a livre culacéo de pessoas, mercadorias, capitals @ informacdes. O melhor ‘exemplo a respeito é 0 fornecido, sem dtivida, pela linha que separa o Canada dos Estados Unidos. A confuséo terminolégica que mencio- names, porém, a bem da verdade néo desapareceu. Para muitos, as “fronteiras histéricas" continua sendo vistas como as mais “organi- cas” & sociedade, portanto, s4o as mais “naturais’. Para outros as neares” so as verdadeiras “fronteiras artificiais’, 0 que néo é aceito or aqueles para quem todas elas so expressGes dos artifcios utilizar dos pelo Homem na sua organizagéo do planeta, Para outros, ainda, as “naturais” s40 aquelas representadas pelas barreiras “ffsicas’, mas essas, por sua vez, podem também ser “artficiais", como 6 0 caso, como vimos, das barreiras militares. Assim, para se obter um pouco mais de clareza, toma-se necessério efetuar também uma abordagem analltica, na qual se possa distinguir, na medida do possivel, as “fore mas" @ 08 “contetidos” das fronteiras. € o que faremos a seguir. 4 A ANALISE \Vimos que no perfodo moderno es fronteiras aparecem como as molduras dos Estados-nagdes, de modo que tanto o seu estabeleci- mento, como eventuais modificagdes, so manifestagdes de transfor- mages que estéo se processando no interior das sociedades, sem se esquecer, é claro, das relagées de vizinhanga. Essas ciltimas, por sua vez, s4o também bastante elésticas e mutdveis, podendo variar desde uma situagéo de amizade crescente que tende para a integracdo, até a inditerenca que aos poucos vai se tomando uma viva hostilidade. Por fim, como 0 poder de cada Estado nacional varia bastante, pode-se di- zer que existe uma vizinhanga préxima e outra distante, estabelecen- do-se na intermediagao entre uma e outra as aliancas regionais. E cla- ro que todas essas consideragdes sé podem se concretizar no exame das condig6es Sécio-econémicas e politicas que envolvem cada mo- mento histérico determinado. Como se trata de um niimero muito grande de casos individuais ¢ de situagdes histéricas bastante dispa- Tes, temos que toda tentativa de sistematizacao, de clessificagao, im- plica distorgdes mais ou menos aceitaveis, mais ou menos graves, se- undo os varios pontos de vista, Antes de apresentarmos algumas das tipologias mais divulgadas, porém, parece conveniente tentar evitar al- gumes confus6es muito freqiientes, precisando o sentido de palavras que até aqui est4vamos empregando como sindnimos. E 0 caso, por- tanto, de distinguir “tronteira” e “limite”; “demarcacao e delimitacéo"; “fronteira externa intema’ 46 DAS FRONTEIRAS i FRONTEIRA E LIMITE A identificagdo entre “limite” @ “fronteira intemacional” decore provavelmente da mobilidade e imprecisao cartografica que na maior parte do tempo acompanhou o desenvolvimento das sociedades, Mas ‘0s Estados modemos necessitam de limites precisos onde possam ‘exercer sua soberania, ndo sendo suficientes as mais ou menos largas faixas de fronteira. Assim, hoje 0 “limite” 6 reconhhecido como linha, @ no pode portanto ser habitada, ao contrario da “fronteira” que, ocu- pando uma faixa, constitui uma zona, muitas vezes bastante povoada onde os habitantes de Estados vizinhos podem desenvolver intenso in- tercémbio, em particular sob a forma de contrabando, Dai que para os Estados néo ¢ admissivel uma “zona neutra’, de limites imprecisos, recomendando-se, inclusive, que néo sejam transitérios, mas os mals permanentes possiveis, o que contribui para evitar transtornos & popu- lage fronteitica. Nao é demasiado lembrar como se toma distinto 0 cotidiano vivido de um lado ou de outro do limite. Muitas vezes, embo- ra as caracteristicas fisicas comuns possam haver ensejado estilos de vida semelhantes nos dois lados do limite de uma mesma regiao fron- i¢a, a presenga do Estado impée distingdes marcantes. Obrigagdes como pagamento de impostos e prestagdo do servigo militar, ¢ direitos ‘como os servigos ptiblicos sero diferentes, assim como o estabelec- mento dos pregos, ainda que 0 obstdculo representado pela moeda ossa ser contomado através da atencdo taxa de cémbio. Estabele- e-se assim um choque entre 0 “direito de ir e vir" € o principio da “so- berania dos Estados”. E a esfera da politica que decidira se o Estado iré incentivar ou dificultar o intercAmbio com os vizinhos. Para 0 professor briténico A. E. Moodie, a “fronteira” se distingue do “limite” precisamente porque a primeira é “natural” e remete portan- to & geogratia, enquanto a segunda é “artificial” e remete diretamente a0 Estado. Jé tivemios ocasiao de observar como & vago esse tipo de distingéo. Mesmo a rigidez do limite em contraste com a fluidez da fronteira 6 algo de questionavel. Num outro sentido, as fronteiras 6 que s40 permanentes, na prépria proporgéo em que grandes contingentes humanos, solidamente fixados, no conseguem transpor facilmente desertos (quentes ou gelados}, grandes cordilheiras, pntanos ou fio- restas equatoriais, ou num sentido mais preciso, tém dificuldade em ‘ocupar, colonizar e civilizar esses espacos. O “anecémeno” resiste, ‘embora a tecnologia tenda a fazé-lo recuar. Como disse Ancel, “o va~ Zio 6 0 inimigo do género humano”, dat que o homem procure saltar os obstéculos naturais, passar por citna deles. Os oceanos, a esse respa a7 to, so exemplares: fdceis de cruzar, mas diffceis de delimitar, ocuper, colonizer. ‘Jé 0s limites poder ser alterados sem grandes transtomos, des- de que os dois Estados litigantes tenham disposigéo politica em fa~ zé-lo, bastando para isso 0 concurso de técnicos competentes: topd- grafos, gedgrafos e juristas. No entanto, mesmo no Direito Pablico, apesar da costumeita demarcagéo da linha diviséria, pretende-se que, para maior tranqiilidade da populacdo fronteiriga, seja preferivel sem- pre se reconhecer uma faixa de certa largura. Chega-se mesmo a con- siderar indispensdvel que 0 poder central possa dispor da area ai in- cluida (no Brasil republicano tradicionalmente calculada em 100 km a partir do limite) para que ele possa exercer convenientemente sua tare- fa de defesa das fronteiras, Nao raro, um mesmo Estado apresenta zonas de diferentes larguras: uma criminal, outra militar, @ outra ainda ‘aduaneira. Para complicar ainda mais 0 quadro, note-se que tecnica- mente 880 necessétias varias operagdes: primeiro, so colocados mar- cos no terreno; depois, realiza-se um croqui que procurard fazer cor responder os elementos do terreno e os do desenho. Estabelecem-se ‘as coordenadas geograficas, a escala, s40 escolhidos esbogos, sim- bolos @ némeros que representam as diferentes formagdes do terreno, e tose, por fim, 0 problema dai projego. Como a superficie da Tera 6 esférica, cada espaco delimitado representaré, com efeito, uma por cdo do gedide, que consegiientemente no sera plana. Toma-se ne- cesséria entéo uma operago que os mateméticos definem como um deslocamento dos pontos do pedaco de esfera, até que haja poinc déncia com um plano, o que é denominado de “anamoriose”. \Vé-se, assim, que os juristas, embora geralmente invoquem a historia antes que @ geogratia, avabern! enfrentando problemas de im preciséo andlogos aos dos gedgrafos. De seu ponto de vista especifi- co, porém, existe uma distingdo clara entre o dado “real” @ o dado “in- telectual’. O limite de um Estado, entéo, aparece como uma linha pu tamente imagindria, marcada na superficie terrestre por objetos natu- rais ou artificiais. Pode-se, portanto, tentar acrescentar outro elemento, ‘ao mesmo tempo distinto tanto do limite quanto da fronteira: trata-se da divisa, isto 6, © aspecto visivel do limite. Assim, 0 marco, a baliza, ‘aparecerao como pontos fixos, erguidos pelo homem, os quais, alinha- vvados, expressam 0 limite de jurisdi¢ao dos Estados. A divisa por fim 6 o limite que se apéia geralmente em cursos d'égua, cristas montanho- sas, coordenadas geoagréficas ou outras linhas geodésicas, Desse mo- do, boa parte da literatura técnica a respeito dedica-se a discutir qual o methor apoio {isico para os limites. Tem-se, entéo, que diferencier a demarcacéo da delimitagéo. 48 DELIMITAGAO E DEMARCAGAO, ge6grato Fabio de Macedo Soares Guimaraes tem razéo a0 comentar que, em grande parte, a polémica cléssica entre fronteiras “naturais" e “artificiais” decorre de uma identificacdo apressada entre duas praticas na verdade distintas. Uma delas 6 mais ligada a proble- mas de teoria e tem chamado a atencéio em especial dos gedgrafos, mas também dos economistas, cientistas politicos e homens de Esta- do: é a delimitagao. A outra é mais dedicada & resolugéo de problemas de ordem técnica, e a ela esto vinculados topdgrafos, cartégrafos, geodesistas e até astrénomos: é a demarcagdo. Portanto, no vamos nos confundir: por delimitacéo, entenda-se o estabelecimento da linha de tronteira — Isto 6, do limite —, a qual é determinaca a partir de um tratado assinaco entre as partes envolvidas. Demarcacdo, por sua vez, 6 a locagdo da linha de fronteira no terreno ~ isto é, a construgéio da divisa — através do estabelecimento de marcos e balizas. Assim, pelo menos em tese, é a demarcagéo que deve subordinar-se & delimita- ‘c40. Muitas vezes, porém, ndo é bem isso que ocorre, mas ao contré- Tio, 6 a delimitacao que acaba cedendo as facilidades de demarcagao. Para os demarcadores a “fronteira natural” é aquela onde a linha diviséria acompanha os acidentes naturais, isto 6, ndo existe a presen ‘ga de marcos assinalados e colocados pelos homens, Eles néo esto preocupados com a fungao do limite, isto 6, com seu contetido, mas apenas com a forma. Dai que muitas vezes invoquem a “natureza” ‘com 0 objetivo apenas pragméttico de facilitarem seu trabalho, 0 que pode vir a chocar-se com as posigSes doutrindrias dos delimitadores. ‘Como nés jd vimos, em especial os geégrafos sé consideram “natural” aquela fronteira que se apdia em obstéculos naturais que representam verdadeiras barreiras ao contato entre dois grupos, tal como ocorre com pantanos, densas florestas, montanhas @ desertos, Trata-se, por- tanto, de faixas e no de linhas. ‘Tome-se 0 exemplo de um rio, Para o demarcador, ele pode ser considerado um bom limite natural. Para o delimitador, entretanto, nem sempre, jd que se 0 rio servir de eixo civilizatério, como o Nilo, ele agi- ré como elemento de integragao e nao de separacéo. Aliés, em geral, os rios mais unem do que separam, sobretudo se eles so navegaveis. Assim, eventualmente os obstdculos transversais, como as cachoeiras, podem se prestar melhor & fungdo de frontelra, jA que interrompem a circulagéo, do que 0 leito dos rios. Sempre hé cifi- culdade inclusive para se precisar 0 limite dentro de um rio, Onde se localiza precisamente o talvegue (linha de encontio das duas ribancel- 49 ras)? Nao se pode esquecer que hé variagSes no préprio leito em fun- ‘cdo das cheias e das secas, bem como dos movimentos erosivos. Do mesmo modo, a crista montanhosa, se muito baixa, pode complicar tremendamente o demarcador, exigindo trabalhos penosos para se lo- calizar os pontos exatos onde devem ser fincados os marcos e balizas. caso da fronteira {talo-iugoslava, — a *fronteira Juliana” como 6 0o- nhecida por apoiar-se nos Alpes julianos tem sido apresentada como um caso dléssico dessa dificuldade quanto & natureza. Ocorre que os terrenos caleérios da regio fazem com que os rios desaparegam num certo ponto, tornando-se subterraneos, para reaparecerem mais adiante. Em suma, pode ocorrer também que a linha proposta pelos deli- mitadores a partir de estucios de gabinete néo se verifique como exe- qiifvel ou mesmo a mais adequada, devendo, portanto, ser retocada a parr da experiéncia dos demarcadores. De qualquer forma, 0 que pa rece claro 6 que néo se deve adotar 0 limite fisico apenas porque faci- lita a demarcago. A fungo 6 mais importante, cabendo ao homem de Estado decidir sobre 0 que deve ser reunido e 0 que deve ser separa- do, Nesse sentido, as linhas geométricas tm se mostrado ainda mais inconvenientes do que as ffsicas, uma vez que abstraem a indivi- dualidade de regi6es muito pequenas. Parece-nos, inclusive, que.a in- ‘luéncia da bareira fisica no imaginrio das pessoas néo foi um fend- meno bem estudado, uma vez que particularmente a escola francesa preferiu aferrarse A doutrina do “espfrito da fronteira’ como ja vimos. Mesmo nesse caso, existe uma diferenga notével de significado entre (© que 08 franceses e 0s norte-americanos entendem por esse “espir- to”, Na verso francesa, trata-se do sentido coletivo de “pertencer” a um espago comum, nacional. J& para os norte-americanos, trata-se do ‘espirito pioneiro que impulsiona os individuos no sentido de “possut rem’ um espago que se enconira vazio e sem utilidade. Hoje, porém, quase j4 no hA vazios a ocupar ¢ a fronteira s6 pode se mover atra- vés de modificagbes efetuadas nos limites. Vemo-nos, assim, de volta ‘a nosso ponto inicial quando tratévamos de distinguir fronteira @ limite, ‘Numa contribuigo recente, 0 gadgrafo brasileiro Armando Coréa da Silva abordou o problema de um &ngulo diferente do classico apoiado no trindmio fronteira natural/linear/espiritual. Para ele, mais importante 6 distinguir o aspecto aparente da fronteira, ou seja, a “fron- teira percebida”, do aspacto mals profundo e real representado pela “fronteira consolidada”. Assim, para o primelro caso terlamos 0 exem- plo de reas pouco povoadas, em que o tracado das frontelras se faz ‘com menos injungSes politicas e maior respeito & natureza. No segun- do, trata-se da frontoira enquanto lugar em que se realizam as con- 50 tatos com o exterior, isto 6, onde duas comunidades politicas se en- contram. Esse lugar em que se selecionam os contatos possui uma profundidade que varia segundo os obstéculos juridicos ou fisicos que se opdem a circulaedo. Entéo 0 limite aparece como o dado real, em bora percebido por intermécio da fronteira. Mas se a fronteira separa duas coisas distintas, 0 limite 6 a borda de cada coisa e a divisa divide uma mesma coisa em duas; ainda resta saber como distinguir o “nés” € 0 “eles”, isto 6, resta compreender nao apenas como se divide 0 es- pago, mas quem o faz e porqué. Cabe entao decompor o Estado na- ional e diferenciar a fronteira externa da interna. FRONTEIRA EXTERNA E INTERNA. Embora talvez excessivamente apoiados no exemplo europeu, cremos, no entanto, haver demonstrado como as fronteiras externas ‘sé0 importantes para a constituicéo dos Estados moderos. Elas re- presentam por assim dizer a primeira tarefa do Estado, $6 0 estabele~ cimento de fronteiras relativamente seguras garante o minimo de tran- qlilidade coletiva necesséria para que o aparelho estatal possa se de- dicar a outras atividades, como a construcéo de estradas e a canaliza- gG0 de recursos para 0 enriquecimento de regides pouco desenvolvi- das por exemplo. Entendidas dessa maneira, as fronteiras se asso- clam, portanto, a0 momento original de forma¢ao dos Estados, ou se se preferir, & fase que corresponderia a sua infancia, o que detetminar& em grande medida 0 caréter @ o futuro dos mesmos, Trata-se aqui evi dontemente de um nivel de relagSes horizontal onde est pressuposta @ igualdade juridica entre duas ontidades soberanas, 0 que correspon- de a uma abstracéo, uma vez que nivela idealmente sociedades na verdade bastante distintas entre si, Se olharmos 0 Estado de um ponto de vista histérico e geograti- co verificare mas que resulta de uma lenta e complexa construcdo, on- de ao lado da luta contra 0 inimigo estrangeiro sempre se colocou 0 problema da coeséo interna. Assim, além das relagdes interestatals, devernos acrescentar a tenséo entre os poderes central e local. Sob esse prisma, mesmo nagdes que nos parecem bastante acabadas apresentam fissuras, 4S vezes inesperadas, como o demonstra perfei- tamente para o caso da Franga Femand Braudel nos seus dois volu- mes sobre a “Identidade" do seu pals. Vé-se ali que no fundo todas as nagdes se constituem por assim dizer de maneira “imperialista”, isto 6, a partir de uma auto-imagem difundida pelo soberano a seus stiditos, 51 Dal geralmente se mencionar um “nticleo gec-histérico” que constitui a oélula original do Estado nacional, ao redor do qual vao se agregando outros espagos, galvanizados pelo poder de atragéo do mesmo, Isto é valido para a “ile de France” em Paris, para Moscou no ‘caso da Ruissia, para as “13 Coldnias” nos Estados Unidos e até para 0 “Portdo de Brandenburgo” em Berlim, no caso da Alemanha. Nao trata, 6 olaro, de uma regra absolutamente infalivel. E forgoso admitir, porém, que em paises como o Brasil, em que este néicleo nao é tao ‘expressivo, a “unidade nacional” tem sido mais diffcl de ser obtida, Fi- nalmente, 0 modo como se da essa “unificagéo" & objeto de intensa disputa ideol6gica, politica, teritorial e econémica, podendo se resolver de maneira pacffica ou bélica, dependendo das circunstancias de mo- mento. Introduz-se aqui um problema metodoléaico complicado, qual seja o de distinguir 0 particular do geral. Em geografia costuma-se uti lizar a nogao de “escala” para resolver 0 problema, mas mesmo esta encontra-se - evidentemente — culturalmente condicionada. AA deciséo sobre 0s varios significados que pode assumir 0 fend- meno do “regionalism” (nacional, continental, subnacional, hemisféri- 00...) 86 pode se dar, portanto, dentro de um contexto sécio-histérico determinado, cuja andlise, por sua vez, ndo est absolutamente imune a crivos de natureza ideolégica. De fato, se a fronteira em si mesma jé ‘separa duas regides, como se pode falar em fronteiras “exterias” e “in- temas"? Este 6 um ponto em que geografia e polltica tém estado fre- giientemente em desacordo e para o qual a observacéo de Benedikt Zientara nos parece bastante esclarecedora. Ele nos recorda que essa idéia, universalmente difundida de que a “fronteira é a linha que sepa- ra duas regides diferentes” é errada, e vinculada & situagio em que 0 ‘grupo ja nao pretendia mals afirmar-se contra o resto do mundo, tas como parte distinta, isto é, como elemento de um todo maior. Retor- amos assim ao momento de fundacéo dos Estados modemos, per- cebemos que durante 0 mercantilismo os Estados nao se constituem enquanto organismos “nacionais” no sentico restrito do termo, mas, ‘enquanto instituig6es imperiais ou metropolitanas que absorvem vérias porgdes do planeta, em todos os continentes. A “unificagao do mundo” @ 08 “nacionalismos", portanto, ndo se excluem, mas s40 complemen tares nesse momento, ao menos para as poténcias mercantis, Mas eis ‘que surge um paradoxo: quanto maior a centralizagéo e mais extenso (© espaco controlado pelo Estado, maiores sao os problemas de con- gestionamento da maquina estatal. Dai a necessidade de se delegar poderes em nivels inferiores, 0 que pode crescer até o ponto de um desligamento do corpo central. Em suma, as “fronteiras externas” po- dem tomar-se “intamas” a partir de esforgos unionistas, como estamos 52 vendo hoje em dia no caso da Europa Ocidental, ¢ também nos “bantustans” da Africa do Sul. E, por outto lado, fronteiras “intermas” podem tomar-se “externas”, a partir de movimentos secessionistas, os quais esto presentes tanto na ex-Unido Soviética quanto no Quebec canadense. Impée-se, dessa maneira, a avaliago do contetido sécio-econd- mico de cada caso, a verificagéo de quais os interesses envolvidos em cada disputa. E num plano geral deve-se obervar como evolutram as trocas comerciais e culturais, isto 6, como se desenvolveu a circulagéio de homens, mercadorias e idéias. Como a eventual superagdo das “fronteiras nacionais” esté na ordem do dia, retomaremos esse ponto mais adiante, procurando verificar por ora como essas foram montadas enquanto superagao das divis6es entre feudos, ‘$6 para ficarmos ainda no exemplo da Franca, convém salientar que alé as vésperas da Revoluggo de 1789, as alléndegas feudais permaneciam emperrando a constitui¢go de um mercado interno de t- oO nacional, o que contribuiu dacisivamente para que a burguesia se rebelasse contra o rei. Além de dificultar 0 comércio, essas alfdindegas internas sobrecarregavam os ombros dos camponeses e da indéstria manufatureira de impostos. O Estado, os senhores, os bispos e até os conventos tinham as suas portagens que cobravam direitos de passa- gem pola travessia do sau tertitério, Nada menos do que cerca de 50 mil soldados eram responsdveis pela vigincia das fronteiras fiscais intemas. Dizie-se, na época, que ficava mais barato trazer trigo da China até & Franga, do que levé-lo do sul para o norte do pais. Na Gré-Bretanha, onde os limites interiores so também bastante antigos, eles até hoje dao margem a muita polémica. Chegou-se mesmo a alterar cursos de rios para se ajustarem aus limiles uriginais dos condados e pardquias. Nesse sentido, um dos maiores obstdculos ao planejamento regional britanico, tem consistido justamente no ape- 90 a essas divisbes administrativas antigas que jé néo se ajustam mais &s novas condigées. Braudel parece ter razo quando afirma que quanto maior 0 passado, mais influéncia ele tem sobre-o presente. Enfim hé situagdes em que as divis6es interas so fruto de fia ‘GGes regionais executadas num longo periodo de tempo, mas em ou- ‘tos casos elas so resultado da imposigéo do governo central, visando facilitar a sua administragao. Os remanejamentos de qualquer modo no séo féceis, embora certamente mais féceis do que aqueles reali- zados entre Estados soberanos. Pelo menos em tese, os limites inte- riores no podem ar raz6es de ordem étnica ou histérica para objetar delimitagdes apoiadas em argumentos de natureza econémica e administrativa. 53 Na geografia tradicional foi muito freqiente a interpretacéo das fronteiras politicas como “itracionais", ao contrdrio das fronteiras regio~ nais tidas como mais aderentes ao real e captadas pela “racionalidade técnica” dos godgrafos. Hoje, essas visdes esto superadas e busca-se maior aproximacéo com a ciéncia politica, tenta-se respeitar ao maxi mo a opinido das populacdes envolvidas. As formas de representacéo, ‘(os mecanismos de consulta, a distribuigao das atribuigdes administra- tivas, tudo isso tem o maior interesse para quem deseja compreender ‘como um pais se subdivide em unidades politicas. - E verdade que numa sociedade capitalista os aspectos econdmi- ‘cos tendem a ser fundamentais, mas a histéria revela também inime- Tos casos em que uma divisa mal feita, néo bem aceita pela populacéo afetada, pode prejudicar 0 crescimento da circunscrigao nascida justa- mente com essa finalidade. No caso dos Estados de grandes dimen- ses, tem sido adotado o principio federativo, com 0 claro intuito de dividir melhor 0 poder, ou pelo menos descentralizar e agilizar a administracao. Um estudo comparativo entre Estados Unidos e Brasil pode ser bastante util. A primeira vista, se nos limitarmos apenas a olhar o ma- pa, 6 0 Brasil que se mostraré mais conforme com o principio federati- ‘vo, visto como sAo muito mais numerosas as divisas apoiadas em aci dentes naturais do que em linhas geodésicas. Isso equivaleria a dizer que os aspectos histéricos teriam sido mais respeitados entre nés, € que as unidades federativas guardam maiores diferencas entre si, Em contrapartida 0 “quadrilétero” dos limites interestaduais norte-america- nos & expresso de uma maior subordinagdo administrativa perante o ‘governo central, onde o que prevaleceu foi a viséo técnica e burocrdti- ca da Unio, que viu no reténgulo uma figura geométriva vapaz Je evi- tar maior pressao nas pontas e disputas intestinas entre as varias uni- dades da Federacdo. = ‘Sob 0 ponto de vista juridico, porém, sabemos que a situagao é absolutamente inversa. E nos Estados ‘Unidos que as unidades fede- radas gozam de muito mais autonomia, havendo mesmo muitos auto- Tes para quem a nossa Repiblica tem funcionado antes na forma de governo unitério que federal. Seja como for, 0 fato que independe- mente do tamanho e da forma de governo, todos os Estados nacionais apresentam fronteiras interas com fung6es e finalidades espectficas € diferentes das fronteiras extemas. Essa dissociacéo corresponde, no plano geogratico, & passage de uma escala onde a vida de relagoes se desenvolvia num Ambito meramente local, com trocas cotidianas entre nucleo urbano e cinturdo rural circundante, para uma outra na qual jé se configura toda uma rode urbana, mais ou menos hierarqui- 54 zada, que apresenta um mercado mais diversificado e dinémico, Por fim, @ distingdo entre 0 “externo” e 0 “intemo” é antes de mais nada politica e diz respeito aos limites espaciais dentro dos quais 0 Estado pode exercer sua autoridade. Um Estado soberano néo est sujeito a enhum outro poder, contrariamente a uma subunidade, que deve obediéncia a um nivel superior de governo, Em suma, parece que a evolugdo dos Estados percorre como que um “ciclo geopolitico”, no qual num primeiro momento é a luta contra 0 inimigo externo a forca propulsora da “unio”. Obtida a vitéria, o Esta- do so expande, até 0 ponto em que o tamanho excessive comece a gerar disfungdes que estimulam a “diviséo”, Muda-se, porém, de es- cala, isto 6, altera-se a intensidade e 0 conjunto de relacées, assim que encerrado cada ciclo. Entéo, para concretizar a andlise, torna-se necessério identificar de que tipo de fronteira estamos falando. TIPOS DE FRONTEIRA Em fungéio da grande variedade de casos individuals, mesno apds 08 alertas que acabamos de mencionar, persiste uma dificuldade teoria das fronteiras, qual seja a de se conseguir agrupamentos sig- nificativos que possam mediar a relacdo com a pratica concreta. De certo modo, ja tivemos oportunidade de criticar a tradicional oposicao entre fronteiras “naturais” e “histéricas". E ainda Braudel quem insiste que as fronteiras da Franca nada tém de “naturais", mas so resultado, isso sim, dos sucessivos “fronts” militares em que o pals se envolveu ao longo de sua histéria, opiniao aliés compartilhada por Jacques An- vel. Viinos também gue mest o linile Sendo mais preciso que a fronteira, corresponde fora do campo juridico a uma abstracdo. Afinal, © ponto, a linha @ o plano sao abstragdes geométricas. Por isso mes- mo o espaco estatal é na verdade volumétrico e nao plano como as cartas nos fazem crer. O dominio efetivo do espago aéreo e do subsolo depende dos meios técnicos de que se dispde. Por outro lado, embora se reconhea que as verdadeiras barreiras ao comércio so na verdade politicas, nao 6 aceitével supor que as fronteiras fisicas © culturais possam desaparecer por um simples decreto, Assim, a fronteira “li- near" no supera a contradicéo entre “naturais" e “histéricas’, Dentre as tentativas de classificacao das fronteiras, umas tém se ligado mais aos aspactos formais e outras aos seus contedidos. Umas mais fixadas nos tipos de Estado, e outras nos tipos de territério. Umas pautadas pela coexisténcia no espaco e outras pela evolugdo das fronteiras através do tempo. Sem nenhuma protensao de esgotar 0 55 unto transoreveremos algumas das classificagSes que ganharam maior notoredade. Como se Verd, recairemos de algum modo numa dessas trés grandes correntes de pensamento sobre as fronteiras. ‘Assim, 6 curioso notar inicialmente como a corrente “determinis- ta’ que acabaré se confundindo com a “geopolitik” alema, terminaré por esposar a tese da fronteira linear ¢ nao natural como se poderia esperar. Desde Ratzel, acreditou-se que’ quanto mais desenvolvida fosse a sociedade, mais rigidas e precisas deveriam ser as suas fron- teiras, tese que contraria o princfpio livre-cambista de que quanto me- nos fronteiras maior o desenvolvimento econémico. No entanto, ambas as vis6es confiuem para um leito comum, ou seja, 0 de considerar as fronteiras como emanagdes do espirito, da subjetividade, antes de re- presentaram uma realicace material palpavel. Nessa direcéo, Hausho- fer desenvolverd 0 conceito de “sentido de fronteira”, nogao que falta ria aos alemaes @ que no final das contas estaria ligada & de “espago vital". Portanto — conclufa Haushofer — fazia-se necessério que os alemées abandonassem o conceito “jurisdicista” imposto pelos venoe- dores da Primeira Guerra Mundial, e percebessem (tomassem cons- ciéncia) tanto 0 caréter particular das fronteiras alemés, seu “injusto confinamento", quanto 0 fato inelutével de que no fundo os alemées haviam se enganado a si mesmos sobre “a dura realidade da etema luta fronteiriga por espaco vital", Por fim, como jé vimos, a “geopolitik acabaria ignorando a existéncia real das fronteiras. Sendo artificiais, @ imaginérias, simplesmente “no existiam” para efeito pratico, ficando reduzidas a meros “riscos no mapa”. Em contrapartida, foi o historicismo frano&s que sempre conside~ rou as fronteiras como construcdes “artificiais” quem mais se bateu pelo cardter “concreto” @ nao “abstrato” das mesmas, 0 que curiusar mente se aproxima da sacralizacao observada nas sociedades menos desenvolvidas. Por fim, séo os pragméticos anglo-saxées defensores da fronteira linear, os que, paradoxalmente, mais se aproximam da idéia de fronteira como obstéculo natural. No fundo, é o préprio espaco de atrito, a disténcia a ser vencida o que eles entendem por “fronteira”. ‘A esse respeito A. E. Moodie no poderia ser mais explicito quando afirma que apesar da colonizacéo das “iltimas fronteiras” do planeta, as fronteiras no desaparecem, mas se “perpetuam como zonas mar- ginais e de discérdia". ‘© que pretendemos dizer é que as varias teorias se interpene- tram, @ possuem menos coeréncia interna do que & primeira vista de- monstram, 0 que é natural, j4 que é do debate de idéias que se ali- menta 0 conhecimento, e ndo existem sistemas absolutamente fecha- dos. Em compensagao, existe também uma permanente busca de 56 identidade, de diferenciagéo, 0 que provoca um eterno retomo aos fun- damentos filosdficos e metodolégicos caracteristicos de cada corrente. Nesse nivel de abstrago somos levados a reconhecer dois tipos fundamentais de abordagem, uma integradora que se propde a com- preender a diafética das fronteiras, e outra anailtica que visa isolar, de- compor e classificar o fendmeno a partir das suas partes mais signiti- cativas. Na vertente dialética, depois de verificado 0 fracasso da opo- si¢éo natural/hist6rica, Camile Vallaux propés a relacdo frontelras ‘vi- vas" e “mortas", hoje de largo emprego na linguagem corrente, A dis- ting entre ambas dar-se-ia néo s6 pela densidade do povoamento como também das relagGes de intercdmbio entre as duas populagées lim{trofes consideradas. Entre os dois extremos colocar-se-ia uma ca- tegoria intermediaria, a das “fronteiras esbocadas”, isto 6, aquolas que ainda no amadureceram mas j4 comegam a se desenvolver, a aban- donar seu estado embrionério. ‘Anéloga a essa viséo, também & comum a oposigao entre fronte- ras “moles” e “duras", mas aqui a referéncia jé é & maior ou menor f@- cilidade de cruzamento. Nesse caso, podemos ter varias interpreta- ges. Por exemplo, uma fronteira fisica “dura” como os Alpes pode ser considerada econémica e politicarmente “mole”, na medida em que ja- mais impediu as trocas entre o sul da Alemanha e o norte da Italia. Em contrapartida, a planicie da Pomerania que nunca constituiu barreira ff- sica alguma, ainda hoje é palco de uma fronteira cultural e militar du- rissima, opondo eslavos e germénicos, nome alids do livro péstumo de Jacques Ancel publicado em 1947. Num sentido parecido, mas talvez mais sentimental, ainda se utiliza a distingdo “trias" e “quentes’, para designar o caréter hostil ou fratemo da relagdo entre povos vizinhos. Enquanto isso nos Cstados Unidos uma equips ue gedyralus formada por Richard Hartshome, Deivent Whittlesey e Stephen B. Jo- nes, seguindo as pegadas de “uma classificagdio genética das fronte> ras” chegaria & proposi¢éo de uma subdiviséo em quatro tipos, a sa- ber: a) fronteiras antecedentes — quando antecederam 0 povoamento, ou melhor, ligam-se a projetos exteriores aos povos autéctones. E 0 caso da América e da Arica e caracterizam-se pelas grandes linhas re- tas; b) fronteiras subseqiientes — posteriores ou conseqiiéncias de um desenvolvimento econémico prévio. Por exemplo, a fronteira garmano- polonesa na Alta Silésia, assentada no perfodo 1919-22, subseqiente a0 grande desenvolvimento industrial alemo da virada do século; c) fronteiras superimpostas — quando cortam éreas em que hé unidade culturel. Aparecem na Europa Central e Oriente Médio sobretudo, che- gando a dividir cidades e até propriedades privadas rurais ou urbanas; @) fronteiras conseatientes — estabelecicas em ragiées escassamente 57 povoadas, ou até desabitadas, ou ainda onde barreiras fisicas provo- ‘quem um “efeito de barreira’ As comunicagées, mantendo as popula- (6es isoladas. As montanhas da América Central © Meridional server ‘como exemplo, assim como na Europa se menciona os Pirineus, além das montanhas e desertos da Asia e da Africa. Deslocando 0 enfoque da “regio fronteiriga” para o “Estado”, Jacques Ancel é 0 autor que propée uma distribuigéo genérica das fronteiras em trés tipos basicos, no interior dos quais se encontrariam varios subtipos. As fronteiras entéo seriam “amorfas", “plésticas” ou “movedigas” conforme os tipos de Estado que as engendrassem. Ocor- re, porém, que 0 conceito de Estado de Ancel é ele proprio geogrdtico, isto 6, se apdia antes de mais nada na relag&o entre o poder politico o espaco, Sendo vejamos: dentro dos “Estados amorfos" de Anoel esto compreendidos tanto os impérios marftimos madernos ~ como o brité- nico e 0 japonés, cujo poder repousa na importancia para eles de seus respectivos mercados extemos —, quanto os Estados némades medie- vais, cuja itinerancia dispensava uma defesa rigida das fronteiras. Também as sociedades moleculares, constrangidas por ambientes re- pressivos que limitam o desenvolvimento das técnicas, como as flores- tas equatoriais ou cadeias montanhosas, estariam nessa categoria. Ora, trata-se de um critério eminentemente morfolégiao © n&o histori- 0, 0 que pode conduzir a uma generalizagdo excessiva. Nao significa porém que ele esteja necessariamente equivocado, mas apenas que dota um ponto de vista especffico, € portanto redutor. Em compensacdo, existem motivos bastante justos para se enfa- tizar o espaco quando se considera o Estado modemo. Com efeito, até entao o principio que regia a relagdo do suberanu Guin seus stiditos era 0 da “personificago” do poder. Como apontou Rousseau em O contrato social, 0s monarcas da Antiguidade “designavam-se simples- mente reis dos persas, dos skitas, dos macedénios, e pareciam consi- derar-se mais chefes dos seus stiditos do que senhores da terra. Os eis atuais designam-se mais habilmente de Franca, de Espanha, da Inglaterra, etc, Tomando deste modo conta do pais, orem que tam- bém se asseguram dos habitantes”. ‘Assim, néo 6 de estranhar que para a geografia politica “o territé- rio seja mais importante que o povo" na caracterizagéo dos Estados como “modermos”, Mas isso nao significa que, em contrapartida, se deva aceitar uma vinculacao tao estreita entre "condigées geogréticas” @ “formas de Estado”, como por via de regra, se tem observado entre os gedgrafos, N4o se pode esquecer que, através da sua consciéncia 9, muitas vezes também através do “incnnsciante coletive", as homens: 58 acabam estabelecendo vinculos muito mais sutis entre si e com 0 es- ago em que vivem. Para terminar esse iter reproduziremos a classificagdo apresen- tada por Whitemore Boggs ao Departamento de Estado dos Estados Unidos em 1940, a qual pretendeu sintetizar os dois poritos de vista, 0 “genético” e 0 “morfolégico”. Apesar de defasada de meio século, ela ainda nos parece util como introdugo ao assunto. Boggs considera quatro tipos basicos, a saber fisicos, geométricos, antropolégicos e compostos, Assim, as fronteiras fisicas setiam aquelas que segue algum acidente geogréfico, tal como acontece com montanhas, deser- 10s, lagos, bales ¢ estreitos, rios e canais, pantanos e linhas de contor- ‘no de um tio ou um lago. J& os tipos geomeétricos compreenderiam vé- rios tipos de linhas, tais como linhas retas (meridianos e outros circulos ‘méximos), paralelos de latitude, linhas de rumo ou curvas loxodrémi- cas, arcos de circulo, @ linhas paralelas ou eqilidistantes de uma costa ‘ou de um rio. Entre as fronteiras antropoldgicas, se encontrariam as tribais, lingifsticas, religiosas, econdmicas, histéricas e culturais, bem como as linhas de propriedade privada e as linhas cadastrais. Por fim, as fronteiras complexes ou compostas seriam aquelas estabelecidas por adaptagéo a uma multiplicidade de fatores, condigéo aliés @ mais comum entre os Estados nacionais. Encerrada a Segunda Guerra Mundial, as fronteiras nacionais como que se eclipsardo, cedendo lugar a uma nova modalidade de di visdo do mundo. O surgimento da bomba atémica e @ Revolugéo Chi- esa modificaram profundamente a correlago de foreas mundiais, de tal sorte que as fronteiras “geopoltticas" o “ideolégicas” coincidiram, si- tuago que 86 agora comeca a se dissipar com a “glasnost” sovistica. Hoje, dada a velocidade dos acontecimentos © a virtual intogragdo do mundo num tnico sistema, para muitos essas préprias fronteiras “: deoldgicas” e mesmo as “geopoliticas® jé néo tém mais sentido, dada a prevaléncia dos processos unificadores sobre os desagregadores. Setia entéo 0 caso de nos perguntarmos: é o fim das fronteiras? 59 E 5 O FIM DAS FRONTEIRAS? De uns tempos para cé a humanidade tem sido submetida a uma avalanche tao grande de informagdes difundidas através dos meios de comunicagio de massa, vindas e dirigidas a todas as partes do plane- ta, que a remota utopia de se viver livremente num “mundo sem fron- teiras” nunca parece to préxima de se tornar realidade. Em contrapartida, muitas dessas informag6es vém no sentido de contrariar aquela tendéncia, expressando elos de solidariedade mais restritos, coesdes que se enfeixarn em espagos mais reduzidos. Pare~ ce que uma certa necessidade de isolamento também sobrevive, @ 0 culto & individualidade © portanto a diforonga ¢ a identidade coabita do maneira bastante tensa com a procura de padres universais de pro- dugdo e consumo. © conceito de “mundializacao” entrou na ordem do dia, mas nem por isso os regionalismos, os particularismos, deixaram de existir. A idéia da formacao de “blocos de paises” visando obter ga~ nhos de escala parece por si sé contradizer a tese do “fim das frontei- ras’. Ao contrério, s0 novas fronteiras que esto surgindo, as “inter- locos", e acrescente-se, sem que as “nacionais” tenham deixado de existir. Talvez apenas estejam deixando de ser “exteras” para se tor- nar “internas”. Uma avaliago, ainda que suméria, da relacéo entre “u- niversalismo” e “nacionalismo” se impée, portanto, por uma necessi- dade de preciséo, Mas, para que se possa retomar om algum nivel de detalhe a no- va ordem internacional que parece desenhar-se sob o impulso de duas diretrizes principais — 0 recuo da bipolaridade e a formagéo de 60 blooos -, faz-se necessério reatar 0 fio da meada hist6rica, interrompi- do apés a apreciagdo sobre a formago das tronteiras nacionais da Eur ropa Ocidental. No século XIX, porém, é para leste que se coloca 0 problema, com grande dramaticidade, aliés. As fronteiras nacionais na Europa Oriental se chocavam com uma diviséo econémica e social profunda em relacao aos paises ocidentais que se industrializavam ra- pidamente, com fronteiras imperiais derivadas das velhas instituigdes feudais, que 0 proprio desenvolvimento do capitalismo torava cadu- cas, Nessa situacdo era preciso “queimar etapas histéricas", condicéo também vivida por duas nagdes ocidentais de formacéo tardia, a Ale~ manha e a Itdlia. Isso tem similaridade com os palses de pasado co- lonial, em que as forcas exteriores ditam a construcao dos limites. Em suma, trata-se de uma situagao propicia ao surgimento de “nacionalismos exacerbados’, em fungao previsamente do acdmulo de tarefas impostas pela “modemizacao” as sociedades ainda muito rura- lizadas. Nessas condigées, a industrializacao se vé bloqueada “por fo- ra’ pela concorréncia das nagdes mais experientes, ¢ “por dentro” por uma estrutura social e produtiva inadaptada as novas exigéncias tecnolégicas. é ‘Além disso, do ponto de vista politico, 0 problema da “soberania” coloca-se em termos de quem detém o poder, isto é, se ele esté nas méos do “povo" ou do “principe”, e em termos do direito internacional questiona-se se néo ha nenhum poder superior, isto 6, se se trata de uma Colénia, de um Império, ou apenas de um Estado soberano strictuy sensu. Para destrinchar esse emaranhado, novamente deveremos re- correr ao expediente das dissecacées € observar um pouco mais em detalhe alguns casos mais significativos. Comecemos entéo por discu- tir acerca da, ATUALIDADE DAS FRONTEIRAS. Constatamos que é um fendmeno bastante recente a retomada do interesse ptiolico pelas questées de fronteiras. Mais dificil, porém, & situar com preciso a partir de que momento, ou de que acontecimen- to Isso se deu. Para alguns, o motivo principal seria a guerra lrailraque, a qual teria inaugurado um novo perfodo de turbuléncia nas frontelras entre os pafses do Terceiro Mundo. Essa guerra em muitos aspectos lembrou a “luta de trincheiras" da Primeira Guerra Mundial, reforgando a imagem de que os “ajustes fronteirigos" representavam @ sua causa principal. Para outros, como Benedict Anderson, mais significativa se- ria a curta mas intensa guerra entre China e Vietnd em 1979, primeira 61 vez em que dois pafses socialistas se defrontaram em larga escala numa guerra de fronteira. Antes disso porém, ele lembra as escaramu- gas entre soviéticos e chineses dez anos antes, e a intervencdo viet- namita no Camboja em 1978. Todos esses episécios, a rigor, compo- fiam um mesmo quadro de fragmentagio do bloco socialista, um fe- némeno a ser mothor compreendido, Mais do que qualquer desses acontecimentos, porém, fol com certeza a “queda do Muro de Berlim’, 0 fato jomalistico mais explorado ‘como slmbolo do iniclo de uma nova era, apés décadas de “guera ftia®, Agora, entio, a fronteira néo se pde enquanto presenca, e portan- to como “certeza de guerra’, mas como auséncia; o que em tese signi- ficaria a “garantia da paz”. Coloca-se, portanto, néo apenas uma ava- liagéo do presente mas também. uma projegdo para o futuro, ¢ & isso efetivamente que confere atualidade ao tema, pols como apontou Lulz Roncari o “atual” néo 6 apenas “o novo" ou “o contemporaneo”, mas sim “tudo aquilo que se encontra vivo e atuante, seja do passado ou do futuro". Sem nenhuma intengdo de sistematizaco, lembraremos, aqui algumes noticias que ganharam os jomais no ano de 1989, ano que assinala a “grande virada'’ Para iniciar lembremos a maneira exaustiva com que se comen- tou 2 “desagregagéo do império soviético", sobretudo em fungéio dos conflitos entre azerbeidjanos e arménios e das reivindicagdes autono- mistas da Lituania, Quase todas as repdblicas lideradas por Moscou, porém, apresentaram movimentos secessionistas, mas até agora a Uinica defecedo efetiva foi a dos palses Bélticos. Enquanto isso, no Ocidente prevaleceu a temética da “unificaeSo", centrada na proposta amplamente divulgada de uma “Europa-92”, sem barreiras alfandegé- Fias. Com habilidade, as soviétiens ratnicaram a cnnesite capita. lista de um “mercado comum", com a nogéo ampliada de uma “casa européia comum", isto é, uma vasta érea desnuclearizada, desde 0 Atlantico-até os Urais. Quem parece haver roubado a cena, porém, fo- ram os alemées, dada a rapidez @ a imponéncia com que, mais uma vez, expuseram ao mundo a sua “questéo nacional". Por outro lado, a problemética dos *imigrantes" também tem sido muito debatida. Ao que parece, na Europa Ocidental 6 maior 0 temor por uma eventual “perda de identidade” do que nos Estados Unidos, mas em compensago fol esse iltimo pafs quem divulgou a intengaio de construir um "fosso” na sua fronteira com o México para coibir a en- trada de imigrantes ilegais e fiscalizar melhor o trafico de drogas. Fr nalmente, jé em 1990 fol sem davida a invaso do Kuwait pelo Iraque © fato que colocou “lenha na fogueira”, fenémeno que para multos sig- ica 0 infcio de um novo perfodo de turbuléncias, inclinando 0 eixo 2 das contradig6es mundiais para 0 contlito Norte/Sul. Tudo isso deve ser melhor averiguado, a partir de dois conjuntos basicos de proble- mas: a novidade da “mundializagdo” e a resisténcia dos “nacionalismos’, a MUNDIALIZAGAO X NACIONALISMOS ‘Comegaremos pelo titimo termo, esclarecendo 0 porqué do plu- ral. A principio, ele j se justifica pela multiplicidade de casos que se pode observar. A seguir, e quem sabe de forma mais consistente, essa pluralidade. 6 se concebe enquanto oposigéio as forgas homogenel- zadoras desencadeadas pela “mundializagé Desde logo, o que de mais genérico se pode dizer a respeito do “nacionalismo" 6 que ele encerra em si uma profunda ambiguidade. De um lado, pretende-se afirmar a “identidade nacional” e, portanto, a dissemelhanca com rela- 0 a qualquer outra “nacéo”, de outro, recusa-se 0 mesmo esiatuto a eventuais minorias, as quais so acusadas nao sé de nao representa- Tem @ nace, como inclusive de colocar em risco a “unidade e integr- dade nacionais’. Os termos “unificagao" ou “anexacéo" apareceréo muitas vezes para designar o mesmo fenémeno, observado desde dois pontos de vista distintos. Assim por exemplo os chineses consideram Taiwan parte do seu tenitério, mas.o Ocidente nunca aceitou que se tra- tasse de “um assunto intemo chinés". Do mesmo modo, o que para © Iraque representa uma etapa no seu processo de “unificagao nacio- nal", para 0 Kuwait significa uma anexacdo intolerdvel, E, alidés, o que teria se passado efetivamente com a Alemanha Oriental? Teria sido anexada ou se unificou com os ocidentais? ‘Também vemos que junta 20 “nacionalisma” sempre encontra- mos “subnacionalismos" que esto dispostos a, mais dia menos dia, organizar os povos que pretendem representar na forma de um “Esta- do nacional” com leis, territério e forcas militares especfficas. José Gil sintetiza de maneira magnitica 0 problema quando conclui que “tanto ‘opressores quanto oprimidos desejam juntar-se em ‘comunidades na- cionais’ , os primeiros prontos a sacrficar as minorias as préprias am- bigdes centralizadoras e os segundos defendendo a sua prépria identi- dade. E, néo raro, 08 oprimidos de hoje, tornam-se os opressores de amanha". Este paradoxo tem atravessado os tempos e mesmo hoje, quan- do se fala na superacéo das “tronteiras nacionais", 0$ “blocos de pat ses" no deixam de reivindicar 0 conceito de “nagao”, Esse é tanto 0 caso da Comunidade Econémica Européia, quanto da Liga Arabe. Tambéin latino-americanos e africanos ensalam as suas respectivas 63 “nagdes compostas de nagées”, vistas como um objetivo a ser alcan- gado no futuro. Eis af as duas linhas prinoipais de argumentagéo que impedem um conceito omnicompreensivo para a “nacéo”. Para uns, ela é um dado, enquanto para outros é um projeto. Os primeiros batem-se por fatos palpaveis tais como lingua, territério, mercado e costumes co- muns. Os segundos defendem questées de principio, de liberdade, igualdade, progresso, tentam expressar antes um sentimento do que uma realidade, E claro que pode haver certa interpenetracao entre es- ‘sas duas linhas mas, grosso modo, utopistas e pragméticos tm cons- tituldo dois grupos constantemente em conflito. Por outro lado, se é verdade que a ‘técnica diminuiu 0 planeta”, ‘comprimindo-o qeoaraticamente através da intensificagdo dos contatos econémicos e culturais, também é certo que essa unificagéo combinou sociedades muito diferentes, fazendo conviver povos fortes @ débeis, cuja primeira manifestagdo politica foi a constituigo de colénias e me- trépoles. Daf a impossibilidade de comparar o “nacionalismo" das po- téncias com 0 dos paises subordinados, Chega-se assim ao émago da questéo, j4 que a combinacao entre as tens6es extemas internas provoca concepodes divergentes da “questéo nacional", segundo as varias classes sociais e os vérios momentos hist6ricos concretos. Al- guns exemplos deste problema seréio examinados mais adiante nos estudos de caso, e portanto, passaremos agora para 0 nosso segundo conceito fundamental. termo “mundializacdo”, ao contrério da nogéo mais antiga de “intemacionalizagdo de capitais” é uma palavra de uso recente. Ele expressaria a nova fase hist6rica alcangada com a revolugao tecno- cientifica iniciada nos anos 60 dosto eéculo. A novidado fronto a0 po- ffodo anterior residiria no fato de que ndo apenas a circulagéo @ 0 con- sumo mas também a produgao se apoiariam num espaco econémico mundializado, isto é, as técnicas de produgo se desenvolveriam a par- tir da utilizacdo do trabalho cientifico universal ¢ no mais a partir de procedimentos localizados. E verdade que desde os seus primérdios 0 capitalismo se propés a ser um sistema universal, Mas s6 agora a partir da “teroeira onda", para usar a expresso consagrada de Toffler, é que as condigdes t6- hicas parecem estar suficientemente maduras para que se chegue quela aspiracao. E com a informética, ¢ em especial com a telemati- ca, que a simultaneidade entre evento localizado e informag&o mun- dializada tornou-se possivel. Em decorréncia, caminha-se para uma pe- rigosa uniformizacéo do gosto e da prépria racionalidade que deixa apreensivos os espiritos mais sensiveis, preocupados com a integridade 64 dos grupos culturais mais frégeis e do préprio individuo, ameagados por uma alienagao total, E por essa razo que Milton Santos, por ‘exemplo, qualifica a mundializagdo como “perversa”, Nas suas préprias palavras: “Concentrag&o e centralizacdo da economia e do poder poll- fico, cultura de massa, cientifizagdo da burooracia, centralizagdo agra- vadas das decisées ¢ da informagéo, tudo isso forma a base de um acirramento das desiqualdades entre pafses e entre classes socials, assim como da opressao e desintegragdo do individuo", ‘Quer isso dizer que ndo hé mais espago para a diversidade cultu- tal? Foi em tomo dessa pergunta que socidlogos do mundo todo se reuniram recentemente em Madri, no Xil Congresso Mundial de So- Ciologia, realizado entre os dias 9 13 de julho de 1990. Se é possivel resumir em poucas palavras toda a riqueza das discussdes, dirfamos que a t6nica recalu, como apontou Margaret Archer, na critica as teo- fias da modemizaco, as quals costumam dar por assentado que um processo uniforme teria sempre uma recepodo uniforme, reduzindo a ‘complexidade das circunstancias do Terceiro Mundo ao mero nivel de “perturbagdes localizadas". Em conseqiiéncia, qualquer tendéncia mundial pode ter uma gama variada de respostas locais. Ela pode ser assimilada, refletida, refratada ou rechacada e, portanto, a mundi co ndo pode ser um simples efeito do novo sobre o velho, mas sim a criagéo de um mundo radicalmente distinto, para o qual 6 preciso estar atento, Em compensacéo, se as classes sociais ainda se definem terr- torialmente, assim como as aspiragdes e o caréter do povo o fazem ‘em relagdo &s herangas histéricas, também 6 verdade que isso néio 6 suficiente para obstaculizar a mundializagao. Por isso, ainda que os Estados nacionais permanegam como barreiras as influéncias ex6ge- nas, "hoje 0 que nao 6 mundializada 6 condicéa de mundializac&o”, como conclui Milton Santos. Sabemos que @ mundializegéo é um fendmeno novo @ por isso dificil de, apreender. Permanecem muitas dividas sobre se o capitalis- mo poderd prescindir de sua base original — os Estados nacionais -, ‘ou se a crise das sociedades locais e do Estado implicaré uma crise sem saida para o préprio capitalismo, Como a crise atinge também 0 socialismo € 0 Terceiro Mundo, preciso tentar concretizar a discus- so analisando alguns exemplos. E 0 que faremos a seguir. ALGUMAS FRONTEIRAS NOTAVEIS Numa escala planetéria conhecer-se duas fronteiras bésicas, quais sejam a leste/oeste opondo pafses socialistas e capitalistas @ a 65 rnorte/sul, distinguindo nagées ricas e pobres. JA a contradi¢ao entre a mundializagao e os nacionalismos nao chega a configurar nenhuma fronteira, haja visto que néo se trata de um fenémeno ligado & conti- gilidade territorial. O curioso a observar € que a oposic¢ao leste/oeste Surgiu primeiro como diferenciagao sécio-econémica e s6 muito tempo depois adquiriu 0 cardter politico-ideolégico que conhecemos, Em con- trapartida, @ diviso norte/sul que nasceu econémica, hoje cada vez mais ganha a conotacdo de uma disputa polltica. ‘A deniincia de que “drogas, ecologia e dlvida externa” constituem problemas exclusives do sul néo resiste @ uma anélise mais detida. Ora, a solugdo desses problemas também envolve os paises do hemis- {ério norte @ 0 que parece mais consistente é verificar a discrepancia de poder entre as duas zonas. O que ocorre com Australia e Nova Ze- landia 6 a esse respeito emblematico. Nacdes meridionais e no entar- to ricas, apresentam-se porém completamente impotentes para impe- dir, por exemplo, as experiéncias nucleares francesas no atol de Muru- roa, as quais colocam vastas dreas sob a ameaga da poluigdo radioat va. Quanto ao Brasil, fragilizado por possuir a segunda maior divida ex- terna do mundo, restam poucas esperangas de que venha a assumir uma posigao na politica intemacional mais compativel com seu peso ‘econémico, apesar da propalada "8* indistria do mundo ocidental”. Por outro lado, 0 reconhecimento de que “drogas e polui¢ao” ‘constituem problemas que “ultrapassam as fronteiras” tem servido de largumento para que no se respeite o “principio da inviolabilidade das fronteiras", como se viu na invasdo norte-americana do Panamé, no fi nal de 1989. E foi de Frangois Mitterrand a proposta de uma diminui- ‘edo da soberania de paises como o Brasil, para permitir 0 controle in- temaviunal de reservas ecolégicas de importéncia mundial, como a ‘Amaz6nia. Para néo nos alongarmos em demasia, selecionamos al- guns casos que nos pareceram importantes, quer porque constituam problematicas intemacionalmente reconhecidas, como 6 0 caso do Oriente Médio, quer porque nos digam respeito mais diretamente, co- mo 6 0 caso da América do Sul. ‘A tentaco de uma apreciacao de todo 0 planeta, subdividindo-o por regides, 6 grande, assim como hd questées especificamente na- cionais de interesse. Todavia, ndo temos condigées de fazé-la equili- bradamente, e por isso optamos por um agrupamento mais livre. As- sim, sobre 0 Sudeste asiatico 0 maximo que podemos dizer por ora é que se trata de uma regido onde os problemas fronteirigos e politicos tendem a aumentar, 0 que tem feito com que os mercadores de ar- mamentos cada vez se interessem mais por ela, Para quem deseja uma incurs4o mais detalhada, a suigesto 6 iar pela leitura do livro de 66 Benedict Anderson, Nagao e Consciénola Nacional , ele que é um es- pecialista na area. Tentemos, de qualquer modo, caminhar das “quen- tes" para as “frias", agora utilizando tais adjetivos néo naquela conota- c&0 fraterna, mas no sentido militar de potencialidade de contflito. Europa Central e Oriental ‘A queda do Muro de Berlim e a reunificagéo alema vém provar que, pela terceira vez em um século, os destinos do planeta se defi- nem a partir do ajustamento de forcas obtido na parte centro-oriental da Europa. A histéria dessas fronteiras também 6 antiqufssima. Jé em Roma tinhamos o Império dividido em duas metades, uma ocidental outra oriental. Essa diviséo dizia respelto ndo sO a duas capitals — Roma e Constantinopla - mas também a duas linguas — o latim eo grego — 0 que com 0 tempo acabaria implicando uma divisdo religiosa ~ Igrejas catélica ortodoxa. Enquanto no Ocidente a fragmentacéo do Império Carolingio daria origem a Itélia, Franga e Alemanhas mo- demas, no Oriente 0 ocaso do Império Bizantino viu 0 surgimento dos Impérios Turco, Russo @ Austro-Htingaro. O destaque 6 para a situa- 0 austrfaca, simultaneamente envolvida com questées orientais € Ocidentais, ‘Séo as revolugdes burguesas e o desenvolvimento da industriall- za¢&o os propulsores do nacionalismo, o qual introduz 0 principio da soberania popular na organizagdo do Estado. Tem origem, dessa for ma, © sentido modemo da diviso entre as duas Europas. A Ocidental, burguesa, urbano-industrial, democrética e nacionalista, em oposiggo A Oriental, ainda semifeudal, ruralizada, autoritéria aristocrética. A Aus- tria-Hungria seré 0 reduto do conservadorismo o da defesa do principio. dindstico © no nacionalista da organizagéo do Estado. E aqui é da maior importancia resseltar 0 significado simbdlico que as fronteiras nacionais bem definidas passaréo a exercer no imaginétio coletivo a partir de entéo. Com efeito, o “mapa do pats" comega a colocar-se no mesmo plano de outros signos nacionais, tals como o nome, a bandei- ra, 0 escudo ou 0 hino. A carta impressa iré transformar-se num instrumento de represen- taco bastante disseminado que toma possivel que a “fronteira efeti- vamente se estabelega’, isto é, tome-se mais visivel e melhor delimi- tada, E verdade que a demarcaeao por si s6 nao eliminaré absoluta- mente a possibilidade de conflito ou contestagéo, mas ela contribuiré para diminuir as ocorréncias onde a fronteira possa servir como pretex- topara a querra. 67 Trata-se, assim, de uma situagao mais de acordo com o principio da identidade lingUistica como fundamento da nacionalidade, e portan- to do Estado, do que o principio dindstico onde o poder é territorial- mente mais fiuido, embora politicamente mais concentrado na mao do soberano, Em suma, a lingua é uma propriedade comum a todos os “cidaddos", a0 passo que a obediéncia ao monarca nao confere ne- nhuma identidade especial a ndo ser a condigdo de “stidito”, Benedict Anderson a esse respeito pergunta com astticia: “Que nacionalidade se poderia atribuir aos Bourbons que governavam na Espanha e na Franca, aos Hohenzollems na Prissia © na Roménia, aos Wittelbachs na Bavaria ¢ na Grécia?” Os exemplos podem se multiplicar mas foi no caso austro-hingaro que esta contradigéo se colocou com maior evidéncia. Em 1870 José II resolveu trocar a lingua do Estado do latim para ‘© aleméo, julgando que com isso estava combatendo 0 latim e n&o 0 magiar. No entanto, & medida que 0 alemao ia se impondo, mais fica- va evidente como isso privilegiava os stiditos de fala alem&, o que pro- vocava a antipatia de todos os demais. Por outro lado, caso os Habs- burgos fizessem concess6es a qualquer outra lingua, em especial o hungaro, isso iria tomar mais diffcil a unidade do Império, além do que poderiam ser considerados traidores pelos germanéfilos. Esse mesmo dilema se apresentou também para turcos e russos, mas o que se de- ve assinalar 6 que os ventos da modemizago sopravam de oeste para leste, 0 que deixou a Austria-Hungria numa posigéo mais delicada, mesmo porque concorria, dentro da comunidade germénica, com a Prissia. De 1848 a 1918 o Império viverd uma lenta agonia, até que fi- nalmente © principio nacional se impés, 0 que om contrapartida foz aumentar paradoxalmente as querelas fronteirigas, como se pode ob- servar na nossa figura 8. E interessante lembrar que, espremidos entre suecos, alemées, turcos e russos, todos esses numerosos povos, dis tribuldos num arco que val da Finlandia & Albania, haviem sido consi- derados por Marx e sobretudo Engels, como “povos sem histéria®, To- davia, a0 contrério do que costumam afirmmar seus detratores, no foi por “germanofilia” que 0s criadores do “socialismo cientifico” realiza- Tam esse julgamento. Ao contrério, foi seu apego 20 intemacionalismo @ 0 industrialismo que os fez pensar dessa maneira, pois acreditavam que a industrializagdio representava uma etapa necesséria no caminho da libertagéo dos povos. Para ambos, e especialmente para Engels, 0 “nacionalismo” nessa regio servia apenas como arma reacionatia a servico da aristocracia, uma vez que mobilizava 0 campesinato contra ‘a modemizacéo. Sendo assim, nem todos os povos teriam direito & 68 Figura 8~ Os numerosos conltos rontaipos na Europa Cantro- Oriental indo caracerizaro period entreguerras, 0 que dettou seqielas aié hoje iresolvidas. “autodeterminagéo", mas apenas aqueles que tivessem condigdes de “andar por suas préprias pernas'. Isso equivaleria a dizer que na socie~ dade moderna s6 poderiam ser denominados “autodeterminados", aqueles povos capazes de constituir um parque nacional de bens de produgao. Esse posicionamento tedrico permanece polémico ainda hoje, apesar de muita 4qua haver rolado por debaixo dessa ponte desde en- tao. Para nos mantermos apenas nessa vertente de pensamento, seria conveniente retomar a visto de Lénin quando, em plena Primeira 69 Guerra Mundial, 0 futuro lider da revolucéo bolchevique, num texto de 1916, sintetizou o problema da seguinte maneira. Para ele, haveria trés tipos de paises quanto & “questao nacional": “O primeiro tipo, séo os paises avancados da Europa Ocidental (e da América), onde o movi- mento nacional pertence ao passado. O segundo tipo & @ Europa do Leste, onde ele pertence ao presente. O terceiro, sao as semicolénias @ colénias, onde ele pertence em larga medida ao pov” (grifos no original). Trata-se, sem daivida, de uma andlise bastante instigante, a qual mereceria ser atualizada, sobretudo se considerarmos a nova vaga na- cionalista que se seguiu a glasnost soviética, Delxemos, entretanto, esse assunto em suspenso por enquanto, para nos fixarmos agora em outro paradoxo formidavel, Trata-se do ressurgimento do nacionalisno alom&o om moio a um contexto crescentemente internacionalizado, ‘onde se advoga inclusive a superacéo das fronteiras nacionais em nome de uma unidade maior, a da “Europa do Mercado Corum”. Ndo deixa de ser intrigante que além da aparente movimentacéo de fronte!- ras ocasionada pela “reunificagéo”, a bem da verdade o que se obteve ali foi a consolidaco dos limites estabelecidos pelas conferéncias de lalta e Postdam. Vale lembrar que alemaes e poloneses finalmente re- viram 0 acordo de 1937, 0 que pés um fim as pretensées revisionistas da extrema direita alema visando recuperar os territ6rios perdidos para a Polénia ao final da Segunda Grande Guerra. Ao menos por enquan- to, isto significa que se encontra afastado um confronto de primeiro ni- vel opondo Ocidente e Oriente, 0 que acabou transferindo as tensdes inter-hemisféricas para uma outra regio, aliés bastante explosiva, An- tes de examiné-la, porém, sugerimos que 0 leitorreflita sobre as trans- formages ocorridas na Europa Centro-Oriental apés a Primeira e Se- gunda guerras mundiais a partir das representaghes que se segue (figuras 9, 10 e 11). ‘Ao que nos parece, dados os conflitos na Transilvania entre ro- menos e hiingaros © as tensdes vividas por iugoslavos e albaneses, a problemdtica das fronteiras étnicas volta a colocar-se de forma aguda, uma vez atenuada a divisdo ideolégica do mundo. Resta saber como ficardo as diferencas de natureza sécio-econémica. Todas essas ques- ‘es estéio postas também no Oriente Médio, com a agravante de que ali se sobrepoem ainda as clivagens de natureza religiosa. Oriente Médio Se as tensées na Europa Centro-Oriental se agravaram com 0 ‘ocaso do Império Austro-Hingaro, sugerindo uma reviséo de fronteiras 70 Figura 9~ Nolaro carstor _muttinacionas co imps Em destaque, aregifo Transivdnia, na Roméria, conde érumerasa @ Populaedo de origem hnigara HUNGRIA / Tif Motes 4 ROMENJA Timinoara \Bycaréete. Limite do Império = Austro-Hungaro, em 1913 que sé agora parece em vias de concluséo, no Oriente Médio 0 pro- blema deve ser analisado a partir do colapso do Império Otomano, que ‘como aquele esboroou-se ao final da Primeira Guerra Mundial. Como 6 sabido, a0 contrério da primeira tevolugo industrial quando o carvéo era obtido dentro da prdpria Europa, na segunda, impulsionada pelo petrdleo, as poténcias européias se langaram sobre o Oriente Médio com vistas a obter concessdes de exploragdo e comercializacéo. Alids no sfio poucos os que atribuem a ferrovia Berlim-Bagdé a causa eco- ria neon pera. esoabo ce pees qoara geal tens rialista. Jé om 1916, onfraquocidos, os otomanos aceitam, atravée do tra- tado de Sykes-Picot, a diviséio de seus dominios no Oriente Médio en- tre franceses e ingleses. Posteriormente, com as Conteréncias de Sé- vres e San Remo em 1920, fica ratificada aquela diviséo, cabendo aos franceses 0 mandato sobre ‘a Siria e 0 Libano e aos ingleses 0 Iraque, a Palestina ¢ 0 protetorado da Ardbia, além de Chipre e Egito. O He- dramaut (atuais lémen e Oma) caer sob influéncia da Itélia. Um pou- co mais tarde, em face do descontentamento francés com relagdo aos excessivos privilégios concedidos & Gré-Bretanha, a Franga obtém uma participago expressiva nos direitos de exploragéio do petrbleo iraquiano, através do Tratado de Mosul de 1926. Segundo este, as aces da Irak Petroleum Company ficaram distribuidas entre um grupo do sociedades inglesas na proporgo de 52,5%, francesas e norte-ame- ricanas na base de 21,2% cada e 5% coube & Sociedade Gulbenkian, nna qualidade de mediadora. a AFRONTEIRA GERMANO- POLONESA ~ 1937 Figura 10 ~ Destaque para Vilna, capital bistérica da Litudnia, que serdrestiulda.a sous logh mas donos @ partr do polémico Pacte Molotow-Ribbenttop em 1940, Fica evidente que a Inglaterra tornou-se a poténcia predominante, de tal sorte que a maior parte das fronteiras atuais entre os Estados da regiao & de sua tesponsabilidade. Como principio organizador, os bri- t€nicos adotaram a politica de dividir a drea entre pequenos Estados ricos em petréleo de um lado, e Estados populosos e sem petrdleo do outro. Além disso, hé um problema técnico nada desprezivel quando se trata de demarcar limites no deserto, Simplesmente os movimentos de areia desprezam qualquer marco ou baliza, encobrindo-os, e na fal- ta de apoio fisico, adotam-se linhas retas imagindrias, E para compli- car definitivamente a situacdo & evidente que os lengbis petroliferos no obedecem fronteiras nacionais, colocando-se a questao de quem & © dotto do subsolo, coisa dificil de se estabelecer em reservas interco- municantes. Alids, este foi o estopim da crise entre Kuwait e Iraque, este tiltimo alegando que sou vizinho Ihe usurpava petrdleo dos ricos campos de Rumaila, O attificialismo dos limites nesta regiéo pode ser medido pela 72 AFRONTEIRA GERMANO- POLONESA — HOJE (x-Donzio)) soviéticn ° vorssvio ALEWANHA © 80nn POLONIA Figura 11 ~ Como final da Segunda Guerra Mundial as tronteiras da Alemanha coma Polina ‘desta com a URSS deslocaram-se para oeste. bresenca de duas zonas neutras, uma com 7 mil km? entre a Ardbia Saudita e 0 Iraque, e outra de 5.750 km? entre o Kuwait e a Arabia Saudita (vide fig. 12). Elas foram criadas em 1923 apés a invaséo do Kuwait pela Arabia Saudita e novamente a Inglaterra {oi a poténcia mediadora que procurou estabilizar a situagéo. Deve-se aduzir que es sas zonas neutras também so produtoras de petrdleo, e no caso do retdngulo que separa Kuwait e Arébia Saudita, as concessoes de ex- ploragdo pertencem desde 1948 a American Oil ¢ & Getty Oil, Nesse mesmo ano, como se sabe, foi criado, na face mediterranea da regido, © Estado de Israel, recolocando de maneira complexa a temdtica da religiéo, num contexto dominado pela ideologia da modemnidade, Israel representa o resultado de uma combinacéo de fatores, entre ‘08 quais devem ser destacados: a opiniéo mundial favorével, sensibili- zada pelo problema judeu em fungéo das alrocidades cometidas pelos nazistas, ¢ a convergéncia de posigdes dentro do movimento sionista em favor do retomo a Terra Santa, isto é, & Palestina. Desta combina- 73 cdo emergiu um Estado modemo, tecnicamente desenvolvido, mas sobre 0 qual 0s grupos religiosos ortodoxos exercem uma poderosa influéncia. \VArios tempos histéricos se combinam, portanto, para explicar 0 cardter altamente instével e explosivo do Oriente Médio. A religiao @ a pretenséo a uma identidade éthica, que remontam a um passado lon- ‘ginquo, a presenga de uma série’ de Estados dindsticos semitribais Como os pequenos Estados do Golfo (Emiratos, Bahrein, Quatar, Oma) @ a propria Ardbia Saudita; a heranga do colonialismo franco-britanico ea contrapartida de nacionalismos exacerbados de natureza antiimpe- fialista como se vé no Egito, Siria e lraque; e para completar, a ten- déncia universalizante pretensamente pds-nacional, que garantiu o mandato da ONU para que os norte-americanos obtivessem, pela for- a, a retirada iraquiana do Kuwait. Também encontra-se presente a Utopia de uma eventual unidade rabe, Se esta titima contém uma sé- rie de duividas e questionamentos, para a problematica especifica das fronteiras nao deixa de ser verdadeira a consideragéio de que, so se tratassem de fronteiras interas ao invés de externas, o dilema de ‘quem conirolaria o petréleo de Rumaila nao teria a menor importéncia. Também seria mais fécil decidir sobre a eliminagéo das “zonas neu- tras” acima mencionadas. Se, em fungdo do petréleo, 0 Oriente Médio adentrou na Era Contemporanea como uma &rea extremamente cobicada, onde as ipais poténcias disputam influéncia, a bem da verdade a instabili- dade politica da regio remonta a um tempo bem mais longinquo. En- cravado entre a Europa, a Asia e a Africa, o Oriente Médio sempre se constituiu em rea de convergéncia e dispersdo das principais linhas de forga da civlizagdo humana, dai representar ela propria uma grande fronteira. Pode-se portanto prever que mesinu encerrado 9 recente conflito no Golfo Pérsico, a situaco dificilmente se estabilizaré, sobre~ tudo em fungo do problema palestino, Por outro lado, se esta guerra se desdobrasse quer para leste, envolvendo o Ird, quer para oeste, com a participago de Israel, quer para 0 norte, com a intervencdo da Tur- quia, a situago se complicatia terrivelmente, podendo provocar altera- ges até na postura da Unido Soviética, uma vez que suas préprias fronteiras estariam ameagadas. Unidio Soviética Pals bicontinental e que além da maior 4rea possul o maior nd- moro do vizinhoe, n&o 6 de eetranhar que a Unido Soviética dedicasse 74 Figura 12 — Nolar como os elecdutos coninbultam para a dotnicdo de linies entre os Estados arabes da regiéo. O deslocamento sazonal dos bedufnes também interiri na definisfo dos "Terriérios Neutos”. especial atengéio ao seu problema de fronteiras. Na sua dupla acep- 40, podemes dizer que, curiosamente, a Unido Soviética retine 0 maior e 0 menor problema de fronteiras simultaneamente. Por um la- do, como apontou Moodie, a expanséo para leste, uma rea relative: mente vazia, permitiu & URSS controlar a maior exiensao de terras continuas do mundo, desenvolvendo o povoamento nessa direcdo, pre- ticamente sem encontrar “problemas de limites". Por outro lado, po- rém, em nenhum outro lugar do planeta a chamada “iiccdo interesta- tal” é mais intensa, tanto no que respeita aos intimeros tratados que a Unido precisa estabelecer com nages soberanas (num total de 14 se incluitmos os Estados Unidos com quem dividem o estreito de Behring @ 0 Japao que reivindica a devolucgo das lihas Curilas perdidas na Segunda Guerra Mundial), quanto no que diz respeito aos limites interiores. A URSS contava com mais de 100 povos culturalmente distintos, organizados em 15 reptblicas federadas que englobam 20 reptiblicas auténomas, 8 regides auténomas e 10 citcunscrig6es nacio- nais. Por tudo isso, néo é de estranhar que os soviéticos tenham de- senvolvido um imenso poderio militar terrestre, bem como apresentem uma forte tendéncia centralizadora na sua organizagao politica, Em compensagao existem forcas centrifugas que atuam tanto de fora para dentro, quanto de dentro para fora, podendo-se dizer que a integridade territorial soviética se apdia numa delicada combinagao de fatores, en- volvendo a necessidade de uma certa tolerdncia em face dos naciona- lismos intemos associada a perseverante tarefa de repelir para oeste as pressées exercidas a partir da Europa. No Leste, no Sul @ no Norte, a prépria natureza se incumbiu de ciar barreiras defensivas, de tal sorte que apenas para Oeste se apresenta uma legitima “fronteira de contato”. Dos quase 60 mil quilémetros lineares de perimetro da Unido Soviética, cerca de 1/3 (20 mil km) corespondem 20 litoral maritimo. No entanto, ele se encontra na maior parte do tempo bloqueado pelas geleiras do Artico, excacdo de uma estreita faixa no Mar de Barents, préximo & Finlén- dia e Noruega, onde a corrente quente do Golfo ainda exerce seu pa- pel de amenizador climatico, Também no Béltico e no Extremo Oriente a presenga de geleiras obriga 0 uso de navios quebra-gelos. Por sua vvez, 0 acesso a0 Mediterraneo é controlado pela Turquia (estreito de Dardanelos), assim como a saida do Baltico o 6 pela Dinamarca e Suécia e no Extremo Oriente 6 0 Japao que apresenta uma posigéio vantajosa no acesso ao Pacitico. Portanto é com razio que muitos afirmam que a histéria da Russia tem consistido num esforgo perma- nente de aproximag&o das costas de mares temperados, livres de ge- leiras e que Ihe permita comunicacao facil com outros povns 76 civilizados com quem poderia estabelecer proveitosas trocas comerciais. ‘Tao sabedora do significado geopolitico do enclausuramento, no deixa de ser contraditério que a Unigo Soviética contivesse em si mes- ma algumas aberragdes bastante elementares no que tange aos traga- dos dos limites. A opiniéo especializada é undnime em condenar a “extraterritorialidade’, isto 6, 0 caso em que o terrtério de um Estado, ou parcela dele encontra-se total ou fundamentalmente envolvido pelo territ6rio de outro. Trata-se de uma situagao potencialmente explosiva, pois 0 desenvolvimento econémico reclama por espacos contiguos e solidérios. Apesar disso, em pelo menos trés exemplos a “extraterrito- rialidade” tem contribuido para envenenar as relagdes entre as republi- cas soviéticas e destas com a Unido. Lembremos inicialmente a situagao do enclave arménio e cristéo de Nagomo-Karabakh totalmente cercado pelo territério do Azerbeidjao cuja oopulacdo 6 mugulmana ~ e controlado por este tiltimo. O esto- pim da crise entre as duas comunidades foi a decisao dos habitantes de Nagorno-Karabakh de se desligarem do Azerbeidjé @ se unirem & Arménia. Um clima de verdadeira guerra civil s6 foi contornado com a invasdo de tropas do exército soviético em Baku. Por outro lado, os azerbeidjanos também possuem uma érea quase totalmente envolvida por temtitério aménio. Trata-se da regiéo de Nakichevan, que na sua parte meridional faz divisa com o Ird (ver fig. 13). Também em Nakichevan, repiiblica auténoma administrada pelo Azerbeidja, 0 Parlamento local proclamou sua independéncia, 0 que do foi aceito por Moscou. A dificuldade para os dois nacionelismos, arménio @ azerbeidjano é que eles se defrontam nao apenas com 0 Cstado soviético, mas também com o turco e o iraniano respective: mente, Por sua vez, na Litudnia temos o enclave da regiéo de Kalinin- grado, antiga Konigsberg, germanizada pelos Cavaleiros Teuténicos pola Liga Hansestica, e que hoje pertence A Reptiblica Federativa da Russia, A Lituania, agora independente, poderé viver com relagéo & Rassia, problema andlogo ao que os alemées tiveram em relagao & Pol6nia, isto 6, seu territério teré de ser cruzado para permitir contato terrestre. Como outro complicador, se for pura e simplesmente revisto (0 acordo de 1940 que incorporou os Estados Balticos A Unido Soviéti- ca, a capital da Litunia, Vilna, terd de passar para o controle da Polé- nia, condigao que apresentava até aquele ano (rever figs. 11 @ 12). Estes exemplos servem para mostrar como 6 dificil instaurar na pratica 0 “prinefpio da autodeterminago dos povos”. Se ele for levado as titimas conseaiéncias, praticamente nenhum Estado atual resistiré 7 intacto, A Espanha teré de desmembrarse em Galicia, Catalunha, quem sabe Andaluzia, Os Pafses Bascos subtrairdo terrtério néo s6 da Espanha como da Franca, que por sua vez deveré ceder a Bretanha, a Cérsega, e quem sabe até Provenga. A Italia se espatifard, a Alema- nha idem, e mesmo a pequena Bélgica se dividird entre Flandres Valénia, Enfim, todo 0 edificio da custosa ordem intemacional até ago- ta obtida desmoronaria. E importante notar 0 crescimento do fenéme- no do regionalismo polttico simultaneamente ao da mundializagdo da economia, o que tem colocado 0 Estado nacional sob fortes pressées. unio soviETICA ARMENIA, Figura 13 — Enquanto Nakichevan & contiguo 20 Azerbeidjairaniano, em Nagorno Karabakh ‘2narece umn caso cldssico de extaterntoridade, 0 aue toma a Armenia mais vlnerdvl, 78 Se até na Europa Ocidental as antigas nagdes nao parecem estar ain- da totalmente consolidadas 0 que n&o dizer da Africa Negra onde a organizagao estatal é apenas embrionaria? Eo que veremos em seguida. Africa Negra © continente afticano apresenta uma dualidade natural bastante acentuada entre a porcao Norte, dominada pelo deserto do Saara e as terras mais férteis do Sul. Com o decorrer do tempo, esta oposic&o ‘também adquiriu um cardter étnico, contrapondo as populagdes negras das florestas © savanas aos brancos do deserto. A franja intermediéria entre uma situago @ outra 6 conhecida por Sahel, uma faixa mais ou menos larga que se estende do Atldntico ao Mar Vermelho. Essa faixa tem se destacado como uma das regides mais probleméticas do mun- do contemporaneo, tanto em fungdo das secas que a vém assolando nas duas tltimas décadas, quanto das arbitrariedades com que foram tragadas as fronteiras dos Estados que abrange. A excegéo da Mauri- tania, todos os demais pafses da érea convivern com o problema da falta de identidade étnica, Esse problema se agrava em fungo da reli- gido, uma vez que o monoteismo mugulmano se choca oom o poli- teismo das religides animistas em muitos casos. Particularmente no Chade e no Sudo assiste-se a uma guerra civil interminavel que opée 08 dois universos raciais ¢ geogréticos. Todavia, enquanto a porcdo setentrional do continente possui uma telativa unidade, fomecida sobretudo pelo islamismo e pela lingua 4rabe, no sul a diversidade é bem maior, o que toma a Africa Negra o espago politicamente mais retalhado do planeta e onde os problemas de fronteira so incontaveis. A instalag&o do modelo europeu da limi= tos interestatais rigidos remonta & *Conferéncia de Berlim” de 1885, quando as poténcias européias © mais os Estados Unidos resolveram escolher critérios mfnimos que fossem aceitos por todos os que dispu- tavam “a partitha da Africa”. Na abertura da Conferéncia, as palavras suaves de Bismarck ter- tavam fomecer um contetido humanitario as pretensdes dos coloniza- dores, uma vez que entre os objetivos compartilhados pelas poténcias convidadas estavam: “o desejo de associar os nativos da Africa a civi- lizago", a “abertura do interior desse continente ao comércio, fome- cendo a seus habitantes os meios de se instrufrem” finalmente “a preparacdo para o fim da escravidéo”. Quanto as fronteiras, a principal deliberagao rezava que, a partir daquele momento, “a ocupagéo da costa ndo seria mais considerada suficiente para a reivindicac&o do in- terior corespondente, a menos que esse fosse ocupado de maneira efe- 79 tiva’. Sem especificar se por “efetiva” se compreendia unicamente a ‘ocupagao produtiva ou meramente militar, a verdade 6 que ao invés de diminuir as divergéncias entre as poténcias, tal deliberacao incentivou- as, provocando uma verdadeira ‘corrida” em diregdo a0 coragéio do continente negro. A Arica tomava-se, assim, um imenso campo de be- talha onde cada poténcia buscava abocanhar o maior melhor pedago de territério possivel, o que era legitimado pela cléusula que estipulava ‘que cada ocupacdo “poderia ser estendida indefinidamente até encor- trar repito de influéneia de outra poténcia européia’. fécil concluir que em tais circunsténcias, a constituicao das fronteiras na Africa Negra acabaria por gerar verdadeiros “monstren- 0s" geopoliticos, como nos mostra muito bem Joao Carlos Rodrigues fem seu livro Pequena Historia da Africa Negra. Sem respeitar a natu- teza, nem a etnia ou a tradigdo, os limites foram sendo tracados em fungao unicamente dos interesses dos colonizacores. Assim, povos com identidade foram separados, etnias rivais foram reunidas, e linhas tradicionais de comércio foram interrompidas por barreiras aduaneiras. ‘Apenas para citar os exemplos mais conhecidos lembrariamos a tensa situagdo das varias tribos bacongo e balundé que se entrecruzam na fronteira do Zaire com Angola; 0s eritreus e somalis que lutam contra 0 governo de Adis Abeba; a pulverizagao dos ewe entre Gana, Togo & Benin; a rivalidade entre os malinkes ¢ os fula na Guiné, Também me- recem ser mencionadas as tentativas de secesséo incentivadas por in- teresses multinacionais como aconteceu em Katanga em 1960 quando Moisés Tchombé se opés 20 governo central liderado por Patrice Lu- mumba, logo apés a independéncia do Congo (atual Zaire). E em Bia~ fra em 1967 quando os ibés quiseram se separar da Nigéria e foram esmagados pels ussés & us iorubds (ver fig. 14). De fato, a rivalidade intertribal sempre serviu aos interesses do homer branco, que procurou incentivé-las ao maximo, favorecendo al- ‘guns grupos e perseguindo outros, primeiro explorando a prépria forca de trabalho através da escravidao, e depois atacando 0s recursos natu- rais até alcancar as entranhas do subsolo. Nesse sentido, a Africa do Sul se sobressai, pois apresenta a maior concentracao de jazidas do mundo e 0 sistema social mais infquo, consignado pelo apartheid. Confinando os negros em verdadeiros “Estados-dormitério” e obrigan- do-os a apresentar seus vistos de entrada e de saida para as autorida- des subafricanas no seu deslocamento da casa para 0 trabalho © vice- versa, 0 regime de apartheid, embora em processo de abrandamento, parece estar longe de ser superado. O “poder branco”, além de soli- damente apoiado economicamente pela Europa e Estados Unidos, con- ta a seu favor com a fragmentaco politica e ideolégica presente em 80 Biblioteca Centrat ‘AFRICA NESRA: 190471800 =>] rreten/ inte dn ena FE ronesses zanaivrios 7 Figura 14 — Nao esto mencionades fades 08 reinos negro mas & vel que a excep da Ei6pia Arica do Su, nos demals casos a Fagmortado tba fuonciu 2 aval compert- ‘mentaedo polca do subcontinent toda a Africa Negra, bem como as rivalidades tribais, notadamente en- tre os shosas e os Zulus. ‘Como resultado de todo esse processo de estilhacamento, 0 con- tinente africano em seu conjunto apresenta 44% de suas fronteiras apoiadas em meridianos ¢ paralelos; 30% por linhas retas e arquea- das, e apenas 26% se referem a limites naturais que geralmente coin- cidem com os de locais de habitagao dos grupos étnicos. Contradito- riamente, a luta pela libertacdo contra o dominador extra-africano aca- 81 bou por reconhecer a necessidade de manutencao dos dos pelo colonizador, pois sua modificacao implicaria transtornos ainda maiores. Como jé disse Marcel Duchamps, essas tronteiras, ainda que “artificiais”, tornaram-se “sagradas". . Seria esta uma regra geral? Vejamos 0 caso sul-americano. ‘América do Sul Confirmando 0 caréter resistente, porém nao imutével, das fron- teiras, na América do Sul é impressionante notar 0 peso das divisées deixadas pelo colonizador na estruturagéo etual dos limites entre os Estados que a compdem. Se i tive mos oportunidade de mencionar 0 significado de Tordesilhas, convém agora sublinhar que mesmo no ca- 80 das fronteiras internas da América Espanhola o efeito de durabili- dade se fez notar, projetando-as para além da independéncia, numa clara manifestagdo de como fronteiras internas podem tomar-se exter- nas. E curioso notar, entretanto, que embora a maioria das 25 frontei- ras internacionais do continente tenha sua origem no passado colonial, nenhuma das fronteiras das provincias espanholas foi demarcada, @ nenhuma foi definida com exatidéo. Mesmo assim, serviram de ponto de partida para os paises que iam se emancipando, apesar das dificul- dades de interpretacéo e de demarcagao em zonas pouco povoadas @ de acesso dificil como as florestas da Amazénia @ os picos da cord Iheira andina, Assim, muitas das definicdes séo posteriores a 1850, num proceso tento que se prolonga até nossos dias. De qualquer mo- do, comparado com outras regides do mundo, o caso sulamericano se sobressai pelo fato de que tantas fruniviras tenham sido estabelecidas: por meios pacificos. As excegdes mais significativas ficaram por conta das tivalidades luso-castelhanas na érea do Prata, as quais se prolon- garam até a Guerra do Paraguai, ¢ a Guerra do Salitre, na qual o Chile saiu-se vitorioso contra a coligagéo Peru-Bolivia, Estes dois exemplos apresentam-se curiosamente de maneira complementar quanto aos contenciosos fronteirigos. No primeiro caso, ‘0 dominio do Prata sempre se colocou como um objetivo central tanto de espanhéis quanto de portugueses, isto 6, tratava-se de uma zona de disputa onde o excesso de preocupagao com as fronteiras tomava- as uma questo problemética. No segundo, operou-se justamente 0 contrério, ou seja, sendo o Atacama e 0 Pantano do Tamarugal em especifico dreas repulsivas ao estabelecimento humano no motivar ram maior preocupagéo, permanecendo os limites imprecisos até a descoberta do salitre camo adiibo para as agriculturas européias @ nor 82 te-americanas que se sofisticavam. A ligéio comum 6 a de que quando existe interesse econémico, a definigdo clara dos limites se impée, ea falta ou excesso de zelo por questées de fronteiras € fonte de muitos dissabores. Se na América do Sul a via diplomética se sobressai diante da bélica no estabelecimento das fronteiras, isto se deve basicamente & aceitacao do célebre principio do uti possidetis como regulador das disputas. Derivado do Direito Romano, na América Latina ele signifi- cou que os paises que iam se tornando independentes das poténcias, ibéricas eram os sucessores dos viceveinados, capitanias-gerais ou outras entidades do perfodo colonial, a partir da data em que a inde pendéncia fora proclamada. No obstante, a aplicacéo deste principio na prética se revelou muito mais complicada do que a teoria supunha. Relendo os arquivos coloniais © os infinddveis decretos de todos os ti pos que muitas vezes aboliam e recriavam circunscrigdes, cada pals procurava o documento do passado que Ihe parecia mais conveniente, Afortunadamente, porém, na maior parte dos casos as reclamagées di- ziam respeito a éreas pouco povoadas e de escasso interesse econd- mico, 0 que contribuiu para evitar conflitos de maiores proporgdes. Além disso, deve-se lembrar que 0 Tratado de Madri de 1750 elegeu as “fronteiras naturals” como critério delimitador, 0 que acabou deter- minando que as fronteiras internacionais na América do Sul seguissem rios e montanhas numa extenséio maior do que em outros continentes. Quanto ao Brasil, valeriam a pena ainda algumas observacées, Contando com 15.719 km de fronteiras terrestres estabelecidas com 10 paises, ocupamos a terceira posigo em termos de nimero de vizi- nhos, s6 perdendo para Uniéo Soviética ¢ China, e nos igualando ao Zaire. Apesar de subestimado pela nossa historiografia oficial, a ver dade 6 que o periodo de unigo das Coroas lbéricas entre 1580 © 1640 ‘oi fundamental para que o pafs adquirisse sua configuragéo atual, pois foi nesse interregno que Tordesilhas deixou efetivamente de exist, permitindo sobretudo a penetracao pela Bacia Amaz6nica (ver fig. 15). No século XVIII, 20 lado do uti possidetis firmou-se 0 principio de que as questes lindeiras entre duas colénias deveriam ser resolvidas em obediéncia ao interesse das mesmas @ néo no das metrépoles. Para tanto foi muito importante a acao de um brasileito, Alexandre de Gus- mAo, 0 qual pode ser considerado como o precursor de toda uma es- cola de pensamento geopolitico que foi se afirmando no pais com 0 decorrer do tempo. No século seguinte ¢ comegos do XX 6 a figura do barao do Rio Branco que se destacard, sem dtivida um diplomata de notdveis qualidades que obteve para o Brasil nada menos de 440 mi km? de éea apenas a partir de suas arqumentacdes em li- 83 tigios arbitrados internacionalmente (30 mil referentes @ disputa da re- gido de Missdes com a Argentina, 260 mil relativos ao Amapa @ 150 mil do Acre). Posteriormente, as atengdes se voltaram para o problema da de- fesa deste imenso territério interior, e © povoamento e a ocupacéo produtiva se tomaram imperativos, bem como passou a se considerar ‘como imprescindivel a construgo de estradas de penetragao. Em su- ma, partimos para uma politica de “fronteiras vivas", defendida entre outros por Alvaro Teixeira Soares e Golbery do Couto e Silva, Num breve resumo, poderfamos citar como obras da maior importancia: pri- ‘meiro a construgao da E, F, Noroeste do Brasil no inicio do século, de- pois a Belém-Brastlia @ evidentemente a nova Capital Federal, a seguir a Transamaz6nica e recentemente os projetos “Calha-Norte” e a pro- posta de a BR 364 prosseguir de Porto Velho até Lima no Peru. Ja a Usina de Itaipu, como visa exportar energia a longa distancia nao pode ser enquadrada exatamente como pélo de atracdo de povoamento, ‘mesmo porque ali as fronteiras jd so “vivas” ha algum tempo. ‘Apesar de todos os inegéveis éxitos da politica exterior brasileira no que respeita & constitui¢ao das fronteiras, ainda persistem alguns problemas, como atestam os episédios recentes envolvendo garimpos nas fronteiras do Amazonas com a Colémbia (Tabatinga) e de Rorai- ma com a Venezuela. O Brasil ainda pressiona demograficamente to- dos os demais vizinhos, e fazendeiros brasileiros vém adquirindo terras ‘em proporgées consideréveis, sobretudo no Paraguai e Uruguai. Todos ‘esses sZo elementos de tenséo e, num sentido mais positive, hé que se lembrar a necessidade de demarcagéo das terras indigenas e das reservas ecoldgicas, 0 que muitas vezes se embaraca com o problema das frontelras interacionails. E o caso dos fndios fanuritni, por exe plo, presentes tanto no Brasil como na Venezuela. Nesse particular, a politica brasileira tem seguido uma velha ligéo do “Bardo”, segundo a qual nao se deve fazer coincidir a linha das reservas com as interna~ cionais, 0 que equivaleria a admitir a possibilidade de surgimento de tum outro Estado no futuro. Assim, os 9 milhdes de hectares designa- dos pelo presidente José Samey aos ianomami estéo inteiramente dentro do Brasil, o que néo agradou inteiramente a algumas lideran- a8 indigenas esetores da Igreja Catdlica, Para terminar, retornemos ao outro significado da palavra “fron- teira" (novamente com aspas), o qual indica as éreas que esto sendo incorporadas pelo processo de valorizagéo econémica. Talvez para 0 Brasil esse seja alias 0 sentido mais significativo, aquele que afeta in- clusive 0 maior nimero de pessoas e carega a maior tenso social. Os especialistas no assunto costumam diferenciar nesta “nova frontel- 84 Sd ing et Oo Figura 18 ~ Observe-se que a centalidade geogréica de Sao Paulo antecedeu e, de certo ‘modo, properou a atual centalidade econdmica, ra” que se est abrindo & produgéo duas situagdes, referidas a duas formas distintas de ocupacao do territério, Assim, a “frente de expan- so" se refere as reas onde ja néo predomina mais a economia natu- ral sem trocas, mas onde o nivel de intercémibio com o comércio exte- rior a elas ainda 6 muito baixo. Em outras palavras, o predominante 6 a subsisténcia, mas j4 comecam a se comercializar os excedentes. ‘Seu habitante caracteristico seria o “posseiro”, envolvido em indmeros conflitos pela posse da terra. Jé quando a propriedade privada se ins- taura plenamente e a estrutura produtiva 6 orientada para o mercado consumidor caracteriza-se a “frente pionaira’, isto 6, uma zona que néo 85 estd apenas sendo ocupada, mas onde se reproduzem as relagdes de produgao dominantes e que tém condigdes de influir na diviséo do tra- balho de todo o pals. As duas frentes, além disso, se entrecruzam, 0 que gera uma tela complexa de fronteiras intemas que pode levar ‘eventualmente a formagao de novos limites intermunicipais e interes- taduais. Nao estaria af a origem do Estado de Tocantins? EE CONSIDERACOES FINAIS Esperamos haver demonstrado que 0 tema das fronteiras consti- tui uma verdadeira problemidtica, isto 6, exige para sua elucidagéo 0 concurso de uma série de cnneaitos, teorias, metodoloaias e técnicas, (0s quais confluem para quatro abordagens basicas: a geogréfica, a ju- ridica, a econémica e @ politica, Numa linguagem metaférica dirlamos que a problemética das fronteiras se assemelna aquela dos vulobes: aparentemente quietos, inativos, eles podem no entanto nos surpreen- der com manifestagdes de stbita atividade, onde ruidos e fumaga crescentes anunciam para breve uma erupgao cujas conseqliéncias so diffceis de prever. Depende do balango de todos esses elementos a definicéo de uma via diplomética ou militar na solugdo das disputas fronteirigas, e, portanio, um enquadramento histérico-social se tora um pré-requisito imprescindfvel para a andlise de cada caso. Toda fronteira 6 suscettvel de um tratamento monogréfico, porém a procura de agregados significativos torna-se um problema que enve- reda por um caminho mais abstrato, onde preferéncias de natureza ideol6gica e cultural se fazem sentir. Todavia, no se pode ignorar a influéncia que as frontoiras oxercem no cotidiano de todos e de cada um de nés. Por isso, mais cado ou mais tarde, seremos chamados a ‘nos posicionar contra ou a favor de tal ou qual fronteira, o que torna nosso assunto uma questao de interesse ptiblico. Se a tarefa de cons- trugdo de fronteiras terrestres entre os Estados-nagées jd parece relati- vamente concluida, por outro lado persistem muitas dividas ainda nos limites maritimos, nas definigdes sobre 0 uso do subsolo, e de maneira especial, hd que se definir o que fazer a esse respeito na Antéitida. ‘Ainda em 1991 deverd ser revisto 0 acordo preliminar estabeleci- do em Washingion em 1959, segundo 0 qual os paises que apresen- assem interesse em explorar 0 “continente gelado” deveriam instalar bases cientificas permanentes no mesmo até essa data. A tese da “in- temnacionalizagao” se choca com o principio da “defrontagao”, uma vez que, no primeiro caso, libera-se 0 acesso das poténcias do hemisfério norte & Antértida, enquanto no segundo (fig. 16) s40 0s paises do he- misfério sul que se beneficiam. 86 Roos) te lactnon vogue fea erat te 1G ‘ANTARTICA AMERICANA (QEFRONTAGAO) (7 eras Figura 16 ~ Com 0 principio da delrontago, no apenas a América do Su, mas ambéma Ait. ‘ca Negra ea Austria © Nova Zelénala garantem juidcamento seu acesso a Ania. Também 0 controle do espago aéreo tem dado margem a muita polémica e as disputas planetérias j4 se projetam para 0 espaco side- ral. Tudo isso nos faz pensar que & medida que 0 espaco de relagdes muda de escala, alteram-se concomitantemente o significado das fron- teiras: primeiro étnicas, depois confessionais, hoje econémicas. O in- cremento das comunicagdes conseguiu fazer diminuir a importancia das fronteiras estatais e mesmo das ideolégicas, mas em contrapartida tornou mais draméticas as distingdes de natureza sécio-econémica. Hoje j& se fala com naturalidade na existéncia de um “Quarto 87 Mundo”, sem que no entanto nenhuma teoria ou ideologia correspon dente tenham vindo a lume. Situago paradoxal esta em que ao mesmo tempo em que se preconiza @ unificacdo do mundo num tinico sistema, aumentam as di- vis6es tanto politicas quanto regionais em que se pode reparti-to, Para finalizar, deve-se reconhacer que as fronteiras ndo represen- tam construgdes etemnas. As barreiras naturais t8m sido vencidas ao longo do tempo através de meios de transporte e comunicagéio cada ‘vez mais sofisticados; as lingtifsticas, por sua vez, podem cair apenas por intermédio das tradugGes; as ideolégicas — confessionais ou polit cas — tomam-se vulneréveis desde que se desenvolva 0 exercicio da tolerdncia; e mesmo as étnicas, quem sabe as mais sujeitas a0 pre- conceito, nao consequem resistir aos movimentos migratérios e eos impulsos irefredveis que conduzem & miscigenagao. Nem isso, no entanto, transforma as fronteiras em aparatos ab- solutamente intiteis. Criadas antes para proteger do que para isolar, elas se ligam a necessidade primitiva do homem em encontrar abrigo para suas manifestagdes coletivas, entre as quais pode-se incluir cer- tamente, 0 desejo de saber o que se passa e 0 que existe do outro la- do da fronteira... 88 SUGESTOES DE LEITURA Embora sejam pouco numerosos os livros dedicados exclusiva- mente ao tema das fronteiras, e na maioria das vezes as teorizagbes se encontrem dispersas em obras pouco acessiveis de geopolitica ou geogratia poltica, existe bastante material que se pode consultar para melhorar 0 entendimento do assunto. Para comecar, é imprescindivel dar uma olhada no Atlas Histérico Escolar de autoria de Manoel Mau- ticio de Albuquerque, Arthur Cézar Ferreira Reis ¢ Carlos Delgado de Carvalho, editado pela FENAME, o qual fomece uma base cartogrética fundamental para se compreender a evolugao das fronteiras ao longo da histévia Para quem se dispuser a executar uma incurséo mais minuciosa nos dominios da historia geral, a sugestéo recai sobre os dois volumes de Perry Anderson: Passagens da Antiguidade ao Feudalismo e Linha- gens do Estado Absolutista, ambos editados pela Afrontamento; como também sobre a trilogia de Eric Hobsbawm — A Era das Revolucdes, A Era do Capitalismo e A Era do Imperialismo, todos editados pela Paz e Terra. Sobre a temética da nacionalidade, a Paz @ Terra acaba de publicar, do mesmo Hobsbawm, Nagdes e nacionalismo — desde 1780, @ da Atica temos 0 ja citado Nagao e Consciéncia Nacional de autoria de Benedict Anderson. Num contraponto, pode-se reavaliar a problemética do “Impetialismo" em trés publicagdes recentes: de José William Vesentini temos, pela Papirus: Imperialism e Geopoiitica Global; de Hector H. Bruit 0 volume © Imperialismo editado pela Atual 89 em colaboracéo com a Editora da UNICAMP; ¢ aqui pela Contexto/E- DUSP, nesta mesma série "Repensando a Geografia’, de autoria de Manuel Correia de Andrade hé o livro Imperialismo e Fragmentagéo do espago. Esta colecdo, alids, contém outros tftulos de especial interesse entre os quals podemos citar: Geogratia Lingdistica: Dominacao @ Li- berdade de Alvaro José de Souza; Blocos Intemacionais de Poder de Rogério Haesbaert; O Estado e as Politicas Temitoriais no Brasil de Wanderley Messias da Costa e O Brasil e a América Latina de Manuel C. de Andrade. Especificamente sobre 0 Brasil so ainda muito importantes os livros de Claudio Bojunga e Fernando Portela Fronteiras -— Viagem ao Brasil desconhecido o qual retrata com atualidade 0 cotidiano vivido ‘em nossas “regides fronteiricas”; e, numa perspectiva historica Por que © Brasil ficou assim? de Enrique Peregalli. O primeiro foi editado pela Alfa-Omega @ 0 segundo pela Global. Outro titulo que no pode ser esquecido 6: Geopolttica e Teoria de Fronteiras — Fronteiras do Brasil do general Carlos de Meira Mattos ¢ editado pela Bibliox. E como normalmente o Brasil tem sido associado ao Terceiro Mundo, conviria checar 0 significado desse conceito, o que pode comegar a ser feito a partir de dois livros: A Formagao do Terceiro Mundo de Ladislau Dowbor, editado pela Brasiliense, colegdo Tudo 6 Histéria; @ de Anto- rio Carlos Wolkmer © Terceiro Mundo e a Nova Ordem intemacional ecitado pela Atica na Série Principios. A mesma editora lancou recen- temente Terceiro-mundismo, prés e contras de Yves Lacoste, 0 qual pretende desnudar, os componentes ideolégicos contidos nesse deba- te. Por fim, uma apreciagéo do contexto intemacional global também deve ser feita, ¢ a sugostdo 6 comogar pola Histéria da Ordem Inter- nacional de Carlos Roberto Pellegrino, também da colegio Tudo & His- ‘t6ria da Brasiliense. Em seguida, para discutir especificamente a bi- polaridade, temos de Antonio Cabral A Terceira Guerra Mundial da Editora Moderna; e de Deméirio Magnoli Da Guerra Fria a Détente, da colego Primeiros Passos da Brasiliense. JA em especial para os estu- dantes e professores de geografia é fundamental a leitura de Metarnor- foses do Espaco Habitado, de Milton Santos, no qual o autor tenta uma atualizacao de todo 0 temério geogréfico frente ao impacto recen- te da revolucdo tecnocientifica, 90 O LEITOR NO CONTEXTO 1, Procure estar atento ao noticiério da imprensa, rédio e TV. Qualquer que seja o pais mencionado, procure-o num mapa, Veja com quem ele faz fronteira, se existem litigios com os vizinhos. Procure re- lacionar 0 problema apontado na noticia com desavengas recentes ou antigas que tenham a ver com suas fronteiras. 2, Sempre que puder, verifique se a provincia, estado ou pais que Ihe chamar a atencdo possui ha muito tempo contomo atual.. Procure mapas antigos ¢ associe as fronteiras atuais aos processos de ‘explorago, conquista © povoamento do terrtério em quastn. 3. Exercite-se na pereepedo do espago, fazendo variar a escala da representapao. Comece com a maior escala possivel, a do mapa mtindi. Repare nas proximidades e afastamentos entre os continentes. A seguir escolha uma regido que inclua diversos paises, Depois desta ‘que uma fronteira em particular. Verifique se as cidades principais, as estradas ou algum recurso natural importante estéo préximos a linha de fronteira, Especule se serviu de adensador demogréfico ou se, 20 contrdrio, ajudou a repelir 0 povoamento. Procure, por fim, obter infor- magdes sobre as condig6es naturais da regio fronteitiga @ sua forma- 0 histérica, 1

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