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O Potencial Sujeito

Com esse texto eu tentarei, atrevidamente, esboçar um critério natural,


no âmbito científico e filosófico, para determinar, se possível, até que momento
da gestação seria válido suspender a gravidez sem incorrer em homicídio. Sem
a esperança ingênua de resolver a questão, minha intenção última é promover
o debate e a reflexão sobre o tema, que não se esgota, evidentemente, em
considerações acadêmicas.
Como sabemos todos, é cláusula pétrea da Constituição assegurar o
direito universal à vida humana. A doutrina concepcionista da Filosofia do
Direito, como indica o nome, postula o início dessa vida como sendo o
momento da concepção, ou seja, quando da fusão entre os gametas. Nesses
termos, o aborto intencional equivale a crime de homicídio. A contraparte
natalista, por outro lado, considera o indivíduo um Sujeito de Direito a partir de
seu nascimento com vida. Os natalistas, porém, acham por bem que os direitos
do nascituro devem ser garantidos antecipadamente, por corresponder este a
um indivíduo em potencial, i.e., há expectativa de nascimento com vida.
Analisemos sucintamente ambos os pressupostos.
A prerrogativa concepcionista, a meu ver, pode ser defendida sob o
ponto de vista genético tanto quanto teológico.
A perspectiva genética, em princípio, parece confundir mais que
esclarecer, pois teríamos sérias dificuldades em encontrar uma definição
biológica para “vida humana” em função do número de cromossomos – que é
diferente entre portadores de Síndrome de Down, Turner, Klinefelter, etc. e
indivíduos “normais” – e do compartilhamento de genes, cuja combinação é
única para cada indivíduo. Contudo, o positivismo jurídico garante que a vida
humana começa onde dissermos que ela deve começar, ou seja, o direito
positivo se permite “atropelar” obstáculos naturais, de modo que podemos, se
quisermos, englobar todas as possíveis falhas ao critério gênico e integrá-las
ao mesmo.
Por essa mesma razão, porém, o critério genético se torna tão “bom”
quanto qualquer outro (como o critério do funcionamento do coração, por
exemplo); dessa forma, para não andar em círculos, pulemos logo para a
justificativa teológica.
Esta é, de imediato, suspeita, uma vez que a Constituição, por bem ou
mal, assegura-nos o Estado Laico. Além disso, a posição católica é
contraditória em si mesma, tendo mudado de doutrina quanto ao momento da
implantação da alma já algumas vezes, de modo tal que a sombra da
arbitrariedade jaz aqui ainda mais espessa. No mais, como lembra Hélio
Schwartsman em sua coluna online1,2, incorre em paradoxo: se a alma é
implantada no “instante” da concepção (que não é exatamente um instante,
mas um processo de 24 a 48 horas), o que dizer de gêmeos univitelinos, em
que o zigoto se divide anormalmente após a fertilização? A alma, que já estava
lá, divide-se ao meio ou, providencialmente, já vem aos pares?
Seguindo a tendência de fugirmos do dogmatismo em procura de uma
decisão mais natural, deixemo-nos seduzir, ao menos por ora, pelo positivismo
natalista: o indivíduo é Sujeito de Direito quando do nascimento com vida,
tendo seus direitos assegurados durante a gestação por corresponder a um
sujeito em potencial. A questão aqui é definir “potencial”.
Quando falamos em potencial como sinônimo de “expectativa de
nascimento com vida”, estamos lidando com probabilidade. E há mais de uma
maneira de fazê-lo. Em termos de estatística, por exemplo, sabemos que a
taxa de aborto espontâneo na fase de pré-embrião chega a cerca de 70% dos
casos (quase três em quatro almas rumando ao purgatório “sem mais nem
menos”). Nesse caso, não faz sentido falar em “indivíduo em potencial” antes
da nidação porque a expectativa, na verdade, é de não-nascimento. No
entanto, é possível rejeitar essa interpretação, em princípio, argumentando pela
imponderabilidade da vida: por menor que sejam as chances [de nascimento
com vida], não devemos descartá-las. Como analogia, podemos citar as
cirurgias de alto risco: mesmo que a probabilidade de sobrevivência do
paciente seja mínima, é preferível arcar com os riscos a condená-lo a uma
morte certa. Pode ser, mas talvez estejamos embaralhando as idéias. Afinal,
mandar um soldado à guerra é também, nesses termos, uma condenação à
morte em potencial. Mas voltemos ao caso do aborto. Esse contraponto de
imponderabilidade à expectativa de não-nascimento é um argumento de
probabilidade às cegas: se há potencial de nascimento com vida, devemos
preservá-la, por menor que sejam as chances. O problema desse argumento é
que ele iguala a contracepção ao aborto. Regredindo, chegamos a um absurdo:
um casal fértil que copule gera um humano em potencial. Logo, as pessoas
deveriam fazer sexo o tempo todo! Recusar uma investida equivaleria a
condenar ao não-nascimento um indivíduo em potencial. Mesmo o adolescente
mais entusiasmado haveria de concordar com a inviabilidade de tal cenário.
Mas aí volta o juspositivista a fazer outro corte: “vamos combinar de regredir o
potencial apenas até a concepção”. E assim voltamos à estaca zero.
Vejamos a questão do potencial sobre outra perspectiva, ilustrada por
um exemplo prosaico, mas nem por isso ineficaz.
O que significa dizer que “Fulano tem potencial para ser presidente do
país”? Strictu sensu – raciocinando “às cegas”, como antes – nada.
Lembremos que Calígula nomeara senador um cavalo a que se afeiçoava e,
mais recentemente, o hipopótamo Cacareco fora o “candidato” a vereador mais
votado de São Paulo! Pensando a priori é possível que, num eventual golpe de
Estado ou circunstância do gênero, venha a apossar a cadeira presidencial um
sujeito ou coisa qualquer, talvez um asno ou um bule. Nos debates de primeiro
turno de nossa última eleição presidencial, vimos candidatos dirigirem
perguntas incisivas a uma pobre cadeira, mas isso não vem tanto ao caso. Meu
ponto é que, numa interpretação menos cretina, todos entendem que a
afirmação “Fulano tem potencial para ser presidente do país” denota a crença
do locutor de que Fulano apresenta um conjunto de atributos que se espera de
um Chefe de Estado – integridade, carisma, inteligência etc. Dizer que Fulano
apresenta esse potencial é identificar-lhe propriedades internas que, satisfeitas
as condições externas (ser candidato oficial e vencer as eleições), deflagra a
ação (tornar-se presidente).
Numa linguagem mais precisa, o potencial é característica intrínseca a
um ser que tem a propriedade de, em condições ambientais adequadas,
transformá-lo em outra coisa. Em Lógica, aliás, isso encerra uma armadilha,
que deixo aqui como provocação: destruir ou negar o Potencial X não equivale
a destruir ou negar X, porque X muda de uma coisa a outra.
Os conhecimentos atuais em fisiologia humana asseguram-nos que as
condições internas (o potencial) que permitem a um feto nascer com vida estão
todas presentes a partir da 25a semana de gestação. Daí até os nove meses,
portanto, podemos considerá-lo um indivíduo de Direito em potencial, pois, uma
vez satisfeitas as condições externas (nascimento com vida), tornar-se-á um
indivíduo atual. Para conferir uma margem de erro boa poderíamos, como bons
positivistas, regredir um pouco, e concluir pela legalidade do aborto até,
digamos, o quinto mês de gestação.
Mas essa constatação talvez não passe de mero malabarismo
lingüístico. Verifiquemos, primeiramente, sua consistência. Vemos que a
conclusão do argumento coincide com o critério eugênico de consciência,
aquele que considera o início da vida humana quando do desenvolvimento do
sistema nervoso central (SNC). Por favor, sentem-se. Bem sei que mencionar
eugenia em Bioética é algo como gritar “bomba” num vôo para Boston, mas
não pretendo causar tumulto nem ater-me a essa discussão. Fica para a
próxima. Passemos adiante.
É igualmente consistente com o critério fisiológico moderno, pois, com o
advento da possibilidade de realização de transplantes, os médicos adotaram o
critério de óbito como o de morte cerebral e, por simetria, o início da vida com o
surgimento do SNC.
Embora coincidentes, o critério médico é epistemologicamente fraco
porque, além de meramente pragmático, considera a morte como implicação
necessária à vida. No entanto, a morte é apenas contingente à vida, não um
imperativo da mesma. Isso, naturalmente, em se considerando a morte como
conseqüência do acúmulo de efeitos deletérios de genes letais e semi-letais
que só são ativados após o período reprodutivo, de modo que esses genes não
são jamais “filtrados” na evolução por seleção natural e, por essa mesma
razão, acumulam-se no “pool” gênico de cada espécie3.
O que fizemos, até aqui, foi interpretar logicamente o juspositivismo
natalista de modo a avaliar sua consistência com outros critérios e definir-lhe
uma restrição à regressão do potencial. Os demais critérios me parecem todos
arbitrários e, embora a conclusão seja compatível com os dois últimos
apresentados, os caminhos são diferentes. Ainda falta, portanto, consistência
natural.
Precisamos definir um conceito científico de vida. O desafio, aqui, é
delimitar, em linguagem científica, tudo que nos habituamos a chamar de “vivo”
e excluir o que, da mesma forma, julgamos “não-vivo”. Lanço mão, aqui, da 2a
Lei da Termodinâmica para apresentar uma definição física de vida que, no
entanto, não é novidade, tendo sido formulado originalmente pelo físico Erwin
Schröedinger4.
A Segunda Lei da Termodinâmica, ou Lei da Entropia, em seu
enunciado moderno, garante que, num sistema fechado, a entropia tende
sempre a aumentar (a entropia, S, é definida por S = Kln(n), onde K é a
constante de Boltzmann, ln é o logaritmo natural e n é o número de
configurações possíveis num sistema, é uma medida do grau de desordem de
um sistema. Se, por exemplo, um sistema apresenta e30 maneiras possíveis de
arranjar suas partículas, a entropia é trinta vezes K). Ou seja, um sistema
conservativo (que não interage com o ambiente, i.e., “não realiza trocas”) tende
sempre a aumentar sua desordem. Seres vivos são altamente organizados,
razão pela qual são chamados seres “anti-entrópicos”. Obviamente, porém – e
a despeito do que alguns “gênios” possam alegar – isso não viola a Lei da
Entropia, pois seres vivos são sistemas abertos, aqueles que interagem com o
meio externo. Mas não são sistemas abertos quaisquer (até porque sistemas
fechados rigorosamente não existem na prática). O que os torna tão distintos,
na verdade, é a dependência do meio externo. Estrelas, cristais e
nanomáquinas podem nascer, crescer, reproduzir-se, alimentar-se e morrer, de
certa forma, interagindo com o ambiente o tempo todo, mas essas coisas não
precisam disso. Uma estrela longínqua, que pudesse ser considerada isolada
de qualquer outra coisa, continuaria sendo uma estrela. Seres vivos, porém são
diferentes. Esses entes “anti-entrópicos” (sempre com aspas) só mantêm seu
grau de organização à custa de energia externa. Para obtê-la, executam
processos de captação, distribuição e transformação de energia a que damos o
nome de alimentação. A dependência do meio, portanto, é propriedade
intrínseca aos seres vivos, bem como a capacidade de alimentar-se. Se uma
ou mais dessas funções é extirpada, dizemos que o ser é “morto”. (Se, por
alguma razão, porém, um “demônio” teleportasse uma pessoa ao vácuo e, um
instante depois, trouxesse-a de volta, provavelmente veríamos que ela continua
viva – o que parece refutar a proposição – mas isso se dá porque geralmente
organismos apresentam reservas de energia estocadas em seu interior, fato
importante, porém apenas contingente).
Aplicando o conceito de ser “anti-entrópico” meio-dependente no
assunto em pauta, percebe-se facilmente que o processo de vida começa na
fase de nidação, em que começam as trocas do embrião com o ambiente, e
vida humana, quando de seu nascimento.
O embrião, a partir da nidação, é vivo. Não é muito diferente, entretanto,
de um rim, ou de qualquer outro conjunto de células do corpo da mãe, ainda
que mais complexo no estágio fetal (a partir dos três meses), pois o meio
externo do qual ele depende é o interior de outro ser vivo. Falamos em vida,
mas não em vida humana. A próxima etapa evolutiva no processo de vida é
transferir a dependência para o meio externo, pois é esta que caracteriza o
homem enquanto Indivíduo de Direito. As condições internas que viabilizam
essa nova relação se dão, como já dito, por volta de 25 semanas de gestação;
intervalo esse que podemos regredir para cerca de 20 semanas, conforme
discutido. Desse estágio até o momento do parto, portanto, podemos
considerar o feto um Potencial Sujeito. Convém notar, por fim, que esse
intervalo de 25 semanas diminui em razão de avanços tecnológicos na área
médica. No futuro dos úteros artificiais, ao que parece, não há lugar para o
aborto...

Referências Bibliográficas:

1 – SCHWARTSMAN, H. Clube do Aborto [on-line]. Disponível na internet:


http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u356058.sh
tml
[último acesso em outubro de 2008]

2 – SCHWARTSMAN, H. A Alma e o ser [on-line]. Disponível na internet:


http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u356073.sh
tml
[último acesso em outubro de 2008]

3 – DAWKINS, R. O Gene Egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia. Cap. 6


4 – GLEISER, M. Da Vida e das Estrelas. Disponível na internet:
http://marcelogleiser.blogspot.com/2005/03/da-vida-e-das-estrelas.html
[último acesso em outubro de 2008]

Thiago Favaretto Tazinafo, 27, é Bacharel em Psicologia pela Universidade de


São Paulo, onde também estudou Física Médica até o quarto ano. Participa de
pesquisas e grupos de discussão em Filosofia da Ciência, área em que foi
bolsista FAPESP. Paralelamente, leciona ciências exatas, inglês e xadrez em
escolas particulares.

email: thitazinafo@gmail.com"

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